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3 o SOLO INTRODUÇÃO o termo solo refere-se aqui à camada externa e agricultável da superfície terrestre. Sua origem é a rocha que, por ação de processos físicos, quí- micos e biológicos de desintegração, decom- posição e recombinação, se transformou, no decorrer das eras geológicas, em material poroso de características peculiares. Reconhecem -se cinco fatores na formação do solo: material original (rocha) M; tempo (idade) l; clima C; topografia T; e organismos vivos O. Utilizando a linguagem matemática pode-se dizer que: Solo = f(M, I, C, T, O) (3.1) Da combinação dos quatro últimos fatores atuando em diferentes intensidades sobre o mes- mo material original M, podem resultar diferentes tipos de solo. Fazendo um corte vertical no perfil de solo, obtém-se uma seção constituída de uma série de camadas superpostas, denominadas horizontes do solo. O conjunto recebe o nome de perfil do solo. Um solo completo é formado de quatro horizontes - A, B, C e D -, que podem ainda ser subdivididos. O horizonte A é a camada super- ficial do solo, exposta diretamente à atmosfera. É conhecido como horizonte de eluviação, hori- zonte que perde elementos químicos por lavagens sucessivas com a água da chuva. Subdivide-se em Aoo (camadas superficiais em solos de florestas com grande quantidade de material orgânico não decomposto: galhos, folhas e frutos); Ao (situa-se abaixo do Aoo, constituído de material orgânico decomposto, isto é, humificado); AI (já é hori- zonte mineral, mas com alta porcentagem de matéria orgânica hurnificada que lhe confere cor escura); A2 (é o típico horizonte A, de cor mais clara, e corresponde à zona de máxima perda de elementos minerais, isto é, eluviação) e A3 (horizonte de transição entre A e B, com carac- terísticas de ambos). O horizonte B é conhecido como horizonte de iluviação, isto é, horizonte que ganha elementos químicos provenientes do horizonte A, situado imediatamente acima dele. Subdivide-se em B, (transição entre A e B, mas possui mais características de B); B2 (formado pela zona de máxima iluviação, ou seja, acúmulos de materiais lixiviados de A, compostos, sobretudo, 18 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA de Fe, AI e Ca) e B3 (transição entre B e C). O horizonte C é formado pelo material que deu origem ao solo, em estado de decomposição, e o horizonte D, pela rocha matriz. As espessuras dos horizontes são variáveis e a falta de alguns hori- zontes em determinados solos é bastante comum. Tudo isso depende da intensidade da ação dos fatores de formação I, C, T e O sobre M. A parte sólida do solo constitui-se de matéria mineral e orgânica. A mineral provém da rocha na qual o solo se formou e se chama primária quando possui a mesma estrutura e composição dos minerais que constituem a rocha. Chama-se secundária quando a matéria é nova, de com- posição e estruturas diferentes, constituída duran- te o processo de formação do solo. Matérias primárias são fragmentos de rocha ou de mine- rais, como o quartzo e o feldspato. Matérias secundárias são, p.ex., argilas montmoriloníticas e caoliníticas, carbonato de cálcio. A parte líquida do solo constitui-se de uma solução de sais minerais e componentes orgâ- nicos, cuja concentração varia de solo para solo e, certamente, com seu teor de água. A parte gasosa é constituída de ar com com- . posição um pouco alterada em relação ao ar que circula sobre o solo, variando ainda segundo um grande número de fatores. Em geral, a quantidade de O2 é reduzida em comparação com o ar sobre o solo e a quantidade de CO2 é maior, conse- qüência das atividades biológicas que ocorrem no solo. Sua umidade relativa em condições naturais é quase sempre saturada ou muito próxima à saturação. /AOO MO não decomposta Ao MO humificada ---.A1 hor. mineral com MO A ---.A2 hor. de perdas ---.A3 hor. de transição ---.B1 hor. de transição B ---.B2 hor. de iluviação hor. de transição c D Figura 3.1. Perfil completo do solo. rocha em decomposição FRAÇÃO SÓLIDA DO SOLO As partículas sólidas do solo variam enorme- mente de qualidade e de tamanho. Quanto ao tamanho, algumas são grandes o suficiente para serem vistas a olho nu, ao passo que outras são tão diminutas que apresentam propriedades coloidais. O termo textura refere-se à distribuição das partículas do solo tão-somente quanto ao seu tamanho. Cada solo recebe uma designação referente à sua textura, designação essa que nos dá uma idéia do tamanho das partículas consti- tuintes mais freqüentes. Tradicionalmente, as partículas do solo são divididas em três frações de tamanho, chamadas frações texturais: areia, silte e argila. Ainda não há um acordo nas definições dessas classes. Na Figura 3.2. são mostrados os dois esquemas de classificação mais utilizados. Feita a análise mecânica ou textural de um solo, isto é, determinadas as quantidades relativas das três frações - areia, silte e argila - o solo recebe uma designação, sendo encaixado em deter- minada classe textural. Assim, solos com dife- o SOLO I 19 rentes proporções de areia, silte e argila recebem diferentes designações. A determinação da distribuição dos tamanhos das partículas do solo é conhecida como análise mecânica do solo. A separação das frações em geral é feita por peneiramento do solo seco ao ar, com uma seqüência de peneiras, até um diâmetro de partículas de cerca de 0,05 mm. A fim de separar as partículas de diâmetro menor, utiliza-se, em geral, o método da sedimentação, que consiste em dispersar uma amostra de solo em suspensão aquosa emedir asvelocidades de decantação (ou sedimen- tação) das partículas de diferentes tamanhos. Uma partícula em queda livre no vácuo não encontra resistência ao movimento e, por isso, aumenta sua velocidade ao longo de sua trajetória em movimento retilíneo acelerado, de aceleração g. Já uma partícula esférica em queda dentro de um fluido encontra resistência (fricção) proporcional a seu raio r, velocidade v e viscosidade do fluido 11. Pela lei de Stokes (1851), a força de fricção fr é dada por: fr=6nvr11 (3.2) Areia A Calhaus Cascalho I Silte ArgilaGrossa Fina B I Cascalho ~ Silte I ArgilaMG G M F MF I I I I I I I I I I I I 200 75 20 2 1 0,5 0,2 0,1 0,05 0,02 0,002 0,001 Tamanho de partículas em milímetros Figura 3.2. Duas classificações texturais do solo: (A) Atterberg e (B) americana (Estados Unidos, 1951). MG: Muito Grossa; G: Grossa; M: Média; F: Fina; e MF: Muito Fina. 20 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA Devido a essa resistência, depois de algum tempo a partícula atinge velocidade constante de queda, isto é, sem aceleração. Nessas condições, o somatório de todas as forças que atuam sobre a partícula deve ser nulo (v = constante ou acele- ração = O).Além da força de fricção, dirigida de baixo para cima, a partícula está sujeita a uma força de empuxo fe (Arquimedes) também dirigida de baixo para cima, a qual é dada pelo peso do volume do fluido deslocado que, para uma esfera de raio r, é: (3.3) em que p, é a densidade do fluido, g a aceleração da gravidade, e 4 1t r3/3 o volume da partícula. A última força que atua sobre a partícula é seu peso fp' dirigida de cima para baixo e dada pelo produto de sua massa pela aceleração da gravidade. Como a massa é igual ao volume multiplicado pela densidade, temos: (3.4) em que Pg é a densidade da partícula. Fazendo o balanço das forças, obtém-se: donde: sendo d = 2r, o diâmetro da partícula, pois du- rante a análise mecânica a separação é feita por diâmetro. Assumindo que a velocidade de equilíbrio é atingida quase instantaneamente, o que nesse caso é verdadeiro, pode-se calcular o tempo ne- cessário para uma partícula de diâmetro d = 2r percorrer em queda uma altura h, pois veloci- dade é espaço percorrido por unidade de tempo (v = h/t): 18 h 11t= ------'---- d'g (p, - Pr) (3.6) Considerando as partículasesféricas do solo, de densidade uniforme, que elas decantem indi- vidualmente, que o fluxo do fluido ao redor delas é laminar e que as partículas são grandes o sufi- ciente para não serem afetadas pelos movimentos térmicos das moléculas do fluido, a lei de Stokes, representada por (3.5) ou (3.6) pode ser empre- gada na determinação da distribuição das partí- culas do solo. Para tanto, toma-se massa (0,05 a 0,1 kg) de solo (passado por peneira de 2 mm), disperso em 1 litro de água, em um cilindro de laboratório. Vários dispersantes são utilizados, necessários para manter as partículas de solo separadas (não aglutinadas, isto é, dispersas), como a soda e o Calgon. Desejando saber a quanti- dade de material que possui diâmetro d menor que um dado valor escolhido, espera-se que a solução dispersa decante por um tempo t (calculado pela equação 3.6), de forma que uma altura h (a partir da superfície) fique livre de partículas de diâmetro maior que d. Isso acontece porque a velocidade de queda é proporcional à massa. Em geral a altura h é escolhida como 0,10 m, altura suficiente para que um densímetro seja introduzido (entre °e h), sen- do assim determinada a densidade da suspensão. Exemplo 1: Quanto tempo deve-se esperar para que a camada superior de 10 cm de espessura de uma suspensão dispersa de solo fique livre de: a) areia e b) areia e silte? Considerar as proprie- dades da solução iguais às da água a 20°C. Considerar a densidade das partículas de solo igual a 2,65 g . cm'. a) 18 x 10 x 0,01ta= ------.---.:---- (0,002)2 X 980 X (2,65 - 1,0) = 278,3s = 4,64 min isto é, depois de 4,64 minutos os primeiros 0,10 m da suspensão não têm mais areia, apenas silte e argila. b) 18 X 10 x 0,014=-------~--- (0,0002)2 X 980 X (2,65 - 1,0) = 27.829 s = 7,73 h isto é, depois de 7,73 h nos primeiros 0,10 m só há argila. Exemplo 2: Na solução do exemplo anterior, me- diu-se a concentração de sólidos suspensos (na 70 60 .- Porcentagem de areia 90 80 o SOLO I 21 camada superior de 0,10 m) por meio de um densímetro e obteve-se C, = 30 g/l e C, = 18 g/l, nos instantes ta e tb, respectivamente. Qual a clas- se textural do solo, sabendo-se que 50 g de solo foram dispersas em 1 litro de água? Solução: a concentração inicial C, é 50 g/l e esta inclui areia, silte e argila. C, inclui silte e argila e C, apenas argila. Dessa forma: areIa = c C 50-30o - a X 100 = X 100 = 40% Co 50 '1 Ca - C, 30 - 18SIte = X 100 = X 100 = 24%c, 50 '1 c, 18argI a = - X 100 = - X 100 = 36%c, 50 \ \ 50 40 30 20 10 o Figura 3.3. Triângulo de classificação textural (Lemos & Santos, 1996). 22 I SOLO, PLANTA EATMOSFERA De acordo com o clássico triângulo de classi- ficação textural (Moniz, 1972; Lemos & Santos, 1996), o solo desse exemplo pertence à classe textural: franco argiloso. Os resultados obtidos na análise mecânica de um solo são, em geral, apresentados como um quadro ou um gráfico (porcentagem de partículas com diâmetro menor que d em função do logaritmo do diâmetro), como pode ser visto na Figura 3.4. Mais detalhes sobre a análise mecânica de solos podem ser vistos em Klute (1986). Em 1992, Vaz et aI. publicaram um novo mé- todo para análise mecânica de solos, muito pro- missor, que mede as concentrações C pela atenuação de radiações gama por uma suspen- são solo-água, método esse que foi melhorado por Oliveira et aI. (1997). O recipiente para sedimen- tação é prismático, sendo constante a espessura (x) atravessada pelo feixe de radiações gama (ver o princípio da atenuação gama no Capítulo 6) e as concentrações C de partículas em suspensão podem ser estimadas em qualquer tempo t e pro- fundidade h, pela equação: 10O 80 l:l /\ argilosoVl 60~ ::::l ,~.•..... L.. 40<tic, ~o 20 ° (3.7) em que 10 e 1 são as intensidades incidente e emer- gente no recipiente, IIpe u, os coeficientes de ate- nuação das partículas e da água, d, e da as densidades da água e das partículas. O método tornou-se muito mais rápido pelo fato dos auto- . res terem reconhecido que na equação 3.6 a rela- ção t/h é constante, o que significa que existem infinitas combinações de t e h, nas quais o volu- me de água acima de h está livre de partículas de diâmetro maior que d. Abandonaram a profundi- dade tradicional h = 0,10 m e fizeram o feixe de radiações incidir em h variável, iniciando pela parte mais profunda do frasco sedimentador. Assim foi possível medir as partículas grossas (areias) com mais discriminação e, ao chegar próximo à superficie do líquido (h = 1 em), puderam medir a argila em um tempo muito menor (da ordem de 20 min.). Como resultado, o método foi automatizado em aparelho patenteado pelo CNPDIA/Embrapa, São Carlos, SP. argila --------.~I·..-------.~I.-..-----~~I 0,02 silte 0,2 areia 2,0 In diâmetro Figura 3.4. Distribuição das partículas em três solos típicos. o termo estrutura é usado para descrever o solo no que se refere a arranjo, orientação e orga- nização das partículas sólidas. A estrutura define também a geometria dos espaços porosos. Como o arranjo das partículas do solo em geral é muito complexo para permitir qualquer caracterização geométrica simples, não há meio prático de me- dir a estrutura de um solo. Por isso, o conceito de estrutura do solo é qualitativo. A junção de partí- culas do solo dá origem a agregados, os quais são classificados segundo a forma (prismáticos, la- minares, colunares, granulares e em bloco) e o tamanho do agregado (de acordo com seu diâ- metro). Também tem sido dada importância ao grau de desenvolvimento e estabilidade de agre- gados. Um solo bem agregado (ou estrutura do ) apresenta boa quantidade de poros de tamanho relativamente grande. Dizemos que possui alta macroporosidade, qualidade que afeta a penetra- ção das raízes, circulação de ar (aeração), manejo do ponto de vista agrícola (operações de cultivo) e a infiltração de água. Qualitativamente, separaremos a fração sóli- da do solo em quatro subfrações: matéria pri- o SOLO I 23 mária, óxidos e sais, matéria orgânica e matéria secundária. No Quadro 3.1 faz-se descrição qualitativa das espécies de materiais primários existentes no solo. Como se pode verificar, os elementos nutrientes às plantas Ca, Mg, K e Fe são abundantes nos materiais primários. O fósforo P já é menos fre- qüente e notável é a ausência dos macronutrientes N e S e dos micronutrientes Cu, Zn, Co, Mo e B. Óxidos, carbonatos e sulfatos podem conter elementos nutrientes, como Ca, Mg, S e Fe. En- tretanto, os carbonatos, quando presentes, são, provavelmente, mais importantes como tampões para pH. Os óxidos de ferro são importantes como agentes de cimentação (formação de agregados) entre partículas. No Quadro 3.2. apresenta-se a composição dos principais óxidos encontrados em solos de climas diversos. Os óxidos e hidróxidos de Fe e AI existem em mui- tos solos, tanto na forma cristalina como na forma amorfa. Dependendo do pH externo e da concen- tração salina da solução do solo, eles dissociam grupos H+ ou OH·, tornando-se eletricamente carregados, podendo adsorver cátions e ânions em Quadro 3.1. Composição química aproximada dos principais materiais primários do solo. Mineral Si 04 AI203 Fe203 Ca ° MgO K2 ° P2 Os Quartzo 100 Ortoclase 64 19 1,5 12 Albita 65 23 4,5 2 Anortita 42 33 15 1 Muscovita 45 35,5 1 1,5 9,5 Biotita 34,5 21 10 1 11 7,5 Hornblenda 48 9,5 3 7,5 14 1 Angita 50 6,5 3 21 l3 Olivina 39 1,5 40 Apatita 54,5 41 Magnetita 69 24 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA Quadro 3.2. Composição de solos minerais de zonas tropical e temperada. Óxidos Solo tropical Solo temperado Si 04 3 - 30 60 - 95 AI203 10 -40 2 - 20 Fe203 10- 70 0,5 -10 Ca ° 0,05 - 0,5 0,3 - 2 MgO 0,1 - 3 0,05 -1 K2 ° 0,01 - 1 0,1 - 2 P2 Os 0,01 -1,5 0,03 - 0,3 pontos de carga negativa e positiva, respectiva- mente, contribuindoassim para a capacidade de troca iônica que será estudada em detalhe no Capítulo 8. Amatéria orgânica é fonte de N, S e P às plan- tas. Seu conteúdo, na maioria dos solos, varia en- tre 1 a 10%. A matéria orgânica também possui grande superfície específica que é reativa em vir- tude da dissociação de grupos COOH, OH eNH2, produzindo ainda complexos com Fe,Mn, Ca, Mg e outros. A matéria orgânica (MO) do solo é a parte da fração sólida constituída de compostos orgânicos de origem vegetal ou animal, em seus mais variados graus de transformação. O estágio mais avançado de transformação é denominado húmus, formado pela ação de microrganismos, cujas características típicas são: estado coloidal, cor escura e alta estabilidade no solo. A composição da MO crua é muito variável, sendo comum seu agrupamento em dez cate- gorias, relacionadas à facilidade de transformação: 1. carboidratos: açúcares, amido, celulose e hemicelulose; 2. ligninas; 3. taninos; 4. glicosídios; 5. ácidos, sais e ésteres orgânicos; 6. gorduras, óleos e ceras; 7. resmas; 8. compostos nitrogenados: proteínas, amino- ácidos etc.; 9. pigmentos: clorofila, xantofila etc; e 10. constituintes minerais: sais,ácidos,bases etc. Sua decomposição é feita por grande número de microrganismos nativos do solo e segue a reação: enzimas Cmg + O2 ------~) CO2 + H20 + energiamicrorganismos que é, em essência, o inverso da fotossíntese (ver Capítulo 4). Característica importante da MO é sua rela- ção C/N, que varia muito de acordo com sua ori- gem. Resíduos de leguminosas são mais protéicos (fixam N2 atmosférico por simbiose) e têm baixa relação C/N, isto é, entre 20/1 e 50/1. Já palhas de cereais têm valores entre 50/1 e 200/1 e madeiras 500/1 e 1000/1. O interessante é que, qualquer que seja a relação C/N do resíduo, sua transformação no solo leva a um abaixamento exponencial da relação, chegando a valores da ordem de 10/1 a 12/1, típicos do húmus. O tempo de transfor- mação é variável para cada tipo de resíduo. De acordo com essa reação, os microrganismos ti- ram a energia do carbono e utilizam o nitrogênio em seu metabolismo. Este último também é libe- rado por processos de mineralização, chegando à solução do solo na forma de N03', A relação C/N ideal para a decomposição é 30/1; os microrga- nismos consomem no mínimo dois terços da matéria orgânica para obter energia e fixam um terço em seus tecidos. Por exemplo, um resíduo de C/N = 30/1: < lOkgC+ 1kgN:=:} húmus 10/1 31 kg resíduo 20kgC:=:}C02 Essa relação 30/1 é a de máximo aproveita- mento de C e N do resíduo. Qualquer outra relação, tanto maior como menor, acarretará perdas excessivas de C ou N. Por exemplo, uma relação C/N = 100/1, alta: 10kg C + 1kgN :=:}húmus 10/1 101 kg resíduo< 90kgC:=:}C02 Pode-se notar que, neste caso, 9/10 de C são perdidos, a quantidade de húmus produzida é menor e o tempo de decomposição é maior pelo fato de o N ter-se tornado fator limitante. Seja, agora, uma relação C/N = 15/1 baixa, que caracteriza um excesso de N, cuja sobra é eliminada pelos microrganismos na forma de NH3'. Para comparar esse caso com o da relação 30/1, façamos a conversão de 15/1 para 30/2: lOkgC+ 1kgN:=:} húmus 10/1 32 kg resíduo~20kgC :=:}CO2 1kg C :=:} NH3 Estercos animais têm relações C/N baixas e, por isso, é recomendável misturá -los com a pa- o SOLO I 25 lha da cana. Pelo que vimos, a decomposição de MO leva à produção de: 1) energia; 2) produtos simples (C02, H20, sais minerais contendo, so- bretudo, N e P); e 3) húmus, constituído de nu- merosos compostos de elevado peso molecular (2000 a 4000). Sua presença no solo aumenta a CTC (por causa do grande número de radicais livres presentes em sua estrutura), aumenta a dis-; ponibilidade de nutrientes, aumenta o poder tam- pão, tende a aumentar o pH de solos ácidos e diminui a toxicidade de AI às plantas. Mais deta- lhes sobre a MO podem ser encontrados em Malavolta (1976). O solo possui poros de variadas formas e dimensões, que condicionam um comporta- mento peculiar a cada solo. A fração do solo que mais decisivamente determina seu comporta- mento físico é a fração argila, que é matéria secundária. Ela possui a maior área específica (área por unidade de massa) e, por isso, é a fração mais ativa em processos físico-químicos que ocorrem no solo. Partículas de argila absorvem água e são responsáveis pelos processos de expansão e contração quando um solo absorve ou perde água. A maioria delas é carregada negativamente e, por isso, forma uma "camada eletrostática dupla" ou "dupla camada iônica" (electrostatic double layer) com íons da solução do solo e mesmo com moléculas de água que são dipolos. A areia e o silte têm áreas específicas relativamente pequenas e, em conseqüência, não mostram grande atividade físico-química. Eles são importantes na macroporosidade do solo onde predominam fenômenos capilares, quando o solo se acha próximo à saturação. Junto com a argila, o silte e a areia formam a matriz sólida do solo. A argila, constituída de partículas de diâme- tro menor que 2!-lm(lO'6m), compreende grande grupo de minerais, alguns dos quais são amorfos, mas boa parte deles é constituída de microcristais de tamanho coloidal e estrutura definida. Entre 26 1_ SOLO, PLANTAEATMOSFERA esses cristais, ou minerais de argila, destacam-se os aluminosilicatos. Basicamente, estes se constituem de duas uni- dades estruturais: um tetraedro de átomos de oxigênio envolvendo um átomo de silício (Si+4) e um octaedro de átomos de oxigênio (ou grupo hidroxílico OR) envolvendo um átomo de alu- mínio (Al+3).Os tetraedros e octaedros são uni- dos pelos seus vértices por meio de átomos de oxigênio que são compartilhados. Por esse moti- vo formam -se camadas de tetraedros e octaedros, que podem ser vistos em corte na Figura 3.5. Há dois tipos principais de aluminosilicatos, depen- dendo da relação entre camadas de tetraedros e e octaedros. Em minerais 1:1, como caulinita, uma camada de octaedros compartilha oxigênios de uma camada de tetraedros. Em minerais 2: 1, como a montmorilonita, uma camada de octaedros compartilha oxigênios de duas camadas de tetraedros. Essas estruturas descritas, também deno- minadas micelas, são ideais e eletricamente neutras. Na natureza, porém, ocorrem substi- tuições de átomos (substituições isomórficas ou isomorfas) durante sua formação que produzem um não balanceamento de cargas. Assim, é co- mum a substituição de Si+4por Al+3nos tetraedros e a substituição de Al+3por Mg+2e/ou Fe+2nos cátions trocáveis hidratados o Oxigênio • Silício @ Hidroxila • Alumínio • Cálcio .a Água 2(OH) 4(OH) [Si20S(+ AliOH)6 4[AI2SiPs(OH)l 2[Si20S(+ AI2(OH)64 [AI2Si4010(OH)2]O célula dimórfica: caulina célula trimórfica: pirofilita Figura 3.5. Aluminosilicatos da fração argila: a. tetraedro de sílica; b. camada de tetraedros; c. octaedro; d. camada de octaedros; e. estrutura do grupo caulinita; f. estrutura do grupo montmorilonita. octaedros. Isso acontece porque, quanto ao tama- nho, esses átomos podem perfeitamente substi- tuir uns aos outros na rede cristalina e, como resultado, cargas negativas de oxigênio permane- cem não balanceadas, tornando as micelas em superfícies eletricamente carregadas. Outra fonte de carga não balanceada nos mi- nerais de argila é a neutralização incompleta dos átomos nas extremidades das redes cristalinas e de materiais orgânicos. As cargas das argilas são neutralizadas externamente pela solução aquosa do solo, isto é, íons trocáveis (Ca2+, H'", Mg2+, H2P041-, N031-, POl, ...) ou mesmo dipolos de água. Esses íons também penetram entre as micelas justapostas, a fim de neutralizar as cargas originadas pela substituição isomórfica. Um caso típico é o potássio, elemento essencial às plantas, que, ao penetrar entre as lâminas de alguns aluminosilicatos, setorna praticamente indis- ponível. Esses íons adsorvidos eletricamente não fazem parte da estrutura cristalina e podem ser "trocados" ou substituídos por outros. Esse fenô- meno de substituição é denominado troca iônica e é um fenômeno de vital importância em físico- química de solos, pois afeta a retenção ou a libe- ração dos nutrientes às plantas, dos sais minerais e dos processos de floculação e dispersão dos colóides do solo. A carga das micelas de argila apresenta-se, em geral, como densidade superficial de carga (número líquido de posições de troca por unidade de área de micela), mas a caracterização de um solo pela capacidade de troca iônica (CTI) é mais comum. A capacidade de troca será estudada em detalhe no Capítulo 8. Esta é dada normalmente em centimoles de carga por decímetro cúbico de solo (cmolc• dm"). Assim, um solo com capaci- dade de troca catiônica CTC de 15 cmolc• dm' tem a capacidade de reter 15 cmol de qualquer cátion em cada 1 dm" de solo. A CTI depende de uma série de fatores, distinguindo-se entre eles o o SOLO I 27 pH da solução do solo. Para o caso dos cátions, amostras de montmorilonita pura em pH = 6 têm capacidade de troca catiônica CTC ao redor de 100 cmolc• dm', ao passo que caulinita tem CTC de apenas 4 a 9 cmolc• dm'. Essas diferenças são devidas, sobretudo, a diferenças na densidade superficial de carga e superfície específica, esta definida como a superfície total das partículas sólidas por unidade de massa do solo. Normal- mente é dada em m2. g'. Montmorilonita e caulinita puras apresentam, aproximada e respec- tivamente, 800 e 100 m2. g'. A título de compa- ração, a superfície específica da areia não é maior que 1 m2• g'. A matéria orgânica também contribui de maneira sensível para a capacidade de troca iônica. A CTC do ácido húmico varia de 250 a 400 cmolc• dm', isto é, três vezes maior que a montmorilonita, dependendo muito do pH. A matéria orgânica exerce também grande influência na estrutura de um solo. É oportuno citar, nesse sentido, o trabalho de Marcos (1971), que consta de minucioso estudo das propriedades físicas e morfológicas de quatro solos de importância agrícola no estado de São Paulo. Nele, o autor apresenta dados de distri- buição de partículas, características químicas, porosidade, características de agregados, cons- tantes de Atterberg e mineralogia da argila de amostras de solo das séries Iracema, Luiz de Queiroz, Guamium e Tanquinho (Ranzani et al., 1967). Algumas relações massa-volume têm sido usadas para descrever as três frações do solo: sólida, líquida e gasosa e suas inter-relações. Se tomarmos uma amostra de solo [suficiente- mente grande para conter as três frações e que represente certa porção do perfil (ver Figura 3.6), digamos, um torrão de 0,100 a 0,500 kg, p.ex.,], poderemos discriminar as massas e os volumes de cada fração: 28 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA Figura 3.6. Amostra de solo indicando as frações. em que mT é a massa total da amostra; m, é a massa das partículas sólidas; m, é a massa da so- lução do solo, que, por ser diluída, é tomada como massa de água; mg é a massa de gás, isto é, ar do solo, que é uma massa desprezível em relação a m, e m. VT é o volume total da amostra; V, é o volume ocupado pelas partículas sólidas; VI' pela água e Vg é o volume dos gases (não desprezível como no caso de sua massa). As seguintes definições relacionadas à fração sólida são importantes: 1) Densidade das partículas (que também foi chamada densidade real): (3.10) 2) Densidade do solo (que também foi cha- mada densidade aparente ou densidade global do solo) d = m, (k -3)s - g·mVT (3.11) m" V, (sólidos) rn, VI (líquidos) poros ou vazios: Vv = VI + Vg Fisicamente essas definições deveriam ser cha- madas de massas específicas, mas como entre os agrônomos é comum o uso de densidade, esta será mantida no texto. Se tivermos um torrão de solo com m, = 0,335 kg, V, = 0,000126 m" e VT = 0,000255 m", teremos: d = 0,335 = 2658,7 kg· m -3p 0,000126 d = 0,335 = 1313,7 kg· m -)s 0,000225 A densidade das partículas depende da cons- tituição do solo e, como esta varia relativamente pouco de solo para solo, ela não varia de modo excessivo entre diferentes solos. A densidade das partículas aproxima-se da das rochas. O quartzo tem d, = 2650 kg . m? e como é um componente freqüente nos solos, a densidade das partículas oscila em torno desse valor. A média para uma grande variedade de solos é 2.700 kg . m'. Se a constituição do solo for muito diferente, como é o caso de solos turfosos (com muita matéria or- gânica), seu valor pode ser mais baixo. Alguns exemplos são: Argissolos, fração arenosa: d, = 2.650 kg . m" Nitossolos: d, = 2.710 kg. m" A determinação da densidade das partículas é feita pela pesagem do solo seco (rn.), isto é, após peso constante em estufa a 105°C (cerca de 24 a 48 h) e pela medida do volume V" obtida pela variação de volume registrada quando m, é imerso em um líquido. Por exemplo, 458 g de solo seco (rn.) são jogados em uma proveta contendo 200 em" de água. O volume final é 369 em". Logica- mente, V, = 369 - 200 = 169 em" e, portanto, d, = 458/169 = 2,710 g. cm' (= 2.710 kg. m"), Nessa metodologia são usados frascos especiais, chamados picnômetros, que permitem deter- minação precisa de volumes. Um cuidado especial, que deve ser tomado, é evitar bolhas de ar em agregados ou microporos, que levam a erro na medida. Por isso, muitas vezes utiliza-se álcool ou água sob vácuo para a retirada do ar dissolvido. A densidade do solo, por ter no seu deno- minador o volume total da amostra VTo varia de acordo com o VT' Ao se compactar (comprimir) uma amostra, m, permanece constante e VT di- minui, por conseguinte d, aumenta. A densidade do solo é, portanto, um índice do grau de compactação de um solo. Para solos de textura grossa, mais arenosos, as possibilidades de arran- jo das partículas não são muito grandes e, por isso, os níveis de compactação também não são gran- des. Pelo fato de possuírem partículas maiores, o espaço poroso também é constituído, sobretudo, de poros maiores denominados, de modo arbi- trário, macroporos; de forma aparentemente pa- radoxal, nesses solos, o volume total de poros é pequeno. As densidades de solos arenosos osci- o SOLO I 29 Iam entre 1.400 a 1.800 kg. m'. Para um mesmo solo arenoso, esse intervalo de variação, em dife- rentes níveis de compactação, é bem menor. Para solos de textura fina, mais argilosos, as possibilidades de arranjo das partículas são bem maiores. Seu espaço poroso é constituído, essencialmente, de microporos e o volume de poros Vv é grande, razão pela qual apresentam intervalo pouco maior de densidade do solo (900 a 1.600 kg . m'). Diretamente ligada à definição de densidade, está a porosidade, uma medida do espaço poro- so do solo. A porosidade total a, também deno- minada Volume Total de Poros (VTP), de um solo é definida por: a= Vp = VT- Vs VT VT (3.12) Ela é adimensional (rn" . m') e em geral expressa em porcentagem. Para o exemplo do torrão utilizado para exemplificar as equações 3.10 e 3.11, temos: 0,000255 - 0,000126 a = = 0,506 ou 50,6% 0,000255 o que significa que 50,6% da amostra podem ser ocupados por ar e água. A porosidade total também é, logicamente, afetada pelo nível de compactação. Quanto maior d, menor a. Como foi aventado na discussão sobre densidade do solo, é feita uma distinção en- tre macro e microporos. Essa definição é arbitrá- ria, mas lógica, e será discutida em conexão com o Capítulo 6, pois envolve o conceito de retenção de água. Pode-se ainda demonstrar que: (3.12a) 30 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA fórmula esta muito usada para estimar a a partir de dados de d; Freire et ai. (1980) apresentam exemplo de como d., d, e a podem variar para alguns solos de Minas Gerais. O Quadro3.3 mostra os va- lores obtidos para amostras retiradas na camada 0-0,20 m. A visualização da porosidade de solos pode ser melhorada por um simples modelo, no qual um solo é representado por n3 esferas iguais de raio r, arranjadas no sistema cúbico em uma caixa cúbica de lado L = 2m, como indica a Figura 3.7 para n = 4. Para qualquer n temos: 3 ( 47t) 31. Volume das esferas: n 3 r 2. Volume da caixa: U = (Znr)? . n' (47t/3)r3 3. Porosidade: a = 3 3 8n r 47t = - = 0,5236 ou 52,36% 24 Esse modelo mostra que sua porosidade é in- dependente de n, isto é, do número de esferas colocadas na caixa, desde que respeitado o arranjo cúbico. Até com apenas uma esfera na caixa, a porosidade é 52,4%. Nesse arranjo, se colocarmos em 1 litro n bolinhas de mesmo tamanho dentro da faixa areia, a porosidade será de 52,4%. Trocando para bolinhas iguais dentro da faixa silte, ou da faixa argila, a porosidade não muda, será de 52,4%. Nos solos reais, logicamente, não temos partículas de mesmo tamanho e-todas em- número diferente. O interessante é que os valores de porosidade de solos variam em torno de 50%, o que corresponde a um solo com d, = 1.325 kg .m" e d, = 2.650 kg . m", de acordo com a equação 3.12a. Se esse solo for compactado para d, = 1.725 kg . m', a passa para 34,91%. Por outro lado, se ele se apresentar bem fofo, com d, = 925 kg. m', a passa para 65,09%. Esses seriam valo- res extremos de porosidade para este solo. Kutilek & Nielsen (1994) discutem em profundidade a modelagem da porosidade. Na determinação da densidade do solo, o grande problema está na medida do volume total da amostra, VT' Um torrão tem uma forma irregular, e é poroso, sendo que os poros fazem parte de VT' Um dos métodos muito utilizados é o da parafina, em que o torrão seco de massa m, suspenso por uma linha é imerso em parafina para impermeabilizá-Ia e, em seguida, imerso em água, para que, pelo empuxo, se possa determinar seu volume (Princípio de Arquimedes). Outra técni- Quadro 3.3. Dados de densidade do solo (d), densidade de partículas (dp) e porosidade total (a) para alguns solos de Minas Gerais (Freire et ai., 1980). Solo ds (kg .m') d, (kg . rn') (X (%) Argissolo 1200 2600 53,8 Nitossolo 1000 2700 62,9 Latossolo 1100 2700 59,2 o SOLO I 31 , / / /, / / / /, /, / L Figura 3.7. Porosidade de esferas dispostas no sistema cúbico. ca bastante comum é a do anel volumétrico: um anel de volume V, de bordos cortantes, é introdu- zido no solo até ficar completamente cheio de solo. Depois de eliminado o excesso de solo, o volume de solo VT é igual a V. Essa operação, po- rém, deve ser feita com cuidado, a fim de não se compactar o solo, o que é muito difícil. A Figura 3.8 exemplifica o caso para um tor- rão envolto em parafina: O cálculo é feito da seguinte forma: 1. peso do torrão seco em estufa: 7S,0 g; 2. peso do torrão seco parafinado: 78,S g; 3. peso da parafina: 3,S g (a parafina precisa estar líquida, mas não muito quente ou fluida, pois não deve penetrar nos poros do solo); 4. peso do torrão parafinado e suspenso na água: 27,3 g; S. volume do torrão parafinado: (78,S - 27,3) = S1,2 g = S1,2 em" (pois segundo Arquimedes o empuxo é o peso do vo- lume de água deslocada, cuja densidade é 1s em"): 6. volume da parafina: assumindo sua den- sidade 0,9 g. em", resulta 3,9 em'; 7. volume do torrão: S1,2 - 3,9 = 47,3 em"; e 8. densidade do solo: d = 7S,0/47,3 = 1,S85s g . cm' ou 1.S8S kg . m", Outro problema na determinação da densi- dade do solo é a umidade. A definição envolve m, obtido com solo seco e, ao secar um solo, a amostra se contrai, diminuindo VT• Isso é de alta : 32 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA 78,5 9 27,3 9 Figura 3.8. Esquema da determinação de ds pelo método do torrão parafinado. significância em solos expansivos, argilosos, com argilas tipo 2:l, como os Vertissolos. Nesses ca- sos, o melhor é indicar a umidade do solo na qual foi determinado o VT• No Capítulo 6 abordamos em detalhe a par- te de metodologia de medida de densidade e umidade. Mais informações sobre amostragem, número de amostras e local de amostragem podem ainda ser encontrados em Reichardt (1987). FRAÇÃO LíQUIDA DO SOLO A fração líquida do solo é uma solução aquo- sa de sais minerais e substâncias orgânicas, sendo os sais minerais de maior importância. Em geral, a solução do solo não é o reservatório principal dos íons nutrientes às plantas, exceto para o cloro e, talvez, o enxofre, que não são adsorvidos pela fração sólida ou incorporados à matéria orgâni- ca. Quando a planta retira íons da solução do solo, sua concentração pode variar com o tempo de maneira diferente para cada nutriente e cada condição ambiental especial. Há uma constante interação entre a fração sólida (reservatório de íons) e a fração líquida, interação esta complexa, regida por produtos de solubilidade, constantes de equilíbrio etc. Em razão disso, a descrição da concentração da solução do solo torna-se difícil e apenas valores médios e aproximados podem ser obtidos. Reisenauer (1966) apresenta valores médios para uma série de solos do estado da Califórnia, nos EUA (Quadro 3.4) e no Quadro 3.5 são apresentados dados de composição da solução do solo, segundo Fried & Shapiro (1961). Em nosso meio, Malavolta (1976) apresenta as faixas de concentração dos principais nutrien- tes, fazendo distinção apenas para solos ácidos (Quadro 3.6). Observando os dados desses quadros, nota- se grande diferença entre os autores, mas em termos médios, os principais nutrientes, exceto o fósforo, estão presentes em concentrações entre 10-4e 10M. O fósforo possui normalmente a con- centração mais baixa, em geral entre 10-5e 1M. A presença de solutos confere à solução o que, no passado, foi denominado pressão osmótica. o SOLO I 33 Quadro 3.4. Nutrientes na solução de solos da Califórnia, EUA(Reisenauer, 1966). Elemento Concentração (mmolJl) Cálcio (Ca++) Magnésio (Mq") Nitrogênio (NO,) Fósforo (PO~') Potássio (K+) Enxofre (SO~2) 1,870 3,086 8,929 0,0003 1,023 1,558 Quadro 3.5. Composição da solução do solo (mrnolZl.) (Fried & Shapiro, 1961). Elemento Intervalo para todos Solo ácido Solo calcárioos tipos de solo Ca 0,5 - 38 3,4 14 Mg 0,7 -100 1,9 7 K 0,2 - 10 0,7 1 Na 0,4 - 150 1,0 29 N 0,16 - 55 12,1 13 P 0,001 - 1 0,007 0,03 S 0,1 - 150 0,5 24 CI 0,2 - 230 1,1 20 Quadro 3.6. Composição da solução do solo (mmol.Zl.), segundo Malavolta (1976). Concentração (mmolJl) Nutriente Todos os solos Solos ácidos N P K Mg Ca S CI Na 0,16 - 55 0,0001 -1 0,2 -10 0,7 - 100 0,5 - 38 0,1 - 150 0,2 - 230 0,4 - 150 12,1 0,007 0,7 1,9 3,4 0,5 1,1 1,0 34 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA A pressão osmótica de uma solução expressa a diferença de potencial da água na solução em re- lação ao da água pura. Quando uma solução é separada de um volume de água pura por meio de uma membrana semipermeável (deixa passar o solvente e não deixa passar o soluto), a água tenderá a se difundir através da membrana, a fim de ocupar o estado de energia inferior na solução (Figura 3.9). A pressão osmótica é a que pode ser aplicada à solução a fim de impedir a passagem de água para a solução. Na Figura 3.9, inicialmente a so- lução se achava sob pressão P, (igual à atmos- férica) e, com a passagem da água pela membrana, sua pressão passa para (Po + pgh), em que p é a densidade da solução. Na condição de equilíbrio, pgh é uma medida da pressão osmótica da solu- ção. Para soluções diluídas, a pressão osmótica Pos pode ser estimada pela equação empírica de Van't Hoff, que usou conceitos da termo dinâmica de gases para descrever soluções: ~-T-- •·• h 1 \--------''-------t ••••• ' "·.··1. .: -: : '.. '. água pura Figura 3.9. Esquema de osmômetro. f" '" t' " ,'.:.' ..' ., ..'. .. ..... . . •• ..'.. .. .. .. . .. . . .. . .•• :. solução'. . ... . . ......'.. membrana semipermeável Pos=-R Ta (3.13) em que R é a constante universal dos gases (0,082 atm . LlK .mol); T, a temperatura absoluta (K) e a, a atividade da solução (ver Capítulo 8), que, para o caso de soluções diluídas, pode ser substi- tuída pela concentração e. A pressão osmótica é realmente o potencial osmótico da água devido à presença dos solutos e é uma energia, mais especificamente energia por unid~de de volume que é uma pressão (ver Capí- tulo 6). ° sinal negativo na equação 3.13 mostra que a energia da água na presença de solutos é menor do que a energia da água pura, considerada padrão e igual a zero. Daí a tendência espontânea dos íons se deslocarem de uma concentração maior para uma menor, e vice-versa, e a água se dirigir para regiões de maior concentração salina. Exemplo 1: Qual a pressão osmótica de uma solução 1M de sacarose e de uma solução 0,01 M de CaC12, ambas a 27°C? Solução: a) sacarose: Pos= -0,082 x 300 x 1 = -24,6 atm b) cloreto de cálcio: Pos= -0,082 x 300 x (0,01 +0,02) = -0,74 atm Exemplo 2: Qual a pressão osmótica de uma solução nutritiva constituída de: KN03 a 0,006 M; Ca(N03)2. 4H20 a 0,004 M; NH4H2P04 a 0,002 M; MgS04• 7H20 a 0,001 M e outros micronutrientes em concentração desprezível? T = 27°e. Solução: C = (0,006 + 0,006 + 0,004 + 0,008 + 0,002 + 0,002 + 0,001 + 0,001) = 0,030 M Pos= -0,082 x 300 x 0,030 = -0,738 atm o SOLO I 35 No esquema daFigura 3.9, h equivaleria, neste caso, a aproximadamente 7 metros de altura, pois a cada atmosfera equivalem cerca de 10 m de coluna de água. A determinação quantitativa da fração líquida, que não leva em conta os solutos, ou simplesmente da água do solo é feita de várias formas, depen- dendo da finalidade da medida: 1. Umidade à base de peso u ml mT-m,u=-=--'------'- m, m, (3.14) em que mT>m, e m, foram definidos na e equação 3.8. A umidade u é adimensional (kg . kg') mas suas unidades devem ser mantidas para não confundir com a umidade à base de volume, que também é adimensional, mas numericamente diferente. A umidade u também é, com fre- qüência, apresentada em porcentagem. Sua medida é bastante simples: a amostra é pesada úmida m, (= m-) e, em seguida, deixada em estufa a 105°C, até peso constante m, (24 a 48 h ou até peso constante), sendo a diferença entre essas massas a massa de água m, A amostra pode ter qualquer tamanho, desde que não seja muito pe- quena, nem muito grande (ideal de 0,050 a 0,500 kg) e pode ter a estrutura deformada. Para a de- terminação servem, portanto, amostras retiradas no campo com qualquer instrumento (trado, pá, enxada, colher etc.), devendo-se, porém, ter o cuidado de não deixar a água evaporar antes da pesagem úmida. 2. Umidade à base do volume e (3.15) em que VI eVr foram definidos na equação 3.9. 36 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA A umidade e é adimensional (rrr'- m") e, com freqüência, é apresentada em porcentagem. Sua medida é mais difícil pois envolve a medida do volume VT e, por isso, a amostra não pode ser deformada. Normalmente toma-se VI = m, considerando a densidade da solução do solo como 1.000 kg· m' (= 1 g. em"). O volume VT é o mais difícil de ser medido. A técnica mais comum é a do uso de anéis volumétricos, idên- ticos aos utilizados para a medida da densidade do solo. Pode-se ainda demonstrar que: e = (u· ds) 1000 (3.16) sendo u dado em kg . kg' e d, em kg .m? resul- tando e em m" de H20/m3 de solo. O procedi- mento mais conveniente para determinar e é medir u e depois multiplicar o resultado por d; Logicamente d, precisa ser conhecido, mas a densidade do solo não varia muito no tempo, a não ser quando são praticadas operações de manejo, como aração, gradagem e subsolagem. Mas, em geral, as maiores variações de d, ocorrem nos primeiros 0,30 m. Para maiores profun- didades, geralmente considera-se d, constante. Além de u e e, utiliza-se ainda o grau de sa- turação S definido por: s=~ 100 a Exemplo: Coletou-se uma amostra de solo com um volume de 150 em', cuja massa úmida é 258 g e a massa seca é 206 g. Dessa forma: u= 258 - 206 = O 252 . -I ou kg. kg'206 ' g g ou 25,2% e -_ 258 - 206 O 347 3 -3 3-3=, cm . cm ou m . m 150 ou 34,7% Note-se que para a mesma amostra, u é diferente de e, daí a necessidade de manter as unidades, mesmo sendo ambos os valores adimensionais. d 206 ~ 3s = -- = 1,373 g. cm ou 1373 kg. m 150 e = u· d, 1000 0,252 x 1373----- = 0,346 m' .m" 1000 Vê-se, portanto, que só para o caso particular de d, = 1, e = u, que é o caso de solo bem fofo. Ainda usando o valor médio de 2.650 kg .m' para a densidade das partículas, temos: (3.17) a=I_~=I_1373 =0,482m3.m-30u482% dp 2650 ' O grau de saturação será 100% quando e = a, o que indica que todo espaço poroso a está cheio de água. Um solo nessas condições é denominado solo saturado. O grau de saturação será O quando e = O, isto é, quando o solo estiver seco (peso constante em estufa a 105°C). Assim, S indica a fração do espaço poroso ocupado pela água. A vantagem de se usar S está no fato de ser adimen- sional e variar entre O e 1 para qualquer tipo de solo (ver Capítulo 18). S = ~ = 0,347 = 0,72 ou 72% a 0,482 Em Reichardt (1987) podem ainda ser encon- trados critérios de como, onde e quando fazer amostragens de solo para determinações de u, e e d, Do ponto de vista agronômico, é de funda- mental importância conhecer a quantidade de água armazenada em um perfil de solo em dado instan- te. Dados os valores de umidade do solo, que são pontuais, como se determina a quantidade de água armazenada em uma camada de solo? Tradicionalmente, quantidades de água são medidas pela altura. Assim, diz-se que em Piracicaba chove em média 1.200 mm por ano. O que representa isso? A água de chuva é medida por pluviômetros, recipientes coletores de água expostos ao tempo. Eles têm uma área de capta- ção S (rn") (seção transversal de sua boca) e cole- tam um volume V (m") de água durante a chuva. 1 I I I I I, I) ( ( 1\ J/) I ,~ .. ( I Figura 3.10. Esquema de pluviômetro. o SOLO I 37 A altura de chuva é h (rn) = VIS, que pode ser convertida em mm (Figura 3.10). O interessante é que h independe do tamanho da boca do pluvi- ômetro, pois um pluviômetro de boca 2S coleta- rá o dobro do volume, isto é, 2V, resultando no mesmo h. O significado de h pode, então, ser mais bem visualizado para o caso de S = 1, isto é, h igual ao volume de água que cai sobre a superfí- cie unitária. Se jogarmos 1 L de água sobre uma superfí- cie plana e impermeável de 1 rrr', obteremos uma altura de 1 mm. Assim, 1 mm de chuva corres- I I I , I ,, I I I I I I, I I I I II I I I I I I I I I, I 1 f, I f I I I II , I I S I , I I ,.. , v 38 SOLO, PLANTA EATMOSFERA ponde a 1 L/m2 e, portanto, 1.200 mm a 1200 L/m2• Então, se toda a água que precipita em Piracicaba não infiltrasse, nem escorresse ou evaporasse, ao final de um ano teríamos 1,2m de água distribuídos por toda a área. Água fornecida por irrigação, água perdida por evaporação etc., são todas medidas em mm. Seria interessante, portanto, medir também a água do solo em mm. Esse é o armazenamento ou armazenagem de água, que veremos a seguir. Assim como no caso da chuva, a altura de água armazenada pelo solo independe da área e, para o caso de uma superfície unitária, h = V. Para que esse conceito possa ser mais bem visualizado didaticamente, utilizaremos centímetro como unidade de cornprimento. Tomemos, então, como superfície unitária o em? e consideremos o primeiro cm de profundidade do solo. Nesse caso V = 1em" de solo com umidade el (em" de H20 por em' de solo - ver equação 3.15) e S = 1 crrr'. Temos, então, um volume de água V igual a el em? deágua em uma área de 1 em" e, então, el = h., Vejamos um exemplo: se 1em' de solo tem e = 0,35 em' . em", isso significa que naquele cubo de solo cuja base é 1 em' temos 0,35 em" de água. Portanto, a altura de água é 0,35 cm ou 3,5mm (Figura 3.11). Seguindo o mesmo raciocínio em profun- didade, o segundo cm de solo com umidade e2 terá uma altura de água h, = e2, e assim por diante, de forma que o enésimo cm de água com umidade en terá uma altura h, = en, É lógico, portanto, quê até uma profundidade de L em, a altura de água armazenada é a soma de todas as camadinhas de 1cm até L. Seja a quantidade de água armazenada até a profundidade L igual a AL>então: (3.18) Nesse raciocínio assume-se que a umidade do solo não varia na horizontal, apenas em profun- didade, Seja, por exemplo, um solo no qual a umida- de varia com a profundidade de acordo com o Quadro 3.7. Pelo que foi visto, cada camada possui uma altura de água em cm igual a e. Dessa forma, a z=o ----. 0,35 cm----. 9(em3 áqua/cru" solo) h=9·z=9·1 h=9 z= 1 em Figura 3.11. Esquema de volume de solo mostrando que 9 = h, quando S = 1. Quadro 3.7. Exemplo para cálculo de armazenamento. o SOLO I 39 Profundidade z (em) 3 -3Umidade e (em . em ) 0-1 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6 6-7 7-8 8-9 9-10 0,101 0,132 0,154 0,186 0,201 0,222 0,263 0,300 0,358 0,399 água armazenada de Oa 5 em, segundo a equa- ção 3.18, é: 0,101 + 0,132 + 0,154 + 0,186 + 0,201 = 0,774 cm ou 7,74 mm de água A água armazenada até 10 em será: 23,16 mm. Utilizando cálculo superior, o somatório da equação 3.18 pode ser substituído por uma integral e assim obtemos a definição de armazena- mento de água no solo, AL: (3.19) em que z é a variável que representa a profun- didade no solo e varia de O (superfície do solo) até L (profundidade arbitrária de interesse); dz representa um infinitesimal de z, isto é, um acrés- cimo (camadinha de solo) de espessura tão pe- quena quanto se queira e que, no exemplo anterior, foi tomada como 1 cm. Essa é a definição correta de AL• Comparan- do as equações 3.18 e 3.19, é oportuno notar que na equação 3.18 não aparece dz porque esse incre- mento de profundidade foi tomado como uni- tário (1 em) e em 3.19 ele é um infinitesimal arbitrário. Convém, também, relembrar ao leitor que uma integral é a soma de incrementos. No caso da equação 3.18 os incrementos são fmitos, abrangendo 1 cm de profundidade, e no caso da equação 3.19 (mais exata) são infinitesimais. O leitor deve recordar-se de que dada uma função y = f (x), a integral definida de ydx, em um dado intervalo, representa a área sob a curva, como mostra a Figura 3.12. A equação 3.19 é uma integral do mesmo tipo e, portanto, AL pode ser determinado grafica- mente a partir de um gráfico de 8 versus z, que, em geral, é apresentado como na Figura 3.13, sendo a abscissa a umidade do solo 8 e a ordenada a profundidade do solo z tomada, por conve- niência, como positiva de cima (superfície do solo) para baixo. Na Figura 3.13 o gráfico 8 (z) é denominado perfil de umidade. Vê-se que, para determinar o 40 SOLO, PLANTA EATMOSFERA y o x, S = J f(x) dx X, x Figura 3.12. Representação esquemática de uma integral definida. armazenamento de um perfil, o ideal é conhecer a função O (z) que define o perfil de umidade e, assim, proceder a uma integração analítica. Como O (z) é uma função do tempo e pode assumir as suas mais variadas formas, é praticamente impos- sível fazer integrações analíticas. Parte-se, então, para integrações numéricas e, para isso, necessita- se de dados de Oem função de z, para desenhar o perfil de umidade. É lógico também que quanto mais dados estiverem disponíveis, melhor o perfil e, portanto, melhor o cálculo do armazenamento. Quando poucos dados estão disponíveis, ou quando os dados de umidade se originam de amostras que cobrem camadas de solo, um recurso é transformar a curva O (z) em um histograma, como mostra a Figura 3.14 (método trapezoidal). Neste caso, o armazenamento AL pode ser aproximado por uma soma de retângulos da base Oi e altura ~z, isto é: ou ainda: em que 01> O2, On são os valores de Opara profun- didades eqüidistantes éa: Se multiplicarmos e dividirmos o segundo membro pelo número n de camadas de espessura Az, teremos: em que e é a umidade média da camada O- L, sendo n . ~z = L.Vê-se, portanto, que a altura de água contida em uma camada de solo de espes- sura L é igual ao produto da espessura pela umi- dade média da camada. O armazenamento não precisa necessaria- mente ser definido a partir da superfície. Para uma o o SOLO I 41 ,-------~-------.---------------------------------.8 L Z perfil de umidade 8 (Z) Figura 3.13. Representação esquemática da determinação gráfica do armazenamento. camada que se estende de uma profundidade LI para L2, o armazenamento será: (3.21) sendo agora ea umidade média do solo entre LI e L2• Outras formas de determinar AL são: utiliza- ção de planímetro e recorte da área AL no gráfico 8 versus z, que é pesada em balança de precisão e comparada com o peso de área conhecida do mes- mo papel. O perfi18(z) pode também ser ajusta- do por modelos para posterior integração analí- tica ou numérica. Exercício: Em dado instante, foram coletadas amostras de solo em uma cultura de cana-de-açúcar e obtidos os resultados apresentados no Quadro 3.8. Determine os armazenamentos nas camadas 0-0,45 m; 0-0,90 m; 0-1,20 m; 0,45-1,20 m e 0,15-0,30 m. Para isso, transforme os dados de u em 8 pela equação 3.16 e calcule os armazena- mentos pelas equações 3.20 ou 3.21. 42 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA (3 (Z) Z Figura 3.14. Determinação gráfica do armazenamento pelo método trapezoidal. Respostas pelo método trapezoidal: Ao,45 = 75,6 mm; Ao,90 = 159,3 mm; A1,20 = 201,6 mm; Ao,45-1,20 = 126,0mm; Ao,15-0,30 = 25,8 mm Nota: Como foi visto, esses valores dependem do método de cálculo e, portanto, não se deve esperar respostas idênticas às aqui apresentadas. Quadro 3.8. Dados de densidade e de umidade do solo (à base de peso) coletados em cultura de cana- de-açúcar. z(m) d, (kg . rn") u (%) O- 0,15 1250 12,3 0,15 - 0,30 1300 13,2 0,30 - 0,45 1300 13,8 0,45 - 0,60 1150 15,2 0,60 - 0,75 1100 18,6 0,75 - 0,90 1100 16,3 0,90 -1,05 1050 13,7 1,05 - 1,20 1000 13,7 Turatti &Reichardt (1991) fizeram um estudo detalhado do armazenamento de água em Terra Roxa Estruturada (Nitossolo), usando diferentes métodos de integração e estudando a variabili- dade espacial do conceito. De grande importância para a análise do com- portamento de uma cultura são as variações de umidade do solo e, conseqüentemente, do arma- zenamento de água. Essas variações são um refle- xo das taxas de evapotranspiração, precipitação pluvial, irrigação e movimentos de água no perfil de solo. Esses processos serão estudados detalha- damente do Capítulo 6 ao 10; aqui nos preocupa- remos tão-somente com o cálculo dessas variações. Os perfis de umidade, como os indicados nas Figuras 3.13 e 3.14, são representativos de um dado instante t. Havendo movimento de água no solo, adições por chuva ou irrigação e retiradas por eva- potranspiração, esses perfis mudam de forma e, logicamente, o armazenamento é diferente. A va- riável e é, portanto, função da profundidade z e, em cada profundidade, função do tempo t, isto é, e = e (z,t). Assim, a definição de armazenamento dada por 3.19, 3.20 ou 3.21 inclui a noção de que ele é uma integral de e em função de z, para um tempo fixo. Podemos, porém, estudar variações de armazenamento para uma profundidade fixa, em função do tempo. o SOLO I 43 Seja uma cultura de milho, em pleno desen- volvimento, na qual foram determinados quatro perfis de umidade indicados no Quadro 3.9 e na Figura 3.15 durante um períodosem chuva. Os perfis foram determinados às 8 horas, nos dias 5, 9, 13 e 17 de janeiro de 1988. Apenas observando os perfis da Figura 3.15, verifica-se que a umida- de varia nas diferentes profundidades.Isso ocor- re devido a diferenças nas propriedades hídricas do solo e, sobretudo, à distribuição radicular da cultura. Nesse caso, a partir de 3.20, a variação de armazenamento entre duas datas ti e tj>é dada por: em que AL(tJ e AL(tj) são os armazenamentos da camada O - L (fixa), nos tempos ti e tj' respecti- vamente.Bít.) e 8(~) são as umidades médias da camada O-L nos instantes ti e tj>respectivamente. Matematicamente, dizemos que 8 é uma fun- ção de t e de z e escrevemos: e = e (t,z). Como 8 é função de duas variáveis, sua derivada em rela- ção a uma delas é denominada parcial. A varia- ção de e com t é denominada derivada parcial de e em relação a t, mantendo-se z fixo, escrevemos: Quadro 3.9. Perfis de umidade do solo (m"- rn') em cultura de milho. Profundidade Umidade (m) 05/01 09/01 13/01 17/01 0-0,20 0,351 0,292 0,249 0,202 0,20-0,40 0,325 0,276 0,232 0,200 0,40-0,60 0,328 0,260 0,226 0,203 0,60-0,80 0,315 0,296 0,275 0,266 0,80-1,00 0,316 0,316 0,315 0,314 44 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA 0,10 0,20 Umidade do solo (m' . rn") 0,50 o 0,20 I 0,40 Q)~ '"~ 0,60'õ c :l '+-e 0,80c, 1,00 1,20 0,30 0,40 9/1 13/1 17/1 Figura 3.15. Representação gráfica dos perfis de umidade do Quadro 3.9. Note-se o uso do símbolo d em vez de d na derivada, por tratar-se de uma derivada parcial. Esse conceito exato de derivada parcial pode ser aproximado, para efeito prático, por um cociente de variações finitas de e e t: (3.23 ) sendo que o solo possuía uma umidade ei no ins- tante ti (anterior) e uma umidade ej no instante tj (posterior), mas na mesma profundidade z. Assim, por exemplo, utilizando os dados do Quadro 3.9, de/dt para z = 0,10 m, no período de 5 a 9 de janeiro é: [ de] _ 0,292-0,351_ 0018 3 ·3 dia"- - - -, 4 m· m . Ia dt 0,20 9 - 5 Fazendo o mesmo cálculo no mesmo perío- do para z = 0,30; 0,50; 0,70 e 0,90 m, obtemos, respectivamente: -0,0122; -0,0170; -0,0005 e 0,00 m" . m' . dia:'. O mesmo cálculo também pode ser feito para os outros períodos. dS/dt represen- ta a taxa na qual a umidade varia no solo com o tempo e é reflexo direto da distribuição radicular naquela profundidade. Com adições de água (chuva, irrigação) dS/dt é positivo. Lembrando o conceito de derivada, que é a tangente à curva no ponto, ele pode assim ser feito para qualquer profundidade. Da mesma forma como procedemos para S, podemos proceder para o armazenamento AL, se tivermos a função ALversus t. Assim, a derivada parcial de ALem função do tempo pode ser apro- ximada por: [8 (t) - 8 (t)]L (3.24) Assim, para z = 0,20 m, no período de 5 a 9 de janeiro, teremos ALi= 70,2 mm eALj= 58,4 mm, portanto: dAo.20 dt 58,4 - 70,2 di .[---- = - 2,95 mm· Ia 4 Se calcularmos as variações de armazena- mento nos diferentes períodos, para as diferentes profundidades, obtemos os seguintes resultados, todos em mm . dia:' (Quadro 3.10): Esse quadro nos dá uma idéia detalhada da extração de água pela cultura, para as diferentes camadas nos diferentes períodos. A contribuição da última camada, 0,80 a 1,00 m, é insignificante, provavelmente por não haver raízes a essa profundidade. Logicamente, o total de água per- dido pela cultura até a profundidade de 1,00 m no período todo, a partir dos dados do Quadro 3.10 é: (9,80 x 4) + (7,15 x 4) + (5,60 x 4) = 90,2 mm A perda média diária até a profundidade de 1,00 m foi: (9,80 + 7,15 + 5,60)/3 = 7,52 mm . dia:' Esse é um valor típico de evapotranspiração no mês de janeiro em Piracicaba, SP, de uma cultura em pleno desenvolvimento e com bom suprimento de água. Exercício: Sugerimos que o leitor recalcule os dados de dAJat apresentados para todas as pro- fundidades e os períodos. Mais uma vez chama- mos a atenção de que não serão obtidos valores exatamente iguais, pois eles dependem do méto- do de integração empregado. Outro fator que afeta de maneira significati- va a estimativa do armazenamento de água pelo o SOLO I 45 solo é sua variabilidade espacial. A umidade do solo varia espacialmente, no sentido horizontal e em profundidade, devido às variações no arranjo do espaço poroso e variações da qualidade e ta- manho das partículas da matriz. Surgem, portanto, perguntas sobre forma e número de amostragens necessárias para obter um valor representativo de umidade e, conseqüentemente, de ~rmazena: mento. Kachanoski &De Iong (1988), Turatti (1990) e Turatti & Reichardt (1991) abordam esses as- pectos. Ainda, Reichardt et aI. (1990) discutem como a variabilidade espacial do armazenamento pode afetar a estimativa de balanços hídricos. Os conceitos de umidade e armazenamento vistos referem-se estritamente à água do solo. Quando nosso interesse está nos solutos, isto é, na solução do solo, os "sais" precisam ser in- cluídos nas definições. O procedimento mais comum é usar concentração de soluto C na so- lução do solo, o que é feito quando se extrai a solução do solo (por filtragem, centrifugação, sucção etc.) e a concentração é expressa na se- guinte forma: C = quantidade de soluto volume de solução (3.25) como: g ct. em"; mg N03-· em"; g H2P04-· L-I. O importante é saber que, neste caso, o volu- me é de solução e não de solo. O caso é diferente no campo, quando se considera o solo como um Quadro 3.10. Taxas de perda d'água em milho (mm· dia'). z (m) 5a9 9 a 13 13 a 17 0-0,20 2,95 2,15 2,35 0-0,40 5,40 4,35 3,95 0-0,60 8,80 6,05 5,10 0-0,80 9,75 7,10 5,55 0-1,00 9,80 7,15 5,60 46 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA todo. Seja, por exemplo, um em" de solo que con- tém 25 mg Cl e cuja umidade é 0,31 crn"- cm'. Portanto: C= 25mgCr 0,31 em' de solução = 80,6 mg Cl . em" solução ou , 25 mg Cl 3 C = = 25 mg Cl . em solo 1 em' solo Vê-se claramente que C é diferente de C'. Como dissemos, o mais comum é utilizar C, que é a concentração da solução que está se movendo dentro dos poros do solo. Porém, para efeito prático, muitas vezes deseja-se saber a quantidade de um sal por unidade de volume (ou peso) de solo, que é C'. É fácil verificar que: C'=8C (3.26) Com os dados do exemplo anterior, vê-se que 25 mg Cl-· em" solo = 0,31 em"H20 .em" solo x 80,6 mg Cl . em" H20. Se quisermos expressar C' em termos de peso de solo, basta dividir pela densidade do solo: C' g sal- em" solo -=------- = g sal. s" solo g solo em" solo Neste caso, se d, é 1,5 g. em", teremos C' /d, = 2511,S = 16,7 g ci. s' solo. Muitas vezes também é importante conhecer o total de sal dentro de um perfil de solo. É um conceito semelhante ao de armazenamento de água. Seria o caso de um "arrnazenamento de salAS": (3.27) cujas unidades são: massa de soluto massa de soluto ------- . cm solo = ------ em' de solo em' de solo e que pode facilmente ser transformado em kg . há-I. Está implícito que essa massa se encontra no volume da camada de profundidade L. Caso se deseje massa de soluto por unidade de massa de solo: Logicamente, para integrar as equações 3.27 e 3.28 é necessário conhecer como C, 8 elou d, variam em função de z, e isso pode, muitas vezes, ser complicado. Uma simplificação razoável é o método trapezoidal já utilizado para o cálculo do armazenamento de água, empregando valores médios de 8, u ou d, (até a profundidade L) e tomá- los como constantes e independentes de z. Assim: (3.29) Vejamos um exemplo: para dado solo foram ob- tidos os resultados apresentados no Quadro 3.11: - (25 + 21 + 18) 1 C = = 21,33 mg· L- = 3 = 21,33 . 103 mg .m" - (0,18 + 0,22 + 0,26) k kz" U = = 0,22 g. g 3 d- (1310 + 1350 + 1340) k 3s = = 1333,33 g. m 3 -8= 0,22 x 1333,33------ = 0,29 m' . m" 1000 Quadro 3.11.Nitratos em determinado solo, o SOLO I 47 Profundidade mg . L" NO, u d, (m) na solução do solo (kg. kg") (kg. rn') 0- 0,10 25 0,18 1310 0,10- 0,20 21 0,22 1350 0,20 - 0,30 18 0,26 1340 e assim: ASo,3o= 0,29 x 21,33 x 0,30 = 1,86x 103mg· m? = = 18,6 kg . ha' isto é, 1 ha até a profundidade de 0,30 m contém 18,6 kg de N03• Da mesma forma para o caso do armazena- mento de água, as equações 3.27, 3.28 e 3.29 podem ser aplicadas para qualquer camada de espessura L2 - LI; neste caso, os valores médios de C, e,u ou d, devem ser tomados dentro da camada em consideração. FRAÇÃO GASOSA DO SOLO A fração gasosa do solo constitui-se do ar do solo ou da atmosfera do solo. Sua composição química é semelhante à da atmosfera livre, junto à superfície do solo (ver Quadro 5.1 do Capítulo 5), apresentando, porém, diferenças sobretudo nos teores de O2 e CO2• ° oxigênio é consumido por microrganismos e pelo sistema radicular das plantas superiores, de tal forma que sua concen- tração é menor do que na atmosfera livre. Ao contrário, o CO2 é liberado em processos metabó- licos que ocorrem no solo e, por isso, seu teor em geral é mais alto. Em casos de adubações com uréia, sulfato de amônia etc., os teores de NH3 na atmosfera do solo podem aumentar de modo sig- nificativo. Outros gases orgânicos e inorgânicos também podem ter suas composições alteradas, dependendo das atividades biológicas do solo. Do ponto de vista do vapor de água do solo, o ar do solo encontra-se quase sempre muito próximo à saturação. Isso será discutido no Capítulo 6, que trata do equilíbrio da água no solo.°ar do solo ocupa o espaço poroso não ocu- pado pela água. Já vimos que para um solo seco, todo espaço vazio dado pela porosidade a (equa- ção 3.12) é ocupado pelo ar. Quando um solo possui umidade e (equação 3.15), apenas a dife- rença entre a e e pode ser ocupada pelo ar. Essa diferença é denominada porosidade livre de água ~, sendo: ~ = (a - e) m" de ar . m' de solo (3.30) Para um solo saturado: e = a e ~ = 0, e para um solo seco ~ = a. A aeração do solo é o processo dinâmico de variações de ~. Solos inundados ou após longos períodos de chuva ou irrigação intensa, são mal aerados e a falta de oxigênio para as atividades biológicas prejudica o crescimento e o desenvolvi- mento das culturas. Em solos bem secos, a aeração é muito boa, mas falta água para as plantas. Segundo Kiehl (1979), um solo ideal possui uma fração sólida que ocupa 50% do volume, sendo 48 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA a = 50%, ocupada meio a meio pela água (8 = 0,25 m"- m") e pelo ar (~ = 0,25 m"- m"). Da mesma forma como foi discutido para o caso de solutos, a concentração de gás no solo pode ser feita com base no volume ocupado pelo fluido apenas (ar do solo) ou com base no volume do solo. Assim: quantidade de gásC = -=----------"-- volume de ar (3.31) como m" 02/m3 ar ou mg/L de ar. O importante é que a base é o volume de ar, que para 1 em" de solo é~. quantidade de gásC' = -=--------'~ volume de solo (3.32) e, logicamente, C'= ~C (3.33) Seja um solo cujo ar contém 20% de O2à base de volume, cuja porosidade é 45% e cuja umidade é 0,23 rn"- m'. Neste caso: ~ = 0,45 - 0,23 = 0,22 m' ar . m" de solo 0,20 m' O2 3-3C = 20% = 3 = 0,20 m O2• m de ar 1m ar C' = 0,22 X 0,20 = 0,044 m' O2 • m" de solo É preciso muito cuidado com essas formas de expressar concentração de gás. Na literatura a confusão é enorme! Assim como fizemos para água e para os solutos (equação 3.27), poderíamos falar em um armazenamento de gás por um perfil de solo, que seria a integração de ~C até uma profundidade L. Essa parte é deixada como exercício para o leitor. O processo de aeração do solo é de grande importância na produtividade do solo. Para a maioria das plantas (com exceção daquelas espe- cializadas, como o arroz), a transferência do oxi- gênio da atmosfera para as raízes precisa ser em proporções suficientes para suprir suas neces- sidades. Crescimento adequado de raízes requer oxigênio (aeração) de tal forma que as trocas de gás entre atmosfera e solo se dêem com velocidade suficiente para não se permitir deficiência de.O, (ou excesso de CO2), na zona ativa das raízes. Microrganismos também requerem condições ideais para seu desenvolvimento. Medidas de con- sumo de oxigênio por raízes de plantas (Hawkins, 1962) mostram que são necessários aproximada- mente 10 litros de O2por rrr' de cultura por dia. Considerando uma porosidade livre de água de 20%, que o ar possui 20% de O2e que a zona das raízes tem 1m de profundidade, a quantidade de O2por m2de superfície é de 40 litros, isto é, quatro vezes a demanda das raízes. Isso significa que, para manter boas condições de aeração, 25% do ar do solo precisam ser renovados diariamente. Os cálculos efetuados têm a finalidade única de dar idéia das proporções do problema. Em condições reais, as velocidades de aeração provavelmente variam entre limites mais extremos. Segundo Erickson & Van Doren (1960), o crescimento das plantas depende mais da ocorrência de períodos de falta de O2 do que de condições médias de aeração. Troca de gases e movimento de gases no solo podem se dar: 1) na fase gasosa (difusão ou trans- porte de massa), em poros não ocupados por água, interconectados e em comunicação com a atmosfera; e 2) dissolvidos em água. Como a difusão dos gases no ar geralmente é maior que na fase líquida, a porosidade livre de água (a - 8) torna-se bastante importante na aeração. A composição do ar do solo (Van Bavel, 1965) depende das condições de aeração. Em solo com boa aeração ele não difere significativamente do ar atmosférico, exceto por uma umidade relativa que, quase sempre, é próxima à saturação (em um solo seco ao ar, a umidade relativa do ar é de cer- ca de 95%) e uma concentração mais alta de CO2, isto é, 0,2 - 1 % em comparação com o ar atmosférico que é 0,03%. Em condições de aeração limitada, a concentração de CO2 pode aumentar e a concentração de O2 diminuir, ambas drasticamente. A concentração de gases na água em geral aumenta com a pressão e decresce com a tempe- ratura. De acordo com a lei de Henry, a concen- tração de gás dissolvido é proporcional à pressão parcial P, do referido gás, assim: P C=s-' Po (3.34) em que s é o coeficiente de solubilidade do gás na água e P° a pressão da atmosfera. No Quadro 3.12 são dados os coeficientes s, em água, para N2, O2, CO2 e ar livre de CO2• Exemplo: Uma superfície de água está em equilíbrio com a atmosfera (20°C e 1 atm) cuja pressão parcial do oxigênio é de 0,2 atm. Qual a concentração de O2 na água? 0,20 I IC = 0,0310 x -- = 0,0062 g. L- ou 6,2 mg· L- 1,0 o SOLO I 49 Esses gases dissolvidos na água movem-se de acordo com o movimento da água. Assim, fluxos de água podem ser importantes no transporte de gases. Com a chuva, a água se infiltra no solo e ocupa os espaços ocupados por gases. Com a evaporação e a absorção de água pelas raízes, os gases voltam a ocupar o volume ocupado pela água. Esses fenô- menos são importantes nas trocas gasosas no solo. _ PROPRIEDADES TÉRMICAS DO SOLO De importância no estudo termodinâmico e agronômico do solo são suas propriedades térmi- cas, sobretudo o calor específico do solo e a con- dutividade térmica do solo. A primeira se refere ao solo como reservatório de calor e a segunda, como transmissor de calor. Calor específico é, por definição, a quantida- de de calor sensível cedida ou recebida pela uni- dade de massa ou de volume de solo, quando sua temperatura varia de 1°C. Como a umidade do solo é variável, o calor específico do solo, em seu estado natural, não é uma característica só do solo, mas sim do conjunto solo-água. Para solos secos ele pode ser considerado constante. De solo para solo ele varia, dependendo das proporções de matéria mineral e orgânica. Quadro 3.12. Coeficientes desolubilidade de gases em água (g/L). TCC) N2 O2 CO2 ar sem CO2 ° 0,0235 0,0489 1,713 0,029210 0,0186 0,0380 1,194 0,0228 20 0,0154 0,0310 0,878 0,0187 30 0,0134 0,0261 0,665 0,0156 40 0,0118 0,0231 0,530 50 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA o calor específico ou a capacidade térmica por unidade de volume de solo pode ser deter- minado pela adição das capacidades térmicas dos diferentes constituintes em 1 em". Em geral a capacidade calorífica da fração gasosa pode ser desprezada. Assim: c, = O - a) cp + 8 . Ca (3.35) em que c, é o calor específico do solo (cal· em"- DeI ou J . m"- KI), a a porosidade, cp o calor específico da fração sólida (cal· em? .DeI ou J . m'- K"), 8 a umidade à base de volume e c, o calor específico da água O cal- cm-3• DeI ou J .m3• K:'). Segundo Kersten (1949), Reichardt et al. (965) e Demattê (1967), um valor médio de 0,16 cal. g-I.°el pode ser tomado para a fração sólida de solos minerais. Sendo a densidade média das partículas 2,65 g . em", resulta um valor médio de 0,4 cal· cm-3•oCI para cp• Assim, a equação 3.35, nas unidades cal· cm"- DeI pode ser reescrita: Cs = 0,4 O - a) + e (3.36) Para solos orgânicos a fração sólida deve ser se- parada em mineral (c, = 0,4) e orgânica (co = 0,6). Exemplo: Um solo mineral com a = 49 % e u = 13% possui densidade do solo 1,3 g . cm'. Qual seu calor específico? Solução: Cs = 0,4 0- 0,49) + 0,13 x 1,3 = 0,373 cal- em? . Dei A condutividade térmica K pode ser definida a partir da equação de Fourier, segundo a qual a densidade de fluxo de calor no solo q (cal- cm-2• S-I ou J . m-2• s' ou, ainda, W . m') é proporcional ao gradiente de temperatura dT/dx, isto é: dT q=-K- dx (3.37) Além de depender da composição da fração sólida de solo e, em especial, da umidade, a condutividade térmica do solo K é também uma função da densidade do solo. Decico (1967) apresenta as seguintes equações para cálculo de K em função de u (%) e ds (g . em") para dois solos do estado de São Paulo: Solo série "Luiz de Queiroz" (Latossolo): K= 10-4 [1,275 ·10gu-0,71]10I,077xds cal. cm/ cm 2 • S. D C Solo série "Quebra- Dente" (Argissolo) fase arenosa: K = 10-4 [0,945 .log u - 0,445]101,365xds cal· cm/ cm2• s .OC sendo que as amostras do solo da série "Luiz de Queiroz" apresentaram 34% de areia, 28% de silte e 38% de argila, e o solo da série "Quebra-Dente", 79% de areia, 19% de silte e 2% de argila. Outro parâmetro de grande importância na caracterização térmica de um solo é a difusividade térmica do solo D. Ela é definida pelo cociente: D=~ c, (3.38) É fácil perceber que D é também uma função de 8, d, e da composição do solo. A difusividade é de grande utilidade em estudos de fluxo de calor, que serão vistos com mais detalhe no Capítulo 10, que trata do fluxo de calor no solo e no qual essas propriedades são utilizadas em alguns pro- blemas práticos. MECÂNICA DOS SOLOS Alémdos aspectosvistosaté aqui,os solostambém são estudados do ponto de vista da Engenharia. Obrigatoriamente os cursos de Engenharia têm disciplinas sobre Mecânica de Solos, que abordam aspectos do solo como um suporte à obras de engenharia.Atítulo de exemplo,o leitor deveprocurar o texto de Ortigão (1993). Os assuntos abordados envolvemtensõesedeformaçõesem solos,sobrecargas, compressibilidadee recalque,adensamento, hidráulica de solos etc. O enfoque é bastante diferente do agronômico, a não ser em casos de mecânica agrí- cola quando se estuda a interação solo/implemento. EXERCíCIOS o SOLO I 51 CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS A classificação de solos é um tema específico da ciência do solo, que pode ser apreciado em tex- tos especializados, como: Camargo et al., 1987; Oliveira et al., 1992; Prado, 2001. Em 1999, a Embrapa sugeriu um novo sistema, denominado Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (Embrapa, 1999) que é o sistema atualmente re- comendado para definir um tipo de solo. Para facilitar a correspondência entre esse novo siste- ma e a classificação usada anteriormente, é apresentado, a seguir (pág. 52), no Quadro 3.13. 3.1. Para determinar as frações areia, silte e argila de um solo, fez-se uma suspensão de 80 g de solo em 1 litro de solução dispersante a 20°C. Por meio de um densímetro verificou-se que após 4,64 minutos e 7,73 horas, as concentrações das suspensões, alO cm de profundidade no cilindro de sedimentação, eram 32 e 18 g . L·l, respectivamente. Quais as porcentagens de areia, silte e argila? 3.2. O que são minerais de argila 2:1? 3.3. Um solo tem CTC de 12 meq/l 00 g (12 cmole• drn') e está completamente saturado com K+. Quantos gramas de K+estão adsorvidos em 1 kg desse solo? 3.4. Coletou-se uma amostra de solo à profundidade de 0,60 m, com anel volumétrico de diâme- tro e altura 0,075 m. O peso úmido do solo foi de 0,560 kg e após 48 horas em estufa a . 105°C, seu peso permaneceu constante e igual a 0,458 kg. Qual a densidade do solo? Qual sua umidade na base de peso e de volume? 3.5. Qual a porosidade total e livre de água da amostra de solo do problema 3.4? 3.6. No mesmo local onde foi coletada a amostra do problema 3.4, foram coletadas mais cinco amostras à mesma profundidade e com o mesmo anel volumétrico. Os dados obtidos encon- tram-se no quadro a seguir. Determine para cada uma, ds e 8? 3.7. Com os dados do problema anterior determine as médias, desvios-padrão e coeficientes de variação para ds e 8. 3.8. Coletou-se uma amostra de solo com anel volumétrico de 0,0002 m3 à uma profundidade de 0,10 m. Obteve-se rn, = 0,332 kg e rn, = 0,281 kg. Após a coleta, fez-se um teste de 52 I SOLO, PLANTA E ATMOSFERA Quadro 3.13. Correspondência entre o SBCS-1999 e a antiga classificação usada em levantamentos de solos no Brasil. Sistema brasileiro de classificação Classificação utilizada em levantamentos até 1999 Alissolos Argissolos Rubrozém, Podzólico Bruno-Acinzentado Distrófico Ou Álico, Podzólico Vermelho-Amarelo • Distrófico ou Álico Ta, e alguns Podzólicos Vermelho-Amarelos Distróficos Ou Álicos Tb (com limite mínimo de valor T de 20 cmolJkg) Podzólico Vermelho-Amarelo Tb, pequena parte de Terra Roxa Estruturada, de Terra Roxa Estruturada Similar, de Terra Bruna Estruturada e de Terra Bruna Estruturada Similar, com gradiente textural necessário para Bt, em qualquer caso Eutróficos, Distróficos ou Álicos, e mais recentemente o Podzólico Vermelho-Escuro, Tb com B textural e o Podzólico Amarelo Cambissolos Todos os Cambissolos exceto os Cambissolos com A chernozêmico e B incipiente Ta Eutróficos Chernossolos Brunizém, Rendzina, Brunizém Avermelhado, Brunizém Hidromórfico E Cambissolos Ta, eutróficos com A chernozêmico Gleissolos Espodossolos Podzol, Podzol Hidromórfico l.atossolos Luvissolos Neossolos Nitossolos Clei Pouco Húmico, Glei Húmico, parte do Hidromórfico Cinzento (os que não têm mudança textural abrupta), Clei Tiomórfico e Solonchack com horizonte glei Latossolos, excetuadas algumas modalidades anteriormente identificadas como Latossolos Plínticos Bruno Não Cálcico, Podzólico Vermelho-Amarelo Eutrófico Ta, Podzólico Bruno Acinzentado Eutrófico e os Podzólicos Vermelho-Escuros Eutróficos Ta Litossolos, Solos Litólicos, Regossolos, Solos Aluviais e Areias Quartzosas distróficas, marinhas e hidromórficas (as que não tenham horizonte glei até 0,50 m da superfície) Terra Roxa Estruturada, Terra Roxa Estruturada Similar, Terra Bruna Estruturada, Terra Bruna Estruturada Similar, e alguns Podzólicos Vermelho- EscurosTb e alguns Podzólicos Vermelho- Amarelo Tb. Todos com baixo gradiente textural para Bt Organossolos Solos Orgânicos, Solos Semi-Orgânicos, Solos Tiomórficos Turfosos e parte dos Solos Litólicos Turfosos com horizonte hístico com 0,30 m ou mais de espessura Planossolos Planossolos, Solonetz-Solodizado e Hidromórficos Cinzentos que apresentam mudança textural abrupta Plintossolos Lateritas