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Curso de Direito Constitucional - parte 2

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Curso de Direito Constitucional – Parte 2
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Noções Elementares de interpretação da Constituição
Konrad Hesse – “a interpretação constitucional é concretização”. Só faz sentido buscar um sentido para a norma quando se objetiva conformar a vida social.
Algumas características da interpretação de norma constitucional que a diferenciam de outras normas estatais:
 -Tende a acarretar impacto sobre todo o direito positivo do Estado;
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 -A interpretação constitucional sofre de pressão ideológica e política;
 -Tem interesses mais amplos do que os que estão em jogo quando se fala de normas de outros setores do mundo jurídico;
 -A Constituição está repleta de termos vagos e plurívocos;
 -A Constituição impõe metas ao Estado sem indicar como devem ser realizadas.
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1 – Levando em conta a estrutura das normas constitucionais
Eros Grau: “os textos normativos carecem de interpretação não apenas por não serem unívocos ou evidentes – isto é, por serem destituídos de clareza -, mas sim por que devem ser aplicados a casos concretos, reais ou fictícios”.
A norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundo do dever ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual ela será aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser).
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Norma não é exclusivamente texto! Disposição normativa (texto) é o objeto de interpretação. Norma é o produto da interpretação (feita utilizando-se dados da realidade).
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Análise do Programa Normativo: Inquietações técnicas para o intérprete.
Interpretação gramatical: Sentido das palavras;
Interpretação sistemática: compreensão do texto no contexto do ordenamento constitucional;
Interpretação teleológica: Busca entender o fim por traz da norma e os princípios de valor que a determinam;
Interpretação histórica: leva em conta o contexto histórico de criação do dispositivo constitucional analisado.
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Nenhum dos critérios deve ser considerado mais importante. Seu uso deve ser conjunto e ainda assim pode resultar em dificuldade de se obter um resultado interpretativo único.
Hesse critica a confiança total a qualquer um dos métodos interpretativos. Textos complexos podem dificultar a interpretação gramatical (polissemia das palavras, por exemplo). A interpretação sistemática poderia ser manipulada, a interpretação teleológica seria uma carta branca ao intérprete. Critica ainda a inexistência de uma clareza quanto ao modo como os métodos se relacionam.
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Ambiguidades
Reside muitas vezes na vagueza do termo ou da expressão.
Ex. Penas cruéis (art. 3º, XLVII), Devido processo legal (art 5º, LIV), atividade nociva ao interesse nacional (art. 12, §4º).
Outras vezes consiste na utilização de termos fora do significado mais comumente utilizado. Ex. Casa, domicílio.
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Incoerência Normativa
Legislador racional – Não usa palavras excessivas e não é incoerente nos seus comandos. Na prática não é bem assim...
Por vezes antinomias internas não são possíveis de resolver com os critérios de hierarquia, especialidade e cronologia.
Ex. arts. 61, §1º, d e art. 128, § 5º - “privativa” 
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Lacunas
“Situação constitucionalmente relevante não prevista” Jorge Miranda.
Assunto extraconstitucional – O assunto deixou de ser regulamentado porque o constituinte considerou que sua regulamentação deveria ser feita pelo legislador infraconstitucional.
Silêncio eloquente – o constituinte disciplina determinada matéria de forma minuciosa excetuando apenas o tópico em que ocorre a omissão. Quer dizer que aquela situação não deve ser tratada de forma analógica com as que disciplinou. Ex. Art. 102, I, a e os atos normativos municipais.
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Lacuna de formulação – Lapso do constituinte. Ex. art. 103 corrigido pela EC 45/04. Até a emenda o governador do DF não poderia propor ADIn.
Lacuna em virtude de o legislador não haver atinado para o período de adaptação para a norma produzir o efeito necessário na realidade. Ex. os TRTs e os membros do MPT.
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Lacuna axiológica – Em que pese o constituinte haver criado uma solução formal para o problema, o intérprete considera a situação de fato não é satisfatoriamente abrangida pela norma. Lacuna criada pelo intérprete! Ex. art. 102, I , f (jurisprudência do STF – “conflito federativo”)
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Métodos de interpretação da Constituição
Descrição de métodos de Böckenförde (Ernst-Wolfgang)
Método Hermenêutico-clássico – Fórmulas de Savigny –Interpretações sistemática, histórica, lógica e gramatical. Fraqueza – Normas constitucionais carecem, muitas vezes, de densidade normativa.
Método da Tópica – Constituição como um conjunto aberto de regras e princípios. O aplicador deve escolher o mais adequado para a solução do caso concreto. Fraqueza – casuísmo, multiplicidade de valores dos diversos intérpretes.
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Método científico-espiritual (Smend) - A interpretação deve buscar se aproximar dos valores do povo que seriam expressos na Constituição. Fraqueza (ou não?)- os valores mudam, a interpretação fica elástica e flexível.
Método Hermenêutico-concretizador – dá importância ao caso concreto mas o primado não é do problema, mas sim do texto constitucional. Círculo hermenêutico, texto, contexto e interpretação em um movimento de ir e vir.
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Método jurídico-estruturante (Müller) – Evolução do método hermenêutico-concretizador. Norma não se confunde com seu texto. O intérprete não pode prescindir da realidade social para realizar sua tarefa hermenêutica.
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Princípios da Interpretação Constitucional
Esses princípios são balizas a serem observadas quando da aplicação do método hermenêutico-concretizador. Trazidos por Hesse foram acolhidos em língua portuguesa por Canotilho.
Princípio da Unidade da Constituição – Uma norma não deve ser considerada fora do sistema que ela integra.
 
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Princípio da Máxima Efetividade – à norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.
Princípio da Força Normativa da Constituição – Estaria contido no anterior. Deve dar prevalência a pontos de vista que tornem a norma mais adequada ao momento histórico.
Princípio da Correção Funcional – Não permite que uma interpretação deturpe a distribuição de competências dada pela Constituição aos órgãos e pessoas.
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Princípio da Concordância Prática – Quando há conflito entre normas constitucionais esse princípio requer que o alcance das normas seja comprimido até que se encontre o ponto de equilíbrio entre elas.
Princípio da Interpretação Conforme a Constituição - Se uma norma infraconstitucional tiver mais de uma interpretação possível, o sentido próprio será aquele que for conforme a Constituição. É um princípio de interpretação da lei.
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Constituições no Brasil
1824 – outorgada (após dissolução da assembleia constituinte convocada no ano anterior) por D. Pedro I, durou 65 anos, a mais longeva até hoje. Poder moderador, inviolabilidade do imperador. Poder sobre os outros poderes: Nomear senadores, dissolver a câmara, suspender juízes. Voto censitário (1% da população)
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1891 – Promulgada. A primeira da República. Influenciada pela Constituição Americana. A mais concisa: 91 artigos mais 8 nas disposições transitórias. Criou a justiça federal e pôs o STF no ápice do poder judiciário. Planejava a mudança da Capital Federal para o planalto central, o que só foi ser feito por JK. Foi emendada uma única vez em 1926. 
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1934 – Promulgada. A primeira posterior à revolução de 1930 e à constitucionalista de 32. Influência da Constituição de Weimar (Estado social).
1937 – Outorgada por Getúlio. A “polaca”, por influência da Constituição polonesa. Fortalecimento do Executivo. Legislação por decreto-lei. Trouxe de volta a pena de morte. Institucionalizou a censura prévia.
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1946 – Promulgada. Buscava superar o Estado autoritário anterior. Volta dos direitos individuais e da liberdade
política. Era presidencialista, com exceção ao período 61-64 em que estabeleceu-se o parlamentarismo em virtude da crise instaurada pela renúncia de Jânio.
1967 – Aprovada pelo Congresso sem liberdade de deliberação. “Segurança Nacional” era a tônica. Amplos poderes ao Presidente. Tinha um catálogo de direitos individuais que podiam, porém, ser suspensos. O presidente voltou a poder legislar por decretos-leis.
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EC 1/1969 – Muitos veem como uma nova Constituição. Outorgada. Reforma feita pela junta ministerial. Maior centralização do poder.
EC 26/1985 – Convocou a nova constituinte.
1988 – Promulgada. Atual constituição. Respeito aos direitos individuais, significativa série de direitos sociais. “Cidadã”. Respeito à dignidade da pessoa humana. Título dos direitos fundamentais antes da organização do Estado.
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Poder Constituinte
 I - Poder Constituinte Originário
Ao contrário das outras leis que retiram seu fundamento de outras leis que lhes são hierarquicamente superiores, a Constituição tira seu fundamento do poder constituinte originário.
Titularidade do poder: Povo – “um grupo de homens que se delimita e se reúne politicamente, que é consciente de si mesmo como magnitude política e que entra na história atuando como tal”. (Böckenförde)
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Características básicas (três I’s): 
Inicial – a ordem jurídica começa com ele;
Ilimitado – pode decidir o que quiser, e;
Incondicionado – não pode ser regido pelo direito preexistente.
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Momentos de expressão do poder constituinte originário
É um poder permanente que pode se manifestar a qualquer momento, e não só na criação da Constituição. Como: por revoluções ou pacificamente, da forma que se deu a CF/88.
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Formas de manifestação do poder constituinte originário.
Apesar de incondicionado, costuma se organizar em certos processos.
Ato constituinte unilateral – Constituição outorgada, por uma pessoa ou grupo, sem participação popular (1824 e 1837 sem variações na doutrina)
Ato de assembleia de representantes do povo – Constituição promulgada (votada) (1891, 1934, 1946, 1967-69* e 1988)
*José Afonso da Silva , Alexandre de Morais e grande parte da doutrina consideram que a de 67-69 foi outorgada. 
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Plebiscito (prévio ao ato legislativo) ou referendo (posterior) – Aprovação direta do povo (França, 1958)
Ratificação pelos Estados federados (EUA, 1787)
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Questões práticas
Supremacia da Constituição: Conflitos de leis com a Constituição terá como solução a prevalência desta.
Recepção (Kelsen): Diplomas jurídicos anteriores à Constituição que continuam valendo após a promulgação ou outorga. Mas a Constituição não inaugura o ordenamento? Obs.: Código Penal e CTN.
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Revogação ou inconstitucionalidade superveniente? – Revogação! (em se tratando de inconstitucionalidade a situação mereceria apreciação do STF em ADIn). Outro efeito a nulidade (inconstitucionalidade) geraria efeito ex tunc (retroage).
Voto vencido, do Min. Sepúlveda Pertence – Inconstitucionalidade: revogação ocorre entre normas do mesmo patamar hierárquico.
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Desconstitucionalização – Normas da anterior Constituição que por não contrariarem a nova entrariam no novo ordenamento como simples leis (Pontes de Miranda). Tese não admitida pela doutrina majoritária nem pela jurisprudência do STF. 
Obs. Art. 34 do ADCT- O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.
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Normas anteriores à Constituição e modificação de competência – Incompatibilidade formal – Gilmar – Federal para estadual ou municipal não haveria problema. O inverso sim.
Repristinação – Restauração da eficácia de uma norma por uma nova Constituição quando a anterior a havia revogado. Considerada inviável.
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Possibilidade de declarar inconstitucional norma anterior à (atual) Constituição, com ela materialmente compatível, editada com desobediência à Constituição então vigente – Possível: inconstitucionalidade gera nulidade, a nova Constituição não revigora diplomas nulos.
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Poder constituinte originário e direitos adquiridos – Em que pese a CF/88 consagrar o instituto do direito adquirido os mesmos não podem ser opostos à Constituição que tem incidência imediata. “Para as Constituições, o passado só importa naquilo que ela aponta ou menciona.” Eficácia retroativa mínima (pelo menos): Afeta efeitos futuros de fatos passados.
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Poder constituinte originário e controle de constitucionalidade dos seus atos – Impossível que poder criado pelo poder constituinte originário lhe deva reverência. Característica de ilimitado do PCO.
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II – Poder Constituinte de Reforma (ou derivado, ou instituído, ou constituído ou de 2º grau)
Previne o engessamento do texto constitucional. Evita que o poder constituinte originário tenha que se manifestar a todo momento.
Características: É derivado, condicionado e limitado.
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Limites ao poder de reforma
a) De ordem procedimental: quórum qualificado (3/5 dos membros de cada casa) e votação em dois turnos em cada casa.
Quem pode apresentar proposta de emenda? – 1/3 dos membros da Câmara ou do Senado, o Presidente da República, mais da metade das Assembleias das unidades da federação, cada uma com no mínimo a maioria de seus membros.
Proibição de reapresentação de PEC rejeitada na mesma sessão legislativa (de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro).
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Proibição de mudança durante intervenção federal, estado de sítio ou estado de defesa (CF art. 60, §1º)
b) de ordem material: Cláusula pétrea.
Nélson Sampaio: “cumpre evitar uma rigidez tão acentuada que seja um convite às revoluções, ou uma elasticidade tão exagerada que desvaneça a ideia de segurança do regime sob que se vive”.
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Dificuldades teóricas para a aceitação de limites materiais. Ambos os poderes originário e derivado tiram seu poder em última instância do povo. Porque as gerações atuais deveriam se submeter às gerações passadas? A ideia de um núcleo essencial do projeto do poder constituinte originário.
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Natureza da Cláusula Pétrea
Argumentos dos que não aceitam as cláusulas pétreas juridicamente (Loewenstein e Barthélemy): Ambos os poderes são formas de expressão da soberania do povo, seria desarrazoada a ideia de uma autolimitação da vontade nacional. As cláusulas pétreas teriam uma função política, mas não força jurídica.
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A dupla revisão: Alguns sustentam que as normas que impedem a revisão de certos preceitos jurídicos básicos sã vinculantes, porém elas mesmas poderiam ser revogadas/alteradas.
Entendimento que predomina no Brasil, no entanto, é de que elas são absolutamente vinculantes e não podem ser modificadas ou suprimidas
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Finalidade da Cláusula Pétrea
“Pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro”.
Alcance de proteção: A cláusula pétrea não tem por escopo proteger dispositivos constitucionais, mas os princípios neles modelados.
Ex. MS 20.257 – DF – Os mandatos dos prefeitos x princípio republicano
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Controle de constitucionalidade de emendas em face de cláusula pétrea – No Brasil, o STF entende possível. Na França não se considera possível. Pode ser feito em controle concreto, por qualquer juiz, em controle abstrato pelo STF ou até antes da emenda ser votada por MS para o qual é legitimado ativo o membro do congresso nacional. 
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Cláusulas Pétreas em espécie
Forma federativa do Estado;
A separação de poderes;
O voto direto, secreto, universal e periódico;
Os direitos e garantias individuais;
Direitos sociais – Posições: Não – o art. 60, §4º fala apenas dos individuais; Sim – Dignidade da pessoa humana, direitos sociais fazem parte da essência de Estado concebida pelo constituinte originário
(lacuna de formulação do art. 60, §4º, o constituinte falou menos do que queria)
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Criação de novos direitos fundamentais
Não pode o constituinte derivado criar cláusulas pétreas. Pode porém especificar melhor cláusulas já existentes. Ex. art. 5º LXXVIII da CF, trazido pela EC 45/04.
Direitos trazidos por tratados de Direitos Humanos? Caráter de EC, sim, seguidos os critérios de aprovação. Cláusulas pétreas? Precedentes do STF que consideram tais normas supralegais, mas infraconstitucionais...
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Cláusula Pétrea do direito adquirido
EC’s podem afetar direitos adquiridos?
Art. 5º XXXVI -  a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 
Em pelo menos duas decisões o STF já considerou que o direito adquirido seria oponível a EC.
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Cláusulas Pétreas implícitas
Limitações materiais ao poder de reforma não estariam exaustivamente enumeradas no art. 60, §4º. Ex. Direitos sociais.
O próprio art. 60, § 4º seria Cláusula Pétrea implícita.
Para Nélson de Souza Sampaio: a) normas concernentes ao titular do poder constituinte, b) normas referentes ao titular do poder reformador e, c) normas que disciplinam o procedimento de emenda, seriam cláusula pétreas.
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Mutação Constitucional
É a forma como o Texto Constitucional pode ser alterado materialmente, sem que seja formalmente alterado. É a mudança na forma de se encarar o texto constitucional, em virtude de mudança da própria sociedade.
“A nova interpretação há, porém, de encontrar apoio no teor das palavras empregadas pelo constituinte e não deve violentar os princípios estruturantes da Lei Maior; do contrário, haverá apenas uma interpretação inconstitucional.”

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