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Carta ao cliente - Vilanova Artigas - Série Arquitetos Brasileiros, páginas 49, 51 e 52

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POR QUE CONTRATÁ-LO 
 
Esta carta do Arquiteto João Batista Vilanova Artigas ilustra de maneira clara a 
importância da contratação de um arquiteto. 
 
Carta ao cliente 
 
Confesso que não me assustei muito ao ler sua carta contando o resultado da 
conferência para autorização de um projeto para o São Lucas. Estas coisas acontecem 
sempre porque, por falta de costume, quem constrói, nem sempre avalia o plano de 
como deveria fazê-lo. Se eu insisto em aconselhá-lo mais uma vez para que consiga um 
arquiteto para dirigir os trabalhos de seu hospital, não é somente porque desejo muito 
trabalhar para um hospital modelo, mas porque, e principalmente porque, não posso 
crer que uma obra, da importância da sua, possa nascer sem estudo prévio. É vezo 
brasileiro fazer as coisas sem plano inicial perfeitamente elaborado; quando se pergunta 
sobre como ficarão estes e aqueles pormenores, a resposta é sempre a mesma: Ah! Isso 
depois, na hora, veremos. 
 
Assim fazem-se as casas, os prédios, as cidades; nesse empirismo vive a lavoura, a 
indústria e o próprio governo. O planejamento, mercadoria altamente valorizada em 
todo mundo para qualquer realização, não encontrará entre nós o ambiente propício 
enquanto nós moços não nos capacitarmos da sua necessidade imprescindível. Poderia 
continuar conversando com você sobre a grande vantagem de planejar com 
antecedência, até amanhã, sem esgotar todos os argumentos e provavelmente 
terminaria por dizer que é até demonstração de patriotismo e inteligência. Mas com isso 
não convenceríamos ninguém; talvez muito mais vantajoso seria confinar a discussão 
entre os limites das vantagens particulares, individuais de aplicar o método. Então 
vejamos. A pergunta é sempre a mesma; -"que vantagem poderíamos ter em gastar CR$ 
65.000,00 em um projeto somente? O projeto não é o prédio; muito pelo contrário, 
somente uma despesa a mais! Contratando a construção o projeto viria de graça, feito 
pelo próprio construtor e nós economizaríamos 5% sobre o valor do prédio. Com esses 
5%, no caso de querermos gastá-lo, até poderíamos melhorar algumas condições do 
edifício; enriquecer alguns materiais etc..." 
 
Garanto que os argumentos acima lhe foram expostos mais de uma vez. São os que 
sempre vejo empregados em ocasiões dessas e nunca mudam. São também os mais 
fáceis de rebater e os menos inteligentes. 
 
Senão vejamos: "...O projeto sempre custa alguma coisa. O construtor que o fizer terá, 
sem dúvida que empregar engenheiros e desenhistas para isso. Terá de empregar gente 
para calcular concreto, para calcular aquecimento, eletricidade, etc... O construtor 
cobrará essa despesa do proprietário através da comissão para a construção. Tanto isso 
é verdade que, se você apresentar aos construtores um projeto completamente pronto, 
ele cobrará percentagem menor para a construção porque dirá, "não terei despesas no 
escritório". Suponhamos que a taxa de honorários para a construção seja de 10 a 12%, 
inclusive o projeto. Se você der o projeto, encontrará quem lhe faça por 6 ou 8%. Daí 
você conclui que o projeto que você pagou ao arquiteto 5%, já representa nessa ocasião 
somente 1% ou 2% a mais do que o preço geralmente previsto. 
 
Mas eu desejo provar que o plano geral, feito com antecedência, é economia e não 
despesa. Então vamos continuar. Ninguém pode negar, nenhum construtor, nenhum 
cliente, que o projeto feito pelo técnico, contém em si uma previsão maior dos diversos 
detalhes do que o projeto rabiscado pelo construtor e verificado pelo proprietário. Faça 
uma experiência. Tome um plano que esteja em início de construção e pergunte a quem 
o dirige: por onde passam os canos de aquecimento? Por onde passam os canos de 
esgoto? O senhor vai fazer antes isso ou aquilo? Garanto que não sabem. 
 
Responderão: "provavelmente passarão por aqui ou ali, farei isto ou aquilo antes. Se na 
ocasião de executar um serviço, verificar-se um contratempo qualquer, um cano que 
não pode passar porque tem uma porta, um esgoto vai ficar aparecendo no andar de 
baixo; o construtor resolve em função do problema, no momento. Ele dá voltas com o 
cano ou faz um forro falso para esconder o esgoto que iria aparecer em baixo. 
Entretanto se isso tivesse sido previsto, não precisaria de forro falso ou qualquer outra 
coisa. No papel, teria sido procurada e encontrada a solução mais econômica, para o 
caso, a mais bonita. 
 
Consulte um construtor experimentado ou alguém que já tenha construído e todos 
serão unânimes em contar-lhe pequenas calamidades que apareceram. Eu já ouvi 
diversas vezes, por exemplo: "Quando colocamos as fundações no terreno nós vimos 
que o quarto ficaria enterrado. Então levantamos as fundações mais cinqüenta 
centímetros para dar certo. Por isso deu uma escada na entrada e ficou com um porão, 
etc... Se você calcular quanto mais caro ficou a imprevisão, você verá a vantagem de ter 
um projeto estudado. O arquiteto teria dado uma disposição diferente nos cômodos de 
maneira que o tal quarto não ficasse enterrado, sem ter que aumentar as fundações e 
assim economizaria o dinheiro com o qual se faria pagar. 
 
Se o proprietário não ganhasse nada, ainda teria para si uma solução melhor e um 
motivo para valorizar seu imóvel. O construtor por exemplo não projetaria as instalações 
elétricas. Ele chamaria um instalador "prático" e o homem disporia a coisa à sua 
vontade. Usaria os canos que ele quisesse e os fios que achasse melhores. Bem curioso, 
não é ? Poucos entendem disso e ninguém iria fiscalizar o homem. Acontece, porém que 
os fios, quando são fios demais em relação à corrente que transportam, dão muitas 
perdas, e essas se traduzem em despesa mensal maior de energia para você durante os 
50 ou 100 anos de funcionamento do hospital; assim você pagaria 100 vezes um bom 
projeto de distribuição de eletricidade. Estou apenas repetindo casos cotidianos. 
 
Do funcionamento do hospital ainda mais, o construtor provavelmente não entende e 
nem terá tempo suficiente para estudar. Ele não é especializado em hospitais porque 
isto é Brasil e depois não estudam porque não é o seu métier. Ora, assim sendo, ele vai 
confiar em você. Você conhece hospitais já feitos e em funcionamento, como hospitais, 
não como construções. Os seus preconceitos, a respeito, o construtor repetirá com o 
dinheiro de seu bolso. As soluções que, para alguns casos que você viu, são soluções 
econômicas poderão constituir soluções caríssimas, no seu caso. Rematando, sua casa 
de saúde não teria o melhor aspecto porque faltou um artista. 
 
Arquitetura, é construção e arte. Arte. Arte não tem livro de regulamento que ensine. 
Nasce dentro de cada um e desenvolve-se como conjunto de experiências. Procure um 
homem que possa das à sua casa de saúde, além das características de um hospital 
eficiente pelo perfeito planejamento das diversas sessões, um valor artístico 
indiscutível. 
 
O valor artístico é um valor perene, enorme, inestimável. É um valor sem preço e sem 
desgaste. Pelo contrário, aumenta com os anos à proporção que os homens se educam 
para reconhecê-lo. O valor artístico subsiste até nas ruínas. Os anos correm e desgastam 
o material, enquanto valorizam o espiritual. 
 
Com a consciência limpa termino minha proposta. Está em suas mãos a responsabilidade 
de decidir entre os caminhos. De um lado eu me coloco, não só, mas como 
representante dos arquitetos brasileiros, defendendo a economia, a ordem e acima de 
tudo, o futuro. De outro lado, o empirismo, a reação, a imprevisão. 
 
Qualquer solução que você venha a dar não mudará as relações entre nós, nem sua 
opinião futura sobre o que acabo de escrever. Se o prédio for bom, bem projetado, bem 
planejado, por um bom arquiteto, você gostará, todos gostarão; se ele não prestar, se 
custar muito, se não funcionar, ser for feio ou sem personalidade, sem valor artístico, 
sem plano nenhum, o resultado será o mesmo. Em todosos dois casos você adquirirá 
experiência e acabará por trabalhar sempre do meu lado e com os meus argumentos. 
Nós venceremos sempre como eu queria demonstrar. 
 
Pague pois o que eu pedi. É pouco em relação às vantagens futuras. Ou não pague, e as 
vantagens serão as mesmas, para a sociedade evidentemente, não para você. 
Com um abraço afetuoso do amigo certo, 
Vilanova Artigas 
São Paulo, julho de 1945 
Carta retirada do livro Vilanova Artigas Série Arquitetos Brasileiros, paginas 49, 51 e 52