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DIREITO PROCESSUAL CIVIL* Jurisdição, ação e processo são institutos que se interligam para formar o que em doutrina se denomina trilogia estrutural do processo. O Estado tem o poder e a obrigação de realizar o Direito, resolvendo os conflitos de interesses e preservando a paz social. A essa função estatal dá-se o nome de jurisdição. Ocorre que a jurisdição só age se provocada (uma de suas características é justamente a inércia). O meio de se provocar a jurisdição é a ação, direito público subjetivo a um pronunciamento estatal que solucione o litígio. O resultado da atividade jurisdicional é alcançado com a edição da norma reguladora do caso concreto, ou seja, com a sentença ou acórdão que, com característica de imutabilidade, vai reger o conflito de interesses. Ocorre que o estabelecimento dessa lei de regência do caso concreto não se dá aleatoriamente, ao talante do juiz. A outorga da prestação jurisdicional, isto é, a resposta à provocação da parte cujo direito afirma ter sido ferido ou ameaçado, deve seguir um método previamente estabelecido, composto por regras e princípios frutos de um debate democrático. A esse meio, método ou sistema que deve ser observado para o exercício da jurisdição dá-se o nome de processo. Em curtas palavras, pode-se afirmar que a jurisdição é provocada mediante o direito de ação e será exercida por meio daquele complexo de atos que é o processo. Destarte, para a exata compreensão do fenômeno processual, em um sentido lato, devemos estudar cada um dos institutos que o integram. Começaremos, então, pela jurisdição. Conceito de jurisdição O Estado moderno, para melhor atingir o seu objetivo, que é o bem comum, dividiu seu poder soberano em três: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. A cada Poder corresponde uma função estatal. Assim, ao Legislativo compete a estruturação da ordem jurídica; ao Executivo, a administração; e ao Judiciário, a composição dos litígios nos casos concretos. À função de compor os litígios, de declarar e realizar o Direito, dá-se o nome de Jurisdição. Partindo-se de uma visão clássica, a jurisdição pode ser visualizada sob três enfoques distintos: como poder, porquanto emana da soberania do Estado, que assumiu o monopólio de dirimir os conflitos; como função, porque constitui obrigação do Estado prestar a tutela jurisdicional quando chamado; finalmente, como atividade, uma vez que a jurisdição atua por meio de uma seqüência de atos processuais. Jurisdição, portanto, é o poder, a função e a atividade exercidos de desenvolvidos, respectivamente, por órgãos estatais previstos em lei, com a finalidade de tutelar direitos individuais e coletivos. Uma vez provocada, atua no sentido de, em caráter definitivo, compor litígios ou simplesmente realizar direitos materiais previamente acertados, o que inclui a função de acautelar os direitos a serem definidos ou realizados, substituindo, para tanto, a vontade das pessoas ou entes envolvidos no conflito. Características da jurisdição 1 – Unidade: a jurisdição, dizem os clássicos, é função exclusiva do Poder Judiciário, por intermédio de seus juízes (art. 1º), os quais decidem monocraticamente ou em órgãos colegiados, daí porque se diz que ela é una. A distribuição funcional da jurisdição em órgãos (Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Varas Cíveis, Varas Criminais, entre outros) tm efeito meramente organizacional. A jurisdição, como ensina Lopes da Costa, será sempre o poder-dever de o Estado declarar e realizar o Direito. Nesse sentido, se diz que a jurisdição é una, ou seja, é função monopolizada dos juízes, os quais integram uma magistratura nacional, não obstante um segmento seja pago pela União (magistratura federal e trabalhista, por exemplo) e outro pelos Estados-membros (magistrados estaduais). Algumas concepções clássicas, no entanto, precisam ser superadas. Conquanto o art. 1º estabeleça que a jurisdição é exercida “pelos juízes”, o termo correto é juízo, órgão composto, no mínimo, pelo juiz, escrivão e demais auxiliares da justiça (agentes permanentes). Embora não o integrem de forma permanente, a esse órgão, dependendo da natureza da demanda, acorrem o representante do Ministério Público, o Defensor Público, o perito, os advogados (agentes variáveis). A referência à figura tão somente do juiz decorre até de uma tradição histórica. Nosso direito é romano, posteriormente com influência germânica. Na antiguidade, não se separava o Estado da Religião (Estado Teocrático). O exercício da jurisdição estatal nasceu, portanto, muito impregnado pela religiosidade. Daí advém esse personalismo: a figura do Deus acabou de recair sobre o juiz. Hoje, contudo, o parâmetro é o Estado Democrático de Direito. Não se concebe, nos dias atuais, a edição de uma lei ou sentença por ato de uma única pessoa. É claro que a sentença é prolatada pelo juiz em nome do Estado, mas esse provi9mento jurisdicional é fruto de um processo, concebido e gestado sob o crivo do contraditório (debate democrático). A jurisdição, dessa forma, não é um ato solitário dos juízes. A jurisdição é prestada por um órgão que, do ponto de vista subjetivo, é composto por agentes públicos, que recebem vencimentos (juiz, escrivão, promotor público, defensor e outros), e agentes privados, que recebem honorários (v.g., advogado e perito). Todos esses agentes exercem múnus público e estão sujeitos a impedimento e suspeição. A exceção fica por conta dos advogados, sujeitos parciais por excelência. Observe que o juiz, escrivão e o promotor de justiça, tal como o advogado, podem variar ao longo do processo. O que importa não é a pessoa, mas a autoridade. O juiz pode ser substituído (porque aposentou ou foi promovido), a parte pode trocar de advogado a qualquer tempo. O que não se concebe é processo sem juiz, escrivão, promotor ou advogado. Quanto ao advogado, pelo menos o do autor, deverá estar presente sempre. A exigência decorre do art. 133 da CF, que estabelece ser o advogado “indispensável à administração da justiça”. No processo civil, o advogado do réu não é figura obrigatória. Comparecendo sem advogado, o réu será reputado revel e o processo terá normal prosseguimento. Já no processo penal, é obrigatório que o réu esteja assistido por advogado. Em caso negativo, ser-lhe-á nomeado defensor. O tratamento diferenciado justifica-se ante a natureza do direito objeto de tutela na esfera penal (a liberdade, garantia fundamental do cidadão). As afirmações de que a jurisdição é monopólio do Estado e que a função de dizer o Direito é única e exclusiva dos juízes – ilações que podem ser extraídas da literalidade do art. 1º - também estão ultrapassadas. O próprio Estado prevê e reconhece como legítimo o exercício da jurisdição por outros órgãos / agentes não integrantes do Poder Judiciário. Exemplo do que está a dizer é o do Senado Federal, órgão que, presidido pelo Presidente do STF, será competente para julgar o presidente da República nos crimes de responsabilidade (86 da CF). Trata- se do processo de impeachment, no qual os senadores, em única e definitiva instância, absolverão ou condenarão o presidente da República. A sentença condenatória se materializará mediante resolução do Senado, a ser proferida pelo voto de 2/3 dos senadores, sendo vedado ao Judiciário alterar ojulgamento realizado, sob pena de infringência ao princípio da separação dos poderes. Trata-se, aqui, de exercício da jurisdição pelo Poder Legislativo. Outro exemplo de exercício de jurisdição por não juízes é a Arbitragem (Lei n. 9.307/96), na qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, decidirá o conflito de interesses, criando a norma individual que regulará o caso concreto. É possível o controle judicial da sentença arbitral, mas apenas em relação aos requisitos de validade (arts. 32 e 33 da Lei n. 9.307/96) e mesmo assim dentro do prazo de 90 dias da intimação da sentença, findo os quais a decisão se torna definitiva. Vale destacar que, no âmbito trabalhista, a arbitragem é consagrada em nível constitucional (art. 114, §§ 1º e 2º). Tais exemplos já são suficientes para desmistificar a assertiva de que somente aos juízes incumbe declarar e dizer o Direito. Também podemos citar a Justiça Desportiva, órgão administrativo com atribuições para julgar questões relacionadas à disciplina e competições desportivas (art. 217 da CF). Nessas hipóteses, o acesso ao Judiciário só será possível após o exaurimento da via administrativa (art. 217, § 1º); e o Tribunal de Contas, órgão ligado ao Legislativo e com competência para o julgamento das contas dos administradores públicos. Embora não seja órgãos jurisdicionais no aspecto técnico do termo, porquanto as decisões emanadas desses órgãos sujeitam-se ao controle jurisdicional, não há como negar que a Justiça Desportiva e o Tribunal de Contas exercem função jurisdicional, na medida em que acertam qual o Direito aplicável àqueles conflitos que lhes competem decidir. Não podemos deixar de mencionar, ainda, os meios alternativos de pacificação social (equivalentes ou substitutivos da jurisdição), como a autotutela (solução pela imposição da vontade de um dos interessados), a autocomposição (que engloba a remissão, submissão, a transação e a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação) e a mediação. A função de aplicar o direito ao caso concreto, de solucionar os conflitos de interesse, não constitui, portanto, atributo exclusivo do Poder Judiciário. Assim, é com bastante ressalva que se deve afirmar ser a jurisdição monopólio do Estado. 2 – Secundariedade: a jurisdição é o derradeiro recurso (ultima ratio), a última trincheira na busca da solução dos conflitos. O normal e esperado é que o Direito seja realizado independentemente da atuação da jurisdição, sobretudo em se tratando de direitos patrimoniais. Em geral, o patrão paga o salário sem que seja acionado para tanto; o locatário paga o aluguel sem que o locador tenha que recorrer à Justiça para fazer valer seu direito; o pai paga alimentos ao filho, independentemente de qualquer ação de alimentos. Prevalece, portanto, o convencionado pelas partes, o ato jurídico perfeito. Somente quando surge o litígio (conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida) é que o Judiciário é provocado a prestar a tutela jurisdicional. É nesse contexto que se diz que a jurisdição é secundária, que ela tem a característica da secundariedade. Infelizmente, no entanto, o caráter secundário da jurisdição tem sido deixado de lado. O que se presencia no cotidiano forense é uma enxurrada cada vez maior de processos, sem que qualquer medida extrajudicial na tentativa de solucionar o impasse fosse tomada. Vai-se ao Judiciário, por exemplo, para pleitear a concessão de benefício previdenciário pelo INSS, sem que qualquer pedido administrativo seja feito diretamente à autarquia. Ao invés de se dirigir à agência bancária para obter extratos bancários, a parte promove ação judicial com tal intuito. Ora, a propositura de uma demanda almejando resultados que poderiam ser obtidos sem a intervenção judicial contraria o caráter secundário da jurisdição, revelando nítida falta de interesse de agir; a ensejar a extinção do processo sem resolução do mérito. Veja, a respeito, julgamento proferido em ação de exibição de documentos, na qual, além de não ter comprovado diligência prévia na tentativa de obter a documentação pretendida, o autor sequer indica qual a utilidade dos documentos: “EMENTA: AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – INTERESSE DE AGIRA – INEXISTÊNCIA – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. O interesse de agir trata-se de condição da ação que pode ser compreendida sobre dois enfoques: a necessidade / utilidade do provimento jurisdicional pleiteado e a adequação do procedimento escolhido para atingir tal fim. O Poder Judiciário não está a serviço de pretensões inúteis ou imotivadas, que não apresentariam ganho algum para a parte. Aceitar o ajuizamento de ações sem qualquer interesse jurídico específico é incentivar o demandismo desenfreado, abarrotando desnecessariamente as prateleiras do Judiciário, que já recebe a pecha de moroso e inoperante. Destarte, uma vez que o autor não indica qual seria o objetivo da pretensão formulada, é de se reconhecer a falta de interesse processual para o feito, o que acarreta a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, VI, do CPC” (TJMG, AC n. 1.0106.07.025729-5/001, 18ª Câmara Cível, rel. Des. Elpídio Donizetti, data do julgamento 23/10/2007). Essa letigiosidade desenfreada e incondicionada não pode continuar. Penso que deveríamos caminhar no sentido de maior condiconamento de acesso à tutela jurisdicional, colocando-a em seu devido lugar, como a última e definitiva alternativa na solução dos litígios. Tal já ocorre com algumas demandas, como a ação de Habeas Data, para a qual se exige prévio esgotamento da via administrativa (art. 8º da Lei 9.507/97), e as ações envolvendo o direito desportivo, que devem ser analisadas previamente pela Justiça Desportiva, órgão administrativo. Por que, então, não se condiciona, por exemplo, a propositura da ação de concessão de benefício previdenciário ao prévio requerimento administrativo, dando ao INSS prazo determinado para responder ao pleito? Nem todas as relações jurídicas, contudo, comportam soluções voluntárias, isto é, sem a atuação jurisdicional. Tal ocorre “naquelas pretensões relativas a direitos e interesses regidos por normas de extrema indisponibilidade”, como no caso das normas penais (que versam sobre direito à liberdade), com exceção das hipóteses de transação da Lei 9099/95 e de algumas normas civis, notadamente as de cunho não patrimonial. Não se admite, por exemplo, a destituição do pátrio-poder, a interdição de incapaz ou a rescisão de sentença de mérito sem o pronunciamento judicial nesse sentido. Fala-se, assim, em jurisdição obrigatória necessária, primária ou indispensável. Nesses casos, a atuação do Estado não é secundária, mas condição indispensável à obtenção dos resultados desejados. Fora das hipóteses de jurisdição necessária, apenas quando persistir a situação litigiosa é que o Estado deverá atuar, substituindo, com atividade sua, a vontade daqueles diretamente envolvidos no conflito. 3 – Substitutividade: como demonstrado, de um modo geral, as relações jurídicas são formadas, geram seus efeitos e extinguem-se sem dar origem a litígios. Quando surge o litígio, as partes podem compô-lo de diversas formas, sem recorrer ou guardar o pronunciamento do Estado-Juízo. A transação (concessões mútuas – CC, art. 840), a conciliação (transação obtida em audiência) e o juízo arbitral (solução da lide por pessoas estranhas ao judiciário) são instrumentos extrajudiciais adequados para a composição dos litígios. Apenas quando frustradas as tentativas extrajudiciais de solução dos conflitosé que o Estado deverá ser chamado para atuar. Como o Estado é um terceiro estranho ao conflito, ao exercer a Jurisdição, estará ele substituindo, com atividade sua, a vontade daqueles diretamente envolvidos na relação de direito material, os quais obrigatoriamente se sujeitarão ao que restar decidido pelo Estado –J Juízo. É nesse sentido que se fala em substitutividade da jurisdição. Em razão da substitutividade, a jurisdição é espécie de heterocomposição dos conflitos, gênero que se contrapõe à autocomposição (solução do litígio pelos próprios sujeitos da relação material, como se dá na conciliação e transação). 4 – Imparcialidade: para ser legítimo o exercício da jurisdição, é imprescindível que o Estado – Juízo – ou melhor, aqueles agentes que, em decorrência da lei, integrarão o órgão jurisdicional (juiz, escrivão, oficial de justiça, contador) – atue com imparcialidade. No exercício da jurisdição deve predominar o interesse geral de administração da justiça, devendo os agentes estatais zelar para que as partes tenham igual tratamento e igual oportunidade de participar na formação do convencimento daquele que criará a norma que passará a reger o conflito de interesses. É nesse sentido que se diz que a jurisdição é atividade imparcial do Estado. Do advogado, conquanto indispensável (art. 133 da CF), não se exige imparcialidade, ao contrário dos demais agentes. Por atuarem no interesse daqueles que representam, a atividade dos advogados é essencialmente parcial. 5 – Criatividade: agindo em substituição à vontade dos conflitantes, o Estado, ao final do processo, criará uma norma individual que passará a regular o caso concreto, inovando a ordem jurídica. A essa norma dá-se o nome de sentença (quando a decisão é prolatada por juiz singular) ou acórdão (quando a decisão emana de órgão colegiado). Não é tecnicamente preciso, conquanto usual, afirmar que o juiz declara o Direito, que o juiz simplesmente subsume as normas aos fatos. A tutela jurisdicional vai além, inovando o mundo jurídico, criando e não apenas reconhecendo algo já existente. Nos dizeres de Mauro Cappelletti: “A resposta dada neste ensaio à indagação de se a tarefa do juiz é interpretar ou criar o direito, posiciona- se no sentido de que o juiz, inevitavelmente, reúne-se em si uma e outra função, mesmo no caso – que constitui, quando muito, regra não sem muitas exceções – em que seja obrigado a aplicar lei preexistente. Nem poderia ser de outro modo, pois a interpretação sempre implica um certo grau de discricionariedade e escolha e, portanto, de criatividade, um grau que é particularmente elevado em alguns domínios, como a justiça constitucional e a proteção judiciária de direitos sociais e interesses difusos.” O processo de criação pelo Estado – Juízo, portanto, não consiste pura e simplesmente na aplicação das leis (normas gerais e abstratas) ao caso concreto. Exige-se do magistrado postura mais ativa, cabendo-lhe apreender as especificidades de cada caso, a fim de encontrar a solução consentânea com os preceitos legais e constitucionais. A sentença ou o acórdão, em regra, conterá três tópicos: relatório, fundamentação e dispositivo (art. 458). Primeiramente, o juiz qualificará as partes e procederá ao resumo do pedido, da resposta do réu e das principais ocorrências havidas no andamento do processo (relatório). Em seguida, o juiz analisará as questões fáticas e interpretará e valorará o conjunto normativo aplicável ao caso narrado (o juiz julgará a própria lei). Dessa atividade, o juiz extrairá os fundamentos que justificarão sua decisão. Esses fundamentos constituem o que se denomina de ratio decidendi e servirão de precedentes para julgamentos futuros, para edição de súmulas de tribunais e para o imediato julgamento de causas repetitivas (art. 285- A). Por fim, já na parte dispositiva da sentença, ou acórdão, o juiz proferirá, com base na ratio decidendi, a norma individualizada no caso concreto, ou seja, a solução daquele conflito. Vale observar que a função precípua da jurisdição não é constituir precedentes para casos futuros – embora o Supremo o esteja fazendo por meio das Súmulas Vinculantes – e sim normas concretas, para reger o caso concreto. Mas antes disso, o juiz deverá, sempre, valorar a norma a ser aplicada (controle difuso de constitucionalidade). É importante destacar, por fim, que nem sempre haverá substrato legal específico sobre determinada matéria deduzida em juízo, do qual possa o juiz retirar os fundamentos (ratio decidendi) da norma individualizada a ser criada. É o que ocorre, por exemplo, em questões envolvendo relações homoafetivas e direito de greve de funcionários públicos. Não obstante a lacuna legal, o Judiciário é obrigado a decidir tais conflitos, devendo extrair os respectivos fundamentos de outras fontes do direito (analogia, costume, princípios gerais – art. 4º da LICC), o que evidencia o caráter criativo da Jurisdição. 6 – Inércia: a jurisdição é atividade eqüidistante e desinteressada do conflito e, por isso, num primeiro momento, só age se provocada pelas partes, por intermédio de seus advogados (art. 2º). Evidentemente, uma vez provocada, age por impulso oficial, de ofício. A própria lei prevê exceções à regra da inércia da jurisdição. Mesmo sem provocação, pode o juiz determinar que se inicie o inventário se nenhum dos legitimados o requerer no prazo legal (art. 989) e decretar a falência de empresa sob regime de recuperação judicial (art. 73 e 74 da Lei 11.101/2005); a execução trabalhista inicia-se por ato do juiz (art. 878 da CLT), assim como a execução penal (art. 105 da Lei de Execução Penal); o habeas corpus também pode ser concedido de ofício (art. 656, § 2º, do CPP). 7 – Definitividade: traço marcante e distintivo da jurisdição em relação às demais funções estatais (administrativa e executiva) e meios de pacificação social é a aptidão para a definitividade, quer dizer, a suscetibilidade para se tornar imutável. A essa característica de definitividade da jurisdição dá-se o nome de coisa julgada, instituto que será estudado mais adiante. Por ora, vale a menção de que a estabilidade que se confere ao provimento jurisdicional varia conforme sua natureza. As decisões de mérito (aquelas que julgam o cerne da pretensão formulada, criando a norma individualizada do caso concreto) são as que gozam do mais elevado grau de estabilidade conferida pela ordem jurídica: a coisa julgada material, garantia fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI da CF). O próprio ordenamento jurídico, no entanto, prevê hipóteses de relativização da coisa julgada material. É o caso da Ação Rescisória, da querela nullitatis e da inexigibilidade da sentença (art. 475-L, § 1º, art. 741, parágrafo único) temas que também serão abordados em nossa obra. Já com relação aos provimentos jurisdicionais que não decidem o mérito (sentenças terminativas), a proteção outorgada é menos intensa. Tais decisões não impedem a repropositura da demanda, podendo o juiz decidir contrariamente ao que decidido na primeira sentença. A hipótese, aqui, é de coisa julgada formal (e não material), que obsta a rediscussão do tema tão somente naquele processo em que proferida a decisão. Não se pode olvidar, contudo, que “por menor que seja o grau de imunidade concedido a um ato jurisdicional, sempre é exclusivamente o Poder Judiciário quem poderá neutralizá-lo ou dsconstituí-lo”, daí se dizer que a Jurisdição dotada de definitividade.
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