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LIVRO ENTRE A MEMÓRIA E O DISCURSO NILTON MILANEZ E outros orgs ED CLARALUZ

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1
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Coleção DisCursiviDaDes
entre a Memória 
e o Discurso
Nilton Milanez
Cecília Barros-Cairo
Túlio Henrique Pereira
(orgs.)
claraluz
EDITORA
2
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
entre a Memória 
e o Discurso
Coleção Discursividades
2010
claraluz
EDITORA
 Entre o discurso e a memória / Nilton Milanez, Cecília
 E61 Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira, organizadores. 
 São Carlos: Claraluz, 2010.
 181 p.
 
 ISBN 978-85-88638-56-3
 
 1. Discurso. 2. Memória. 3. História. 4. Corpo. 
 I. Milanez, Nilton, org. II. Barros-Cairo, Cecília, org. 
 III. Pereira, Túlio Henrique, org.
 
Nilton Milanez
Cecília Barros-Cairo
Túlio Henrique Pereira
(orgs.)
3
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
 Entre o discurso e a memória / Nilton Milanez, Cecília
 E61 Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira, organizadores. 
 São Carlos: Claraluz, 2010.
 181 p.
 
 ISBN 978-85-88638-56-3
 
 1. Discurso. 2. Memória. 3. História. 4. Corpo. 
 I. Milanez, Nilton, org. II. Barros-Cairo, Cecília, org. 
 III. Pereira, Túlio Henrique, org.
 
4
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
las Heras HERRERO
5
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
http://www.youtube.com/watch?v=HOrvuxRMwYI
6
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
OS AUTORES
Nilton Milanez (Org.)
Doutor em Lingüística e Língua Portuguesa pela UNESP/Araraquara com doutorado-sanduíche na 
Paris III, Sorbonne Nouvelle. É Professor do Programa de Mestrado em Memória, Linguagem e 
Sociedade na UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Líder do GRUDIOCORPO/CNPq 
- Grupo de Estudos sobre o Discurso e o Corpo e coordenador do Labedisco/UESB - Laboratório de 
Estudos do Discurso e do Corpo. 
Cecília Barros-Cairo (Org.)
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade da UESB - Uni-
versidade Estadual do Sudoeste da Bahia e pesquisadora do GRUDIOCORPO/CNPq - Grupo de Es-
tudos sobre o Discurso e o Corpo. Graduada em Psicologia pela Faculdade de Tecnologia e Ciências 
e especialista em Psicologia da Saúde, pela Faculdade Juvêncio Terra. 
Túlio Henrique Pereira (Org.)
Mestrando no Programa Memória: linguagem e sociedade da UESB (Universidade Estadual do Su-
doeste da Bahia), com graduação em História pela UEG (Universidade Estadual de Goiás) e inte-
grante do GRUDIOCORPO/CNPq - Grupo de Estudos sobre o Discurso e o Corpo.
Maria Aparecida Conti
Doutoranda do Curso de Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Uberlândia/UFU com 
mestrado em LInguística pela mesma instituição. Possui graduação em Letras Anglo-portuguesas 
pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Jandaia do 
Málter Dias Ramos
Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia, professor de Língua Por-
tuguesa na Escola de Educação Básica da UFU (ESEBA). É autor de capítulo de livro intitulado 
como: “O silêncio em Vidas Secas”, publicado pela editora Claraluz no livro “Análise do Discurso na 
Literatura: rios turvos de margens indefinidas”.
Edvania Gomes da Silva
Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas, com mestrado em Lingüística pela 
mesma instituição e Graduação em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco. É professora 
Assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e professora do Mestrado em 
Memória: Linguagem e Sociedade (CAPES / UESB).
7
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Guilherme Figueira Borges
Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), graduação em Letras pela 
mesma instituição. É membro estudante do GPAD-ILEEL-UFU (Grupo de Pesquisas em Análise do 
Discurso).
Jaciane Martins Ferreira
Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com estágio na Universida-
de de Toronto, Canadá. Possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia e Ciências Huma-
nas de Goiatuba. 
Janaína de Jesus Santos
Mestranda em Estudos Lingüísticos na Universidade Federal de Uberlândia e integrante do Grupo 
de Pesquisa em Análise do Discurso - GPAD. Possui graduação em Licenciatura Plena em Letras pela 
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. 
João de Deus Leite
Mestre em Estudos Linguísticos do Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de 
Uberlândia (UFU), e graduação em Letras/Português, pela Universidade Estadual de Montes Claros.
Sirlene Cíntia Alferes
Mestre em Estudos Linguísticos pelo Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de 
Uberlândia (UFU). Possui graduação em Letras (Português/Inglês) também pela UFU. É membro 
do Grupo de Pesquisa e Estudos Linguagem e Subjetividade (GELS) e do Grupo de Pesquisa e Estu-
dos em Linguagem e Psicanálise (GELP). 
Jorge Viana Santos
Doutor em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas (UNESP), Mestre em Comunicação 
e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor Adjunto 
da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. É pesquisador do Grupo de Pesquisa em Estudos 
Lingüísticos (Uesb/CNPq), do Grupo de Pesquisa em Análise de Discurso (Uesb/CNPq) e do Grupo 
de pesquisa Cinema e Audiovisual: memória e processos de formação cultural (Uesb/CNPq). 
Joseane Silva Bittencourt
Mestranda no Programa Memória: linguagem e sociedade da UESB (Universidade Estadual 
do Sudoeste da Bahia). Graduação em Comunicação Social/Jornalismo pela UESB. Gradua-
ção em Letras Modernas pela UESB. Assistente de pesquisa do Laboratório de Estudos do 
Discurso e do Corpo - Labedisco
 
8
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Karina Luiza de Freitas Assunção
Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Especialização 
Lato Senso em Estudos Lingüísticos pela mesma instituição. É integrante do Laboratório de Estudos 
Discursivos Foucaultianos (LADIF/UFU).
Lélia Marília dos Reis
Doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo/
Ribeirão Preto, e mestre em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São 
Paulo/Ribeirão Preto (USP). Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista 
Júlio de Mesquita Filho (UNESP/ASSIS).
Maria Helena Matue Ochi Flexor 
Doutora em História Social pela USP (Universidade de São Paulo), especialização em 
Metodologia do Ensino Superior pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), e graduação em His-
tória pela USP. Atualmente é professora adjunta da Universidade Católica do Salvador no Mestra-
do em Planejamento Urbano e Desenvolvimento Social (acadêmico), Mestrado em Planejamento 
Ambiental (profissional) e na graduação no Curso de História, Metodologia de Pesquisa. Coordena 
o grupo de pesquisa Redes de Cidadesna Bahia e no Brasil, dentro do grupo de Pesquisa Salvador.
Beatriz de las Heras Herrero
Professora Assistente de História Contemporânea. Membro do Departamento de Humanidades 
da Universidade Carlos III de Madrid. Membro do Instituto de Cultura e Tecnologia. Diretora das 
Jornadas de História e Cinema. Subdiretora do Congresso Internacional de História e Cinema.
9
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
(IM)POSSIBILIDADES DE EFEITOS DA MEMÓRIA NA (RE)PRODUÇÃO DE DISCURSIVIDADES1
João de Deus LEITE
Sirlene Cíntia ALFERES
Considerações Iniciais
A partir do quadro teórico da Análise de Discurso de linha francesa de orientação pecheutiana, neste 
artigo, teceremos algumas considerações teóricas acerca do estatuto do termo memória discursiva, cunhado por 
Courtine ([1981] 2009), e, em seguida, destacaremos a abordagem produzida por Pêcheux em relação a esse 
termo. Sendo assim, valer-nos-emos, em tal cotejo, da perspectiva de (im)possível(eis) ponto(s) de contato(s) e 
ponto(s) de afastamento(s) entre as abordagens supracitadas.
Como decorrência dessas considerações, quando e se possível, articularemos à nossa explanação certas 
noções pertinentes às questões relativas ao discurso e à língua(gem). Inclusive, em momento oportuno, mobili-
zaremos alguns recortes discursivos para exemplificarmos o funcionamento dos conceitos de memória, discurso 
e corpo.
Levando em conta o aparato teórico por nós mobilizado, mostraremos, em termos discursivos, certas 
implicações teórico-analíticas acerca do termo memória discursiva para o funcionamento de determinados 
dizeres midiáticos que discursiviza(ra)m sobre Ayrton Senna e Michael Jackson, quais sejam: Ayrton Senna, 
de Marleine Cohen (2006), e Riquezas são diferenças, de Arnaldo Antunes (2000).
Interlocuções teóricas
[...] a história do submarino soviético perdido no Báltico, quando este vem 
à superfície da tela de TV; o submarino está sempre lá, não necessariamen-
te no fundo do mar, mas nas profundezas de um paradigma que estrutura o re-
torno do acontecimento sem profundidade. (PÊCHEUX [1983] 2007, p.55)2
Courtine (1994)3
Em Le tissu de la mémoire: quelques perspectives de travail historique dans les sciences du langage4, 
Jean-Jacques Courtine (1994) inicia o texto problematizando o lugar que a história ocupa “dans le champ des 
1 As discussões apresentadas neste artigo foram expostas por nós, em forma de minicurso homônimo, realizado na Universidade 
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) campus Vitória da Conquista, em 16 de março de 2010.
2 Mobilizamos este recorte de Papel da memória, como epígrafe de nosso trabalho, com a finalidade de incitar uma reflexão 
sobre o entrelaçamento discursivo do funcionamento opaco da memória e do acontecimento. Assim, por analogia, poder-se-ia dizer que 
o “submarino soviético” figuraria como a memória; o “Báltico”, em suas profundidades, como a materialidade discursiva; e o movimento de 
vir à “superfície da tela de TV” como o acontecimento.
3 Ressaltamos que as discussões, problematizadas por nós, sobre a concepção de memória discursiva orientar-se-ão, 
predominantemente, a partir da elaboração de Courtine (1994) em Le tissu de la mémoire: quelques perspectives du travail 
historique dans les sciences du langage. Contudo, quando houver relevância, entrelaçaremos a estas discussões aspectos referentes à 
elaboração de Courtine ([1981] 2009) em Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. Destacamos 
que o conceito de memória discursiva foi abordado por Courtine, pela primeira vez, em 1981.
4 Tradução nossa: O tecido da memória: algumas perspectivas do trabalho histórico nas ciências da linguagem
10
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
sciences du langage em France”5 (COURTINE, 1994, p. 5). Sob essa perspectiva, Courtine (1994) propõe 
que a abordagem sobre a memória se constitua a partir da articulação entre as questões relativas à linguagem 
e à história, diferentemente dos enfoques “la psycholinguistique, les neurosciences ou les sciences cognitives”6 
(COURTINE, 1994, p. 5). Ou seja, a noção de memória, concebida por Courtine (1994), tem seu estatuto 
definido com base em aspectos inscritos na sociedade. Sendo assim, podemos dizer que tal autor postula que o 
“domaine de mémoire”7 perpassa a dimensão social e coletiva de certa cultura. Cumpre destacar que Courtine 
(1994) se vale das teorizações pioneiras de Maurice Halbwachs ([1925] 1975 apud COURTINE, 1994) para 
destacar as possíveis implicações decorrentes do fato de que a linguagem configura-se “comme une voie d’accès 
essentielle à l’analyse des cadres sociaux de la mémoire”8 (COURTINE, 1994, p. 5). Daí notarmos que essas 
teorizações pioneiras corroboram a perspectiva de que a linguagem é mediadora da (re)elaboração dos fatos 
sociais9, os quais se presentificam por meio de representações via práticas linguageiras. Assim, “Les conventions 
verbales constituent donc le cadre à la fois le plus élémentaire et le plus stable de la mémoire collective”10 
(HALBWACHS, [1925] 1975, apud COURTINE, 1994, p. 6).
Consequentemente, Courtine (1994) menciona também as implicações da abordagem das questões 
da história para as ciências da linguagem, mais precisamente, para o campo da linguística. Do ponto de vista 
epistemológico, Courtine (1994) destaca que a introdução dessas questões no campo da linguagem, na década 
de 1960, promoveu o delineamento teórico de duas vertentes de estudo, a saber: o da análise de discurso e o da 
história da linguística.
No que diz respeito à primeira vertente, a articulação entre história e linguagem foi inscrita sob uma 
óptica interdisciplinar, segundo a orientação do pensamento marxista. Essa articulação promove certa ruptura 
com os enfoques peculiares às perspectivas formalistas e sociolinguísticas11. A análise de discurso é uma vertente 
que, na sua constituição de campo teórico, sofreu certos deslocamentos em relação a conceitos e a objetos, 
conforme, por exemplo, as contribuições teóricas de Michel Pêcheux e de Denise Maldidier (cf. COURTINE, 
1994).
No que concerne à segunda vertente, desenvolvida por Courtine (1994) em forma de tópico, a relação 
entre as questões sobre a história e a linguagem são problematizadas com base no mo(vi)mento de fundação da 
linguística como campo científico. Para Courtine (1994, p. 8),
L’enseignement de Saussure est une des conséquences de la naissance, au cours 
du XIXe siècle, de la linguistique comme “forme de savoir et de pratique théo-
rique née (...) dans un contexte determine, possédant des objets détermi-
nées (l’apparentement génétique des langues, l’explication historique, les lan-
gues en elles-mêmes et pour elles-mêmes)” [(AUROUX, 1992, apud COUR-
TINE, 1994, p. 8)]; comme il est l’un des effets théoriques des transformations des 
modes technologiques de communication dans la seconde moité du XIXe siècle12. 
5 Tradução nossa: No campo das ciências da linguagem na França.
6 Tradução nossa: da psicolinguística, da neurociência ou das ciências cognitivas.
7 Tradução nossa: domínio da memória.
8 Tradução nossa: como uma via de acesso essencial para a análise dos quadros sociais da memória.
9 Compreendemos fato social como resultante de um processo de (re)construção instaurado pela cultura.
10 Tradução nossa: As convenções verbais constituem, por conseguinte, o quadro ao mesmo tempo mais elementar e mais estável da memória coletiva.
11 Essa ruptura consiste no deslocamento da concepção tão somente da forma (cf. os formalistas) e da questão cognoscente, bem 
como da empírica (cf. sociolinguística).
12 Tradução nossa: O ensino de Saussure é uma das consequências do nascimento, durante o século XIX, da linguística como “forma de saber e prática 
teórica nascida (...) num contextodeterminado, possuinte dos objetos determinados (aparentemente genético das línguas, a explicação histórica, as línguas em si e 
11
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Sendo assim, partindo de Courtine (1994), podemos afirmar que, em um primeiro momento, o corte 
epistemológico produzido por Saussure, para a consolidação da linguística como ciência, operou um apagamento 
quanto à questão histórica da linguagem, dado que seguia um modelo científico. Pelo fato de a compilação do 
Cours de linguistique générale13 estar inscrita numa preocupação com a forma, o Cours fomentou a formação 
do método estruturalista. Portanto, notamos que a questão histórica não era privilegiada por essa abordagem. 
Entretanto, há determinados estudos, no campo das ciências da linguagem, cuja focalização leva em conta 
a pertinência histórica para o processo de análise do funcionamento da língua(gem). Nessa medida, para 
Courtine (1994), a dimensão histórica, ora em destaque ora em apagamento, sempre constituiu o campo das 
ciências da linguagem, segundo é passível de ser entrevido pela natureza dos questionamentos produzidos pelos 
estudiosos da linguagem. Ademais, Courtine (1994), retomando Sylvain Auroux (1992 apud COURTINE, 
1994), enfatiza que a abordagem dessa dimensão histórica engendrou relevantes trabalhos linguísticos inscritos 
no projeto L’histoire des idées linguistiques. Tais trabalhos empreenderam uma (re)leitura sobre o Cours, 
suscitando certa alusão àquilo que figurou como resto do corte saussuriano. Desse modo, observamos que o 
empreendimento desse projeto promoveu, de certa maneira, um meio de se (re)pensar a língua(gem) não apenas 
pela via das questões formalistas; o que significou levar em conta as decorrências da dimensão histórica para 
os estudos da língua(gem). Assim, as diferentes modalidades de práticas linguageiras e seus lugares sociais de 
manifestação passaram a ser objeto de atenção dos linguistas. Essas práticas e esses lugares foram concebidos 
como via de constituição e de estabilização de certos aspectos de memória; ou, nos termos de Pierre Nora 
(1984-1992), conforme Courtine (1994), trata-se de um lieux de mémoire14. Sob essa perspectiva, Courtine 
(1994) afirma que o domínio da memória é constituído de/por linguagem e, consequentemente, le langage est 
le tissu de la mémoire15 (COURTINE, 1994, p.10). Aqui vale destacar que esse modo de entrelaçamento entre 
a linguagem e a memória evidencia a especificidade do que se alterou a partir do destaque da história no campo 
da linguagem.
Com base na concepção de que as instituições de linguagem se configuram como lugares de memória, 
Courtine (1994) retoma, em termos de funcionamento discursivo, a noção de memória coletiva peculiar ao 
discurso comunista francês. Sob o termo “domaine de mémoire” (COURTINE, 1994, p.11), o autor mostra 
que esse discurso se estabelece a partir de operações discursivas produtoras de determinados efeitos de sentidos 
para o declínio do comunismo francês, tais como as de “le rappel”, de “la répétition”, de “l’éffacement” e de 
“l’oubli”16.
Em consonância com tal autor, a memória (re)construída socialmente por meio de determinados 
acontecimentos produz implicações políticas e culturais. Para ele,
[...] Les lieux de mémoire constituent à cet égard un effect réflexif de l’accélération 
de l’histoire contemporaine, de l’épuisement de la tradition, de l’érosion de certaines 
formes de mémoire collective ressenties partout dans les sociétés occidentales. Et si 
l’on tourne les yeux vers l’Europe de l’Est, on réalise aisément à quel point le pro-
blème de la mémoire est essentiel dans les bouleversements politiques qui s’y dé-
roulent. L’effondrement des idéologies-mémoires comunistes avec la décomposition 
para elas mesmas)” [(AUROUX, 1992, apud COURTINE, 1994, p. 8)]; como ele é um dos efeitos teóricos das transformações dos modos tecnológicos de 
comunicação na segunda metade do século XIX.
13 Curso de Linguística Geral.
14 Tradução nossa: lugares de memória.
15 Tradução nossa: a linguagem é tecido da memória.
16 Tradução nossa: as de recordação, de repetição, de apagamento e de esquecimento.
12
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
des discours qui les fondaient, la soudaine levée du formidable refoulement qu’elles 
imposaient à la mémoire collective, la résurgence de mémoires anciennes enfouies 
dans la longue et sourde durée des mentalités [...] (COURTINE, 1994, p.11)17
Ao mencionar os trabalhos de Denise Maldidier e de Jacques Guilhaumou, sobre a perspectiva da 
memória nacional produzida pela comemoração de 14 de julho do Bicentenário (da tomada da Bastilha) na 
França, Courtine (1994) ressalta que a concepção de acontecimento se mostra bastante produtiva para os 
estudos sobre o discurso. Essa concepção se orienta pela ideia de que certos aspectos de memória são passíveis 
de se (re)atualizar, de modo a produzir, por exemplo, o efeito de sentido saudosista da tomada da Bastilha 
pelo povo francês. Sendo assim, a noção de acontecimento possibilita que o enfoque sobre a materialidade 
linguística seja estabelecido ora pela conservação ora pela (re)atualização de aspectos do domaine de mémoire. 
A partir dessa perspectiva, Courtine (1994, p.12) afirma que: “[...] Les clivages, les résistances, la tension du 
discours dans la langue sont de toute évidence privilégiés par une telle approche”18. Aqui, cumpre destacar que, 
para ele, essa abordagem se refere à reflexão dos efeitos da memória inscritos na materialidade da língua.
Em suma, ao que parece, Courtine (1994) deixa entrever que as vertentes da análise de discurso, de um 
lado, e da história da linguística, de outro, concebem o estatuto do termo memória de modo bem específico. 
A primeira, tomando-o como um termo técnico, o relaciona, em termos de funcionamento discursivo, com a 
memória coletiva e social (re)elaborada por uma cultura. No caso, dado que a abordagem proposta por Courtine 
(1994) se trata da cultura francesa, observamos que as materialidades discursivas apontam para o domaine de 
mémoire que constitui o discurso nacionalista francês. A segunda, concebendo-o em uma acepção de retrospecto 
do quadro teórico das ciências da linguagem, estabelece uma relação com a história dos pressupostos fundadores 
da linguística como campo de estudo científico. Assim, relevantes trabalhos de estudiosos da linguagem são 
recuperados por pesquisadores franceses, com a finalidade de mostrar as bases que ancoram aquilo que hoje se 
evidencia como problemática da linguística contemporânea.
Pêcheux ([1983] 2007 e 1997)
Ao refletir sobre o papel da memória, Michel Pêcheux ([1983] 2007) destaca que esse papel será 
pensado, por ele, a partir do entrelaçamento teórico-analítico construído por meio das noções de memórias 
mítica, social e histórica (elaborada pelo historiador). Desse modo, a questão da memória pode ser observada 
pela via de duas dimensões que estão necessariamente articuladas: a primeira dimensão se refere à regularidade 
da materialidade linguística (aludida por Pêcheux ([1983] 2007, p.50) como “espaço potencial de coerência”, 
dada a concepção de que a língua possui uma ordem própria19 – “continuidade interna”) e a segunda concerne 
à descontinuidade decorrente do acontecimento histórico (ou seja, àquilo que é constitutivamente exterior à 
linguagem). A interseção entre essas dimensões, conforme abordado por Pêcheux ([1983] 2007), engendra a 
seguinte consequência para o trabalho com o papel da memória: ter-se-á uma interface entre a linguística e as 
disciplinas de interpretação. Portanto, sob essa óptica, o papel da memória se constituiria de e por inquietações 
17 Tradução nossa: [...] Os lugares de memória constituem a esse respeito um efeito reflexivo da aceleração da história contemporânea, oesgotamento da tradição, da erosão de certas formas de memória coletiva sentidas por toda a parte nas sociedades ocidentais. E se voltarmos os olhos para a 
Europa do Leste, vislumbra-se facilmente qual ponto do problema da memória é essencial nas perturbações políticas que se desenrolam. O desmoronamento das 
ideologias-memória comunistas com a decomposição dos discursos que o derretiam, o brusco levantamento do formidável recuo que impunham à memória coletiva, 
a ressurgência de memórias antigas escondidas nas longas e surdas duradouras mentalidades [...] (COURTINE, 1994, p.11).
18 Tradução nossa: [...] As clivagens, as resistências, a tensão do discurso na língua são obviamente privilegiados por tal abordagem. [...] 
(COURTINE, 1994, p.12)
19 Entendemos, aqui, ordem própria na acepção saussuriana, cujas implicações apontam para a perspectiva de que a língua está 
ancorada na inscrição dos mecanismos de funcionamento das relações sintagmáticas e das associativas.
13
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
relativas à ordem da língua e à da discursividade.
Ainda como abordado por Pêcheux ([1983] 2007), não há uma sobreposição entre o que é da ordem da 
língua e o que é da ordem do discurso, pois algo se perde, via acontecimento, no processo de (re)atualização da 
memória. Isto é, a condição contraditória entre ambas as ordens nos remete ao enfoque de que o acontecimento 
pode 1) não ser passível de receber textualidade, levando em conta a opacidade da linguagem, e 2) não ser 
perceptível, dado que a instância da memória o absorve (cf. PÊCHEUX, [1983] 2007).
Além disso, Pêcheux ([1983] 2007, p.51), problematizando a visão teórica de certos estudos semióticos, 
propõe também que haja uma organização específica para a ordem “do icônico, do simbólico ou da simbolização” 
em termos de “combinatória culturalmente determinada dos segmentos gestuais”; embora não haja universais 
gestuais a ponto de figurar como uma sintaxe icônica.
Ao pensar a imagem como “operador de memória social” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.51), o autor em 
questão ressalta que a tensão entre o acontecimento histórico e o funcionamento complexo de uma memória 
pode pôr em relação “a passagem do visível ao nomeado” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.51. Grifos do autor). 
Sendo assim, a característica da imagem como “operador de memória social” asseguraria a produção do efeito 
de repetição e de reconhecimento daquilo (a ser) nomeado; o que fundamenta a noção de memória discursiva 
ponderada por Pêcheux ([1983] 2007, p.52. Aspas do autor), qual seja:
[...] a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como acon-
tecimento a ler, vem restabelecer os “implícitos” (quer dizer, mais tecnicamen-
te, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) 
de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível.
Levando em consideração a própria concepção de acontecimento discursivo, Pêcheux ([1983] 2007) 
assinala que os implícitos que compõem o dispositivo da memória nem sempre são passíveis de serem 
recuperados. Ou, conforme a perspectiva defendida por P. Achard (apud PÊCHEUX, [1983] 2007), os 
discursos-vulgata dos implícitos são impossíveis de serem retomados na complexidade da sequência linguística. 
Em realidade, certos traços e/ou aspectos dos implícitos se manifestariam sob a inscrição de um efeito de 
série. Isto é, a recorrência de certos traços e/ou aspectos dos implícitos sofreria uma regularização, pela via da 
repetição, de modo a estabelecer legibilidade a essa recorrência “sob a forma de remissões, de retomadas e de 
efeitos de paráfrase (que podem a meu ver conduzir à questão da construção dos estereótipos)” (PÊCHEUX, 
[1983] 2007, p.52). Todavia, recorrendo ao ponto de vista de P. Achard, Pêcheux ([1983] 2007) sublinha que 
essa regularização é desestabilizada pela constituição do próprio acontecimento discursivo. Portanto, a relação 
tensiva entre memória e acontecimento provoca o deslocamento e a desregulação dos “implícitos associados ao 
sistema de regularização anterior” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.52).
O dispositivo interno da memória, por um lado, está estruturado em um movimento que tende a 
estabelecer uma articulação entre a regularização e os implícitos relativos à materialidade discursiva. Daí, a 
noção de uma estrutura que permite as condições de negociação constante entre a estabilização parafrástica 
e a incidência do acontecimento. Tal dispositivo está pautado, por outro, em um movimento cuja orientação 
perpassa a desregularização da rede de implícitos (cf. PÊCHEUX, [1983] 2007).
O mecanismo de funcionamento da regularização, atrelado ao da repetição, aponta para a regularidade 
material “dos itens lexicais e dos enunciados” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.53), criando um “espaço de 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
estabilidade de uma vulgata parafrástica produzida por recorrência, quer dizer, por repetição literal dessa 
identidade material” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.53). Cumpre destacar que essa regularidade (com)porta a 
irregularidade.
Entretanto, a identidade material passível de ser inscrita na estrutura é problematizada por Pêcheux 
([1983] 2007) a partir do horizonte da metáfora. Assim, a despeito de haver a “mesma” manifestação da 
materialidade linguística, a instância da memória se refrata no domínio do sentido. Trata-se, portanto, de uma 
refração assegurada por “uma espécie de repetição vertical” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.53). Isso porque o 
efeito de opacidade implica uma não-reconstrução de traços e/ou aspectos dos implícitos.
O efeito de opacidade, ademais, marca um repensar sobre o funcionamento da imagem: há uma 
contradição entre a imagem e o discurso que a atravessa e a constitui, bem como um transbordamento de 
ambos (ou seja, há uma não-coincidência entre discurso e imagem).
Ao concluir o texto, Pêcheux ([1983] 2007) salienta que o dispositivo interno da memória possui um 
outro interno, como marca da incidência do real histórico, o qual remete ao outro exterior. Desse modo, ele 
ressalta que:
[...] uma memória poderia ser concebida como uma esfera plena, cujas bordas seriam 
transcendentais históricos e cujo conteúdo seria um sentido homogêneo, acumulado ao 
modo de um reservatório: é necessariamente um espaço móvel de divisões, de disjunções, 
de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização... Um espaço de des-
dobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos. (PÊCHEUX [1983] 2007, p.56)
Assim, com base na formalização conceitual de memória, notamos que a própria concepção de discurso 
como funcionamento abre a possibilidade de pensarmos num espaço em que o jogo material da língua se 
inscreve na dimensão da história. Ou seja, a articulação entre aspectos linguísticos e aspectos históricos 
constitui a noção de discursividade, bem como o próprio processo de textualização de aspectos pertinentes 
ao real histórico. Ao que parece, há uma imbricação produtiva do real histórico com a (im)possibilidade de 
manifestação de discursividades20.
Nesse ponto, a concepção de discursividade constante do texto Ler o arquivo hoje, de Pêcheux 
(1997), se mostra bastante relevante neste trabalho, tendo em vista a natureza do material eleito para a nossa 
discussão. Nessa perspectiva, em consonância com Pêcheux (1997), nosso trabalho sobre o arquivo (isto é, 
sobre os “documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão” – cf. Pêcheux, 1997, p.57) se baseará na 
presentificação de certos efeitos de sentidos inscritos na história via materialidade linguística.
O trabalho de leitura em relação ao arquivo, segundo Pêcheux (1997), conduzir-se-ia pela apropriação 
de aspectos definitórios da configuração do jogo sintático da língua com a da discursividade. Desse modo, a 
partirdessa apropriação, o empreendimento do gesto de leitura sobre o arquivo possibilitaria também um olhar 
acerca de outros aspectos que compõem as dimensões política e cultural, motivadoras do trabalho de leitura. 
Portanto, para o autor,
É à existência desta materialidade da língua na discursividade do arquivo que é urgente 
se consagrar: o objetivo é o de desenvolver práticas diversificadas de trabalhos sobre o ar-
20 Cf. Pêcheux ([1983] 2007 e 1997).
15
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
quivo textual, reconhecendo as preocupações do historiador tanto quanto as do lingüis-
ta ou do matemático-técnico em saber fazer valer, face aos riscos redutores do trabalho 
com a informática – e, logo, também nele – os interesses históricos, políticos e culturais 
levados pelas práticas de leitura de arquivo. (PÊCHEUX, 1997, p.63. Grifos do autor.)
A seguir, apresentaremos algumas considerações sobre (im)possíveis pontos de contato e pontos de 
afastamento entre as formalizações conceituais de memória discursiva ponderadas por Courtine (1994) e por 
Pêcheux ([1983] 2007 e 1997). 
Encontros e desencontros conceituais
A partir das elaborações teórico-analíticas (re)discutidas até aqui, com base em Courtine (1994) e em 
Pêcheux ([1983] 2007), observamos que o modo de teorização acerca da noção de memória discursiva para 
ambos, a nosso ver, se orienta fortemente pelas condições materiais da linguagem articuladas aos efeitos da 
história. Trata-se de um modo de formalização que foi tomado, de nossa parte, como um possível ponto de 
diálogo teórico entre esses autores.
Sob essa óptica, os autores em questão ponderam que o estatuto do termo memória discursiva não se 
reduz à instância psicologista dos processos de memorização. Assim, a abordagem discursiva destacada por 
eles sobre esse termo se relaciona à coletividade, à cultura, ao social, haja vista a imbricação da linguagem e da 
história nas circunstâncias de produção de sentidos via acontecimento.
Desse modo, no bojo de suas teorizações, a memória se constituiria a partir de um tecido de linguagem, 
cujos fios se (des)(en)(tre)laçam em movimentos “de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, 
de conflitos de regularização...” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.56). São movimentos que implicam, segundo 
Courtine (1994, p.11), “le rappel, la répétition, [...] l’effacement et l’oubli”21 das condições de inscrição da 
história na linguagem. Portanto, tanto Courtine (1994) quanto Pêcheux ([1983] 2007) nos apresentam certas 
implicações teóricas relacionadas à ideia de que a memória se constitui de e pela linguagem. Nesse caso, ao 
que parece, o dispositivo da memória se embasaria analogamente em certos aspectos dos mecanismos de 
funcionamento da linguagem: os mecanismos da metáfora e da metonímia marcariam uma tendência de 
funcionamento para a dimensão da memória.
A dimensão da memória se pautaria, dessa maneira, em princípios de funcionamento inscritos na 
“dialética da repetição e da regularização” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.52), os quais engendrariam condições 
de textualidade para as práticas discursivas. Trata-se de princípios que asseguram determinadas condições de 
legibilidade para “o espaço de estabilidade de uma vulgata parafrástica” (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.53), ou, 
nos termos de Courtine ([1981] 2009, p.106) fazendo alusão a Foucault (1971), esses princípios desencadeariam 
a “conjuntura discursiva” da instância da formulação.
Recorrendo a Pêcheux([1983] 2007), notamos que as operações de repetição e de regularização apontam 
para um circuito de funcionamento na e da rede dos implícitos. Acerca dessas operações, podemos dizer que a 
primeira se relaciona à concepção de um espaço de estabilidade de uma versão mais difundida de uma paráfrase, 
em que é possível observar a repetição literal da materialidade linguística. A segunda (emprestada a ACHARD, 
2007) diz respeito a um mecanismo possibilitador da própria configuração do espaço de estabilidade. Isto é, a 
regularização discursiva abre possibilidades para que o legível encontre vias de inscrição material no processo 
21 Tradução nossa: a recordação, a repetição, [...] o apagamento e o esquecimento.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
de presentificação da vulgata parafrástica, conforme destacamos anteriormente.
Vale dizer que essa regularização é passível de ser (des)estabilizada por meio da noção de acontecimento 
discursivo, o qual “desloca e desregula os implícitos associados ao sistema de regularização anterior” (PÊCHEUX, 
[1983] 2007, p.52) ao trajeto na historicidade.
Outro aspecto que julgamos pertinente mobilizar como ponto de encontro entre as teorizações de 
Pêcheux ([1983] 2007, 1994) e de Courtine (1994) se refere à ideia de que o efeito discursivo está ancorado na 
relação entre o interdiscurso e o intradiscurso. Essa relação, em consonância com ambos, não se estabelece por 
meio da sobreposição dessas instâncias. Isto é, o processo de incidência do interdiscurso no intradiscurso não 
segue uma tendência de presentificação em sua totalidade, pois, nesse processo, algo (sempre) se perde e, por 
sua vez, algo (sempre) se constitui.
Essa observação, por nós apontada, sobre esse processo de incidência partiu do fundamento de que, 
pela via do acontecimento discursivo, o “domaine de mémoire” é passível de se (re)atualizar. Sendo assim, em 
Pêcheux ([1983] 2007), percebemos que tal processo é abordado a partir do jogo entre o legível e o ilegível no 
interior do funcionamento de certas discursividades. Já em Courtine ([1981] 2009), o processo em questão 
é aludido com base na interface do “domaine de mémoire” com o “domaine d’actualité”22, como podemos 
notar no excerto a seguir: “[...] a produção de efeitos de atualidade é ao mesmo tempo uma resultante do 
desenvolvimento processual dos efeitos de memória que a irrupção do acontecimento, no interior de uma 
conjuntura, reatualiza [...]” (COURTINE, [1981] 2009, p.113).
Em suma, a partir de nossa breve proposta acerca dos encontros teóricos desses autores, podemos dizer 
que a concepção de memória discursiva, respeitando as especificidades dos modos de dizer dos autores, aponta 
para a perspectiva de que as práticas discursivas inscrevem na história uma tendência particular de existência 
dos sentidos. Daí o enfoque de que o trajeto das discursividades na historicidade oferece subsídios para a (re)
construção (e, sobretudo, a (des)estabilização) de determinados aspectos inscritos no “domaine de mémoire”.
Contudo, para citarmos um possível ponto de desencontro teórico entre Pêcheux ([1983] 2007, 
1997) e Courtine (1994, [1981] 2009), parece-nos que a abordagem sobre o suporte de manifestação e/ou 
de presentificação de certos aspectos da memória se orienta por prevalências distintas. No que diz respeito a 
Pêcheux ([1983] 2007, 1997), ressaltamos que, em suas elaborações, essa prevalência está relacionada fortemente 
à opacidade da linguagem; inclusive, a própria noção de acontecimento nos possibilita pensar que há algo 
escapando à inscrição material no trajeto histórico de certos dizeres. Reportemo-nos ao excerto que ancora as 
referidas observações, a saber:
- o acontecimento que escapa à inscrição, que não chega a se inscrever;
- o acontecimento que é absorvido na memória, como se não ti-
vesse ocorrido. (PÊCHEUX, [1983] 2007, p.50. Grifos nossos)
22 Domínio de memória e domínio de atualidade são termos retomados por Courtine ([1981] 2009), a partir do texto Arqueologia do 
Saber (FOUCAULT, 1971).
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Assim, com base no excerto, percebemos que a noção de funcionamento discursivo se mostra 
relevante nesse momento de elaboração de Pêcheux ([1983] 2007), dadaa sua filiação teórica à ideia de que o 
funcionamento da linguagem (se) assegura (n)uma dispersão (do) no processo de inscrição material de aspectos 
da memória. Portanto, o trabalho com a dimensão da memória, levando em conta os estudos de Pêcheux 
(1997, [1983] 2007), exige um vínculo com a materialidade linguística, de modo que todo e qualquer destaque 
material de aspectos da memória dever-se-ia tomar por base os efeitos da história na e pela língua(gem).
No que se refere a Courtine (1994, [1981] 2009), notamos que suas incursões permitem entrever a 
prevalência do viés histórico quanto à conceituação de memória. Desse modo, para Courtine, aproximando-se 
de Le Goff (1984), as diversas (re)construções culturais de uma dada sociedade são tomadas como monumento 
segundo orientações delineadas por uma tradição histórica. Isto é, conforme os efeitos históricos de práticas 
sociais, certos objetos simbólicos (estátua, busto, edifício, etc.) assumem um papel de representar uma memória 
coletiva, acionando um acontecimento histórico que se (re)atualiza.
Vejamos, no excerto abaixo, as ponderações de Courtine (1994)23 em relação à perspectiva de que 
a instância histórica confere certas condições de textualidade para as diversas (re)construções linguageiras. 
Assim, as práticas discursivas embasadas na instância histórica engendram determinadas representações sobre 
os objetos simbólicos de modo a inscrevê-los num processo de monumentalização desencadeado por uma 
sociedade (a qual os guarda):
[...] Se découvre ainsi un pan obscur, lointain et immobile, de la mémoire du langage em 
France: celui de l’attachement national à la lettre, dont l’ortographe est le monument. La 
monumentalisation de l’orthographe a sa logique: pas de monuments sans gardiens. [...]
[...] que le langage est le tissu de la mémoire, c’est-à-dire sa modalité d’exis-
tence historique essentielle [...] (COURTINE, 1994, p.10. Grifos do autor)24
Portanto, a nosso ver, é possível ressaltar que, em Courtine (1994), o estatuto da noção de memória se 
estabelece com base no enfoque de que a história é passível de exercer implicações sobre as práticas linguageiras. 
Isso porque os lieux de mémoire, em termos discursivos, permitem entrever a existência material de aspectos 
políticos, ideológicos e culturais pela via (dos efeitos) da história.
Por fim, considerando o aspecto prevalente nos momentos de elaboração de Courtine (1994, [1981] 
2009) e de Pêcheux ([1983] 2007, 1997), destacamos que a concepção de memória discursiva se pauta: para 
o primeiro, em uma tendência de que é possível deflagrar as condições de existência e de presentificação 
dos enunciados via objetos simbólicos acionadores de um acontecimento histórico; para o segundo, em uma 
perspectiva de que a inscrição material da língua(gem) na história se dá por meio de um jogo (des)contínuo. Em 
outras palavras, poderíamos enfatizar que, em Courtine (1994, [1981] 2009), a memória discursiva parece ser 
mais “palpável”, enquanto, em Pêcheux ([1983] 2007, 1997), essa noção se radicaliza pela articulação complexa 
entre memória e acontecimento.
23 Aqui, cabe destacar que Courtine (1994) recorre ao trabalho de Michel Arrivé sobre a ortografia da língua francesa, cujo título 
é Un débat sans mémoire: la querelle de l’ortographe en France (1893-1991). Ver Langages – Mémoire, histoire, langage (junho 
de 1994).
24 Tradução nossa: [...] Descobre-se assim um pano escuro, remoto e imóvel da memória da linguagem na França: o da fixação nacional à letra, cuja 
ortografia é o monumento. A monumentalização da ortografia tem a sua lógica: não há monumentos sem guardiões. [...]
[...] que a linguagem é o tecido da memória, ou seja a sua modalidade de existência histórica essencial [...]
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Em face ao exposto, mobilizaremos, a seguir, alguns recortes de dizeres midiáticos que discursiviza(ra)
m sobre Ayrton Senna e Michael Jackson. O nosso propósito a partir dessa mobilização está embasado 
no objetivo de analisar aspectos da (re)(con)figuração da memória discursiva, cujas implicações produzem 
representações estereotipadas de homem.
Memória, Discurso e Corpo: dizeres midiáticos sobre Senna e Jackson
Partindo dessas concepções, portanto, neste trabalho, temos como objetivo analisar os (im)possíveis 
aspectos concernentes ao funcionamento de determinadas memórias discursivas, tomando como ponto de 
referência os mecanismos de repetição e de regularização que as constituem, a fim de evidenciar alguns dos 
efeitos (re)produzidos por essas memórias na materialidade de certos dizeres midiáticos.
Quanto a esses dizeres, é pertinente destacar que serão recortes da obra Ayrton Senna com traços 
biográficos, de Marleine Cohen (2006), e da obra 40 Escritos, de Arnaldo Antunes (2000), notadamente no 
vigésimo primeiro escrito intitulado Riquezas são diferenças, no qual se refere a Michael Jackson. Levando em 
consideração a (re)(con)figuração de memórias (im)possíveis que se manifestam na materialidade linguística 
dos dizeres recortados, notamos certa (re)construção de estereótipos de homem (herói; brasileiro ideal; rei; 
subversivo; mutante; branco; negro) em relação a Ayrton Senna e a Michael Jackson.
Vejamos, em seguida, a (re)(con)textualização das análises.
Ayrton Senna: certa representação estereotipada de brasileiro
A jornalista Marleine Cohen, mentora da organização Personagens que marcaram época, publicou, em 
2006, um material discursivo com informações sobre a vida e a morte do piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna. 
A configuração desse material está baseada em cinco capítulos, os quais são elaborados com base tanto em um 
retrospecto sobre o acidente que vitimou Senna na pista Tamburello (Itália) quanto em informações acerca da 
relação de Senna com o automobilismo dadas as diferentes fases de sua vida; inclusive, a jornalista relata, no 
último capítulo, o engajamento social da família de Senna em projetos filantrópicos brasileiros. Ademais, após 
o sumário, a jornalista destaca uma linha cronológica – Um ás nas rodas do tempo –, cujo marco inicial se refere 
ao nascimento de Ayrton Senna (21 de abril de 1960) e cujo marco final é a sua morte (01 de maio de 1994); 
havendo, nesse entremeio temporal, a alusão a outros feitos de Senna nas corridas automobilísticas.
Assim, de posse da materialidade linguística desse material, notamos que a jornalista Marleine 
Cohen deixa entrever a construção de uma imagem de piloto invencível sobre Senna, com base em uma ilusão 
de que as qualidades que ela atribui a ele são capazes de designá-lo de modo inequívoco. Por isso, percebemos 
o atravessamento, ao longo do texto, de uma série de adjetivações e de adverbializações, bem como de dizeres 
que, discursivamente, nos remetem ao modo científico, astronômico e religioso da relação com os sentidos. Eis, 
abaixo, uma sequência discursiva em que é possível notar a designação de Senna como um “corpo luminoso” 
(relação de adjetivação), isto é, um corpo que tem propriedades intrínsecas de brilho. Logo, observamos a 
construção metafórica e a exaltação do efeito de que Senna é um “corpo” a ser contemplado e admirado, com 
uma carreira reconhecida e registrada em um Catálogo Internacional de Astronomia (efeito de credibilidade 
sobre a imagem de Senna). Vejamos, a seguir, a sequência discursiva (1): 
(1) Não se trata de metáfora: é a 52942 – 1502, corpo luminoso no céu do Hemisfério Norte 
– de São Paulo para cima – que a International Star Registry cunhou com o nome de Ayr-
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
ton Senna para presentear a família e incluiu no Catálogo Internacional de Astronomia. 
(Marleine Cohen, Material Discursivo – Biblioteca Época, 2006, p. 109)
O modo como a jornalista em questão narrativizou25o aciente que vitimou Ayrton Senna nos 
permite pensar na perspectiva de corpo em sua dimensão metafórica. Assim, a partir da textualização das 
decorrências do acidente para o corpo de Senna, compreendemos que o efeito metafórico assegura o próprio 
sofrimento do povo brasileiro. 
Com base nos relatos noticiados pela imprensa brasileira e pelas agências de notícias internacionais, 
parece que as diversas nações (mais notadamente a brasileira) acompanharam as informações sobre a fatalidade 
que envolveu Senna com certa ansiedade; uma ansiedade marcada pela familiaridade social conquistada por 
Senna no Brasil e em diversos países. A nosso ver, o acidente “fraturou”, rompeu, “feriu” não só o corpo orgânico 
de Ayrton Senna, mas também o corpo social do próprio povo brasileiro. Eis as sequências discursivas (2) e (3), 
que ancoram a nossa leitura:
(2) […] Tinha choque hemorágico e várias fraturas na base do crâ-
nio, afundamento frontal e ruptura da artéria temporal. […] 
(3) […] Tinha um corte na testa, 3 ou 4 centímetros. Era a única ferida. Mais nada. 
(Marleine Cohen, Material Discursivo – Biblioteca Época, 2006, p. 10)
Há, nesse material, certa ênfase sobre a imagem de piloto invencível. Talvez a construção desta 
imagem, de modo tão acirrado, seja uma discursivização que tenta atenuar o acontecimento do acidente 
que vitimou Senna, ou mesmo estabelecer um sentido para a morte dele. Nessa medida, ao longo do texto, 
observamos a constituição de dizeres que produziram um efeito de atenuação e um efeito de retomada do Um 
imaginário sobre a linha do dizer (pela via de uma expressão que provoca um efeito de explicação – “o que 
explica, em parte, o violento choque que tirou a vida de Ayrton Senna, naquele 1º de Maio de 1994”), conforme 
a seqüência discursiva (4).
(4) (...) Primeiro desvio do circuito de Ímola depois da reta de chegada, tinha ângulo 
aberto e por isso permitia velocidade superior a 300 Km/h – o que explica, em parte, 
o violento choque que tirou a vida de Ayrton Senna, naquele 1º de Maio de 1994. 
(Marleine Cohen, Material Discursivo – Biblioteca Época, 2006, p. 12-3)
As imagens sobre Senna adquiriram consistência imaginária pelos atravessamentos, no intradiscurso, 
de dizeres que se referem (ou remetem) à historicidade de sentidos outros. É o caso, por exemplo, da seqüência 
discursiva (5), em que a irrupção da expressão “sob outro dilúvio” nos remete ao sentido religioso. O efeito 
de sentido que se constitui, a partir da irrupção de tal expressão, enfatiza um cenário adverso (remetendo 
ao dilúvio bíblico) que poderia impedir a performance de Senna. Porém, conforme notamos na seqüência 
discursiva, Senna possui a habilidade de pilotar sob fortes chuvas, estando apto a dar um espetáculo (“show”). 
25 Compreendemos por narrativização o movimento instaurado em relação à (re)elaboração de certa textualidade para os diversos 
fatos, naquilo que a densidade da linguagem os permite produzir.
20
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Vejamos a seqüência discursiva (5).
(5) Resultado: a aplicação nesse aprendizado solitário lhe garantiu coragem para dar seu 
primeiro show debaixo de chuva, no GP de Mônaco de 1984, e a desenvoltura necessária 
para levar sua Lotus à vitória no GP de Portugal, sob outro dilúvio, em 21 de abril de 1985. 
(Marleine Cohen, Material Discursivo – Biblioteca Época, 2006, p. 54)
E, de fato, notamos na sequência discursiva (6) outro exemplo em que o próprio fato gerador das 
discursivizações inscritas (e diretamente observáveis) na materialidade lingüística representa o pincelamento 
de uma encenação. Esse pincelamento tem como constituição e como formulação o atravessamento de um 
dizer (“um rei da chuva”) que nos remete a um sentido histórico da cultura cristã (efeitos de aspectos da 
memória discursiva), qual seja: o rei das águas, significado pela figura de Jesus Cristo, conforme o conjunto de 
enunciações bíblicas. Vejamos a sequência discursiva (6):
(6) Para os portugueses, mais que “um rei da chuva”, nascia o melhor piloto da his-
tória da Fórmula 1 em pista molhada: “Ayrton deslizava, navegando seguro como um 
experiente timoneiro numa pista cheia de armadilhas, enquanto outros pilotos vetera-
nos naufragaram no acquaplaning”, descreveu a publicação inglesa Motoring News.
(Marleine Cohen, Material Discursivo – Biblioteca Época, 2006, p. 41)
A partir da manifestação específica desse dizer (“um rei da chuva”), percebemos o efeito de sentido 
produzido pela palavra rei, envolvendo Ayrton Senna em uma grande narrativa heróica, que o faz significar, de 
maneira particular, como um indivíduo importante. 
Cumpre destacar que os pilotos de automobilismo Alain Prost e Nelson Piquet desempenharam, 
contemporaneamente a Senna, um importante papel no cenário da corrida de carros. Porém, no que respeita 
a Ayrton Senna, com base na especificidade da representação de escrever26 constante do material em análise, 
percebemos que tal piloto é representado como um “gênio”, como um “fenômeno”. Ele, no caso específico dessa 
sequência discursiva, é “mais que um rei da chuva” (intensificação da audácia das atitudes de Senna nas pistas, 
ainda que elas estejam molhadas, segundo cristaliza as marcas linguístico-discursivas “mais que” e “melhor” – 
relação de adverbialização). 
Notamos que a irrupção de uma modalidade marcada (“Motoring News”) no fio do dizer produz a 
impressão de uma dinâmica interna (o deslizamento de um enunciado em outro), que, por sua vez, figura como 
argumento sustentador do “mito” Senna. Assim, quem afirma a sua genialidade fala de uma instância que o 
habilita a falar, sob o ponto de vista técnico – atravessamento de um dizer que produz o efeito de sustentação 
do dizer como um todo. Esse efeito, como vimos observando, tem sido muito recorrente nesse processo de 
discursivização sobre Senna.
Em suma, é de fundamental importância mencionar o quanto a construção (e, sobretudo, a 
consolidação) do mito da invencibilidade do Brasil – Ayrton Senna – foi influenciada por atravessamento de 
26 Aqui, fazemos alusão ao delineamento de outra tendência de escrita jornalística, a qual se desloca dos parâmetros de escrita 
caracterizado como canônico – o que procura produzir um efeito de exatidão dos fatos. Assim, essa tendência outra se especifica por uma 
representação de escrever (Cf. RIOLFI e INGREJA, 2007), marcada pela recorrência de adjetivos e de advérbios, de modo a construir o efeito 
de pincelamento de uma cena. 
21
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
dizeres que insinuaram um efeito da validação dos êxitos diferenciados de Senna, bem como um efeito de registro, 
seja nos anais, seja no Catálogo Internacional de Astronomia. Uma tentativa de sustentar simbolicamente a 
imagem de piloto invencível, apesar do acontecimento da morte. Portanto, tornar as discursivizações sobre ele 
indeléveis. Vejamos a última sequência discursiva:
(7) (...) enquanto, nos anais da F-1, Senna cravava 65 pole positions, 41 vi-
tórias e 38 voltas olímpicas com a bandeira do Brasil tremulando ao vento.
(Marleine Cohen, Material Discursivo – Biblioteca Época, 2006, p. 23)
Riquezas são diferenças: um olhar acerca do discurso, da memória e do corpo
Conforme vimos destacando até este ponto de nosso texto, as questões relacionadas ao discurso, à 
memória e ao corpo nos (im)possibilitam (re)discutir diversos aspectos vinculados à língua(gem) e à história. 
Nesse sentido, a fim de chegarmos ao objetivo proposto no início de nossas considerações, trazemos um texto 
que foi produzido por Arnaldo Antunes para a Folha de São Paulo de 07 de janeiro de 1992 e, posteriormente, 
(re)public(iz)ado na obra 40 Escritos (uma compilação de diversos textos produzidos por Arnaldo Antunes, ao 
longo dos anos de 1980 até os anos2000, organizada por João Bandeira), a saber: o vigésimo primeiro escrito 
intitulado Riquezas são diferenças.
Trata-se de um texto que podemos considerar como “texto-resposta” a uma “matéria assinada por 
Sérgio Sá Leitão, na seção demominada “Fique por dentro” (?), no Folhateen de 9/12/91” (ANTUNES, 2000, 
p.70. Grifos, aspas e parênteses do autor), do mesmo jornal que public(iz)ou Riquezas são diferenças27. Na 
matéria de Leitão, segundo Antunes (2000, p.71), há “uma agressividade despropositada” a respeito de Michael 
Jackson. Vejamos o que é (im)possível dizermos acerca deste “texto-resposta” no que tange ao discurso, à 
memória e ao corpo.
Cumpre destacar, de início, que a escolha lexical do título no apontar um termo como sendo outro, pela 
via de uma metáfora, já permite certa leitura que se direciona a uma possível discursivização acerca do fator 
positivo, no sentido de ser bom, haver diferença: “Riquezas são diferenças”. Ademais, o fato de este “texto-
reposta” ter-se public(iz)ado no mesmo jornal que a matéria de Leitão parece se relacionar à vulgata consensual 
de que o jornal seria um espaço para (in)formar o público sobre diversos assuntos e suscitar a criticidade do 
e no leitor. Desse modo, dado que Antunes (2000) se reporta a uma matéria destinada ao público Teen, vale 
pensar: Qual seria a pertinência de uma matéria com uma crítica destrutiva sobre Michael Jackson, em um 
espaço destinado aos adolescentes e aos jovens, na seção Fique por dentro? (“[...] “Fique por dentro” (?) [...]”, 
ANTUNES, 2000, p.70).
Assim sendo, a construção discursiva do texto de Antunes (2000) sobre Michael Jackson possibilita 
uma leitura gradativa sobre a questão da cor de sua pele: quanto mais branca, mais perigoso. Em que sentido 
seria esta periculosidade na discursivização arnaldiana? Haja vista que Sá Leitão aborda a cor da pele desse 
cantor como uma perda de identidade – “O fundamental em Michael Jackson já não é mais a música – como o 
27 Devido a um não-arquivamento de jornais com mais de três meses na biblioteca do Campus Santa Mônica da UFU e, também, 
em outras bibliotecas da região, infelizmente, não tivemos acesso aos textos de Sá Leitão e de Antunes na Folha de São Paulo. Se isto fosse 
possível, nossa discussão poderia ser mais intrigante.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
era na época de Thriller, seu álbum-emblema [...] Com sua identidade diluída, falta também a Michael Jackson 
a legitimidade indispensável a qualquer astro da cultura pop” (LEITÃO, 1991, apud ANTUNES, 2000, p.70) 
–, Antunes (2000) aponta para um sentido diverso, como pode ser observado no excerto a seguir: “Michael 
Jackson teve a pele negra. Ficou mulato em Thriller, clareou mais em Bad e agora parece completamente branco 
em Dangerous.” (ANTUNES, 2000, p.70. Grifos do autor.).
Desse modo, uma leitura possível acerca dessa gradatividade proposta por Antunes (2000), no excerto 
anterior, seria a de que: 1) Michael Jackson, como negro, não aponta(va) para algo diferente: Michael é(ra) negro 
e ponto; 2) ao se tornar mulato, no período de 1982, com o álbum Thriller, o “suspense”, se nos remetermos 
ao significado de “thriller” em inglês, começa a ser instaurado acerca deste cantor (o que está(ria) acontecendo 
com ele?); 3) ao clarear mais com o álbum Bad, em 1987, torna-se “agressivo”, “excelente” e “maravilhoso” (se se 
tomar “bad” como gíria norte-americana: “when you’re strong and good, then you’re bad”28); 4) e, por fim com o 
álbum Dangerous, em 1991, momento contemporâneo de produção do texto Riquezas são diferenças, Michael 
Jackson torna-se “perigoso”. Portanto, por essa via de leitura, podemos dizer que quanto mais branco, maior o 
suspense e mais agressivo, excelente, maravilhoso e perigoso Michael Jackson se torna e se tornou.
Qual seria a direção de sentido desta gradação?
Aqui parece ser pertinente pensar, primeiramente, no sentido relacionado à história universal em 
relação ao negro, sentido que aponta para um egodo: por ser um negro, não deveria ter direitos, se se pensar 
no contexto da Ku Klux Klan (uma organização racista norte-americana, predominante em Mississipi, que 
visava à supremacia branca em detrimento da negra, além da supremacia protestante em detrimento de outras 
religiões)29, o qual parece perdurar nos dizeres de Sá Leitão, como aponta Antunes (2000, p.71. Grifos nossos.): 
[...] Tendo-se em conta a potência que ele representa, não apenas em seu som, 
mas também como fenômeno de massa no planeta, tal inversão só pode ser inter-
pretada como fruto de ódio. Parece a indignação de um membro da Ku Klux Klan 
defendendo a pureza racial ameaçada por esse branco que não nasceu branco.
Entretanto, a construção discursiva arnaldiana aponta para um sentido-outro, de indignação frente à 
postura dos escritores críticos “do meio artístico musical”, para usar os termos de Antunes, e dos jornalistas em 
relação a Michael Jackson. Assim, essas críticas apontam para um lugar diverso ao que se pensa quando se lê 
uma crítica artística. Ora, parece que o leitor, ao procurar um artigo sobre música, visa a encontrar informações 
acerca de música. Contudo, Sá Leitão, ao escrever sobre o disco Dangerous, de Michael Jackson, exalta a cor da 
pele em detrimento da arte. Vejamos alguns recortes dos dizeres arnaldianos:
Não quero falar aqui da sua música, que continua exercendo o caminho na-
tural de sua genialidade; nem do espaço poderoso que ela ocupa no mundo 
todo. Quero falar da clareza de Michael Jackson. Mesmo que para isso eu te-
nha de aceitar a condição da imprensa em geral, que tomou essa questão como 
um escudo para não comentar com o devido respeito seu último disco. [...]
28 Cf. Wikipedia (<http://en.wikipedia.org/wiki/Bad_%28Michael_Jackson_song%29>, acesso em 14 de março de 2010):
[…] Jackson discussed the concept of “Bad”, elaborating that,
“‘Bad’ is a song about the street. It’s about this kid from a bad neighborhood who gets to go away to a private school. He 
comes back to the old neighborhood when he’s on a break from school and the kids from the neighborhood start giving him trouble. 
He sings, ‘I’m bad, you’re bad, who’s bad, who’s the best?’ He’s saying when you’re strong and good, then you’re bad.”
29 Esta organização foi fundada em 1865, pós-guerra-civil norte-americana, com o intuito de proibir o direito de negros recém-
libertos a adquirir privilégios como cidadãos (cf. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ku_Klux_Klan>).
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
[...] O mal-estar que isso vem causando é assustador, nessa beirada do 
ano 2000. Que ele “negou a sua raça”, “se corrompeu”, “virou um mons-
tro”, entre ofensas piores. [...] (ANTUNES, 2000, p.70. Grifos nossos.).
Como pode ser observado, esses dizeres apontam para uma indignação; o que permite indagarmos: 1) 
Como ainda prevalece uma postura arcaica em relação ao negro e aos seus direitos “nessa beirada do ano 2000”? 
2) O que seria negar uma raça?. Ademais, a escolha lexical “clareza” possibilita uma dupla interpretação: seja a 
clareza da cor da pele ou a clareza do trabalho de Jackson, é disso que Antunes se propõe a falar.
Acerca das indagações, outro trecho pode ser trazido com a finalidade de corroborar a tese de indignação 
em torno da postura da sociedade (brasileira) sobre esta questão:
Brancos sempre puderam parecer mulatos, bronzear-se ao sol ou em lâmpa-
das específicas para esse fim, fazer permanente para endurecer os cabelos. Tudo 
isso visto com naturalidade e simpatia. Tatuagem, que é técnica predominante-
mente por brancos, pode. Até mesmo aquela caricatura do Al Johnson era vis-
ta com graça. Agora, o negro Michael Jackson entregar seu corpo à trans-
cendência da barreira racial desperta revolta, reações de protesto e aversão.
[...] É que MichaelJackson é um Macunaíma ao avesso. Se o anti-herói de Mário de 
Andrade faz de si a parábola da gênese das diferenças raciais no espaço ficcional, Mi-
chael Jackson representa, em carne e osso, a abolição dessas fronteiras. Mas parece que, 
mais de cem anos depois, o Brasil ainda não está preparado para aceitar a Abolição.
(ANTUNES, 2000, p.71. Grifos nossos.)
Aqui, observamos que o atravessamento do significante “Macunaíma” produz como efeito certa tensão 
contraditória em relação à identidade de Michael Jackson. Trata-se de uma tensão que está pautada na (trans)
mutação da cor da pele negra para a cor da pele branca. Em Macunaíma, percebemos a tematização de um 
“herói sem nenhum caráter”30 dada a miscigenação étnica do branco, do negro e do índio que constituiu a 
história de formação do povo brasileiro. Portanto, a partir de Macunaíma, notamos a problematização sobre a 
formação e, sobretudo, sobre a rarefação de uma identidade brasileira relacionada a diferenças.
No texto de Antunes (2000), o vestígio de memória (com)portado pelo significante “Macunaíma” nos 
permite (re)pensar na (re)construção de uma imagem estereotipada de um ser “mutante” (cf. ANTUNES, 
2000). Michael Jackson seria, de acordo com Antunes (2000), a representação da abolição das fronteiras entre 
as diferenças étnicas: negro versus branco, branco versus negro. Desse modo, a identidade de Michael Jackson 
não se perde quando há um clareamento do tom de sua pele; ao contrário, sua identidade se (re)atualiza, pois, 
no mo(vi)mento de (re)atualização, algo do dito “original” sempre permanece com a emergência do “novo”. 
Portanto, os sentidos (re)produzidos em relação a Michael Jackson deixam (entre)ver que, a despeito de esse 
cantor ser norte-americano, sua projeção identitária é mundialmente (re)construída.
Considerações provisoriamente finais
De posse das referidas análises, podemos dizer que os dizeres midiáticos, tanto sobre Senna quanto sobre 
Jackson, (re)produzem certas representações estereotipadas de homem:
30 Remetendo-nos ao subtítulo da obra de Mário de Andrade, a saber: Macunaíma: um herói sem nenhum caráter.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
- senna: brasileiro ideal, herói invencível, homem-máquina, rei das curvas;
- Jackson: mutante, transgressor, subversivo, anti-herói, rei do pop.
Essas representações estereotipadas consoam ao mo(vi)mento de (re)(con)figuração de aspectos 
concernentes à rede de memória (no caso, a brasileira).
 Assim, o recorte de certos aspectos referentes à manifestação de discursividades sobre Senna e Jackson 
foi elaborado, a nosso ver, a partir daquilo que os mecanismos de repetição e de regularização (im)possibilita(ra)
m. Aqui, cabe ressaltar que o recorte desses aspectos se orientou fortemente por nossa constituição na condição 
de uma função enunciativa leitor. 
Daí, corroborarmos a perspectiva de que o trabalho do analista de discurso, quanto a determinados 
aspectos de memória, se orienta pela
constituição como leitor, o que acarretará certa especificidade na tomada de posição do recorte teórico-
metodológico do trabalho de pesquisa; inclusive, determinada peculiaridade no processo de afetamento da 
incidência da memória.
1. mobilização do material de análise no procedimento de (re)construção do arquivo. Em termos 
discursivos, há uma tensão contraditória entre a (im)possibilidade de alusão aos efeitos da memória 
(im)posta pela própria natureza do arquivo.
Referências
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ACHARD, P. Memória e produção discursiva do sentido. In: ______. (et al). Papel da memória. 
Campinas: Pontes Editores, 2007. p. 11-17.
COHEN, M. ayrton senna. São Paulo: Editora Globo, 2006.
COURTINE, J.-J. Analyses du discours politique. In: langages 62. Paris: Larousse, 1981.
COURTINE, J.-J. Le tissu de la mémoire : quelques perspectives de travail historique dans les sciences 
du langage. In: langages 114. Mémoire, histoire, langage, pp. 5-12, Paris: Larousse, 1994.
LE GOFF, J.. Memória-História. In Enciclopédia Einaudi. V.1. Verbetes História”,”Memória”, 
“Documento/Monumento”. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984.
PÊCHEUX, M. [1983]. Papel da memória. In: ACHARD, P. (et al). Papel da memória. Campinas: 
Pontes Editores, 2007. p. 49-57.
______. Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, E. P. (et al). Gestos de leitura: da história no discurso. 
Campinas: Editora da UNICAMP, 1997 (Coleção Repertórios). p. 55-66.
______. [1975] semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio, Campinas: Editora da 
UNICAMP, 1988.
RIOLFI, C. R., INGREJA, S. G. da. Cena e protagonista: representações de escrever em periódicos. 
Disponível em http://www.eca.usp.br/caligrama/n_9/pdf/09_riolfi_igreja.pdf. Acesso 28 de nov. 2007.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
POLÍTICA, MEMÓRIA E ACONTECIMENTO: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ENUNCIADO “LULA É O CARA”
Joseane Silva BITTENCOURT
Nilton MILANEZ
Reflexões iniciais
O discurso político foi o objeto primeiro de análise para os primeiros trabalhos de Análise do Discurso 
nos fins dos anos 60. Essa disciplina fez da Linguística e da História campos convergentes para se pensar em 
um arcabouço teórico que aliasse a análise da estrutura do texto e sua relação com um exterior que se inscrevia 
na história. Segundo Courtine (2006a), o objetivo da análise do discurso consistia em ser uma disciplina que 
pretendia ter duas funções: uma, instrumental, ligada ao método estruturalista da Linguística, e outra, crítica, 
ligada ao desenvolvimento do pensamento marxista, resultado dos trabalhos de releitura de Marx por Louis 
Althusser. A análise, assim, se concentrava em textos e manifestos de partidos políticos, os quais constituíam 
formações imaginárias e ideológicas, traçando processos de identificação e desidentificação, além de verificar 
a posição do sujeito interpelado e assujeitado pela ideologia. No entanto, o desaparecimento de uma política 
marcada pelos muros sólidos e homogêneos das ideologias dos partidos políticos, resultado da emergência de 
novas formas de comunicação e novas configurações sociais e culturais, promoveu o surgimento uma nova 
política, centrada, principalmente, na figura personalista do sujeito-político.
Essa nova visão da política é pautada pela linguagem dos novos meios de comunicação, cujo mote fun-
damental é marcado pela imagem e os sentidos que ela faz surgir. Dessa forma, a produção dos novos discursos 
políticos, sustentados pela linguagem sedutora da propaganda, faz emergir um sujeito-político que construa 
“uma imagem” de um político competente, que saiba governar.
É sob essa perspectiva que apresentamos um acontecimento histórico que se tornou um aconteci-
mento discursivo para a política brasileira e, quiçá, para a política internacional, e que produziu os textos dos 
jornalistas que constituem o corpus desse trabalho: dia dois de abril de 2009. Durante um almoço de líderes 
mundiais numa reunião do G20, em Londres, Inglaterra, Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos, ao 
cumprimentar o presidente brasileiro, se dirige ao primeiro ministro da Austrália, Kevin Rudd, e comenta sobre 
o brasileiro: “That’s my man right here. I love this guy. He’s the most popular politician on earth.”, e completou: 
“That’s because he’s good look”.
Essa conversa informal entre os líderes políticos foi captada pelos microfones de uma grande empresa 
de comunicação que “cobria“ o evento. A partir desse episódio, surgiram análises de inúmeros jornalistas e 
blogueiros, a fim de elucidar o enunciado: seria mesmo um elogio ou um deboche do presidente americano, 
que vivia uma época de expectativa sobre o seu governo, o governo do primeiro presidente negro da história 
dos Estados Unidos? Quais os efeitosde sentidos que emergiram da fala de Obama? Que outros enunciados 
emergiram por meio dessa fala? São essas as questões que nos movem ao longo desse trabalho.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Quem fala e de quem se fala?
Comecemos esta investigação com a pergunta de Michel Foucault (2000):
Quem fala? Quem, no conjunto de todos os sujeitos falantes, tem boas razões para 
ter esta espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem recebe dela sua singula-
ridade, seus encantos, e de quem, em troca, recebe, se não sua garantia, pelo menos 
a presunção de que é verdadeira? Qual é o status dos indivíduos que têm - e ape-
nas eles - o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espon-
taneamente aceito, de proferir semelhante discurso? (FOUCAULT, 2008, p. 56).
Apresentamos, no início desse trabalho, a transcrição da fala do presidente Barack Obama a respeito do 
seu congênere brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Por que se levou tão em conta a fala do presidente norte-
americano? Essa questão pode ser pensada a partir das circunstâncias sócio-históricas, ou seja, as condições de 
possibilidades que permitiram a emergência desse enunciado, bem como as relações e as construções midiáticas 
dos sujeitos “quem fala” e “de quem se fala”, evidenciadas por meio da “biografia” de ambos, veiculadas pelos 
meios de comunicação.
O advogado e senador democrata, Barack Obama, foi eleito presidente dos Estados Unidos em 2008, 
em meio a uma onda de medo e expectativa. O medo se explica pelo fato de que, em meados de agosto do 
mesmo ano, uma grave crise econômica, deflagrada por uma bolha no sistema imobiliário dos Estados Unidos, 
atingiu o mercado nacional e internacional. Soma-se a isso, o gasto elevadíssimo do governo americano com 
armamentos e outros produtos bélicos, resultado da manutenção de duas guerras: uma contra o Afeganistão, 
outra contra o Iraque, além de várias incursões do exército estadunidense em outras regiões do mundo. A 
expectativa se deu, principalmente, por uma promessa de mudança: a crise aliada à guerra com seu alto custo 
trouxe uma enorme impopularidade ao até então presidente norte-americano, George W. Bush. O desejo de 
mudança levou o cidadão americano a eleger o primeiro presidente negro da história daquele país. A simbolo-
gia desse fato, tantas vezes encenada no cinema hollywoodiano, fez com que o mundo também acreditasse na 
mudança, principalmente na forma de como os Estados Unidos iriam conduzir sua política internacional com 
a posse do presidente eleito, que assumiu o cargo em fevereiro de 2009.
Em abril do mesmo ano, ele pronuncia o enunciado que já relatamos. E esse é o status de quem fala, de 
quem enunciou tal discurso: um político que, apesar de estar há pouco tempo no mandato ao qual foi eleito, 
já era prestigiado, celebrado e considerado, desde já, competente e capaz de resolver os graves problemas que 
assolam o país economicamente mais desenvolvido do planeta.
Tentaremos, agora, elaborar um breve perfil de quem se fala: Luiz Inácio Lula da Silva nasceu em 
Caetés, zona rural muito pobre do estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil. Ainda criança, viajou com sua 
família em um pau-de-arara rumo a Santos, litoral de São Paulo, onde já estavam seu irmão mais velho e seu 
pai. Lula estudou até o quarto ano primário, mas, com o incentivo da mãe, fez um curso de torneiro mecânico 
e começou a trabalhar numa fábrica. Com a insistência do irmão, ingressou no Sindicato dos Metalúrgicos, 
chegando, inclusive, a convocar uma assembléia da categoria em plena ditadura, o que era proibido na época. 
Foi preso pelo regime militar, participou da campanha das “Diretas já”, na qual reivindicava a abertura política 
no país. Participou também da Constituinte de 88, que votou a nova Constituição Brasileira. Fundou o PT, 
Partido dos Trabalhadores, um dos maiores partidos políticos da América Latina. Disputou quatro eleições, 
ganhou duas: as de 2002 e 2006. Com o avanço da crise de 2008, que nasceu nos EUA e se espraiava pelo 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
mundo, assegurou que ela chegaria ao Brasil como uma “marolinha”. Foi muito criticado pela imprensa e pelos 
seus opositores por ter dito isso. No entanto, com o passar dos tempos, comprovou-se que a crise não deixou 
muitas sequelas no país e a fala do presidente foi referendada até por alguns jornalistas que o criticaram. No 
último ano de seu mandato, possui uma aprovação recorde, tanto pessoal como de seu governo. É considerado 
um hábil negociador, o que o levou a ser solicitado em vários encontros e reuniões com líderes de todas as partes 
do mundo, sendo numa dessas que o Obama disse o enunciado que produziu o corpus desse trabalho.
Memória e acontecimento na política
Ao tentar apreender os efeitos de sentido do enunciado estudado, tomaremos as palavras de Courtine 
(2006b), para conceituar memória dentro da Análise do Discurso:
A memória que nos interessa aqui é a memória social, coletiva, em sua relação com 
a linguagem e a história. É nesse sentido que evocamos que a memória coletiva fos-
se compreendida no seio dos meios sociais nos quais ela se constitui e relaciona fa-
mília, grupos religiosos, classes sociais, ou analisada nas formas individuais do so-
nho e da afasia, é sempre a linguagem que está, para Halbwachs, de maneira explíci-
ta ou implícita, no coração dos processos de memória (COURTINE, 2006, p. 2-3).
Destarte, a memória é que nos faz organizar nossos enunciados, repetindo-os, transformando-os, 
deslocando-os, apagando-os e esquecendo-os, inscrevendo-os na história, tendo a linguagem como sua ma-
terialidade. E se pensarmos no discurso político, essas operações fazem-se ainda mais importantes, visto que 
o espaço político é um lugar de embate, onde forças antagônicas duelam por meio de seus discursos, cada um 
defendendo a sua verdade; verdade que se produz através dos enunciados.
A emergência e o entrecruzamento desses enunciados produzem efeitos de sentidos que só podem ser 
pensados na irrupção de um acontecimento discursivo, “no qual o novo não está no fato em si, mas no acon-
tecimento que ele produz” (MILANEZ, 2009, p. 253). Assim, o acontecimento, em sua emergência, produz 
também uma interpretação, a construção de uma verdade, ou como afirma Navarro-Barbosa (2004), uma 
forma de dar rostos às coisas. É nessa perspectiva que o acontecimento histórico do enunciado “Lula é o cara“ 
se torna um acontecimento discursivo e, cada vez que é repetido, deslocado, apagado, instaura-se um novo 
acontecimento e, assim, constroem-se verdades, desvelam-se interpretações, enfim, um novo rosto é dado (ou 
novos rostos são dados) a ele.
A língua, o enunciado e o deboche
Acreditamos que o enunciado consiste em sua produção por um sujeito, que ocupa uma determinada 
posição, que se inscreve em determinadas circunstâncias sociais, históricas e culturais. Buscaremos compre-
ender qual o lugar que o enunciador-jornalista, que possui uma autoridade de opinião ou de análise política 
na sociedade, ocupa em relação ao que foi dito por Obama. Apresentamos os dois primeiros enunciados que 
não corroboram com a tese de que o enunciado do Obama foi um elogio. O primeiro é um post veiculado no 
blog do jornalista Cláudio Humberto1, e o segundo é o texto veiculado no blog do jornalista do Jornal O Globo, 
Ricardo Noblat2:
1 Blog do Claudio Humberto, disponível em: <http://www.claudiohumberto.com.br > Acesso em: junho de 2009.
2 Blog do Noblat, disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/noblat> Acesso em: junho de 2009.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
(1) 02/04/09 - Ufanista apressado como cru, ou melhor, come as palavras que interes-
sam. O presidente dos EUA,Barack Obama, não disse que o presidente Lula era “o 
cara”, na reunião do G-20 em Londres, como mostra claramente o vídeo da britânica 
BBC, postado no site YouTube. A gentileza de Obama, na verdade, sugeriu uma inti-
midade tipicamente americana, quando se dirigiu ao colega brasileiro com um “that’s 
my man”, que significa “esse é o meu chapa”, ou “camarada” ou “homem” mesmo, não 
a expressão brasileira relativa ao “máximo”, “ao rei da cocada”. O tradutor oficial Sér-
gio Ferreira cumpriu direitinho a função em Londres.
(2) enviado por ricardo Noblat – 02/04/2009 - 15h44m - obama diz que lula é “o 
político mais popular na Terra”.
Faz tempo que não implico com Lula. Dirão que voltei a implicar.
Mas desconfio que debocharam com classe dele em Londres, ontem e hoje.
O primeiro-ministro britânico enxertou em seu discurso diante do presidente Barack 
Obama o que disse ter ouvido de Lula quando esteve recentemente no Brasil. Foi 
uma tirada engraçada de Lula:
-  Quando eu era sindicalista, eu culpava o governo. Quando eu era da oposição, eu 
culpava o governo. Quando eu virei governo, eu culpei a Europa e os Estados Unidos.
O primeiro-ministro e Obama riram muito.
A tirada de Lula havia coincidido com aquela outra de gosto duvidoso sobre os bran-
cos de olhos azuis responsáveis pela crise econômica que atropela o mundo.
Hoje, em Londres, Obama decretou que Lula “é o “político mais popular da Terra”. 
Ele fez o comentário em uma roda de líderes mundiais, pouco antes do início da reu-
nião do G20, em uma sala de conferência do Excel Center, em Londres.
Ao trocar um aperto de mãos com Lula, Obama olhou para o primeiro-ministro da 
Austrália, Kevin Rudd, e disse, apontando para Lula: “Esse é o cara! Eu adoro esse 
cara!”.
Em seguida, enquanto Lula cumprimentava Rudd, Obama repetiu: “Esse é o político 
mais popular da Terra”. Rudd aproveitou e disse também: “O mais popular político de 
longo mandato”.
- É porque ele é boa pinta - acrescentou Obama.
O político mais popular da Terra é Obama. Porque é o primeiro presidente negro dos 
Estados Unidos e atrai multidões por onde passa.
Obama quis ser simpático com Lula - e foi. De fato deve ter gostado dele quando o 
recebeu na Casa Branca.
Atualização das 16h59 - Uma vez postados aqui mais de 100 comentários em tão pouco 
tempo, acrescento algo que guardei. A gozação, deboche ou brincadeira de Obama com Lula 
reforça a posição de Lula entre os negociadores da crise. Digo melhor: a posição do Brasil.
Isso interessa a Obama porque o Brasil é o mais forte aliado dos Estados Unidos na América 
Latina. Tomou essa condição da Argentina e a vem aprofundando.
Lula foi pragmático o bastante para se tornar amigo de Bush - para quem telefonava quan-
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
do acordava invocado. Pelo menos disse que fez isso uma vez.
Continua sendo pragmático para se empenhar na conquista de Obama.
Deve estar nas nuvens com o que ouviu de Obama - descontado o exagero. Mas tem os pés 
no chão e sabe que países não têm amigos, têm interesses.
No primeiro texto, o enunciador dá o tom pejorativo ao caracterizar de “ufanista” aquele que pode 
interpretar a fala de Obama como um elogio ao presidente brasileiro. Em seguida, ele nega que Obama tenha 
dito que Lula era “o cara”, mas “meu chapa, meu camarada”, atribuindo a problemas de tradução aquele tipo 
de interpretação. É importante notar que o “não” no texto do jornalista ressalta o enunciado dividido, elemento 
também estudado por Courtine (2006) em sua tese, cujo objeto de análise é o manifesto do Partido Comu-
nista Francês endereçado aos cristãos. Ao enunciar o “não” em O presidente dos Estados Unidos [...] não disse 
que o presidente Lula era “o cara”, e ainda em que significa “esse é o meu chapa”, ou “camarada” ou “homem” mesmo, 
não a expressão brasileira relativa ao “máximo”, “ao rei da cocada”, revela a heterogeneidade do enunciado, visto 
que o enunciador coloca em confronto as duas posições antagônicas, dentro de seu próprio enunciado. Cabe 
evidenciar também o efeito de autoridade que o autor quer atribuir à sua argumentação no escrito, contida na 
expressão “tradutor oficial”. Ele vai ainda mais longe: o tradutor, que é oficial, cumpre o seu papel ao traduzir 
“corretamente”. Nota-se aí, uma perspectiva linguística de que a tradução é um trabalho técnico e transparente, 
negando a opacidade da língua, e insistindo na tese de que não cabe a ela uma interpretação, mas somente uma 
versão, a versão que não é a que elogia o presidente brasileiro. Neste sentido, o enunciador reforça sua posição 
contrária ao elogio e desvela também uma posição contrária ao presidente brasileiro.
No segundo texto, o acontecimento histórico em questão toma uma outra dimensão: a da desqualifi-
cação e do deboche. O enunciador principia seu texto revelando que costumava “implicar” com o presidente 
brasileiro e que o tema em questão o faz implicar com ele novamente. Logo em seguida, ele apresenta dois fatos 
que objetivam desqualificar o presidente e, concomitantemente, desqualificar o fato que ocorreu na reunião 
dos líderes políticos. A primeira diz respeito a uma das “tiradas do presidente”: Quando eu era sindicalista, eu 
culpava o governo. Quando eu era da oposição, eu culpava o governo. Quando eu virei governo, eu culpei a Europa e 
os Estados Unidos. A desqualificação procede do fato de que, nesse enunciado, o presidente não assume a culpa 
de nada; para ele, o culpado será sempre um outro. A segunda desqualificação diz respeito a um enunciado do 
presidente alguns dias antes da reunião do G20, quando o Lula disse que os responsáveis pela crise imobiliária 
de 2008-2009 eram os brancos de olhos azuis. O enunciador caracteriza negativamente esse enunciado como 
de “gosto duvidoso” por insinuar um racismo contra os brancos. Ambos os enunciados que objetivam desqua-
lificar o presidente Lula reportam à culpa, à irresponsabilidade. No primeiro, ele põe a culpa em qualquer um, 
a posição da culpa se modifica de acordo com a posição que assume o presidente; no segundo, o presidente, 
de acordo com o enunciador, tem um culpado para a crise, e esse culpado não é ele, é como sempre, o outro. 
Em seguida, o enunciador relata todo o diálogo entre Obama e Rudd, para, logo depois, decretar que quem é 
“o cara” é o presidente dos Estados Unidos. E se justifica pelo fato de que o Obama é o primeiro presidente 
negro da história dos Estados Unidos e que atrai multidões por onde passa. Esse homem, tão prestigiado, não 
poderia ter errado; ou ele quis ser simpático, ou debochou “gentilmente” do presidente brasileiro. Ou seja, o 
Obama, com todas as suas qualidades, possui autoridade para falar o que quiser. No entanto, o elogio não cabe 
ao presidente Lula, segundo o enunciador; assim, o elogio só teria sentido se fosse uma brincadeira, visto que 
30
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
no humor tudo é possível de ser dito.
O adendo que o enunciador colocou em seu escrito reforça a tese do deboche, da brincadeira, e revela 
algo mais: o elogio poderia ser uma maneira de manter o Brasil como um aliado dos Estados Unidos na 
América Latina, uma vez que a política internacional americana não é vista por bons olhos pelos seus vizinhos. 
Dessa forma, o elogio serviria para amaciar o ego do presidente com o intuito de mantê-lo como intermediador 
entre os Estados Unidos e as outras nações latino-americanas, como está nítido no excerto que afirma que Lula 
deve estar nas nuvens com o que ouviu de Obama – descontado o exagero. O servilismo é reforçado no enunciado 
Continua sendo pragmático para se empenhar na conquista de Obama. Para o enunciador, o presidente brasileiro 
tem a obrigação de se esforçar para conquistar a simpatia dos presidentes do Norte, devotando uma posição de 
inferioridade frentea esses políticos.
No entanto, ao retomarmos o enunciado deve estar nas nuvens com o que ouviu de Obama – descontado o 
exagero, notamos que há um novo efeito de sentido, o sentido que o enunciador quis apagar. Se o presidente 
está nas nuvens, é porque entendeu que o enunciado do Obama foi um elogio endereçado a ele, já que o próprio 
enunciador caracteriza o presidente brasileiro como um pragmático que tem os pés no chão e entendeu que os pa-
íses não têm amigos, têm interesses. Retomando, pela memória social, o pensamento dos diplomatas americanos, 
o enunciador acaba por negar a tese da desqualificação e do deboche. Dessa forma, o enunciado do jornalista 
evidencia uma contradição marcada em sua relação com o enunciado do outro, revelando as dissensões múltiplas 
(FOUCAULT, 2000, p. 177) de sua prática discursiva.
É a economia, estúpido!
Apresentamos os dois últimos textos que corroboram com a tese de que o enunciado do Obama foi um 
elogio. O primeiro é um post veiculado no blog Escrevinhador, do jornalista Rodrigo Viana3, e o segundo é o 
texto veiculado no blog Balaio do Kotscho, do jornalista Ricardo Kotscho4:
(3) Quinta, 02/04/2009 às 12:05 e atualizado sexta, 03/04/2009 às 20:51 Gilmar 
Mendes deve estar preocupado. Os grampos chegaram a Londres: a BBC Brasil gra-
vou o momento em que Obama afirma que Lula é “o político mais popular da Terra”. 
Foi pouco antes do encontro do G-20, em Londres. Nesse caso, ao menos, o áudio 
apareceu. Até o vídeo, aliás.
Confira aqui: 
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/multimedia/2009/04/090402_lulaobamavideo.
shtml.>
Lula não é importante porque o Obama ou a Newsweek (que o colocou na lista dos 
mais influentes do mundo, bem à frente do Papa Ratzinger, por exemplo) reconhe-
cem seu valor.
Ele é importante porque:
- criou mercado interno no Brasil;
- faz uma política externa independente (que não tira os sapatos para os EUA);
3 O Escrevinhador, disponível em: < http://www.rodrigovianna.com.br/vasto-mundo/para-obama-lula-e-politico-mais-
popular-da-terra> Acesso em: junho de 2009.
4 Balaio do Kotscho, disponível em: < http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/> Acesso em: junho de 2009.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
-  não trata movimento social como questão de polícia;
- e faz política social de verdade - como um social-democrata.
aqui no Brasil, há quem prefira dizer que ele “dá esmola aos pobres”.
aqui no Brasil, há quem prefira chamá-lo de “apedeuta”.
será que obama também é um “apedeuta”? 
(4) o Brasil de lula sai bem na foto
Atualização às 11h15:
Tinha acabado de escrever o post abaixo quando vi a manchete no portal Globo.
com:
“Obama diz que Lula é o político mais popular da Terra”.
Diz a nota:
Obama troca um aperto de mãos com o presidente brasileiro, olha para o primeiro 
ministro da Austrália, Kevin Rudd, e diz, apontando para Lula:
“Esse é o cara! Eu adoro esse cara!”
Em seguida, enquanto Lula cumprimenta Rudd, Obama diz, novamente apontando 
para Lula: “Esse é o político mais popular da Terra”. Rudd aproveita a deixa e diz: 
“O mais popular político de longo mandato”. “É porque ele é boa pinta...”, acrescenta 
Obama.
Para quem duvidar, a cena aparece em vídeo gravado pela BBC.
Na foto dos 31 líderes mundiais reunidos quarta-feira no encontro ampliado do G20 
em Londres para decidir os novos rumos do planeta diante da crise, o presidente Lula 
aparece sentado, sorridente ao lado da rainha Elizabeth 2ª e do anfitrião, o primeiro-
ministro britânico Gordon Brown. Atrás dele, em pé, com o mesmo sorriso franco, está 
o homem mais poderoso do mundo, Barack Obama, o presidente dos Estados Unidos, 
que deixou o Clóvis Rossi tão encantado durante uma entrevista que nem falou da foto 
em sua coluna. Pode parecer um detalhe banal, tanto que a foto não está nem na pri-
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
meira página da Folha,  o jornal que assino e leio no café da manhã. Também não se faz, 
nos caudalosos textos das páginas internas, qualquer referência à posição privilegiada 
do nosso presidente na foto oficial. Quais foram os critérios? Quem determinou onde 
ficaria cada um dos líderes? Gostaria de saber. Será que não havia nenhum repórter 
lá quando este time dos donos do poder mundial se ajeitou e posou para a fotografia?
Trata-se de uma imagem emblemática sobre a nova posição que o Brasil ocupa no mundo, 
pois até pouco tempo atrás não era tão comum o nosso país participar de reuniões deste 
porte, muito menos o presidente brasileiro sair tão bem na foto, cheio de graça e moral.
“Para um torneiro-mecânico até que está bom demais…”, eu costumava brincar 
com ele quando o acompanhava a estas reuniões nos dois primeiros anos de go-
verno. Até para o próprio Lula, acho que tudo isso já virou rotina e nem  lhe cha-
ma mais a atenção. Mais importante do que a imagem, porém, é a nova atitu-
de da delegação brasileira nestes encontros. Ao invés de ir lá mendigar ajuda ao 
FMI para não quebrar, agora o Brasil  toma a iniciativa de propor uma refor-
ma deste organismo multilateral  - e se propõe a ajudar os países mais pobres.
Vamos falar de igual para igual. Se for necessário colocar dinheiro como emprésti-
mo, desde que não diminua nossas reservas, não tem problema. “O Brasil não vai agir 
como se fosse um paisinho pequeno sem importância”, avisou Lula na entrevista que 
concedeu na viagem de trem até Londres, depois de almoçar com o presidente fran-
cês Nicolas Sarkosy, em Paris. Ele agora pode falar isso porque o Brasil durante seu 
governo não só zerou a famigerada dívida externa como tem hoje mais de 200 bilhões 
de dólares em reservas internacionais. Em seis anos e três meses de governo, o antigo 
líder sindical mudou a cara do Brasil lá fora e é recebido e respeitado pelos princi-
pais líderes mundiais como um igual. Hoje à tarde, por exemplo, terá um encontro 
bilateral solicitado pelo presidente da China, Hu Jintao. Lula, de fato, não precisa ler 
os jornais brasileiros para saber o que pensam os homens que decidem os destinos 
da economia mundial. Fala diretamente com eles e por eles é ouvido como jamais 
aconteceu antes com qualquer outro presidente brasileiro. Sei que alguns leitores vão 
se sentir injuriados e pessoalmente ofendidos com o texto acima. Mas estes são os 
fatos, meus caros amigos, não há mais como negar. E me sinto muito feliz por poder 
relatá-los a vocês, ao contrário de alguns colegas que insistem em esconder a realidade.
No terceiro texto, o enunciador reporta à captação da fala da BBC Brasil a um fato envolvendo o 
Primeiro Ministro do Supremo Tribunal Federal, que acusou a Abin (Agência Brasileira de Informação) de 
ter grampeado os telefones do Supremo para espioná-lo. No entanto, o áudio nunca foi encontrado, o que 
levou alguns setores da mídia e da política especularem que o Juiz blefou sobre esse fato. Ele relaciona esse 
acontecimento ao fato de que o áudio (e o vídeo, inclusive) da fala de Obama elogiando o presidente Lula 
apareceu, utilizando do sarcasmo para com quem duvide do fato. Em seguida, o enunciador afirma que a fala 
de Obama e a revista americana Newsweek (que colocou o presidente brasileiro entre as personalidades mais 
influentes no mundo em 2009) não decretam a influência do Lula, mas sua importância se dá por alguns fatores 
que ele enumera a seguir: criou mercado interno no Brasil; faz uma política externa independente (que não tira os 
sapatos para os EUA); não trata movimento social como questão de polícia; e faz política social de verdade - como um 
social-democrata. Nota-se no trecho “não tira os sapatos para os EUA” uma referência à política econômica do 
governo anterior. No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, a moeda brasileira passou por uma 
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Entre a Memória e o Discurso - NiltonMilanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
maxidesvalorização, o que acabou por diminuir as reservas do Tesouro Nacional. Assim, o Brasil recorreu, em 
vários momentos, ao FMI, a fim de conseguir empréstimos para sanar as contas públicas. Numa dessas viagens, 
o chanceler brasileiro, Celso Lafer, ainda no aeroporto de Nova Iorque, passou por uma revista na qual o guarda 
da alfândega pediu para que ele tirasse os sapatos para facilitar a revista. Ele obedeceu e esse ato foi considerado 
uma atitude submissa e humilhante do Brasil. Já o Chanceler escolhido por Lula, Celso Amorim, afirmou que 
jamais tiraria os sapatos, preferiria ir preso. Essa atitude foi considerada um sinal de independência e soberania 
do Brasil frente a outras nações. Outro ponto a ser destacado nesse trecho é o enunciado faz política social de 
verdade - como um social-democrata: a expressão social-democrata reporta ao partido de oposição ao presidente 
Lula, PSDB, Partido da Social-Democracia Brasileira. Para o enunciador, o Lula é o social-democrata, um 
político que assumiu uma terceira via para governar. Dessa forma, ele empurra o partido da oposição para a 
direita, restando-lhe a pecha de “neo-liberal”. 
Ainda no terceiro texto, o enunciador reporta à fala dos oposicionistas do Lula ao enunciar: Aqui no 
Brasil, há quem prefira dizer que ele “dá esmola aos pobres”. Aqui no Brasil, há quem prefira chamá-lo de “apedeuta”. 
Será que Obama também é um “apedeuta”? No primeiro período, a sequência esmola aos pobres é como a oposição 
chama o programa Bolsa-Família, um programa de transferência de renda para pobres ou pessoas que estão 
abaixo da linha da pobreza; assim, o enunciador traz o enunciado do outro para desqualificá-lo. O mesmo 
acontece com a palavra apedeuta, que é como alguns comunicadores e políticos de oposição chamam o Lula, 
a fim de desqualificá-lo. O deboche aos opositores do presidente brasileiro mostra-se mais claro quando o 
enunciador faz a pergunta: Será que Obama também é um “apedeuta”? É importante ressaltar novamente que o 
Obama é um político prestigiado e o seu suposto elogio transfere seu prestígio para o suposto elogiado. Esse 
pensamento também faz com que a recíproca seja verdadeira. Se, para alguns, Lula é um apedeuta, aquele que 
o elogiou também o é. Resta, então, decidir por uma das premissas e o enunciador escolhe a do prestígio.
No quarto texto, o enunciador principia com o título O Brasil de Lula sai bem na foto e, logo abaixo, 
uma foto oficial da reunião do G20, em Londres, onde o Lula aparece sentado ao lado da Rainha Elizabeth 
II. O “sair bem na foto” revela dois sentidos: sair com uma boa aparência e sair numa posição de importância. 
Nota-se que o enunciador não destacou o nome Lula no título, visto que ele aparece como adjunto adnominal 
de Brasil. Dessa forma, quem se destaca é o Brasil, pois Lula representa o país do qual é presidente. Ainda sobre 
a análise que o jornalista faz da foto, é importante ressaltar a pergunta que ele faz:
[...] não se faz, nos caudalosos textos das páginas internas, qualquer referência à posição privilegiada do 
nosso presidente na foto oficial. Quais foram os critérios? Quem determinou onde ficaria cada um dos líderes? 
Gostaria de saber. Será que não havia nenhum repórter lá quando este time dos donos do poder mundial se 
ajeitou e posou para a fotografia?
Pode-se deslocar as perguntas de Foucault (2000): Por que este e não outro em seu lugar? (p. 30) Por que 
esta enumeração e não outra? (FOUCAULT, 2000, p. 48) e rememorá-las nas perguntas feitas pelo enunciador: 
Por que o presidente Lula sentou-se ao lado da Rainha, e não o Obama, ou o Sarkozy, ou o Gordon Brown? 
O enunciador faz essa pergunta aos jornalistas que cobriam o evento e que não se interessaram em saber quais 
foram os critérios utilizados pelo cerimonial e as circunstâncias que permitiram com que o Lula se sentasse ao 
lado da Rainha, conotando uma posição de prestígio. Dessa forma, o enunciador tenta responder a essa pergun-
ta em vários momentos do texto como em: Trata-se de uma imagem emblemática sobre a nova posição que o Brasil 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
ocupa no mundo; e em: Em seis anos e três meses de governo, o antigo líder sindical mudou a cara do Brasil lá fora e é 
recebido e respeitado pelos principais líderes mundiais como um igual. Em outros momentos, o enunciador reporta 
à época em que o Brasil era governado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, tal como fez o Rodrigo 
Viana, no texto três: Ao invés de ir lá mendigar ajuda ao FMI para não quebrar, agora o Brasil toma a iniciativa de 
propor uma reforma deste organismo multilateral – e se propõe a ajudar os países mais pobres (...); e em seu governo 
não só zerou a famigerada dívida externa como tem hoje mais de 200 bilhões de dólares em reservas internacionais. No 
final do texto, o enunciador manda um recado aos oposicionistas do presidente, principalmente aos jornalistas, 
associando sua fala a um provérbio popular: “Contra fatos não há argumentos”:
Sei que alguns leitores vão se sentir injuriados e pessoalmente ofendidos com o texto acima. Mas estes 
são os fatos, meus caros amigos, não há mais como negar. E me sinto muito feliz por poder relatá-los a vocês, 
ao contrário de alguns colegas que insistem em esconder a realidade.
Nesses dois últimos enunciados apresentados, os dois enunciadores reportam a outros discursos dispos-
tos em uma rede de memória, produzindo um nó discursivo nessa rede, a fim de produzir determinado efeito 
de sentido. Eles utilizam de argumentos de ordem econômica para corroborar com a tese de que o enunciado 
de Obama, “Lula é o cara”, produz um efeito de sentido que revela um elogio ao presidente brasileiro. O 
enunciador do texto três é enfático quanto a isso. Para ele, Lula é influente por conta da sua condução da 
economia brasileira, que fez com que o Brasil assumisse uma nova postura, inclusive, frente à crise econômica; 
e não por que o Obama disse isso. Nesse sentido, é interessante ressaltar o que Foucault (1979) escreve sobre 
a governamentalidade:
A arte de governar, tal como aparece em toda esta literatura, deve responder essencialmente à seguinte 
questão: como introduzir a economia - isto é, a maneira de gerir corretamente os indivíduos, os bens, as rique-
zas no interior da família - ao nível da gestão de um Estado? A introdução da economia no exercício político 
será o papel essencial do governo. E se foi assim no século XVI, também o será no século XVIII, como atesta 
o artigo Economia Política, de Rousseau, que diz basicamente: a palavra economia designa originariamente o 
sábio governo da casa para o bem da família. O problema, diz Rousseau, é como ele poderá ser introduzido, 
mutatis mutandis, na gestão geral do Estado. Governar um Estado significará portanto estabelecer a economia 
ao nível geral do Estado, isto é, ter em relação aos habitantes, às riquezas, aos comportamentos individuais e 
coletivos, uma forma de vigilância, de controle tão atenta quanto a do pai de família (FOUCAULT, 1979, p. 
166).
Assim, o Lula seria “o cara” porque soube governar bem o Estado, ou seja, soube disponibilizar meios 
para que as famílias pudessem gerir bem sua economia doméstica. Governar bem, tanto para Foucault quanto 
para os jornalistas dos dois últimos textos, é conseguir gerir de forma satisfatória a economia de um país. Essa 
premissa também é verdadeira para o marqueteiro James Carville, responsável pela condução da campanha 
eleitoral de Bill Clinton, em 1992, nos Estados Unidos. Nas eleições presidenciais americanas de 92, o candi-
dato favorito era o Bush pai. Sua campanha se concentrou em um discurso de cunho nacionalista, embasado 
no fim da Guerra Fria e os resultados positivos da Guerra do Golfo. No entanto, os gastos militares, assim 
como no governo de Bush filho,em meados de 2008, abalaram a economia dos Estados Unidos, aumentando 
os níveis de desemprego e déficit nas contas públicas. Dessa forma, o partido de Clinton explorou esse ponto 
fraco na campanha eleitoral. Quando se questionavam sobre em que se baseavam as propostas do candidato 
democrata, Clinton e seus aliados respondiam, sem subterfúgios: It’s the economy, stupid!. Assim, ele foi eleito 
por conta da promessa de ajustar as contas, de “arrumar a casa”. Esse enunciado se transformou em eco para os 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
aliados do presidente Lula.
Considerações finais
Concluímos que o acontecimento histórico revelado no dito de Obama sobre o presidente brasileiro se 
tornou um acontecimento discursivo, porque permitiu que esse enunciado fosse repetido, deslocado, apagado, 
trazendo um novo. Percebemos também que esse enunciado associou-se ou reportou-se a outros enunciados, 
mesmo que eles não tenham sido ditos, mas que puderam ser retomados por meio de uma rede de memória, 
constituindo outros enunciados, formando, assim, um nó na rede discursiva.
Esses jogos enunciativos, marcados por embates discursivos, desvelam suas contradições nas próprias 
práticas discursivas, fazendo com que seus enunciadores refaçam, continuamente, o seu discurso. É por isso 
que há a procura por outros enunciados que se juntam ao que é dito, a fim de apagar ou anular as contradições, 
mesmo sabendo que elas podem ser recuperadas a qualquer momento, pois são parte constituinte dos discursos, 
constituem “[...] a própria lei de sua existência” (FOUCAULT, 2000, p. 170). Dessa maneira, o enunciado 
“Lula é o cara” se constitui por meio de enunciados que foram ditos antes dele e por enunciados que ainda estão 
por dizer, constituindo mais um nó na rede discursiva.
Referências
COURTINE, Jean-Jacques. Metamorfoses do Discurso Político. Derivas da fala pública. Trad. de 
Nilton Milanez e Carlos Piovezani Filho. São Carlos: Claraluz, 2006.
______. Tecido da memória. In: Polifonia. Cuiabá: EdUFMT, v. 12, n. 2, 2006. p. 1-13.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de 
Janeiro: Graal, 1979.
______. arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Univer-
sitária, 2000.
MILANEZ, Nilton. A possessão da subjetividade: sujeito, corpo e imagem. In: Santos, João Bosco 
Cabral dos. (Org.). sujeito e subjetividade: Discursividades Contemporâneas. Uberlândia: UFU, v. 1, 2009. 
p. 251-259.
NAVARRO-BARBOSA, Pedro Luís. O acontecimento discursivo e a construção da identidade na 
História. In: SARGENTINI, Vanice; NAVARRO-BARBOSA, Pedro. (Orgs.). M. Foucault e os domínios 
da linguagem. Discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 2004. p. 97-130.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
MEMÓRIA E GÊNESIS DE SUBJETIVIDADES NO DISCURSO RELIGIOSO
Edvania Gomes da SILVA
Considerações iniciais
O objetivo deste artigo é apresentar algumas considerações acerca da relação entre memória e consti-
tuição de subjetividades no discurso religioso. Para tanto, analisarei algumas capas de revistas vinculadas ao 
campo religioso, buscando verificar em que medida as formulações linguísticas e imagéticas materializadas 
nas referidas capas apontam para o funcionamento de diferentes posições de sujeito, que estão relacionadas 
a uma memória discursiva. O corpus é constituído por três capas de revista, cada uma delas vinculada a uma 
expressão religiosa. Nesse sentido, serão analisados traços do posicionamento católico, do posicionamento 
protestante e do posicionamento Espírita kardecista. Em todos esses posicionamentos, busco, por meio de uma 
análise indiciária, verificar a irrupção do acontecimento sobre uma determinada memória discursiva.
Sobre a noção de memória discursiva
Neste trabalho, recorreremos a alguns conceitos desenvolvidos no âmbito dos trabalhos de Michel 
Foucault. Consideraremos, principalmente, os conceitos operacionais desenvolvidos pelo referido autor no 
livro A arqueologia do saber. Entre outras coisas, neste livro, Foucault (2002) procura responder a críticas e a 
dúvidas que surgiram com a leitura de seus trabalhos anteriores. Segundo o autor, o referido livro “tenta definir 
o espaço em branco de onde fala, e que toma forma, lentamente, em um discurso que”, o próprio Foucault, 
sente como “precário e ainda incerto” (FOUCAULT, 2002, p.20).
Em A arqueologia do saber, o filósofo defende o estabelecimento de uma “Nova História”, que se 
fundamente na análise dos acontecimentos discursivos. Tais acontecimentos devem ser analisados no momento 
de sua irrupção. Dessa forma, Foucault (2002) procura mensurar as transformações que ocorrem no domínio 
da história, descrever as relações entre os diversos acontecimentos, questionar os métodos, as teleologias e as 
totalizações próprias da História Tradicional. 
Ainda no que diz respeito à análise dos acontecimentos discursivos, Foucault (1972) defende que 
estes possuem várias “camadas” ou “estratos”. Alguns são visíveis e podem ser conhecidos até pelos seus 
contemporâneos. Outros, porém, estão uma camada abaixo dos primeiros e, por isso, não são facilmente 
notados. Há ainda aqueles que são imperceptíveis para os contemporâneos. Mas, são esses últimos estratos 
de acontecimentos que, por vezes, constituem as rupturas mais decisivas. De acordo com Foucault, a análise 
das diferentes camadas de acontecimentos é um dos aspectos do que ele chama de “história serial” ou “nova 
história”. Assim, para Foucault (2000, p.290):
A história serial não focaliza objetos gerais e constituídos por antecipação, como o 
feudalismo ou o desenvolvimento industrial. A história serial define seu objeto a par-
tir de um conjunto de documentos dos quais ela dispõe. [...] Dito de outra forma, 
o objeto da história não é mais dado por uma espécie de categorização prévia em 
períodos, épocas, nações, continentes, formas de cultura... Não se estudam mais a Es-
panha e a América durante o Renascimento; estudam-se, e este é o único objeto, to-
37
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
dos os documentos que concernem à vida do porto de Sevilha de tal data a tal outra.
Em outras palavras, trata-se de analisar a história a partir dos acontecimentos que a constituem. Nega-
se, por esse prisma, uma concepção de história enquanto linearidade e passa-se a concebê-la como ruptura, 
como descontinuidade. Nessa perspectiva, se o acontecimento não é mais visto como sucessão, mas como 
simultaneidade, se ele não é mais o conhecido, o visível, o identificável, direta ou indiretamente, então, inter-
pretar não é mais descobrir um sentido oculto, mas verificar o jogo de relações que se estabelecem entre dife-
rentes acontecimentos discursivos. É esse conceito de interpretação, baseado na relação entre acontecimentos, 
que levaremos em conta nas análises deste trabalho por um lado. 
Por outro lado, a noção de acontecimento discursivo pressupõe um outro conceito operacional desen-
volvido por Foucault (2002): a noção de memória. Quando trata das condições de existência de um enuncia-
do, Foucault (2002) apresenta, como terceira característica da função enunciativa, o fato de ela não poder 
exercer-se sem a existência de um domínio associado. Esse domínio associado, também chamado de campo 
enunciativo, compreende, conforme Foucault (2002, p.64): 1) um campo de presença (todos os enunciados 
anteriormente formulados e que são retomados a título de verdade admitida); um campo de concomitância 
(enunciados que se referem a objetos inteiramente diferentes, mas que atuam entre os enunciados estudados, 
funcionando como verdade analógica, como princípio geral,como modelo que podemos transmitir a outros 
conteúdos ou como instância superior com a qual os enunciados estudados devem ser confrontados e/ou a qual 
devem ser submetidos); e 3) um campo de memória (enunciados em relação aos quais se estabelecem laços de 
filiação, gênese, continuidade e descontinuidade histórica). 
Jean-Jaques Courtine, filósofo e historiador francês que nos anos 70 e 80 trabalhou com a Análise de 
Discurso (AD), retoma alguns pontos do trabalho de Foucault a fim de fundamentar, dentro do quadro teórico 
da AD, a noção de memória discursiva. Para Courtine (1981), a relação entre língua e história, no interior da 
AD, pode ser explicada por meio da diferenciação entre o nível do enunciado (ou interdiscurso) e o nível da 
formulação (ou intradiscurso). O interdiscurso é definido como “instância de formação/repetição/transforma-
ção dos elementos de saber de uma Formação Discursiva, sendo, portanto, responsável pelo deslocamento das 
fronteiras dessa FD” (COURTINE, 1981, p.49). Ainda segundo o referido autor, é no interior do interdiscurso 
que é possível identificar o domínio de memória de uma Formação Discursiva. Ou seja, é por meio do estudo 
da relação que um discurso mantém com outros discursos que o analista pode localizar as formulações que 
esse discurso repete, refuta, transforma e também aquelas que ele denega. E são essas formulações que consti-
tuem a memória de um discurso. A esse domínio de memória, Courtine (1981) associa duas outras instâncias: 
o campo de concomitância (ou domínio de atualidade) e o campo (ou domínio) de antecipação1. O primeiro 
diz respeito às relações interdiscursivas que se estabelecem em uma mesma circunstância histórico-social. 
Esse domínio é formado por um conjunto de sequências discursivas que coexistem com a seqüência discursiva 
de referência (sdr) em uma determinada conjuntura histórica. Vale salientar que a sdr é definida como sendo 
“uma seqüência discursiva escolhida como ponto de referência a partir do qual o conjunto dos elementos do 
corpus receberá sua organização” (COURTINE, 1981, p.54). Ainda segundo Courtine, “a sdr está relacionada 
a um sujeito de enunciação, bem como a uma situação de enunciação que possam ser isolados em relação a 
certo número de coordenadas espaciotemporais e, mais geralmente, circunstancias” (COURTINE, 1981, p.54. 
1 Em nota, Courtine (1981) afirma que, apesar de os termos domínio de memória, domínio de atualidade e domínio de antecipação poderem 
ser encontrados no livro A Arqueologia do Saber, de Michel Foucault, esses termos assumem em seu trabalho um valor sensivelmente 
diferente daquele conferido por Foucault, n’A Arqueologia. Entretanto, verifica-se que a noção de memória discursiva está claramente 
relacionada à noção de domínio associado, desenvolvida por Foucault. 
38
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Grifos do autor). 
Quanto ao domínio de antecipação, ele compreende um conjunto de sequências discursivas que suce-
dem à sdr (cf. COURTINE, 1981). Trata-se, portanto, das enunciações previstas (ou autorizadas) pelo discurso 
materializado na sequência discursiva de referência. Para Courtine (1981, p.57), “se há sempre já discurso, 
pode-se acrescentar que haverá discurso ainda”. Cumpre destacar que os três domínios apresentados (memó-
ria, atualidade e antecipação) estão relacionados à instância do interdiscurso.
Com base na noção de domínio associado ou memória discursiva (este último termo cunhado por 
Courtine), analisaremos duas propagandas veiculadas na mídia escrita, buscando encontrar indícios textuais 
e/ou imagéticos que permitam relacionar os enunciados materializados nas propagandas ao campo religioso. 
A noção de sujeito 
Tratar de sujeito e de subjetividades em Análise de Discurso é vincular-se a uma posição não subjeti-
vista da subjetividade. Nesse sentido, o sujeito em Análise de Discurso não é uma empiria, nem tampouco um 
sujeito positivado, consciente e tático. Foucault (2002), ao contrapor análise do pensamento e análise do cam-
po discursivo, resume exemplarmente a questão do sujeito e da subjetividade na análise do campo discursivo:
Vê-se que essa descrição do discurso se opõe à história do pensamento. Aí, tam-
bém, não se pode reconstituir um sistema de pensamento a partir de um conjunto 
definido de discursos. Mas esse conjunto é tratado de tal maneira que se tenta en-
contrar, além dos próprios enunciados, a intenção do sujeito falante, sua atividade 
consciente, o que ele quis dizer, ou ainda o jogo inconsciente que emergiu involun-
tariamente do que disse ou da quase imperceptível fratura de suas palavras manifes-
tas [...] A análise do campo enunciativo é orientada de forma inteiramente diferente; 
trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situação; 
de determinar as condições de existência, de fixar seus limites de forma mais justa, 
de estabelecer correlações com outros enunciados a que pode estar ligado, de mos-
trar que outras formas de enunciação exclui. Não busca, sob o que está manifesto, 
a conversa semi-silenciosa de um outro discurso: deve-se mostrar por que não po-
deria ser outro, como exclui qualquer outro, como ocupa no meio dos outros e re-
lacionado a eles, um lugar que nenhum outro poderia ocupar. A questão pertinen-
te a uma tal análise poderia ser assim formulada: que singular existência é esta que 
vem à tona no que se diz e em nenhuma outra parte? (FOUCAULT, 2002, p.31-32)
É a essa concepção de sujeito não empírico que este trabalho se filia. Sob essa perspectiva, procedere-
mos a análise de três capas de revistas, de cunho religioso, com base na relação entre as diferentes posições de 
sujeito e as memórias discursivas que se filiam a cada uma dessas posições. 
Análise das capas
A primeira capa analisada é da revista Canção Nova, nº 92, de agosto de 2008. Trata-se de uma publi-
cação mensal, vinculada à Comunidade Canção Nova, ligada ao movimento carismático da Igreja Católica. 
Eis a capa e a contracapa da revista:
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Capa Contracapa 
Na parte superior da capa, vemos o nome da revista e as informações sobre ano, número da revista e 
data. Ainda na parte superior, do lado esquerdo encontra-se impresso o símbolo da Canção Nova (um semi-
coração e uma pomba, cujas asas assemelham-se a uma mão). Logo abaixo, há a imagem de duas mãos, que 
saem da margem esquerda da página e estão envoltas em uma espécie de luz. As mãos seguram uma criança 
recém-nascida, posicionada com o rosto voltado para o leitor da capa. O bebê dorme com a mão direita 
embaixo do queixo e tem uma feição de tranquilidade. Na parte inferior da capa, do lado esquerdo, temos a 
seguinte formulação linguística: “A Igreja em defesa da vida”. A palavra vida está grafada em caixa alta e, 
por isso, destaca-se das demais. Na contracapa, temos a imagem de Santo Agostinho, sentado, com um livro 
na mão esquerda e com a mão direita sobre o coração. Abaixo da imagem, que parece uma pintura, lemos o 
nome Santo Agostinho, seguido das seguintes formulações: 1) à esquerda, “Bispo e Doutor da Igreja”; e 2) à 
direita, “Rogai por nós!”.
Assim, a partir da leitura da formulação imagética, parece ser possível dizer que a imagem das mãos 
que seguram a criança, apresentada em destaque, no centro da capa e sobre um fundo escuro (em tons de azul 
marinho e preto) traz à memória a imagem da mão de Deus, que, segundo o relato bíblico, criou o homem à sua 
imagem e semelhança. Além disso, parece haver uma relação também entre o nome da revista, apresentado na 
parte superior, a imagem das mãos que seguram a criança, que se encontra no centro da revista, e a expressão 
referencial definida “A Igreja”. Nesse sentido, tanto a imagemcentral, quanto a expressão “A Igreja” remetem 
o leitor ao universo religioso, o que mostra a relação da Canção Nova com o discurso religioso.
Outro ponto interessante de ser observado por meio da formulação imagética é o fato de a palavra 
vida, grafada em caixa alta, poder ser relacionada com a imagem central, que, por sua vez, parece limitar o 
campo de interpretação do referido vocábulo. Em outras palavras, sob essa perspectiva, a imagem mostra 
de que “vida” se está tratando. Assim, o jogo entre a imagem e a formulação central, “A Igreja em defesa 
da vida”, materializa uma posição de sujeito para a qual Deus é o doador da vida. Por isso, é papel da Igreja 
defendê-la. A expressão “em defesa” cria o pré-construído segundo o qual existe a vida e esta se encontra 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
ameaçada. Como a vida apresentada é a vida de um recém-nascido, parece ser possível remeter-se à questão 
do aborto e da posição da Igreja em relação a esse assunto. 
Já em relação à contracapa, ela parece instaurar um outro lugar de memória, o qual também parece se 
relacionar com a imagem da capa. Assim, a imagem de Santo Agostinho, identificado como “Bispo e Doutor 
da Igreja”, somada à idéia da “Igreja em defesa da vida”, pode funcionar como um argumento de autoridade. 
Desse modo, é possível dizer que, na Igreja, a exemplo de Santo Agostinho, há pessoas sábias e capacitadas 
para opinar em diferentes assuntos, inclusive no que diz respeito ao aborto como parece ser a sugerido por 
meio da capa.
 Assim, capa e contracapa parecem estabelecer relações de memória que apontam para um corroborar 
esse argumento de autoridade no que diz respeito àquilo que, para nós, emergiu fortemente como pré-constru-
ído: Deus é doador da vida e não compete ao homem tirá-la de um recém-nascido; ao contrário, o tirar a vida 
compete somente àquele que tem a capacidade de doar a vida. Portanto, sob essa óptica, cabe aos sujeitos, que 
se colocam na posição de representantes da Igreja, defender a vida de modo sábio, tal como Santo Agostinho, 
buscando na palavra divina e nas orações (“Rogai por nós!”) a resposta para seus atos.
Outra capa a ser analisada é da revista Espiritismo: Filosofia – Ciência – Religião, nº 1, 2007:
Capa Contracapa 
A revista, como o nome já mostra, vincula-se ao Espiritismo. A capa apresenta a imagem de uma 
pessoa, mais precisamente uma mulher, de braços abertos e rosto semi-levantado para o alto. A postura parece 
de alguém que ora: olhos fechados, semblante suplicante. A imagem aparece como uma sombra, não muito 
clara. Por detrás da mulher, há uma luz, que passa entre seu ombro direito e seu pescoço. Ao redor da imagem 
da mulher, vê-se ainda uma espécie um contorno de cor branca que a envolve, como uma espécie de silhueta.
Essa formulação imagética pode materializar diferentes lugares de memória. A questão da oração en-
contra-se materializada na postura da mulher, que parece fazer uma prece. Por outro lado, a luz que a envolve 
e a silhueta de cor branca que a contorna parecem possibilitar a emergência da memória da tese espírita sobre 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
reencarnação. 
Abaixo da imagem da mulher, lemos, em caixa alta e letras vazadas, a seguinte formulação linguística: 
“Crianças índigo” e mais abaixo outra formulação, em letras menores: “Como identificar os espíritos cuja mis-
são é regenerar o planeta”. Assim, a idéia de regeneração também pode trazer à tona a memória de enunciados 
presentes na doutrina espírita. 
Esses lugares de reatualização da memória também se encontram materializados nas formulações lin-
guísticas que compõem as chamadas da revista. Vejamo-las:
“Para onde vamos após a morte? Umbral, colônias espirituais, reencarnação: os diferentes estágios 
na erraticidade”; “Depressão: obsessão pode agravar a doença?”; “Doação de órgãos: existe prejuízo para o 
perispírito?”; “Transcomunicação instrumental: Brasil é pioneiro em técnicas de comunicação por vídeo”; 
“Mediunidade na história: de 6000 a.C. a Chico Xavier”; “Provações: por que temos que passar por elas?”. 
Todas essas formulações, bem como a relação gráfica que se estabelece entre elas (o que aparece em destaque), 
materializam diferentes lugares de memória que dialogam com posições de sujeito que se relacionam, consti-
tuindo uma determinada imagem de religiosidade. 
Chamamos a atenção, por fim, para o subtítulo da revista: “Filosofia, Ciência, Religião”. A ordem das 
palavras, que se relaciona, inclusive, com o destaque dado a certas formulações que constituem as chamadas, 
também materializa uma determinada posição de sujeito: um sujeito religioso intelectualizado e que, confor-
me defende a doutrina espírita, manifesta uma fé supostamente racionalizada. 
Na contracapa, há propagandas de vários livros vinculados à Doutrina Espírita, o que também reatuali-
za certa memória discursiva em torno dessa doutrina. Além disso, esse anúncio parece apontar para o sentido 
de que o sujeito que ocupa a posição de leitor da revista Espiritismo – dado que, em certa medida, se inscreve 
sob essa doutrina ou se interessa pelas discussões sobre Espiritismo – também poderá ser um sujeito leitor dos 
livros anunciados.
A última capa que analisamos é a da revista Eclésia, edição nº. 121, 2007:
 Capa Contracapa 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Acima do nome da revista, vemos o resumo de três reportagens, quais sejam: “Capoeira: a união entre 
berimbau e bíblia”; “Evangelismo: crentes proibidos de pregar nos trens” e “site pornô CRISTÃO? Psicóloga 
fala sobre o Sexxx Church”. A capa, em fundo preto, traz a imagem de bonecos de mãos dadas. Os bonecos 
são dois representando duas mulheres (de saia) e dois representando dois homens. Entre os dois “casais” de 
bonecos há uma imagem de um livro em que está escrito “A Bíblia Sagrada”. Por cima dessas imagens, vê-se 
a palavra “CENSURADO”, grafada em caixa alta e em cor branca. Da forma como está disposta na capa, a 
palavra parece ter sido carimbada. Abaixo da imagem, lemos a seguinte formulação, grafada em fonte na cor 
vermelha, “Perseguição religiosa no Brasil?”. Logo abaixo dessa formulação, há uma outra, em letras menores 
e em fonte de cor branca: “Evangélicos denunciam Lei da Homofobia e dizem que será o fim da liberdade de 
expressão no país”. A contracapa traz a propaganda de um DVD de um cantor evangélico que atua há mais 
de 50 anos no ministério de louvor e foi o primeiro a gravar um disco evangélico no Brasil. Portanto, parece 
trata-se de um cantor conservador. 
Mais uma vez vemos o jogo entre memória, enunciado e posição de sujeito. A formulação “Persegui-
ção religiosa no Brasil?” parece trazer a memória de uma imagem negativa atribuída àqueles que promovem 
a perseguição religiosa. O próprio lexema perseguição corrobora o sentido de modo a trazer uma carga 
semântica negativa. Por outro lado, a formulação “Evangélicos denunciam Lei da Homofobia e dizem que 
será o fim da liberdade de expressão no país” materializa uma posição de sujeito segundo a qual a Lei da 
Homofobia tem algo que precisa ser denunciado. Para os sujeitos que não se encontram subjetivados nesse 
lugar, a formulação pode ser interpretada por um outro ponto de vista: como se os evangélicos denunciassem 
uma lei que regulamente a homofobia. Entretanto, o que está sendo denunciado é a Lei contra a Homofobia, 
pois esta tem para o sujeito Eclésia um caráter negativo.
Portanto, com base na formulação imagética da capa, o fato de haver uma sobreposição entre as 
imagens de bonecos de “mesmo sexo” de mãos dadas, simbolizando dois casais, a representação da Bíblia 
Sagradaentre esses bonecos e a palavra “Censurado” (como um carimbo posto nessa relação) parece apontar 
para o sentido de que os dizeres bíblicos, dada a Lei contra a Homofobia, serão censurados, daí a possibili-
dade de se dizer que “será o fim da liberdade de expressão no país”. Ou seja, se a Lei resguarda o direito dos 
homossexuais de modo a protegê-los contra discriminação; nesse sentido, qualquer que seja a fala contra o 
homossexualismo pode vir a figurar como discriminação. Desse modo, ao falarem a partir da Bíblia Sagrada, 
dado que, pelo que é veiculado pelos evangélicos, homossexualismo é pecado, os sujeitos Eclésia estaria 
contra a Lei da Homofobia, entretanto, ainda assim estariam exercendo o livre-arbítrio.
Assim, a relação entre capa e contracapa parece apontar para a memória de um resgate ao evangelismo, 
àquilo que ativa a memória dos preceitos, da tradição da doutrina Protestante (talvez, por isso, o resgate de 
um cantor que atua a tanto tempo no ministério de louvor). Isto é, parece que a capa aponta para o sentido 
de reavivar o buscar na Bíblia Sagrada aquilo que há de verdade na Palavra de Deus. Ou seja, mesmo que o 
“mundo” (para usar um dos termos recorrentes na doutrina Protestante) diga que a verdade da Palavra de Deus 
não seja a verdade dos fatos cotidianos, ainda assim é preciso seguir os preceitos bíblicos. Por conseguinte, se 
relacionarmos a capa com a contracapa, a memória discursiva da tradição parece emergir como acontecimento 
religioso em contraste com o acontecimento do “mundo”.
Considerações finais
As análises mostraram que as formulações imagéticas das capas e das contracapas apresentadas ma-
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terializam, de diferentes formas, enunciados que circulam no discurso religioso, mantendo com o referido 
discurso uma relação interdiscursiva. Trata-se, portanto, da irrupção da memória sobre o acontecimento, pois 
esses enunciados, presentes em diferentes formulações, tanto linguísticas quanto imagéticas, funcionam como 
lugares de atualização e também de transformação de uma memória discursiva que se constitui e se funda-
menta na relação interdiscursiva.
Referências
COURTINE, J-J. Analyse du discours politique. In: Langages 64. Préface de Michel Pêcheux. Paris, 
Larousse, 1981.
FOUCAULT, M. (1969). A arqueologia do Saber. 6ª. ed. 1ª reimpressão. Trad. L. F. De A. Sampaio. 
São Paulo, Loyola. Trad. Luiz Felipe B. Neves, 2002.
FOUCAULT, M. Retornar à história. In: MOTTA, M. de B. (org.). Ditos e Escritos II: arqueologia 
das ciências e história dos sistemas de pensamento. Trad. Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Univer-
sitária, 2000.
REVISTA CANÇÃO NOVA. Ano VII, n° 92. Agosto 2008. (Revista Mensal do Associado).
REVISTA ECLÉSIA: A revista evangélica do Brasil. Ano 11. Edição 121. 
REVISTA ESPIRITISMO: Filosofia-Ciência-Religião. Ano 1, n° 1. 2007.
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O CADERNO ROSA DE LORI LAMBY: DISCURSO, LITERATURA E MEMÓRIA
Jaciane Martins FERREIRA
Os escritos de Lori
Falar da própria sexualidade, ou melhor, falar de si, não constitui uma tarefa fácil para ninguém, mas 
desde há muito tempo o indivíduo vem sendo forçado a falar de seu sexo. Por meio da confissão proferida a um 
pastor, o qual tinha a incumbência de mostrar o caminho e de fornecer a salvação, o sujeito falava de si. Assim, 
a Igreja sabia o que acontecia com todo o rebanho, desde os afazeres mais corriqueiros até a intimidade de cada 
um. Nesse sentido, no ocidente, como nos coloca Michel Foucault (2006), a sexualidade não era negada, era 
incitada, organizada, construindo uma rede no que se refere à construção da “individualidade, da subjetividade, 
em suma, a maneira pela qual nos comportamos, tomamos consciência de nós mesmos” (FOUCAULT, 2006, 
p. 76).
A sexualidade é, pois, um elemento que não pode ser dissociado do indivíduo, visto que é “constitutiva 
dessa ligação que obriga as pessoas a se associar com sua identidade na forma da subjetividade” (FOUCAULT, 
2006, p. 76). É nesse ponto que pensamos o sujeito de nossa pesquisa, um sujeito clivado por sua sexualidade e 
a incitação desse discurso, confessando sobre seu sexo e se (re)fazendo a cada enunciação.
Ao abrir o Caderno Rosa de Lori Lamby, de Hilda Hilst (2005), livro do qual retiramos o material 
eleito como o corpus de nossa pesquisa de mestrado, ouvimos a voz da pequena Lori, uma criança de oito anos 
que escreve em seu diário. Logo na primeira página, a narradora nos diz que vai escrever da maneira que seus 
pais a ensinaram, então, relata os detalhes de suas experiências sexuais com homens mais velhos; sua relação 
com seus pais e a constante crise que tomava conta de seu lar. O pai, escritor, pensava escrever com qualidade 
literária, entretanto, para alcançar rentabilidade esperada e ser lido, viu-se obrigado a produzir bandalheiras1, 
literatura pornográfica exigida pelo editor. Mesmo com a constante busca de alcançar uma nova escrita, o 
escritor não se colocava nesse lugar, ou seja, não aceitava ter que produzir uma literatura pornográfica. 
No presente trabalho, pretendemos analisar dois excertos da obra em foco. Em princípio, identificaremos 
os enunciados nos extratos a serem analisados. Para isso, usaremos os postulados de Foucault sobre enunciado. 
Para considerarmos um conjunto de signos como enunciado, é preciso que a posição do sujeito-enunciador seja 
assinalada. Assim, uma palavra ou frase pode ser usada da mesma maneira em momentos diferentes, podendo 
ser determinada como diferentes enunciados. Tendo, então, uma formulação descrita como enunciado, não se 
trabalha com a relação entre autor e obra, “mas em determinar qual é a posição que pode e deve ocupar cada 
indivíduo para ser seu sujeito” (FOUCAULT, 2008, p. 108).
Objetivamos, portanto, refletir sobre o fato de aparecer um enunciado no qual há a retomada de uma 
obra literária. Pensaremos nesse fato como um acontecimento discursivo. Desse modo, ao olharmos para essa 
obra dentro d’O Caderno Rosa, levantamos indagações em torno desse enunciado, o porquê de seu aparecimen-
1 Essa definição para a literatura obscena foi retirada do seguinte trecho: “o Lalau falou pro papi: por que você não começa 
escrever umas bananeiras pra variar? Acho que não é bananeira, é bandalheira, agora eu sei. Aí o papi disse pro Lalau: então é só isso que 
você tem pra me dizer?” (HILST, 2005, p. 19).
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to, a opacidade desse enunciado e quais os efeitos de sentido podem ter aparecido no diário de Lori. Repetindo 
Foucault (2008), “como apareceu um determinado enunciado e não outro em seu lugar?” (FOUCAULT, 2008, 
p. 30). Na tentativa de alcançar tal resposta, buscaremos suporte nos postulados de Michel Pêcheux (2002) no 
que concerne ao acontecimento discursivo, procurando interpretar a singularidade desse acontecimento e sua 
ligação com a história e, também, o funcionamento de uma dada memória, conforme Jean-Jacques Courtine 
(2006). Por outro lado, no que diz respeito ao enunciado que traz o nome de um autor, podemos pensar 
nesse nome, surgido como um acontecimento discursivo, como se tivesse aparecido para sustentar e avalizar 
o discurso sobre o sexo trazido na obra em questão. No entanto, ao olharmos cuidadosamente esse mesmo 
enunciado, notamos que os sentidos se ampliam, trazendo à tona outras verdades. Para tal análise, usaremos os 
pressupostos de Foucault (1992).
Enunciado e memória discursiva
Foucault (2008) considera o enunciado como um acontecimento discursivo. Segundo o autor, “um 
enunciado é sempre um acontecimento que nem a língua e nem o sentido podem esgotar inteiramente” (FOU-
CAULT, 2008, p. 31). Esseacontecimento está ligado a uma dada materialidade linguística (escrita ou não) e, 
também, está exposto à aparição em determinado campo de memória. O enunciado tem, portanto, existência 
única, mas está suscetível de ser repetido, transformado, reativado, “finalmente, porque está ligado não apenas 
a situações que o provocam, e a conseqüências por ele ocasionadas, mas, ao mesmo tempo, e segundo uma 
modalidade inteiramente diferente, a enunciados que o precedem e o seguem” (FOUCAULT, 1998, p. 32).
Um enunciado não pode ser reduzido/definido como uma proposição, frase ou speech act. Para se 
dizer que se trata de um enunciado, não é necessário que haja uma série de signos, desde que haja apenas um 
signo o qual traz consigo outros signos, pois “o limiar do enunciado seria o limiar da existência dos signos” 
(FOUCAULT, 2008, p. 97). Ao estabelecer o conceito de enunciado, o autor evidencia que
o enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre ele-
mentos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concre-
tos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a par-
tir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles “fazem 
sentido” ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, 
e que espécie de ato se encontra para sua formulação (oral ou escrita) não há razão 
para espanto por não se ter podido encontrar para o enunciado critérios estruturais 
de unidade; é que ele não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que 
cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apare-
çam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço (FOUCAULT, 2008, p. 98).
O enunciado tem uma relação com o sujeito que enuncia. Faz-se necessário, portanto, explicar que 
essa relação não se restringe ao nível gramatical (ou seja, a velha pergunta que ouvíamos da professora e que 
ainda ressoa em nossos ouvidos como um eco sem fim: quem é o sujeito da oração?), trata-se de uma função 
determinada, mas, ao mesmo tempo, vazia, já que pode ser ocupada por indivíduos díspares em diferentes 
momentos da história. A cada vez que um sujeito pronuncia um enunciado, esse espaço é, pois, “variável o 
bastante para poder continuar, idêntico a si mesmo, através de várias frases, bem como para se modificar a cada 
uma.” (FOUCAULT, 2008, p. 107). Essa relação do enunciado com o sujeito que enuncia atravessa a história, 
envolvendo a materialidade do enunciado.
Uma mesma formulação pode reaparecer em momentos distintos com as mesmas palavras sendo uti-
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lizadas e não se pode dizer que se trata do mesmo enunciado. Este tem uma relação única com quem enuncia 
e pode reaparecer não sendo um enunciado, por estabelecer-se por um atravessamento na história. Um enun-
ciado vem sempre composto por outros enunciados que trazem outros signos. “Não há enunciado que não 
suponha outros; não há nenhum que não tenha, em torno de si, um campo de coexistência, efeitos de séries 
e de sucessão, uma distribuição de funções e de papéis” (FOUCAULT, 2008, p. 112). Cleudemar Fernandes 
(2004) considera que “um enunciado, enquanto estrutura lingüística implodirá sob o olhar do analista, pois, 
de opaco, torna-se cheio: de tão coletivo, torna-se particular; de agente, pode tornar-se objeto (e vice-versa). 
Assim, todo enunciado pode tornar-se outro(s)” (FERNANDES, 2004, p. 48). Como nos coloca Foucault 
(2008), uma mesma frase pode ser proferida por pessoas diferentes e terá enunciações distintas, “um único 
sujeito pode repetir várias vezes a mesma frase; haverá igual número de enunciações distintas no seu tempo; a 
enunciação é um acontecimento que não se repete, tem uma singularidade situada e datada que não se pode 
reduzir” (FOUCAULT, 2008, p. 114).
Nossa leitura alcançará a interpretabilidade face ao surgimento de um acontecimento a ser lido por 
meio de uma memória discursiva pela qual se estabelecem discursos transversos. Diante desse acontecimento, 
recorremos à memória para resgatar/entender os implícitos contidos no enunciado. A memória não pode ser 
concebida como uma esfera plena cujo sentido apareceria como homogêneo, conforme Pêcheux (1999). Por 
isso, para Courtine (2006), “a noção de memória discursiva concerne à existência histórica do enunciado no 
interior de práticas discursivas regradas por aparelhos ideológicos” (COURTINE apud MILANEZ, 2006, 
p. 161), relevando a heterogeneidade no seio do discurso. Referindo-se a Foucault, Courtine (2006) discorre 
sobre os discursos veiculados por aparelhos ideológicos que aparecem em “atos novos e falas que as remontam, 
as transformam, são ditas e permanecem ditas e restam ainda a dizer” (COURTINE apud MILANEZ, 2006, 
p. 161).
Conforme estabelece Courtine (2006), ao produzir um enunciado, o sujeito enunciador se inscreve 
em espaços de repetição ou esquecimento. Ao formar um espaço de repetição, há a retomada “de palavra por 
palavra, do discurso ao discurso de inúmeras formulações”. Essa repetição caracteriza a constituição do próprio 
enunciado. No próximo tópico, investigaremos como a memória aparece dentro do Caderno rosa.
O Caderno rosa, o acontecimento e a literatura
Ao longo da leitura da obra em foco, pudemos observar que Lori se constitui a partir de atravessa-
mentos exteriores: acesso ao material do pai, as discussões sobre o fazer literário, etc., e interiores: o olhar para 
a sua própria sexualidade e a discursivização dos seus desejos e prazeres mais íntimos. Vimos que o pai da 
pequena, escritor, pensava escrever com qualidade literária, mas, para alcançar rentabilidade esperada e ser lido, 
viu-se obrigado a produzir bandalheiras, literatura pornográfica exigida pelo editor. Mesmo com a constante 
busca por uma nova escrita, o escritor não se colocava nesse lugar, ou seja, não aceitava ter que produzir uma 
literatura pornográfica. Assim, para escrever as bandalheiras, o pai da pequena Lori usava materiais como: 
revistas e filmes pornográficos e livros eróticos, dentre eles de autores como D. H. Lawrence, Gustavo Flaubert, 
Henry Miller, George Bataille, os quais ficavam separados em uma determinada prateleira nomeada “BOSTA”. 
Acreditamos, portanto, ser relevante analisar os excertos que trazem os nomes desses autores, observando como 
aparecem e qual o sentido que produzem dentro do Caderno rosa. Vejamos o excerto:
Que tinha uma história muito bonita de um homem que era uma espécie de jardinei-
ro ou que tomava conta de uma floresta, e esse homem gostava de uma moça muito 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
bonita que era casada com um homem que tinha alguma coisa no abelzinho dele, no 
pau, quero dizer. E disse que esse jardineiro ou guarda da floresta ensinou a moça a 
conversar com o pau dele e que lá sim é que tinha essas conversas chamadas diálogos 
muito lindas mesmo. Ele falou que logo ia me trazer o livro e assim eu podia pôr 
no meu caderno algumas coisas parecidas com isso. Eu disse que não queria copiar 
ninguém, queria que fosse um caderno das minhas coisas (HILST, 2005, p. 37-38).
Esse fragmento faz parte de um momento da narrativa, no qual Lori relata a viagem feita com tio 
Abel, na qual eles foram para uma praia. A garota conta em detalhes como foi a viagem, seus sentimentos com 
relação àquele homem e a relação sexual que tiveram dentro do mar e a maneira com que tio Abel a ensinava 
“chupar”. A narradora nos conta que o tio mencionou uma falha na sua educação, o fato de ela não ser muito 
experiente em sexo oral, porém ele iria ensiná-la. Tio Abel lembrou támbem da história de um livro que trazia 
muitos diálogos, era a história de uma moça que conversava com o pênis de seu amante, o guarda-floresta. A 
memória de leitores leva-nosaté o livro O amante de lady Chatterley, no qual podemos ler a história de uma 
jovem e bela moça, chamada Constance, casada com Clifford Chatterley, um jovem rico da sociedade inglesa. 
Clifford fica paralítico durante a guerra, fato que o tornou impotente. Constance, como era bastante jovem, 
acaba se envolvendo com outros homens. Em relação ao primeiro deles, Michaeles, um amigo de seu marido, 
vale dizer que os encontros dos dois se davam quando o amante ia até Wragby (propriedade dos Chatterley) 
para visitá-los.
Depois de se ver em uma cadeira de rodas, Clifford resolve escrever na tentativa de mostrar à sociedade 
que, de alguma forma, estava vivo. Na casa do jovem casal havia sempre muitas pessoas, mas os dois viviam 
muito distantes um do outro. Constance encontrava-se sempre com seus pensamentos e tristezas com relação 
à vida que levavam enquanto casal. Em muitos momentos, Clifford declara a sua mulher que não se importaria 
que ela tivesse um filho com outro homem para que eles o criassem juntos. Com o tempo, Constance começou 
a passar suas tardes na floresta e, com isso, aproximou-se de Mellors, o guarda-caça. Constance e Mellors 
começam um arriscado relacionamento que, ao virarmos as páginas nas quais estão relatados os encontros dos 
amantes, encontramos cenas picantes de sexo. A senhora Clifford, perdida em meio a sua paixão por aquele 
homem de traços castigados e sua vida de Lady, abandona seu marido e riqueza para viver com seu amor.
Voltando nossa atenção para o trecho selecionado, percebemos a preocupação de Lori em relação à es-
trutura de seu texto, afirmando que sua escrita precisa ter mais diálogos, assim como ela lê nos livros da estante. 
A pequena nos conta que seu tio lhe disse que esse jardineiro ou guarda da floresta ensinou a moça a conversar 
com o pau dele e que lá sim é que tinha essas conversas chamadas diálogos muito lindas mesmo. Nesse sentido, 
Lori se preocupa com a estrutura para que seu texto seja tido/considerado como literário, seja aceito por Lalau, 
o editor, seguindo, assim, o modelo dos textos canônicos, ou seja, os autorizados para circular.
Seguindo a fala de nossa narradora, notamos que seu tio oferece trazer o livro para que ela possa copiar 
algo em seu caderno. A pequena recusa: Eu disse que não queria copiar ninguém, queria que fosse um caderno 
das minhas coisas. Atentemo-nos para esse enunciado, pois ele nos remete à questão dos princípios éticos da 
escrita, seja literária ou acadêmica. De acordo com Foucault (1992), “na escrita, não se trata da manifestação ou 
da exaltação do gesto de escrever, nem da fixação de um sujeito numa linguagem; é uma questão de abertura de 
um espaço onde o sujeito da escrita está sempre a desaparecer” (FOUCAULT, 1992, p. 35). Lori deseja fixar-se 
a uma linguagem que seja só dela, não admite desligar-se de seu texto. A nosso ver, ela impõe determinada 
resistência ao não querer copiar em seu caderno os escritos do livro de Lawrence.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Durante toda a narrativa, além da recorrência a assuntos relacionados ao sexo e à literatura pornográ-
fica, há uma aversão aos cânones que trabalharam com essa temática. No enunciado em questão, temos uma 
dada resistência da parte da pequena escritora, ou seja, resistência a esse saber literário. Entendemos, a partir 
de Foucault (1995), que, ao resistir, o indivíduo torna-se sujeito, trata-se de uma relação de poder. Para o autor,
uma relação de poder, ao contrário, se articula sobre dois elementos que lhe são 
indispensáveis por ser exatamente uma relação de poder: “o outro” (aquele so-
bre o qual ela se exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como 
o sujeito de ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo de 
respostas, reações, efeitos, invenções possíveis (FOUCAULT, 1995, p. 243).
Nessa perspectiva, Lori torna-se sujeito a partir do momento que exerce ação sobre o outro (nesse caso, 
o cânone). Foucault (1995) pontua que o poder opera sobre um campo de possibilidades no qual aparece o 
comportamento dos sujeitos e esse campo “incita, induz, desvia, facilita ou torna mais difícil, amplia ou limita, 
torna mais ou menos provável; no limite, ele coage ou impede absolutamente, mas é sempre uma maneira de 
agir sobre um ou vários sujeitos ativos, e o quanto eles agem ou são suscetíveis de agir” (FOUCAULT, 1995, p. 
243). Essa ação só é válida quando se mantém o estatuto de sujeito do outro. Portanto, o sujeito em foco luta 
contra algo que está estabelecido, contra uma ordem do discurso que, em muitos momentos, ele se vê obrigado 
a entrar ou mesmo contra o saber estabelecido, configurando-se “uma oposição aos efeitos de poder relaciona-
dos ao saber, à competência e à qualificação” (FOUCAULT, 1995, p. 235), em suma, ao cânone literário. 
Ao virarmos a página, depois desse fragmento, deparamo-nos com um novo subtítulo: O caderno 
negro, mencionado anteriormente. Essa história traz a ilustração de uma moça (Corina) em pleno ato sexual 
com um jumento, seguida do seguinte enunciado: “‘Seu pênis fremia como um pássaro’ (D. H. Lawrence) Hi, 
hi! (Lori Lamby) Ha, ha! (Lalau)” (HILST, 2005, p. 40-41).
A figura, juntamente com a materialidade que vem logo abaixo, faz com que reflitamos sobre o apareci-
mento desses enunciados, os quais serão divididos didaticamente em três partes: a) a ilustração; b) a frase e c) 
a risada dos personagens Lori e Lalau.
a) A ilustração traz uma moça em pleno ato sexual com um jumento, preparando-nos para o que 
possivelmente estará escrito nas páginas do Conto negro2. Estamos diante de um caso de zoofilia, considerado 
na sociedade ocidental como perversão sexual. Foucault (1998) assinala que até o final do século XVII havia 
três códigos os quais controlavam as práticas sexuais: o direito canônico, a pastoral cristã e a lei civil. Assim, 
os tribunais poderiam julgar o sexo fora do casamento, e casos de bestialidade. Nesse sentido, “romper as leis 
do casamento, procurar prazeres estranhos mereciam de qualquer modo, condenação” (FOUCAULT, 1998, p. 
38). O autor pontua ainda sobre o fato de nos séculos XIX e XX terem sido “a idade da multiplicação: uma 
dispersão de sexualidades, um reforço de suas formas absurdas, uma implantação múltipla das ‘perversões’. 
Nossa época foi iniciadora das heterogeneidades sexuais” (FOUCAULT, 1998, p. 38). 
Atentemo-nos, então, para a confissão feita por nossa pequena narradora ao longo da narrativa. Como 
vimos, ela relata suas experiências sexuais com homens mais velhos, sendo que as relações não chegam à 
penetração. Estamos, portanto, diante de relatos sobre pedofilia, mesmo que na obra não sejam abordados dessa 
maneira. Lori, no fim do livro, mostra-se e fala desse lugar, apontando-nos, como leitores, para uma desordem 
2 O Caderno Negro é uma nova história dentro do Caderno Rosa a qual traz outros personagens. História essa que fora escrita 
pelo pai de Lori, mas copiada, por ela, no seu Caderno Rosa. 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
natural. Desordem essa que é fruto de um poder exercido sobre Lori e seu corpo. Para Foucault (1998), “o poder 
que, assim, toma seu cargo a sexualidade, assume como um dever roçar os corpos; acariciá-los com os olhos; 
intensifica regiões; eletriza superfícies; dramatiza momentos conturbados” (FOUCAULT, 1998, p. 44-45).
b) Nesta sequência, temos o enunciado: Seu pênis fremia como um pássaro. Como mencionado ante-
riormente, durante a narrativa, a pequena se divide em relatar suas experiências e discorrer sobre a crise vivida 
por sua família, principalmente por seu pai, que precisa atender aos pedidos do editor e escrever denominadas 
bandalheiras. Lançando nosso olhar para esse enunciado, interrogamo-nos, juntamente com Foucault (2008), 
como apareceuesse enunciado, retirado da página 149 do livro O amante de Lady Chatterley, e não outro em 
seu lugar? Por que D. H. Lawrence? E, também, por que está localizado justamente nessa página, abaixo da 
ilustração? Qual sua significação depois de ter mudado de suporte? De acordo com Foucault (2008), é neces-
sário que compreendamos o enunciado na sua singularidade de um acontecimento, pois ele está estritamente 
ligado a uma memória.
No livro de Lawrence, tal enunciado aparece depois que o narrador discorre sobre uma relação sexual 
entre Constance e Mellors, na casa onde o Guarda-caça morava. Nesse momento, o Guarda-caça relembra a 
tarde de amor que tiveram e imagina sua amante ali, ao mesmo tempo em que o narrador declara que Constance 
é vista por Mellors apenas como uma jovem criatura fêmea que ele havia penetrado e já a deseja de novo (LA-
WRENCE, 1980, p. 149), fazendo seu pênis fremir como um pássaro. Entendemos esse enunciado como um 
acontecimento discursivo, uma vez que, de acordo com Pêcheux (2002), o acontecimento discursivo é o ponto 
de “encontro de uma atualidade e uma memória” (PÊCHEUX, 2002, p. 53). Há uma certa peculiaridade no 
sentido que sua historicidade é única e não se repete, não sendo factual, datado cronologicamente, mas disperso 
em uma determinada descontinuidade e é atualizado/trazido por meio do aparecimento de determinados 
enunciados. O autor coloca que “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de 
si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro” (PÊCHEUX, 2002, p. 53).
Ao prestarmos atenção no enunciado em foco, percebemos que sua aparição, dentro d’O Caderno Rosa, 
acontece pelo fato de o pai de Lori criticar livros literários eróticos tidos como canônicos, levantando questões 
e prescrevendo um fazer literário. Lawrence, apesar de ter publicado a obra O amante de Lady Chatterley, 
clandestinamente, em 1928 e ter sua circulação liberada apenas em 1960, conquistou seu espaço e foi lido. 
O nosso sujeito escritor não consegue ser lido e nem tampouco escrever uma obra erótica que satisfaça seus 
preceitos de escritor.
Com a presença desse enunciado, notamos, também, que o sujeito enunciador se inscreve em um espaço 
de repetição, como nos coloca Courtine (2006), retomando o discurso palavra por palavra, mas instaurando um 
domínio de memória o qual não retoma o discurso outro em seu sentido original. Todavia, instauram-se laços 
de filiação e (re)atualiza uma dada memória, o que implica dizer que estamos, então, diante de um aconteci-
mento discursivo. Acreditamos que o laço de filiação estabelecido entre a citação e o texto original é o fato de 
ambos estarem descrevendo uma relação sexual. Contudo, no texto de Lawrence, temos um narrador, já em O 
Caderno rosa, nesse momento, anuncia-se outra história, “O caderno negro: (Corina: a moça e o jumento)”, 
e, ao virarmos a página, visualizamos a ilustração em tamanho grande ocupando duas folhas do livro. Logo, 
sentimos falta do narrador que nos guiou até ali, ao mesmo tempo, não encontramos o narrador que nos levará, 
como um guia, pelas linhas desse conto negro. Com a falta desse autor e, ao mesmo tempo, diante de três nomes 
(Lawrence, Lori, Lalau) assinando a citação, somos, então, levados a refazer a pergunta de Foucault (1992): O 
que é um autor?
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Notamos, portanto, que, como leitores, somos envolvidos com maior intensidade pelo fato de aparecer 
o nome D. H. Lawrence e, seguindo a pista deixada por Foucault (1992), entendemos que tanto um nome pró-
prio qualquer quanto um nome de autor têm uma função indicadora, pois estão situados em um determinado 
lugar, trazendo consigo uma designação e uma ligação que os nomeiam. O autor destaca que o nome de autor 
não é um nome próprio igual ao dos outros por estar ligado às obras por ele escritas, não sendo também apenas 
um elemento de discurso. Emerge, portanto, do fragmento em questão, o fato de o nome Lawrence exercer o 
papel de validar a imagem que é trazida nessa página, como se sua obra, impressa na memória juntamente com 
seu nome, pudesse validar o discurso da sexualidade. Assim, Foucault (1992) destaca que
[...] o nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso: para 
um discurso, ter um nome de autor, o fato de se poder dizer ‘isto foi escrito por fu-
lano’ ou ‘tal indivíduo é o autor’, indica que esse discurso não é um discurso quo-
tidiano, indiferente, um discurso flutuante e passageiro, imediatamente consumível, 
mas que se trata de um discurso que deve ser recebido de certa maneira e que deve, 
numa determinada cultura, receber um certo estatuto (FOUCAULT, 1992, p. 45).
A nosso ver, o nome de Lawrence traz determinado estatuto para as páginas d’O Caderno rosa, uma vez 
que há a necessidade de preencher o vazio da página com um nome, que seja um nome próprio, mas ao mesmo 
tempo, que seja um nome que atribuirá ou trará uma verdade, mostrando que não se trata de qualquer um ou 
de qualquer discurso, tornando-se um produto cuja circulação é permitida. De acordo com Foucault (1992), 
nos séculos XVII ou no XVIII, começam a circular os textos científicos sem o nome de autor, aparecendo como 
uma verdade estabelecida e o nome de autor passar a servir apenas para nomear um teorema. No entanto, na 
literatura, mudam-se os horizontes, posto que os “discursos ‘literários’ já não podem ser recebidos se não forem 
dotados de uma função autor: perguntar-se-á a qualquer texto de poesia e de ficção de onde é que veio, quem 
o escreveu, em que data, em que circunstâncias ou a partir de que objeto” (FOUCAULT, 1992, p. 49).
c) Hi, hi! (Lori Lamby); ha, ha! (Lalau). Nessa sequência, temos as risadas sarcásticas dos personagens 
Lori e Lalau. Nessa linha, podemos pensar que, na sequência anterior, temos o nome de Lawrence o qual, de 
acordo com nossa leitura, pode ter aparecido abaixo da gravura como uma validação do discurso erótico. Entre-
tanto, ao depararmo-nos com a sequência (c), a possível permissão dada por esse nome de autor se desmancha, 
fazendo com que ele, que tem um lugar na literatura, seja desmoralizado.
Considerações finais
Pêcheux (2002) pontua que o acontecimento discursivo é a junção de uma atualidade e uma memória, 
e nesse encontro há a retomada de discursos que vêm encadeados com outros discursos, formando uma rede 
a qual nos levará a determinado momento histórico. Foi pensando nessa retomada que optamos por analisar 
o excerto no qual, a partir de uma memória de leitores, pudemos resgatar uma obra de Lawrence (O amante 
de Lady Chatterley). A partir desse extrato, observamos o posicionamento de Lori, nossa pequena escritora, 
diante da literatura canônica. O posicionamento da menina nos leva a pensar, também, a respeito dos preceitos 
do sujeito discursivo no que concerne à estrutura de um texto para que ele possa circular ou não, ou seja, o 
fato de ser necessário que tenha diálogos para que o texto fique correto. Nesse momento, notamos que Lori se 
constitui como sujeito, aceitando criar os diálogos, mas busca uma originalidade, reafirmando, assim, as coloca-
ções de Foucault (1995) quando diz que o indivíduo se faz sujeito no momento em que resiste a determinadas 
imposições, isto é, no momento que exerce seu poder sobre o outro.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Depois de ter trazido à luz de nossa análise a obra O amante de Lady Chatterley, vimo-nos diante 
de outro enunciado a ser analisado, entretanto, este, ao contrário do anterior, já trazia o nome de Lawrence. 
Notamos que esse nome se encontrava em um lugar que não havia um narrador, que tinha ficado perdido e 
ainda não conseguíamos visualizar o narrador que nos levaria pelas páginas do Conto negro. Indagações foramfeitas em torno do enunciado, o qual trazia uma citação do livro de Lawrence. Constatamos, então, que o laço 
de filiação que ligava o enunciado citado e o texto primeiro era o fato de ambos relatarem uma relação sexual, 
porém, ao refletirmos sobre os efeitos de sentido em torno dessa retomada e desse nome de autor, vimos que 
este poderia estar ali na tentativa de trazer uma dada validação para o discurso obsceno d’O caderno rosa, por 
tratar-se de um autor de renome que alcançou um público leitor com sua escrita. Na última parte de nossa 
análise, vimos que esse nome, também, poderia estar ali para desmoralizar esse autor (Lawrence), fato que não 
podemos ignorar por haver, abaixo desse enunciado, as vozes (risadas) das personagens Lori e Lalau.
Durante toda nossa análise, pensamos na constituição do sujeito discursivo expresso nas enunciações de 
Lori, sujeito esse que se mostra clivado por sua sexualidade e os atravessamentos que sofre ao longo da narrati-
va. O fato de aparecer, em muitos momentos, autores que fizeram nome por meio da literatura erótico-obscena, 
faz com que o sujeito de nossa pesquisa se faça e refaça a cada leitura dessas obras da prateleira BOSTA, a cada 
confissão feita ao diário, a cada relato da crise que toma conta do lar, ou seja, a cada enunciação esse sujeito se 
constrói numa relação de si para si, seja confessando seu sexo, ou o sexo de outrem (caso do excerto que retoma 
O amante de Lady Chatterley). Todavia, esse sujeito sempre volta para sua própria vivência, seja na escrita ou 
nas possíveis relações sexuais.
Referências
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Claraluz, 2006. 
FERNANDES, Cleudemar. Lingüística e História: Formação e Funcionamentos Discursivos. In: 
FERNANDES, Cleudemar; SANTOS, João Bosco Cabral dos (Orgs.). análise do discurso: unidade e dis-
persão. Uberlândia: Entremeios, 2004. p. 43-70.
FOUCAULT, Michel. a arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
______. História da sexualidade i: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal 1998.
______. o que é um autor? Porto: Vega, 1992.
______. O sujeito e poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma traje-
tória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. 
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56-76.
HILST, Hilda. o caderno rosa de lori lamby. São Paulo: Globo, 2005.
LAWRENCE, D. H. o amante de lady Chatterley. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980.
MILANEZ, Nilton. o corpo é um arquipélago: memória, intericonicidade e identidade. In: NA-
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
VARRO, Pedro (org.). estudos do texto e do discurso: mapeando conceitos e métodos. São Carlos: Claraluz, 
2006. p. 153-179.
PÊCHEUX, Michel o discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas, SP: Editora Pontes, 2002. 
______. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre et al. o papel da memória. Campinas: Pontes, 1999. 
p. 49-56.
53
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
MEMÓRIA HISTÓRICA COMO DOCUMENTO LITERÁRIO:
REGISTROS MNEMÔNICOS SOBRE A PERSPECTIVA DO NEGRO 
EM BOM-CRIOULO
Túlio Henrique PEREIRA
Maria Helena Matue Ochi FLEXOR
Introdução
Pretendemos com este artigo um exercício introdutório à questão da memória histórica a partir de um 
olhar multidisciplinar, calcado na teoria da História Nova, no entanto, dando ênfase a discussão da modalidade 
“memória” na perspectiva teórica dos autores Júlio Arostégui, Maurice Halbwachs e Celso Pereira de Sá. A 
questão principal deste exercício é compreender que modalidade de memória se constitui no diálogo entre os 
conceitos de memória histórica, trabalhados por Sá (2007), as concepções do que é esquecido e silenciado na 
relação do experienciado dentro da memória e da história problematizadas por Arostégui (2004), e a discussão 
sobre a memória coletiva de Halbwachs (2004), que em nossa observação seria uma das responsáveis pela 
constituição de uma identidade negra evidenciada hipoteticamente na literatura de Adolfo Caminha em sua 
obra Bom-Crioulo.
Sem a pretensão de reclassificar os conceitos de memória trabalhados pelos teóricos citados, e nem 
mesmo levantar uma hipótese quanto à questão identitária, nos limitamos ao exercício de entendermos a 
literatura como o objeto que norteia o conceito memória histórica, construindo um simples relato da questão 
memória e identidade. Desse modo, nosso artigo se desvela em três partes principais, sendo elas a apresentação 
do livro elencado, a aplicação deste aos conceitos apresentados em forma de pequena análise e revisão teórica, 
e, finalmente, o entrelaçamento final no qual propomos as considerações finais.
A questão do documento e suas impressões mnemônicas
É a partir de uma revisão bibliográfica (inter)multidisciplinar possibilitada pela terceira geração da 
L’École des Annales, e mais especificamente dos estudos desta, responsável pela criação de uma criticidade his-
toriográfica, propondo-nos uma nova maneira de enxergar a história, que defrontamo-nos com uma infinidade 
de documentos ‘subjetivados’ que se tornam fontes legítimas de pesquisa, retratando as mentalidades de uma 
época e construindo um tipo de história marcada por microacontecimentos e uma história do cotidiano que se 
dá a ver por meio de uma reinvenção dos fazeres e dizeres Certeau (1996). 
Uma história compreendida em suas irrupções, acontecimentos vividos e escritos por sujeitos comuns, 
lutando por suas posições no interior de uma rede de poderes e saberes, como a estória do moleiro no Fruili 
durante a inquisição, que nos foi contada por Ginzburg (1987), colocando em foco não uma história dos 
vencedores, mas da emergência do homem ordinário que escreve e se inscreve nela.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
No entanto, a questão do cotidiano e da apresentação/narração da experiência do homem comum pode 
ser compreendida além dos aportes possibilitados pela história, e sem a pretensão de uma totalidade, embora 
evidenciando a globalidade deste, pela emergência dos estudos da memória, considerando que o hoje seja a 
síntese do ontem, do processo vivido, do conjunto estratificado da experiência.
Sob uma perspectiva psicossocial para a compreensão dos estudos acerca da memória, Sá (2007) define 
a categoria memória social, considerando diversas facetas e/ou conceitos sobre a memória, dentre elas as memó-
rias comuns, aquela designada às lembranças comuns de conjuntos amplos de pessoas, que necessariamente não 
interajam entre si, mas que podem ser vistas como a coleção de muitas memórias pessoais acerca de um mesmo 
objeto, ainda que independentes umas das outras, levando em conta o contexto histórico numa determinada 
configuração sociocultural.
Tal abordagem é estabelecida para que se compreenda o processo geracional do qual compartilham 
muitos sujeitos históricos, ou seja, o autor nos leva a pensar sobre o porquê de gerações distintas compartilha-
rem dos mesmos ritos, costumes, nostalgias e crenças de uma geração antecessora ou futura. A este fenômeno 
Sá (2007) endossa e discute a questão da teoria das memórias geracionais, não levantada em nossa discussão 
sobre a memória histórica, mas que, no entanto, nos faz pensar quanto à memória apresentada no romance 
Bom-crioulo é compartilhada atemporalmente na contemporaneidade, bem como se faz nas gerações do final 
do século XVIII e XIX nos grandes centros brasileiros quanto à questão da memória do negro cativo na colônia 
à iminência do Brasil Republicano.
Certamente, não há historia sem memória, que seapresenta e “se enraíza no concreto, no espaço, no 
gesto, na imagem, no objeto” Nora (1981), estabelecendo lugares e mentalidades que possibilitam um espaço de 
estudo e pesquisa sobre o sujeito. Entretanto, na perspectiva de Arostégui (2004) não há memória sem história, 
que na contramão do que nos apresenta Pierre Nora, nos evidencia que a memória se faz pela transposição da 
experiência humana como um todo, embora nutrida subjetivamente de conteúdos psíquicos, cujo conteúdo 
individual subjetivo se relaciona à prática coletiva e não apenas aos espaços. 
Entender a literatura como um documento nutrido de memória1, ora experienciada2, ora confabulada, 
nos permite o estudo da memória em sua condição histórica, na qual evidenciamos o seu sujeito criador e todos 
os personagens que dão vida a ela ou vice-versa.
De acordo com Bernd (1987) a recuperação dos elementos da memória coletiva seria o vetor da conso-
lidação de uma identidade mais abrangente sobre o negro. Para ela, entendida como um resgate mnemônico, 
os grupos negros passariam a ter certeza de si próprios e acesso a uma dimensão mais ampla do que seria a 
identidade, esta que os integraria como agentes e não mais como atores na realidade nacional. No entanto, a 
1 O diálogo promitente proposto por Arostegui acerca do problema em que consiste definir ou reiterar um estudo da experiência 
à parte ou inerente da historicidade permite que observemos o estudo da história não apenas como um método de classificação e 
ressignificação dos fenômenos, mas sim, ampliação de um ponto de vista menos sistemáticos, e, talvez, menos refutável. “Bastará advertir 
que en su dimensión psicológica la experiencia se manifesta, en lo esencial, como acumulación de esquemas de prácticas que quedan en la memoria. La experiencia 
es un bagaje mental cuyo soporte psíquico es la memória (...) No se concibe, em efecto, separada de la memoria, aunque no se confunda com ella (...) La experiencia 
está indisolublemente unida a la memoria, permanece viva y puede servir de pauta en situaciones nuevas por lo que el presente nos aparece, por tanto, como la 
confluencia de acontecimiento y memoria, convertido en un ahora y un aquí desde los que se construye el tiempo todo (…) Cabe coincidir, sin duda, en que la 
Historia es inseparable de la experiencia y que, en consecuencia, la historiografia es ella misma uma <<ciencia de la experiencia>>”. Cf. (AROSTEGUI, 
2004, pp. 153-154 )
2 “Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, organizar 
celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque estas operações não são naturais”. cf.( NORA, 1993, 
p.13.)
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
autora corrobora à concepção ritualística que se aproxima do mito ou do rito, explanada por Nora (1981) em 
sua problemática discussão sobre os lugares da memória3.
Ainda na perspectiva de Bernd a memória coletiva responsável pela integração da identidade negra 
e dos sujeitos negros se faria a partir da ritualização de práticas como o candomblé e a capoeira, entendidos 
por Nora (1993) como espaços simbólicos ao mesmo tempo materiais, calcados no seio da coletividade para o 
alicerçamento de uma vontade de memória. Tal vontade, nesta concepção, emerge pela ausência da memória 
espontânea, ou seja, “rituais de uma sociedade sem ritual, sacralidades passageiras em uma sociedade que des-
sacraliza” Nora (1993, p. 13), ilustrando ilusões de eternidade.
Porém, a autora descarta o modus com o qual a literatura foi manipulada no Brasil no século XIX de for-
ma categórica por seus editores, autores e leitores fruto de um contexto histórico, propondo-nos uma memória 
resgatada do colonizador provocando, ao contrário do que pensa a autora, não uma interação do negro como 
agente integrado, mas sim, sua visibilidade recorrente como ator/objeto de um imaginário histórico. 
Contudo, é no ponto de intersecção entre a concepção ritualística que promove o resgate em prol da 
condição do “reconhecer-se para ser”, levantado por Bernd e a sistematização dos variados registros e traços 
possíveis de composição de um determinado passado, problematizados por Sá (2007) que chegamos às mani-
festações culturais literárias na proposta de Adolfo Caminha.
O autor-sujeito, a obra e o contexto das identidades: apresentando memórias
 Adolfo Ferreira Caminha nasceu em 29 de maio de 1867� na cidade de Aracati no estado do Ceará. 
Atormentado pelo falecimento da mãe e pela dificuldade provocada pela seca que assolou a região Nordeste 
nos idos da década de 1877 decide se mudar para Fortaleza onde inicia os estudos, porém segue para o Rio de 
Janeiro, onde se matriculou na Escola Naval da Marinha de Guerra do Brasil em 1883.
Inserido em um contexto histórico escravocrata e monárquico Adolfo Caminha, com apenas 17 anos 
apresenta-se contrário à mentalidade da época, e nas poucas ocasiões das quais participa deixa clara sua posição 
de opositor às leis regentes pelo Império. Forma-se guarda da marinha nacional e segue a carreira de mari-
nheiro até ser assolado por decisões consideradas ousadas e/ou a frente de seu tempo, como amasiar-se com a 
esposa de um segundo tenente.
Inicia sua carreira literária em 1886 com o livro de poemas Voos incertos, seguido dos livros de contos 
Judite e Lágrimas de um crente, ambos com pouca repercussão no cenário nacional, e, A Normalista, um dos 
romances de maior projeção da carreira de Adolfo Caminha, que só será publicado em 1893, traçando sua 
visão pessimista da vida urbana. No ano seguinte o autor edita um livro de crônicas No país dos Ianques (1894), 
retrato de suas viagens pelos Estados Unidos, e em 1895, sete anos depois da abolição “oficial” da escravidão 
e seis anos da implantação do governo republicano no Brasil, Caminha choca a opinião pública dos líderes e 
3 Texto biográfico baseado na edição da série Bom Livro da editora Ática, na qual o editor ao final do romance levanta alguns 
problemas e aponta a trabalho de Adolfo Caminha como sendo uma vingança à seus superiores. É importante constar o que nos revela 
a edição, pontuando a possível influência naturalista de Caminha aos eventos ocorridos no Ceará em 1884 - “Promovido a segundo-
tenente, Caminha permaneceu no Rio de Janeiro até meados de 1888. Alegando razões de saúde, pediu então transferência para Fortaleza, 
onde serviu no cruzador Paquequer. Talvez a capital cearense lhe parecesse politicamente mais avançada do que a Corte – o Ceará, por 
exemplo, havia sido a primeira província brasileira a liberar os escravos em 1884... O naturalismo deixava de lado a exaltação patriótica 
e o sentimentalismo típicos do Romantismo e – com sua proposta de produção de textos que retratassem a realidade de modo crítico e 
objetivo...” Cf. CAMINHA, 2001, p. 3. Outro fato importante é saber que no Ceará o movimento literário era mais expressivo e contava 
com a participação maciça da classe estudantil.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
letrados e rompe, definitivamente, com os laços já estremecidos com a Marinha Nacional ao publicar Bom-
Crioulo, o primeiro romance homoafetivo da história da literatura brasileira, que terá como mote principal o 
tratamento oferecido ao sujeito negro após a escravidão e as teorias científicas a respeito da homossexualidade. 
Argumentos apresentados na figura central de um ex-cativo negro (Amaro), que se infiltra na marinha em 
busca de uma alternativa que melhore sua condição de vida.
Para muitos críticos literários o intuito de Caminha fora o de denunciar a quem o havia denunciado, 
por seu comportamento “degenerado” Caminha tem sua obra censurada e levada ao esquecimento durante 
muitas décadas. Apenas na década de 1990 depois que sua obra é editadaem outros países, o Brasil a retoma 
para discussões acadêmicas voltadas para o estudo do comportamento homossexual suscitado pelo autor em 
sua época. Porém estudos relacionados à questão negra ainda continuam marginalizados no que se refere à 
riqueza do tema neste romance.
As abordagens secundárias e/ou contextuais destacam o ambiente repressor da Marinha Nacional, no 
qual os personagens centrais são descritos utilizando os uniformes da instituição, como uma possível crítica 
de seu tempo e do presente século até a década de 1970. A patologização do comportamento homoerótico 
alcançou sua maior intensidade no XIX, período em que poderia ser inscrito entre as datas de 1869, com a in-
venção da palavra “homossexualismo5” e momento privilegiado do discurso repressivo de 1968 com a chamada 
“liberação” dos costumes.
Em Bom-Crioulo, Caminha demonstra o seu desejo em abrir o diálogo sobre o que estudiosos e teóricos 
científicos suscitavam e/ou legitimavam seguindo as teorias darwinistas que limitavam a capacidade cognitiva 
dos africanos e seus descendentes, bem como novos estudos que surgiam para classificar como antinatural e/ou 
patológico a homossexualidade, bem como a negritude. 
O boicote e censura a sua obra em muitas instâncias sociais se mantém, e sua imagem de subversor não 
será apagada mesmo depois do lançamento de um novo romance, Tentação, no ano seguinte. Acometido pela 
tuberculose, um mal do início aos fins do século XIX, o autor morre em 1897 no Rio de Janeiro aos 29 anos, 
sem testemunhar a complexidade e contribuição de sua obra em um país que começava a nascer sob ideais 
revolucionistas e democráticos, embora, pautando-se na manutenção de uma estrutura de ordem social racista 
e moralmente conservadora, Neto (2007).
O prólogo se fez necessário para que possamos entender que é neste contexto histórico-social que nasce 
e cresce Caminha, testemunhando de perto tais fenômenos, e nem por isso, compartilhando deles. É também 
neste processo que serão demarcadas novas categorias e classificações identitárias apresentadas na figura do 
personagem central Amaro, negro e homossexual. Importante se faz observamos que é aqui o divisor de águas 
que constituirá a ideia de cidadão nacional para a modernidade, “num jogo de inter-relação com um modelo de 
identidade hegemônica” (NETO, 2007, p. 9).
Conforme nos elucida (NETO apud MISKOLCI, 2007) o pensamento social brasileiro de fins do 
século XIX respondeu a este contexto com um diagnóstico que expressava o temor da degeneração ou o 
rompimento da ordem, portanto, o romance Bom-Crioulo não representaria apenas uma forma de classificação 
de certas identidades e tipos sociais como faria com o negro, mas também, sobre a emergência do dispositivo 
da sexualidade no contexto brasileiro que irá marcar a memória social� a partir do campo estabelecido entre o 
poder público da ordem e a memória que se constitui a partir deste.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Ainda acompanhando o raciocínio de Neto (2007) podemos pensar que Caminha nos propôs em 
seu romance mais chocante, a naturalização de comportamentos e identidades que trouxeram à luz temores 
sociais, que a maioria preferia manter opacizado, como a questão contextual pós-abolição, e a apresentação 
histórico-narrativa dos tempos em que a escravidão se mantinha (pelo menos na visão do autor), culminando 
no abandono dos ex-cativos, e a afirmativa médico-científica quanto à homossexualidade. Evidentemente não 
podemos deixar de considerar que o romance também oferece um caráter denunciador ao escolher a estrutura 
da Marinha de Guerra, símbolo maior de civismo e moral durante o império brasileiro como cenário em uma 
atitude, talvez, de desmistificação de seus patentes e defensores.
Amaro é negro, um ex-cativo, que após se libertar dos domínios de seu sinhô, encontra refúgio na Mari-
nha de Guerra e passa a fazer parte do corpo da guarda não oficialmente, exercendo funções menos apreciadas, 
porém utilizando-se de toda a formalidade proposta pela instituição. 
Inda estava longe, bem longe a vitória do abolicionismo, quando Bom-Crioulo, então 
simplesmente Amaro, veio, ninguém sabe donde, metido em roupas d’algodãozinho, 
trouxa ao ombro, grande chapéu de palha na cabeça e alpercatas de couro cru. Menor (teria 
dezoito anos), ignorando as dificuldades por que passa todo homem de cor em um meio 
escravocrata e profundamente superficial como era a Corte - ingênuo e resoluto, abalou 
sem ao menos pensar nas conseqüências da fuga. Nesse tempo o “negro fugido” aterrava 
as populações de um modo fantástico. Dava-se caça ao escravo como aos animais, de es-
pora e garrucha, mato a dentro, saltando precipícios, atravessando rios a nado, galgando 
montanhas... Logo que o fato era denunciado - aqui-del-rei! - enchiam-se as florestas 
de tropel, saiam estafetas pelo sertão num clamor estranho, medindo pegadas, açulando 
cães, rompendo cafezais. Até fechavam-se as portas com medo... Jornais traziam na ter-
ceira página a figura de um “moleque”em fuga, trouxa ao ombro, e, por baixo, o anúncio, 
quase sempre em tipo cheio, minucioso, explícito, com todos os detalhes, indicando esta-
tura, idade, lesões, vícios, e outros característicos do fugitivo. Além disso o “proprietário” 
gratificava generosamente a quem prendesse o escravo (CAMINHA, 2001, pp. 20-21)
Com a citação acima exemplificamos que o fato de um negro cativo fugido ser acolhido era uma 
possibilidade praticamente impossível pela sociedade narrada. A perseguição e o medo projetados ao fugitivo 
o delineava como um animal feroz, irracionalmente propenso ao mal. Além de ser acolhido pela Marinha, 
justificativa pouco evidenciada pelo autor, Amaro é reconhecido pelos seus pares como o bom-crioulo por 
sua obediência e sujeição. No entanto, ao se descobrir encantado pelos trejeitos de Aleixo, um jovem grumete 
caucasiano e frágil, o oposto de suas feições rústicas, negra e forte, Amaro (o Bom-Crioulo), começa a lidar 
com a interface de sua condição passiva e servil. É neste instante que ele se vê cativo pela terceira vez, sendo a 
primeira a posição como um escravo, a segunda sua subserviência incontestável a bordo do convés e a terceira 
a sua condição de gênero, sendo ele homem, como poderia lidar com a paixão que se inflamava pelo outro do 
mesmo gênero.
[...] Amaro soube ganhar logo a afeição dos oficiais. Não podiam eles, a princípio, 
conter o riso diante daquela figura de recruta alheio às praxes militares, rude como 
um selvagem, provocando a cada passo gargalhadas irresistíveis com seus modos in-
gênuos de tabaréu; mas, no fim de alguns meses, todos eram de parecer que “o ne-
gro dava para gente”. Amaro já sabia manejar uma espingarda segundo as regras do 
ofício, e não era lá nenhum botocudo em artilharia; criara fama de “patesca” (...) - 
Diabo de vida sem descanso! O tempo era pouco para um desgraçado cumprir to-
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
das as ordens. E não as cumprisse! Golilha com ele, quando não era logo metido 
em ferros... Ah! vida, vida!... Escravo na fazendo, escravo a bordo, escravo em toda 
a parte... E chamava-se a isso de servir à pátria! [ ] (CAMINHA, 2001, pp. 22,41)
É importante que se faça compreender, bem como problematizar, a ideia de tempo e consciência para 
Reis (1994), a qual em certas narrativas estão interligadas à destruição e ao terror, tanto dos sujeitos caucasianos 
quanto os esclarecidamente negros, que se veem frágeis e austeros, simultaneamente, quando estão diante da 
finitude inexplicável proporcionada pelo tempo e sua segregação. Este tempo vivido por Amaro na companhia 
dos oficiais, apresentado pela obra de Caminha, possibilitou ao branco - representado pela figuração dos oficiais 
-, assim como ao negro - exemplificado na imagem dobom-crioulo -, que ambos enxergassem suas diferenças e 
semelhanças de outros lugares. Entretanto, o que nos é apresentado inicialmente trata-se de um estranhamento 
e de uma aceitação incorruptível do outro. Este, o outro, o principal mote suscitado pela obra.
O outro aqui povoa o imaginário de uma época e se estabelece como a degeneração de uma ordem, de 
uma política pública, de uma memória que se constituiu do vencedor, mas que estaria ameaçada de se perpetuar. 
O outro, ou Amaro, o mesmo bom-crioulo, ocupa um lugar que não é seu, e isso provoca risos incontidos nos 
oficiais estranhos à sua rudeza “selvagem”, ingenuidade tipicamente docilizada em decorrência de sua condição 
escrava e obediente, e porque não de seu distanciamento daquilo que era ritualmente compreendido como 
ritual civilizado ou branco. Bem como o é exemplificado pela citação ao dizer que no fim de alguns meses 
todos eram de concordar que “o negro dava para gente”, por saber manejar uma espingarda segundo as regras 
do ofício.
 Temos neste exemplo não somente a visão eurocêntrica de bestialidade sobre a raça negra, mas também 
a confabulação e manutenção de uma memória europeizada do africano no cenário nacional de pouco menos 
que 122 anos atrás, quando depois da assinatura da Lei Áurea abolindo oficialmente a escravidão no Império 
do Brasil, continuou-se de forma ilegal a exploração escrava da mão-de-obra negra e mestiça no país, bem 
como a mentalidade de sua incapacidade intelectual e bestialidade.
É desta memória que se ocupa a obra de Adolfo Caminha. É esta a denúncia que ele nos propõe e nos 
leva a refletir. O negro é o centro pela primeira vez em um romance nacional, e não se trata de um mestiço 
ou de um porta-voz de pele branca e sangue negro, como nos foi proposto em a Escrava Isaura (1875) de 
Bernardo Guimarães. O cenário é a ordem física e política representada pelo poder militar de uma nação que 
testemunhava a transitoriedade e o estabelecimento de seus valores.
Amaro se constituiu homem escravizado por sua etnia e pele, condição e mentalidade, e também por 
suas afeições, que o levaram a questionar todas essas regras e se rebelar contra o que se estabelecia há muito a 
sua volta.
 O bom-crioulo encontrou motivos para se revoltar apenas quando sentiu o corpo se queimar em paixão. 
Uma justificativa metafórica para Caminha explicar o fato de se envolver com a esposa de um oficial, ou a 
simples alusão a presença de um espírito pulsante dentro de um corpo negro? Sem dúvida é uma resposta 
inalcançável, mas que, nos oferece inúmeras pistas de que ele, um branco partidário da causa igualitária dos 
direitos humanos, provou, ao seu modo, a existência de uma consciência para o negro inscrita na literatura de 
seu tempo.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Considerações finais
Este é sem dúvida o momento em que alinhamos tudo aquilo apresentado e propomos o encerramento 
de um debate paulatinamente teórico de viés analítico. E finalmente nos reportamos ao título e à abordagem 
inicial proposta para, através do conceito de memória histórica, enxergarmos o aporte literário.
Nesse ínterim entendemos a memória histórica como a representação de uma síntese de outras me-
mórias herdadas, podendo sê-las públicas ou sociais, marcando no tempo e no espaço o entrecruzamento 
entre o que foi vivido e o que se transmitiu. Tais transmissões e vivências são acessadas por meio de rituais e 
documentos, sejam esses oficiais como no caso de um livro ou mesmo orais, como no caso da manutenção de 
imaginários quanto à questões de perspectivas racistas e sexuais, que mesmo nutridas pelas memórias ritualís-
ticas propostas por determinados cânones religiosos, e/ou confabulações públicas adversas do senso comum, 
continuam presentes na contemporaneidade.
O livro Bom-Crioulo de Adolfo Caminha nos reserva um exemplo bastante claro do que poderia ser a 
materialidade de tais memórias, em nosso caso, da memória histórica, que representa a transmissão do que foi 
experienciado, seja pelo autor em seu flanire cotidiano em uma atitude denunciadora de suas lembranças, ou 
mesmo seu comprometimento em se reportar a uma memória subjetiva em busca de sua objetivação narrativa 
e/ou histórica por meio da literatura.
Partilhando da concepção de Arostegui (2004), que classifica as memórias históricas como sendo docu-
mentais ou orais, entendemos a literatura como a primeira, ou seja, um documento palpável que nos possibilita 
transpormo-nos e reconstruirmos seu passado de acordo com as necessidades e anseios de nosso presente. Por-
tanto, a memória histórica se faz imprescindível para à história do presente, que não pode ser conceitualizado 
sem a “objetivação da memória”,
 Nesse viés a memória histórica se estabelece como um dos princípios norteadores da memória social, 
que “propõe que memória e pensamento sociais estão intrinsecamente associados e são praticamente indistin-
guíveis, ou seja, o que é lembrado do passado está sempre mesclado com aquilo que se sabe sobre ele” (SÁ, 2007, 
p. 291). Convergindo na ideia de que a memória social estaria também relacionada à história, aos conteúdos 
pesquisados, mobilizados e legitimados por uma sociedade. Por fim, poderíamos pensar não a memória histó-
rica como documento literário, mas assertivamente, o documento literário como a memória histórica.
Referências
AROSTEGUI, Julio. La Historia vivida: sobre la historia del presente. Madrid: Alianza editorial, 
2004. 
BERND, Zilá. Negritude e literatura na América Latina. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.
CAMINHA, Adolfo. Bom-crioulo. Série Bom Livro, Editora Ática, 2001.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
HALBWACS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
SÁ, Celso Pereira. Sobre o Campo de Estudo da Memória Social: Uma Perspectiva Psicossocial. In. 
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Www.scielo.br/prc. 2007 
NETO, Oswaldo Alves Lara. A Teoria Queer e as sexualidades no contexto brasileiro: desafios teó-
ricometodológicos. Caxambu: Anais ANPOCS, 2007.
SILVA JÚNIOR, Jorge Luiz da. GUEI: nem comédia nem drama, um programa de TV contra o 
preconceito. Juiz de Fora: UFJF; Facom, 2004, 97 fls.
NORA, Pierre. Entre a memória e a história: a problemática dos lugares. Projeto História, nº 10, p. 
7-28, dez, 1993.
TREVISAN, J. S. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio 
de Janeiro: Record, 2002.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
UM BREVE OLHAR SOBRE A VIGILÂNCIA DO CORPO EM A CAVERNA, DE JOSÉ SARAMAGO
Karina Luiza de Freitas ASSUNÇÃO
A todo agir liga-se um esquecer: assim como a vida de 
tudo que é orgânico diz respeito não apenas à luz, mas 
também à obscuridade. (NIETZSCHE, 2003, p.9)
Breve esclarecimento
De acordo com Michel Foucault (1995), toda a experiência que concretiza uma subjetividade envolve 
modos historicamente peculiares, sendo os saberes e os poderes responsáveis por constituir os processos de 
subjetivação. Desse modo, cada sujeito “[...] faz não o que quer, mas aquilo que pode, aquilo que lhe cabe na 
posição de sujeito que ele ocupa numa determinada sociedade.” (MILANEZ, 2004, p.183). Nesse sentido, o 
sujeito tem sua subjetividade constituída a partir das relações que são instauradas com a exterioridade; trata-
se, portanto, “[...] de um sujeito não fundamentado em uma individualidade, em um “eu” individualizado, e 
sim em um sujeito que tem existência em um espaço social e ideológico, em um dado momento histórico e não 
em outro” (FERNANDES, 2005, p.34).
A partir dessa breve reflexão acercado sujeito e da constituição de sua subjetividade, no presente 
artigo, propomo-nos a fazer uma análise do tratamento dado ao sujeito; para sermos mais claros, propomo-
nos a analisar a forma como o corpo do sujeito é constituído no romance A caverna, de José Saramago 
(2000). Assim, partindo desse romance, atentaremos para aspectos que margeiam a maneira como o “Centro 
de Compras”1 olha para os corpos de seus frequentadores e moradores, os quais são analisados e vigiados a 
todo instante. Esse controle sobre os corpos parece ser fruto de normas ditadas por um sistema capitalista, pois 
os sujeitos são sugestionados a todo instante a consumir. Ademais, também parece ser fruto da necessidade 
que a sociedade, de uma forma geral, tem de ser “vigiada”, pois a todo o momento nos deparamos com alto 
índice de criminalidade, o que aumenta a vigilância ao redor dos sujeitos, como, por exemplo, os sistemas de 
captura de imagens nas vias públicas. 
Um olhar sobre o poder e o corpo
Foucault (2007b), em Vigiar e punir, analisa o sistema punitivo e sua transformação sofrida ao longo 
dos tempos. Seu objetivo foi:
1 Em uma leitura preliminar, poderíamos comparar o “Centro de Compras” com o nosso Shopping-Center, mas há algumas 
diferenças substancias. Para darmos uma pequena idéia da dimensão do “Centro”, trazemos algumas considerações saramaguianas:
Arrumou a furgoneta numa esquina de onde se avistava, à distância de três extensos quarteirões, uma nesga de uma das 
fachadas descomunais do Centro, precisamente a que corresponde à parte que é habitada. Exceptuando as portas que abrem para 
o exterior, em nenhuma das restantes frontarias há aberturas, são impenetráveis panos de muralha onde os painéis suspensos que 
prometem segurança não podem ser responsabilizados por tapar a luz e roubar o ar a quem dentro delas vive. Ao contrário dessas 
fachadas lisas, a frente virada para este lado está crivada de janelas, centenas e centenas de janelas, milhares de janelas, sempre 
fechadas por causa do condicionamento da atmosfera interna. [...] O edifício do Centro não é nem tão pequeno nem tão grande, 
satisfaz-se com exibir quarenta e oito andares acima do nível da rua e esconder dez pisos abaixo dela. (SARAMAGO, 2000, p.101)
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Estudar a metamorfose dos métodos punitivos a partir de uma tecnologia política do 
corpo onde se poderia ler uma história comum das relações de poder e das relações de 
objeto. De maneira que, pela análise da suavidade penal como técnica de poder, po-
deríamos compreender ao mesmo tempo como o homem, a alma, o indivíduo normal 
ou anormal vieram fazer a dublagem do crime como objetos da intervenção penal, e 
de que maneira um modo específico de sujeição pôde dar origem ao homem como 
objeto de saber para um discurso com status cientifico. (FOUCAULT, 2007b, p.24)
A relação deste livro com o estudo que propomos se dá justamente pelo fato de que o pesquisador 
estudou não só o sistema punitivo, mas também os mecanismos empregados na manipulação dos corpos: 
para sermos mais específicos, dos “corpos dóceis”2. Ele observou que as técnicas de punição e de castigos, 
utilizadas pelo sistema punitivo, estavam acompanhadas pelo poder. Esse “poder” não é interligado a um 
sujeito especificamente, ele vai além, está presente em pequenos detalhes que geralmente não são notados 
pelos sujeitos. O poder, para Foucault (1982, p.243), é “[...] uma ação sobre outra ação possível [...]”. Isso 
implica dizer que o poder não pode ser encontrado em uma substância, pois não o temos; exercemo-lo. Ele 
é efetivado somente entre os sujeitos, não temos um poder localizado em um ponto específico na sociedade, 
o que encontramos é uma rede de mecanismos envolvendo a todos, não havendo, assim, limites para a sua 
disseminação:
O poder não existe. Quero dizer o seguinte: a idéia de que existe em um determinado 
lugar, ou emanando de um determinado ponto, algo que é um poder, me parece baseado 
em uma análise enganosa e que, em todo o caso, não dá conta de um número considerável 
de fenômenos. Na realidade, o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, 
mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado. (FOUCAULT, 1995, p.248)
Ao atentarmos para o poder e as técnicas de punição, concluímos que os dois mecanism s caminham 
juntos e com o objetivo de tornar os sujeitos cada vez mais “corpos dóceis”. Essas técnicas, de acordo com 
Foucault (2007b), foram sofrendo algumas transformações substanciais ao longo dos tempos. Elas são decor-
rentes das mudanças que ocorreram na sociedade, uma delas foi a instauração do sistema capitalista. 
As novas técnicas empregadas com o objetivo de “vigiar” os sujeitos, que cometeram algum tipo 
de “crime” ou estavam em fábricas e escolas, enfim aqueles “necessitados” de uma vigilância constante, 
migraram para outros espaços da sociedade, tendo como objetivo não a punição, mas sim a diversão, como 
exemplo temos o “Centro de Compras”. Observaremos, no presente artigo, essas “técnicas de vigilância”, que 
a princípio eram empregados com o objetivo de criar um “corpo dócil”, nas prisões, fábricas e etc., mas que 
atualmente passaram a fazer parte da existência dos cidadãos comuns, os quais “aparentemente” não precisam 
ser vigiados. 
Foucault (2007b), partindo das considerações de Benthan, faz alguns apontamentos de grande relevân-
2 De acordo com Foucault (1975, p.119. Aspas do autor): 
[...] o corpo entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é 
também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não 
simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que 
se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis” A disciplina aumenta as forças do corpo 
(em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em outras palavras: ela 
dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro 
lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a 
força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada 
e uma dominação acentuada.
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cia sobre o poder e como a arquitetura corrobora a constituição dos sujeitos. Assim, o dispositivo panóptico, 
como Benthan (apud FOUCAULT, 2007b) denomina, é a forma como os lugares (prédios) são construídos de 
modo a disseminar a vigilância. Ou seja, essa construção parte de uma estrutura em forma de anel, na qual te-
mos no centro uma torre, e cujas janelas são dispostas de forma que apenas uma pessoa observe e vigie várias 
outras ao mesmo tempo. Essa forma de construção difere das demais, pois não necessita de grades, correntes, 
muros altos, fechaduras. Para a segurança, por meio do dispositivo panóptico, bastam apenas iluminação 
e uma boa organização das aberturas. “O Panóptico é uma máquina maravilhosa que, a partir dos desejos 
mais diversos, fabrica efeitos homogêneos de poder” (FOUCAULT, 2007a, p. 167). Ademais, de acordo com 
Foucault (2007a, p.107), é um produto “da sociedade moderna, industrial, capitalista” (FOUCAULT, 2007a, 
p.107). Esta afirmação pode ser exemplificada com as seguintes passagens do romance A caverna (SARA-
MAGO, 2000):
Ao fundo, um muro altíssimo, escuro, muito mais alto que o mais alto dos prédios 
que ladeavam a avenida, cortava abruptamente o caminho.Na realidade, não o cor-
tava, supô-lo era o efeito de uma ilusão de óptica, havia ruas que, para um lado e 
para o outro, prosseguiam ao longo do muro, o qual, por sua vez, muro não era, mas 
sim a parede de uma construção enorme, um edifício gigantesco, quadrangular, sem 
janelas na fachada lisa, igual em toda a sua extensão (SARAMAGO, 2000, p.17).
[...]. Duas daquelas janelas são nossas, Só duas, perguntou Marta, Não nos po-
demos queixar, há apartamentos que só têm uma, disse Marçal, isto sem falar dos 
que as têm para o interior, O interior de quê, O interior do Centro, claro, Queres 
tu dizer que há apartamentos cujas janelas dão para o interior do próprio Cen-
tro, Fica sabendo que há muitas pessoas que os preferem, acham que a vista dali 
é infinitamente mais agradável, variada e divertida, ao passo que do outro lado 
são sempre os mesmos telhados e o mesmo céu (SARAMAGO, 2000, p.286).
Como pode ser observado a partir dos excertos acima, o “Centro de Compras” apresenta uma estrutura 
muito próxima da apontada por Foucault (2007b), pois temos paredes muito altas, não apresentando janelas 
na fachada, mas somente na lateral e são poucas as voltadas para o exterior. Notamos, assim, uma grande 
semelhança entre o “Centro” e a forma com as prisões são construídas. A diferença está no público frequen-
tador do “Centro”, pois ele não cometeu nenhum tipo de crime. Por um lado, os detentos permanecem nesse 
espaço porque são vigiados constantemente e, se tivessem oportunidade, fugiriam. Por outro lado, os sujeitos 
moradores ou frequentadores do “Centro” são vigiados, talvez mais do que os presos, entretanto continuam a 
frequentar ou morar neste lugar. Isso chama-nos atenção, pois há uma troca da liberdade sem monitoramento 
por uma vigilância constante. 
Para haver uma efetiva atuação do poder disciplinar no panóptico, de acordo com Foucault (1999), faz-
se necessária uma vigilância constante e isso pode ocorrer por intermédio de três dispositivos disciplinares: a 
vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. 
O olhar hierárquico é responsável pela produção de efeitos homogêneos de poder, por meio do “jogo 
de olhar” cujo objetivo é se fazer visto por aqueles que devem receber as técnicas de coerção, para com isso 
generalizar a disciplina, expandindo-a para além das instituições fechadas. A mais importante mecânica de 
poder trazida pela vigilância é, sem dúvida, aquilo considerado por Foucault (2007a, p.154) como uma espécie 
de “ovo de colombo”:
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Esses observatórios têm um modelo quase ideal: o acampamento militar. É a cidade 
apressada e artificial, que se constrói e remodela quase à vontade; é o ápice de um po-
der que deve ter ainda mais intensidade, mas também mais discrição, por se exercer 
sobre os homens de armas. No acampamento perfeito, todo o poder seria exercido 
somente pelo jogo de uma vigilância exata; a cada olhar seria uma peça no funciona-
mento global do poder. O velho e tradicional plano quadrado foi consideravelmente 
afinado de acordo com inúmeros esquemas. Define-se exatamente a geometria das 
aléias, o número e a distribuição das tendas, a orientação de suas entradas, a disposição 
das filas e das colunas; desenha-se a rede de olhares que se controlam uns aos outros.
A partir desse momento, a arquitetura não é apenas utilizada na construção de palácios exuberantes; 
ela passa a ser uma aliada na constituição de dispositivos propagadores do poder. De acordo com Foucault 
(2007a), o que era usado antes, o velho esquema simples de manter as pessoas encarceradas em espaços de 
modo a impedi-las de entrar ou sair, é substituído por uma arquitetura cuja principal função é a transformação 
dos indivíduos. Essas instituições disciplinares construíram “uma maquinaria de controle funcionando como 
um microscópio do comportamento; as divisões tênues e analíticas por elas realizadas formaram, em torno dos 
homens, um aparelho de observação, de registro e treinamento” (2007a, p.146).
Passamos por um período em que os sujeitos estão sendo vigiados como nunca foram em nenhum 
outro. Os corpos são monitorados a todo instante e em vários lugares frequentados por todos indistintamente. 
Para que isso ocorra, afirma Foucault (2007b), há vários dispositivos empregados com esse objetivo. Atenta-
remos para os recursos utilizados pelo “Centro” com o objetivo de vigiar os “corpos”. Essa organização inicia 
na própria estrutura do “Centro de Compras”, podendo ser observado na seguinte passagem do romance: 
A Organização do Centro fora concebida e montada segundo um modelo de estrita 
compartimentação das diversas actividades e funções, as quais, embora não fossem 
nem pudessem ser totalmente estanques, só por canais únicos, não raro difíceis 
de destrinçar e identificar, podiam comunicar entre si (SARAMAGO, 2000, p. 40). 
O “Centro de Compras” apresenta uma estrutura extremamente organizada. Os setores ou departamen-
tos responsáveis pela vigilância dos corpos obedecem a uma ordem com o objetivo de vigiar e monitorar os 
sujeitos. Como Foucault (2007b) afirma, é por meio de uma vigilância constante e organizada que produzire-
mos os “corpos dócies”. Frequentamos lugares em que somos vigiados, geralmente não paramos para observar 
ou não temos tempo de notar todos os mecanismos empregados na vigilância de nossos corpos. Obedecemos 
a determinadas regras que nem sempre compreendemos o “porquê” de obedecermos ou, se raciocinamos a 
respeito, nem sempre temos uma visão abrangente daquilo que nos constitui. 
Esse olhar disciplinar é responsável por dois aspectos importantes para a divisão do poder. O primeiro 
possibilita a ele se espalhar sem deixar lacunas ou espaços vazios; e o segundo aspecto é de ser tão discreto 
que não se tornará um fardo para quem está recebendo. Observe a seguinte cena do romance em questão:
A quem teve de dar prontas e completas explicações foi a um guarda que, atraído pelo 
ruído ou, mais provavelmente, guiado pelas imagens do circuito interno de vídeo, lhe 
foi perguntar quem era e o que fazia naquele local. Cipriano Algor explicou que mo-
rava no trigésimo quarto andar e que, andando por ali a passear, sentira a sua atenção 
despertada pelo letreiro da porta, Simples curiosidade, senhor, simples curiosidade de 
quem não tem mais nada que fazer. O guarda pediu-lhe o cartão oficial de identida-
de, o cartão que o acreditava como residente, comparou a cara ao retrato incorporado 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
em cada um, examinou à lupa as impressões digitais apostas nos documentos, e, para 
terminar, recolheu uma impressão do mesmo dedo, que Cipriano Algor, após ter sido 
devidamente industriado, premiu contra o que seria um leitor do computador portátil 
que o guarda extraíra de uma bolsa que levava a tiracolo (SARAMAGO, 2000, p.312).
O “Centro de Compras” é um espaço em que os sujeitos vão e têm a ilusão de serem livres para ir e 
vir de acordo com sua vontade. Mas isso não passa de uma simples impressão, os sujeitos têm seus corpos 
monitorados e vigiados a todo o momento. Foucault (2007b) afirma que no século XVII os sujeitos já eram 
vigiados, mas a forma dessa vigilância foi, ao longo dos tempos, ganhando novos aparatos tecnológicos; 
essa afirmação é confirmada no fragmento acima, pois mostra alguns desses mecanismos. Cipriano, por ser 
curioso, é investigado e examinado assim como um prisioneiro que cometeu um crime muito grave. 
No fragmento acima, deparamo-nos com os seguintes enunciados3: “circuito interno”, “cartão oficial 
de identidade”, “impressões digitais” e um “computador portátil”. A partir de todo o aparato utilizado, concor-
damos que há certo exagero, pois quando vamos a lugaresequivalentes ao “Centro” somos vigiados, mas não 
com tamanha intensidade. Entretanto, quando vamos viajar de avião, no momento do embarque, há uma série 
de procedimentos, os quais são muito próximos dos mencionados. Nossa bagagem é checada e nosso corpo 
também. Atualmente existem máquinas que deixam os corpos nus (sem despi-los), com o objetivo de saber se 
alguns dos passageiros exercem algum risco para os demais ou se estão transportando, internamente em seus 
corpos, algo ilícito. Portanto, o que é apontado no romance como dispositivo4 de vigilância não está fora da 
realidade a qual estamos inseridos. 
De acordo com Foucault (2007b), as oficinas, as escolas, os orfanatos, o exército e outros são sistemas 
disciplinares, aplicadores de regras, ou melhor, de mecanismos penais. Cada um apresentando suas próprias 
leis com o objetivo de julgar os delitos cometidos pelos sujeitos inseridos nesses grupos, funcionando, assim, 
“como um pequeno mecanismo penal” (FOUCAULT, 2007b, p.149). Portanto, a sanção normalizadora é essa 
forma de vigiar atenta aos menores detalhes, mas de forma muito discreta. 
Essas punições, segundo o autor, são na verdade uma “arte de punir”, não têm como objetivo a expia-
ção nem muito menos a repressão; na verdade, elas efetivam cinco operações bem claras:
3 Segundo Foucault (2007, p.108. Aspas do autor):
[...] se uma proposição, uma frase, um conjunto de signos podem ser considerados “enunciados”, não é porque houve, um 
dia, alguém para proferi-los ou para depositar, em algum lugar, seu traço provisório; mas sim na medida em que pode ser assinalada 
a posição do sujeito. Descrever uma formulação enquanto enunciado não consiste em analisar as relações entre o autor e o que ele 
disse (ou quis dizer, ou disse sem querer), mas em determinar qual é a posição que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser 
sujeito.
4 De acordo com Foucault (1995, p.244):
[...] através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, 
instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições 
filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode 
estabelecer entre estes elementos. Em segundo lugar, gostaria de demarcar a natureza da relação que pode existir entre estes elementos 
heterogêneos. Sendo assim, tal discurso pode aparecer como programa de uma instituição ou, ao contrário, como elemento que 
permite justificar e mascarar uma prática que permanece muda; pode ainda funcionar como reinterpretação desta prática, dando−lhe 
acesso a um novo campo de racionalidade. Em suma, entre estes elementos, discursivos ou não, existe um tipo de jogo, ou seja, 
mudanças de posição, modificações de funções, que também podem ser muito diferentes. Em terceiro lugar, entendo dispositivo 
como um tipo de formação que, em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência. O 
dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante. Este foi o caso, por exemplo, da absorção de uma massa de população 
flutuante que uma economia de tipo essencialmente mercantilista achava incômoda: existe ai um imperativo estratégico funcionando 
como matriz de um dispositivo, que pouco a pouco tornou−se o dispositivo de controle−dominação da loucura, da doença mental, 
da neurose.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
[...] relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, 
que é ao mesmo tempo campo de comparação, um espaço de diferenciação e prin-
cípio de uma regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e 
em função dessa regra de conjunto – que se deve fazer funcionar como base míni-
ma, como média a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto. Medir 
em termos quantitativos e hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, 
a “natureza” dos indivíduos. Fazer funcionar, através desta medida “valorizadora”, a 
coação de uma conformidade a realizar. Enfim, traçar o limite que definirá a dife-
rença em relação a todas as diferenças, a fronteira externa do anormal (a “classe ver-
gonhosa” da Escola Militar). A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos 
e controla todos os instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hie-
rarquiza, homogeiniza, exclui. Em suma, ela normaliza (FOUCAULT, 2007b, p.153).
De acordo com Foucault (2007a), a norma, para realmente funcionar, precisa de um sistema igualitário 
e homogêneo, pois é somente assim, nesse espaço, que as diferenças vão surgir e o poder atingirá seus propó-
sitos. Isso fica mais claro quando atentamos para o seguinte enunciado presente em nossa última citação do 
romance: “lhe foi perguntar o que fazia naquele local”. No “Centro” há lugares abertos à visitação de todos, 
outros não. Cipriano tem sua atenção voltada para um desses lugares “ilícitos”, sendo assim, ele foge ao 
padrão de normalidade dos outros visitantes e moradores. A normalidade dos outros sujeitos dá abertura para 
o guarda identificar a não normalidade de Cipriano. Portanto, a vigilância se efetivará apenas em espaços nos 
quais predomine a “normalidade”. 
Como exemplo do que mencionamos acima, há ainda um outro momento da narrativa:
Alguém que ande a passear lá dentro de mãos a abanar pode estar certo de que não 
tardará a ser objecto de atenção especial por parte dos guardas, podia dar-se até a 
cómica situação de ser o seu próprio genro a interpelá-lo, Pai, o que é que está aqui a 
fazer, se não compra nada, e ele responderia, Vou ao sector das louças para ver se ain-
da têm exposta por lá alguma peça da Olaria Algor, saber quanto custa aquela bilha 
com decoração de pedacinhos de mármore incrustados (SARAMAGO, 2000, p.99).
O fato de o sujeito andar pelo “Centro de Compras” sem consumir produtos chama a atenção dos 
guardas, que logo vêm interrogar com o objetivo de saber as causas de não estarem consumindo os produtos 
oferecidos pelo “Centro”. Os sujeitos acreditam serem donos de suas escolhas, mas é só uma “ilusão”; nossos 
corpos estão sendo vigiados a todo instante e essa vigilância constante faz com que tomemos determinadas 
atitudes, acreditando que são nossas, mas não são, pois somos levados a tomá-las.
A combinação das técnicas de hierarquia, do “jogo do olhar” com o controle normalizante corrobora 
a constituição daquilo que Foucault (2007b) denominou exame. Por meio da visão sobre os sujeitos, eles são 
diferenciados e sancionados. Nesse momento, que deparamos com certa ritualização, o poder aflora, mostran-
do, assim, a dimensão de sua força. Como exemplos, são apontados os hospitais, até o século XVIII, quando 
a visita dos médicos aos pacientes era muito restrita. A partir desse momento há uma modificação, os médicos 
passam a visitar mais os doentes, de forma gradativa, até chegarmos à presença constante deles. A inconstân-
cia passa a ser constância, e isso tem um papel fundamental para o exame, pois “nesta técnica dedicada estão 
comprometidos todo um campo de saber, todo um tipo de poder” (FOUCAULT, 2007a, p.154).
De acordo com Foucault (2007a, p.157), “o exame supõe um mecanismo que liga certo tipo de forma-
ção de saber a certa forma de exercício de poder”. O primeiro mecanismo é o exame, nele há uma inversão, o 
59
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
poder até então era visto por todos, não havia uma preocupação em escondê-lo, agora o poder não é visto, ele 
passa a ser invisível. O importante para a disciplina é a atenção dispensada à visão dos sujeitos submetidos 
a ela, a atenção é centrada na visibilidade dos sujeitos; a partir dela, o poder se manifestaráobjetivando, 
organizando e alinhando os sujeitos.
A partir do exame e da vigilância, são produzidos relatórios, anotações, uma rede de elementos que 
possibilitam a criação do “poder da escrita” (FOUCAULT, 2007a, p.157) e eles são organizados seguindo 
os modelos convencionais da documentação administrativa. Com a organização e a acumulação dessa docu-
mentação, bem como sua comparação, foi possível “classificar, formar categorias, estabelecer médias, fixar 
normas” (FOUCAULT, 2007b, p.158). No fragmento abaixo, deparamo-nos com a seguinte situação:
O guarda esperou que Cipriano Algor se afastasse uma dezena de metros, depois seguiu-o até que 
encontrou um colega, a quem, para evitar ser reconhecido, passou a missão, Que fez ele, perguntou o guarda 
Marçal Gacho, disfarçando a preocupação, Estava a chamar à porta secreta, Não é grave, isso acontece várias 
vezes todos os dias, disse Marçal, com alívio, Sim, mas a gente tem de aprender a não ser curiosa, a passar de 
largo, a não meter o nariz aonde não foi chamada, é uma questão de tempo e de habilidade, Ou de força, disse 
Marçal, A força, salvo em casos muito extremos, deixou de ser precisa, claro que eu podia tê-lo detido para 
interrogatório, mas o que fiz foi dar-lhe bons conselhos, usar a psicologia, Tenho de ir atrás dele, disse Marçal, 
não seja que se me escape, Se notares algo de suspeito, informa-me, para anexar ao relatório, assinaremos os 
dois. (SARAMAGO, 2000, p.312).
O terceiro mecanismo está relacionado ao fato de que cada caso passa a receber um tratamento indi-
vidual, não é mais visto como um conjunto de circunstâncias individuais, mas sim “é o indivíduo tal como 
pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a outros e isso em sua própria individualidade; é também 
o indivíduo que tem que ser treinado ou retreinado, tem que ser classificado, normalizado e excluído” (FOU-
CAULT, 2007a, p.159).
Desse modo, a curiosidade de Cipriano acarreta uma série de atitudes tomadas pelos guardas, uma 
delas é fazer um relatório do ocorrido e ambos assinarem. A curiosidade incomoda, uma vez que Cipriano 
foge a normalidade exigida aos frequentadores do “Centro”. Essa atitude pode causar problemas, pois temos 
nela a resistência; nesse sentido, isso implica dizer que podemos ter falhas nos dispositivos empregados na 
constituição dos “corpos dóceis”.
Uma breve conclusão
Observando a forma como o “Centro de Compras” foi construído, no romance A caverna (SARA-
MAGO, 2000), verificamos que há uma grande semelhança entre ele e o Panóptico. A disposição das janelas, 
os mecanismos de vigilâncias corroboram a constituição da subjetividade dos sujeitos. Porém notamos uma 
grande diferença entre ambos, no primeiro caso os sujeitos eram vigiados, pois tinham cometido algum tipo 
de crime ou estavam trabalhando e tinham de se submeter a esse tipo de vigilância. No caso do “Centro de 
Compras”, os sujeitos o procuram, desejam estar lá, não se importam com a vigilância, até preferem-na, pois 
estarão mais “seguros”. Assim, a violência aumenta cada dia mais e, com isso, os sujeitos sentem a necessi-
dade de ter algo que lhes transmita uma sensação de segurança. A própria propaganda do “Centro” comprova 
essa afirmação, como pode ser observado a partir do seguinte enunciado: “VIVA EM SEGURANÇA, VIVA 
NO CENTRO” (SARAMAGO, 2000, p.92. Destaque do autor).
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Foucault (2007b) analisa a constituição dos sujeitos a partir das relações de poder ao longo dos tempos 
e afirma que o poder, no Panóptico, foi elaborado com o objetivo de vigiar os sujeitos, principalmente os que 
tinham cometido algum tipo de crime ou estavam trabalhando. As situações evoluem e as técnicas utilizadas 
para exercer o poder também sofreram modificações ao longo dos tempos, mas os sujeitos estão, a cada dia, 
mais expostos a ele.
Portanto, ainda não foi criada uma máquina que dê conta da nossa constituição, de nossos pensamentos 
e sentimentos, entretanto nosso corpo diz muito sobre a constituição da nossa subjetividade. Cipriano não 
diz, mas seu corpo e suas atitudes dizem por si, chamando, assim, a atenção dos guardas que utilizam uma 
gama de dispositivos com o objetivo de reorganizar suas atitudes. Sendo assim, o corpo é a “ligação” entre a 
exterioridade e a interioridade dos sujeitos.
Referências
FERNANDES, C, A. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas, 2005.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1995.
______. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 1999.
______. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
 ______. História da sexualidade 1 – A vontade de saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2007a.
______. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2007b.
MILANEZ. N. A disciplinaridade dos corpos: o sentido em revista. In: NAVARRO. P.; SARGENTINE. 
V. (Orgs.). M. Foucault e os domínios da linguagem: discurso, poder, subjetividade. São Carlos: Claraluz, 
2004, p.183-200.
NIETZCHE, F. W.. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para 
a vida. Tradução Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003 (Conexões, 20).
SARAMAGO, J. A caverna. São Paulo: Editora Schwarcz, 2000.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
CONJUNTURAS PARA PENSAR O SUJEITO E A VONTADE DE PODER EM NIETZSCHE1
Guilherme Figueira BORGES
De tudo quanto se escreve, agrada-me ape-
nas o que alguém escreve com o próprio san-
gue. Escreve com sangue; e aprenderás que 
sangue é espírito. (Nietzsche, 2008, p. 58)
Não posso cansar de dizer que para Nietzsche o sujeito é uma ficção, é uma ilusão pautada numa crença 
na gramática. Digo crença, porque para Nietzsche não há “O” sujeito, o que há é um sujeito enquanto criação, 
uma máscara, um devir. Mas, então, o que Nietzsche quer dizer quando menciona o enunciado “escrever com 
o sangue”? A ideia de sangue aponta inevitavelmente para uma noção de corpo. Como, então, pensar o corpo 
para um sujeito que é fictício e ilusório? O que dizer, então, da intimidade entre sangue/corpo e espírito? É 
(im)possível estabelecer, a partir dos pressupostos da Análise de Discurso francesa (AD), uma tríade entre 
sujeito, corpo e dizer em Nietzsche? Enfim, o meu desejo me impele a resumir - se é que é possível - essas 
questões em uma só: qual é a genealogia da ideia de sujeito em Nietzsche?
Neste trabalho, gostaria de propor algumas questões, sem, contudo, me preocupar ou me apressar em 
apresentar respostas, uma vez que quero, antes, expor inquietações, interpelações que, já há algum tempo, 
atravessam o meu olhar quando me debruço sobre a teoria do campo da AD, mais particularmente a de cunho 
foucaultiana, e sobre o meu corpus, qual seja: a obra Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche (1998, 2008). Os 
pontos balizadores de meu olhar têm sido o sujeito-Zaratustra, o seu dizer e as vozes que emergem desse dizer. 
Nesse texto, todavia, quero perseguir a concepção de sujeito em Nietzsche, tomando como norte a noção de 
vontade de poder.
É preciso remarcar, de início, que a genealogia da ideia de sujeito em Nietzsche pauta-se, sobretu-
do, na desconstrução do pensamento metafísico que se concentra numa visão/noção de “casualidade” e de 
“identidade” para os sujeitos que pressupõem uma noção de “substância” e de “essência”. Ou seja, uma visão 
estática, imóvel e imutável para a constituição do sujeito. Visão essa que representa uma percepção platônico-
judaico-cristã para o sujeito e para a realidade. Nietzsche se oporá radicalmente a essa visão unitária de sujeito. 
Recorto a priori dois excertos do Fedro, de Platão, para entender, ainda que minimamente,as noções de Ideia 
e de Sujeito platônicos, a saber:
Nenhum poeta jamais cantou nem cantará a região que se situa acima dos 
céus. [...] E é na Idéia Eterna que reside a ciência perfeita, aquela que abar-
ca toda a verdade. [...] A razão que atrai as almas para o céu da verdade é que so-
mente aí poderiam elas encontrar o alimento capaz de nutri-las e de desenvol-
ver-lhes as asas, alimento que conduz a alma para longe das baixas paixões. [...]
1 Este artigo é efeito da minha fala na I Jornada Acadêmica do Laboratório de Estudos Polifônicos, na Universidade Federal de 
Uberlândia em Dezembro de 2009, na mesa intitulada “Discursividades em Estudos Polifônicos I: Sentidos Institucionais e Contra-discursos”.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
A alma que não evoluiu e nunca contemplou a verdade não pode tomar a for-
ma humana. A causa disso é a seguinte: a inteligência do homem deve se exer-
cer de acordo com aquilo que se chama Idéia; isto é, elevar-se da multipli-
cidade das sensações à unidade racional. [...] (PLATÃO, 2007, p. 84-86)
A partir desses excertos do Fedro, gostaria de destacar dois enunciados “[a razão é o] alimento que 
conduz a alma para longe das baixas paixões” e “elevar-se da multiplicidade das sensações à unidade racio-
nal”. Poder-se-ia dizer que esses enunciados anunciaram um pensamento judaico-cristão, mas não gostaria de 
me ater a essa visão, embora seja esta a explorada por Nietzsche: de Platão ser o profeta e/ou o fundador da 
moral judaico-cristã, chegando até a dizer que o cristianismo é o platonismo do povo. Chamo a atenção, prin-
cipalmente, para o que esses enunciados tocam – ou podem tocar – numa concepção de sujeito, remarcando 
as posições-sujeito manifestadas nesses dizeres, e que foram (in)tensamente (re)significadas por Nietzsche, 
a saber: i) o sujeito como fruto de uma condução para “longe das baixas paixões”, ou seja, a tudo aquilo que 
está ligado ao corpo e à vida; ii) elevação a uma “unidade racional”, o que quer dizer que o sujeito pode se 
sustentar e sustentar aquilo que diz sobre uma base unitária racional de uma ordem imutável, estática e sempre 
a disposição da alma do sujeito.
Se o caminho trilhado por Platão fora buscar uma base segura para a racionalidade, de certo modo, 
longe de tudo o que é do corpo, o que se presencia em Nietzsche é o rompimento radical com essa noção. 
Pois o que se funda em Platão, segundo Nietzsche, é um campo de ideias farto, “gordo”, super-desenvolvido 
de razão, e um corpo pobre, raquítico e maltratado de sensações. A leitura de Nietzsche me leva a pensar que, 
para ele, é preciso se instaurar uma inversão dessa moral, na qual valores considerados como “baixas paixões” 
pudessem voltar a inspirar determinados corpos, cuja vontade de poder estivesse bastante afirmada. Assim, 
ter-se-ia o ensejo para a fundação da transvaloração. Nessa perspectiva, somente a partir da inversão moral, 
poderá haver alguns corpos fortes capazes de suportar viver o além do homem.
Cabe ressaltar, nesse momento, que não compartilho da visão de Heidegger (2007) no que diz respeito 
a Nietzsche ser considerado “o último metafísico”. Heidegger (2007) toma Nietzsche dentro de uma tradição 
filosófica, ao defender a tese de que ele nada fizera a não ser inverter os postulados da metafísica platônico-
judaico-cristã. Inversão essa, cujo critério pode ser compreendido metaforicamente como um “virar de moe-
da”. Dizendo de outro modo, a noção de inversão heideggeriana pode ser pensada como sendo da ordem de um 
espelhamento, digo espelhamento, porque se tem a posição de que Nietzsche é imagem refletida e, por isso, 
invertida do pensamento platônico-cristão. 
Penso também que Nietzsche estabelece uma inversão do pensamento platônico-cristão, mas, para 
mim, essa inversão é de outra ordem, haja vista que, ao me vincular ao pensamento foucaultiano, isso implica 
considerar a inversão, não como um reflexo invertido, mas, sim, como um princípio de subversão. Considero 
relevante me ater um pouco mais nessa noção de inversão, antes de continuarmos a pensar a genealogia da 
ideia de sujeito em Nietzsche. 
Numa perspectiva foucaultiana, mais precisamente a esboçada em A Ordem do Discurso (FOUCAULT, 
1996), no fio da história, o que se manifesta é descontinuidades acontecimentais no tempo e no espaço. É na e 
pela história que vemos emergir fissuras, brechas que possibilitam o surgimento de posições-sujeito-outras, de 
formações discursivas (FD) outras, de práticas outras de subjetivação e de identidade outras. É pela circuns-
tância da história ser descontínua que se abre a possibilidade de instauração e legitimação de deslocamentos 
de saberes e de poderes nas práticas sociais. 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
A partir do princípio de descontinuidade, pode-se dizer que há uma materialidade histórica que pulsa e 
impulsiona os deslocamentos de Nietzsche. Nesse sentido, é o devir da história que gera uma descontinuidade 
nos acontecimentos, abrindo, assim, a possibilidade para a inversão. Inversão essa, tomada com uma subver-
são de um já-dito. Dito de outra forma, as palavras que Nietzsche se apropria não são novas, o que é novo – se 
é que essa palavra ainda pode ser utilizada no campo da AD de linha francesa – é o acontecimento do retorno 
dessas palavras no fio do dizer. 
Com efeito, é por haver o princípio de descontinuidade que há o princípio da inversão, gerando po-
sições de luta, de insurreição e de revolta. Não basta que haja essa posição, é preciso, também, que sujeitos 
se inscrevam e se identifiquem com essas posições. O ato de inscrição dos sujeitos revela uma dimensão de 
irrupção do acontecimento no fio da história. Dimensão essa, em que o sujeito diz e é dito. Assim, a partir do 
momento em que os sujeitos se inscrevem em posições-sujeito-outras, há a apresentação de uma (re)configu-
ração outra para o sentido de seu dizer.
Os deslocamentos para posições-sujeito-outras fundam outras relações entre FDs. E, por conseguinte, 
são constituídas outras zonas de conflito e de tensão com outras posições-sujeito, arraigadas por relações 
históricas. É a inversão que propicia a rarefação dos dizeres, revelando que os sentidos não estão estáticos nas 
palavras, propondo um narcisismo no dizer. Pelo contrário, os sentidos lutam, se movem, se deslocam, eles 
estão fadados ao devir. 
Voltemos à ideia de sujeito em Nietzsche, dizendo que alguns autores pontuam que a noção de sujeito 
nasce na modernidade com Kant e Descartes. Estes filósofos pensam num indivíduo unitário, estável no tempo 
e no espaço, consciente e dotado de razão pura para controlar tanto suas ações quanto os fenômenos a sua vol-
ta. Essa perspectiva de sujeito pode ser vislumbrada por alguns dizeres presentes em Meditação Segunda, de 
Descartes, do qual eu destaco, a título de ilustração: “Falando de maneira precisa, eu não sou, portanto, senão 
uma coisa que pensa; quer dizer, um espírito, um entendimento ou uma razão” 2 (DESCARTES, 1992, p. 77). 
De minha parte, gostaria de me reportar ao período helenístico, mais particularmente, à obra de Platão, 
para dar continuidade ao estudo genealógico da noção de sujeito em Nietzsche. E, quando digo para retroce-
dermos além de Descartes até Platão, tomando como base os estudos de Michel Foucault (2006), refiro-me 
mais diretamente aos estudos presentes na obra Hermenêutica do Sujeito. Foucault nos convida a lançar o 
olhar para a relação entre Alcibíades e Sócrates pelo prisma do Cuidado de Si (Epiméleia Heautoû). A partir 
dessa relação, Foucault toma o princípio do Cuidado de Si como uma prática que funda o sujeito, mas também 
a sua outricidade. É preciso, então, pensar o ato de ocupar-se consigo mesmo, também,como uma prática de 
subjetivação. Para Foucault (2006), isso gera implicações singulares para se pensar a constituição do sujeito 
no mundo, uma vez que o Cuidado de Si instaura problemáticas outras: como pensar o “cuidado”? Como 
pensar o “si”? Esse pronome reflexivo, que consiste numa projeção de si mesmo como um outro, então... como 
lançar o olhar para si mesmo em alteridade? Como tratar “esse corpo”, aliado a uma projeção que se apresenta 
ao mesmo lado do sujeito e ao mesmo lado do objeto? (FOUCAULT, 2006)
Apresso-me a dizer que, sob essa perspectiva, o Cuidado de Si não é auto-ajuda, uma vez que a auto-
ajuda tem por objetivo principal fazer com que o indivíduo cuide de si como um ato cognitivo, para que o 
sujeito se conheça, se comande e tenha o poder, a força para mudar a vida seja a própria ou a daqueles que 
2 Nossa tradução : “je ne suis donc, précisément parlant, qu’une chose qui pense, c’est-a-dire un esprit, un entendement ou une 
raison”.
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estão a sua volta. Para Foucault (2006), cuidar de si não torna o sujeito senhor de si, pelo contrário, ele o cons-
titui como um vir-a-si-mesmo. Poder-se-á dar voz ao próprio Foucault (2006, p. 71), dizendo que, no Cuidado 
de Si, “o sentido não é ‘servir-se das próprias paixões para alguma coisa qualquer’, mas muito simplesmente, 
‘abandonar-se às próprias paixões’. Orgê Khrêsthai não é ‘servir-se da cólera’, mas ‘abandonar-se à cólera’”.
Apresentei a noção do Cuidado de Si, a partir de Foucault (2006), por acreditar que o que Foucault 
toma como “si” é algo muito próximo do que Nietzsche chamou de “sujeito”. Ou seja, se para Foucault (2006) 
conhecer o si é entregar-se a ele próprio e não dominá-lo; para Nietzsche, dizer que o sujeito reconhece-se 
como ficção, como uma resultante de forças, quer dizer, também, entregar-se a essas forças e não dominá-las.
É relevante passar, nesse momento, a pensar o trinômio pensamento, consciência e sujeito. Numa 
perspectiva cartesiana, o que se apresenta é uma hegemonia da consciência sobre o sujeito, no sentido de que 
se postula que é pela consciência que o sujeito é senhor de si. Importa pensar esse trinômio, na medida em que 
ele lança os sujeitos ao campo da metafísica e os afastam de seus corpos. Digo que lança o sujeito à metafísica, 
porque a moral cristã exorta os sujeitos a buscarem em sua consciência a razão de serem “bons”, “mansos” 
e “humildes”, levando-os a tomarem esses valores como naturais, como dádivas de Deus aos homens, numa 
pregação que se legitima na morte, num além-mundo. Digo, também, que lança o sujeito para o campo da me-
tafísica, na medida em que a consciência é tomada como um elemento que justifica pensar numa racionalidade 
pura, como se pôde ver em Descartes. Em ambos casos, vejo o desejo de valer-se da consciência como senhora 
do corpo e das ações dos sujeitos, vejo a consciência como uma instância unificadora daquilo que é heterogê-
neo, a consciência como estatizante daquilo que é da ordem do devir, enfim, a consciência sendo legitimada 
e exaltada, com o intuito de atribuir um corpo dócil àquele sujeito que se constitui de/por vontades de poder.
É fortuito ater-me um pouco mais na relação entre pensamento, consciência e sujeito. Só que, agora, 
a partir dos dizeres de Nietzsche, para que, em um momento ulterior, eu possa apresentar o Zaratustra de 
Nietzsche. Vejamos:
A consciência – É a última fase da evolução do sistema orgânico, logo é também o que 
há de menos acabado e de menos forte nesse sistema. O consciente é a origem de 
uma multidão de enganos que fazem com que um animal, um homem pereçam mais 
cedo do que seria necessário, “apesar do destino”, como dizia Homero. Se o laço dos 
instintos, este laço conservador, não fosse tão mais poderoso do que a consciência, se 
não desempenhasse, no conjunto, um papel de regulador, a humanidade sucumbiria 
fatalmente sob o peso dos seus juízos absurdos, das suas divagações, da sua frivolida-
de, da sua credulidade, isto é, do seu consciente: ou melhor, há muito tempo que teria 
deixado de existir sem ele! (...) (Grifos do autor) (NIETZSCHE, 1976, p. 46-47).
É preciso destacar que, para Nietzsche, o pensamento é algo bem maior que a consciência. Acredito 
que o pensamento, em Nietzsche, é um espaço de lutas e de embates entre forças/instintos, e que somente os 
instintos/forças vencedoras emergem ao nível da consciência. A consciência, portanto, dissimula na pseudo-
transparência de “eu quero...”, “eu sou...”, “eu posso...” “eu penso... logo, existo”, etc., algo bem maior e que 
está inacessível ao sujeito. A consciência, nessa perspectiva, é uma ilusão, uma ficção, na qual os sujeitos 
acreditam ser senhores de suas ações pelo efeito das forças vencedoras e dominantes que afloram nas e pelas 
práticas sociais. 
Em Nietzsche, o que se vê é uma desconstrução radical da ideia de sujeito cartesiano. Nesse sentido, 
o sujeito não se fundará numa consciência unificadora dos instintos e das sensações. Vemos, em Nietzsche, 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
o prenúncio de uma heterogeneidade para o sujeito. Digo “prenúncio”, porque em seus escritos nunca se 
encontrará a palavra “heterogeneidade”, mas vemos, em seus dizeres, uma carga de sentido singular, à junção 
de elementos como “sujeito”, “múltiplo” e “forças”, aos quais eu tomo a liberdade de juntá-los num só enun-
ciado: “sujeito por múltiplas forças”. 
Nessa perspectiva, o que resta, portanto, dessa decadência do sujeito unitário? O enriquecimento do 
corpo, e, acredito, não somente do corpo carnal, físico, biológico, mas, sim, – e, sobretudo, – de um corpo 
fundado e constituído por forças, por instintos, por lutas e, porque não dizer, por discursos que materializam 
(e historicizam) a vontade de poder. O corpo sugere essa multiplicidade que dá forma (ou formas) à subjetivi-
dade. Multiplicidade de instintos em conflito de paixões e de emoções. Nesse momento, considero relevante 
evocar a voz de Balen (1999, p. 19), afirmando que, numa perspectiva nietzschiana, “o corpo é o fio condutor 
para a diversidade da realidade”. Dessa forma, se, segundo a moral cristã, fomos feitos à imagem e semelhança 
de Deus, e Nietzsche conclui que Deus está morto, de mesmo modo que o sujeito unitário e dominador de suas 
ações também está morto (BALEN, 1999). 
Nesse momento, considero que já temos subsídios para pensar o “sujeito” nietzschiano como ficção e 
para vislumbrar a sua afirmação enquanto vontade de poder na pregação do Zaratustra de Nietzsche. Decidi, 
para tanto, recortar um excerto do capítulo “Do Caminho do Criador”, capítulo esse que versa sobre a práxis 
do espírito livre e ativo que anseia por criar, a saber:
Mas o pior inimigo que podes encontrar será sempre tu mes-
mo: a ti próprio te aproximas nas cavernas e nos bosques.
Solitário, tu segues o caminho que leva a ti próprio! E 
teu caminho passa diante de ti e de teus sete demônios!
Serás herege para ti mesmo, serás feiticeiro, adivinho, lou-
co, incrédulo, ímpio e malvado (NIETZSCHE, 2008, p. 91-94).
Gostaria de chamar os seus olhares, primeiramente, para o enunciado “um deus queres criar de teus 
sete demônios!”, mostrando, sobretudo que há vozes bíblicas que ecoam e são (re)significadas. A opacidade 
do enunciado “sete demônios!” revela vozes bíblicas de referência a Madalena, da qual Jesus expulsou sete 
demônios, fazendo-os passarem para porcos. Pode-se também dizer que o enunciado “sete demônios!” evoca 
vozes de referência aos “sete pecados capitais” (ira, gula, inveja, orgulho, avareza, preguiça, luxúria), e que são 
considerados, de certo modo, instintos/desejos/forças do corpo que a moral cristã aconselha a controlar até 
a sua total nulidade. Emambas vozes, ver-se-á marcada a presença do múltiplo, do heterogêneo, do diverso, 
que, em uma moral cristã, anseia-se por tornar uno. Assim, o enunciado “sete demônios!”, numa moral cristã, 
apresenta sentidos de algo a ser expurgado do sujeito, para que haja o controle de seu corpo e de sua mente. 
Já numa perspectiva nietzschiana o que se vê é outro processo, ou seja, no enunciado “sete demônios!” 
devem ser considerados os instintos/as forças aos quais o sujeito deve se entregar para poder/querer criar 
“um deus”. Nessa inversão, instaura-se um deslocamento nas relações de saber e de poder, o que proporciona 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
um (re)arranjo sócio-político-ideológico para esse sujeito ilusório. O que se vê, portanto, pelos dizeres de 
Zaratustra, é a fundação de outras máscaras, de outras ficções para a emergência do sujeito na relação com si 
mesmo e com o outro.
A prática do cuidar de si, em Nietzsche, consiste em exortar os sujeitos a voltar o olhar para si mesmo, 
vislumbrando que nele gritam o “herege”, o “feiticeiro”, o “adivinho”, o “louco”, o “incrédulo”, o “ímpio” 
e o “malvado”. Gostaria de chamar o olhar novamente à figurativização do sete, do múltiplo, do diverso, das 
várias máscaras e do movente. Esses instintos, segundo Nietzsche (2008, 1998), não podem mais ser tomados 
como algo a ser negado, combatido, criticado e abolido das práticas sociais, como anseia a moral cristã. O que 
Nietzsche propõe é que esses valores possam voltar a inspirar a humanidade, não sob uma égide moralista em 
que se prega, por exemplo, que aquele que crê é superior ao incrédulo, mas, sim, mostrando que o ser apre-
senta em sua constituição essas duas máscaras. Portanto, aquele que crê apresenta uma força de incredulidade 
sendo reprimida ou vice-versa. É preciso que o sujeito se reconheça enquanto um ponto transitório no tempo e 
no espaço, resultante de uma guerra de forças que anseiam sempre por mais dominação, por mais poder, para 
que ele possa ser um criador. 
E gostaria de encaminhar este estudo, apresentando os seguintes dizeres de Nietzsche concernentes ao 
sujeito criador:
Nada que possua valor nesse mundo o possui por si mesmo, segun-
do sua natureza – a natureza é sempre sem valor: atribui-se-lhes certa fei-
ta um valor e fomos nós que os demos, nós, os atribuidores! Nós criamos o mun-
do que interessa ao homem! (grifos do autor) (NIETZSCHE, 1976, p. 197).
Por isso, compreendemos que Nietzsche (1976) crivou sua teoria entre a arte e um fazer filosófico, 
porque a arte quer-se interpretação e não exige nada mais do espectador a não ser que ele se entregue a sua 
fruição; e o fazer filosófico, por outro lado, constitui-se na criação de conceitos, como nos chamou a atenção 
Deleuze e Guattari (1992) em sua obra O que é a filosofia. 
Enfim, a questão chave para entender a genealogia do sujeito em Nietzsche não está em querer tirar as 
várias máscaras e ver se há um rosto no ser, mas, sim, em aceitar essas várias máscaras. Consiste, principal-
mente, em suportar a verdade de que elas nos constituem e afirmam as suas belezas, nessa grande encenação 
que se chama Vida.
Conforme apresentei ao longo deste estudo, Nietzsche critica (in)tensamente a noção de sujeito da 
gramática e a ideia de um sujeito cartesiano, controlador de si e daquilo que enuncia. Para Nietzsche, o que 
há são vontades de poder que fundam uma ficção de sujeito. É uma crítica radical à subjetividade cartesiana. 
Nessa perspectiva, o que funda o sujeito, assim como os seus movimentos nas práticas sociais, são vontades 
de poder que lutam e anseiam por mais poder. E como são sujeitos enunciando que encontramos no mundo, 
estabeleço uma extensão desse saber nietzschiano, dizendo que, na enunciação, assim como naquilo que é 
dito, há uma vontade de poder que grita e exige respostas.
O sujeito-Zaratustra se constitui a partir de vontades de poder que lutam por mais poder. Nessa perspec-
tiva, cuidar-se de si é de uma relevância singular para perscrutar essas vontades que duelam (e/ou dialogam) 
nas e pelas pregações de Zaratustra. Nietzsche, em sua démarche filosófica, procurou instaurar, em sua época, 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
uma insurreição contra a dominação vigente dos valores morais. Ressalto que, apesar de Nietzsche ficar contra 
uma dominação vigente, ele fundou uma outra, porque o acontecimento histórico se constitui em/por vontades 
de poder em luta. A transvaloração procura instaurar essa outra dominação, em que se terá um assenhorear 
outro do discurso e do sentido. Desse modo, vemos, em Nietzsche, uma afirmação de vontades de poder que 
lutam por dominação e por interpretação. Nessa celebração da vontade de poder, instauradora do sujeito nas 
práticas sociais, a dominação nunca cessa, as dominações são forças controlando forças, há interpretações 
dominando interpretações e, embora o acontecimento dissimule a dominação no fio do discurso e da história, 
não há como cessar e saciar a vontade de poder em setor nenhum do real.
REFERÊNCIAS 
A BÍBLIA Sagrada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995.
BALEN, R. M. L. van. Sujeito e Identidade em Nietzsche. Rio de Janeiro: UAPÊ, 1999.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia. Rio de janeiro: Ed. 34, 1992.
DESCARTES, R. “Meditation seconde”. In: Méditations Métaphisiques. Paris: Flammarion, 1992, 
p. 70-91.
FOUCAULT, M. “A Escrita de Si”. In: O Que É um Autor?. Lisboa: Passagem, 1992
________. A ordem do discurso. Trad. Bras. 3ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
________. “A hermenêutica do Sujeito”. In: Resumos dos Cursos do Collège de France (1970-
1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
________. A Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
HEIDEGGER, M. Nietzsche. V. 1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
NIETZSCHE, F. W. A Gaia Ciência. São Paulo: Hemus, 1976.
________. Obras Incompletas. São Paulo: Editora nova cultural, 1996.
________. Genealogia da Moral. São Paulo: Escala, 2005.
________. Humano, Demasiado Humano. São Paulo: Escala, 2006.
________. Assim Falava Zaratustra. Lisboa: Relógios D’Água, 1998.
________. Assim Falava Zaratustra. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
Platão. Fedro. São Paulo: Martins Claret, 2007.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
CONSTRUÇÕES DISCURSIVAS DO “MENOR INFRATOR” –
DOS CORPOS FRAGMENTADOS SOB AS LENTES DA MÍDIA1 
Cecília BARROS-CAIRO
Nilton MILANEZ
[...] ainda que não recorram a castigos violentos ou 
sangrentos, mesmo quando utilizam métodos ‘sua-
ves’ de trancar ou corrigir, é sempre do corpo que se 
trata – do corpo e suas forças, da utilidade e da do-
cilidade delas, de sua repartição e de sua submissão. 
(FOUCAULT, 2005, p.25)
Considerações iniciais
O estudo desta problemática traz como corpus a análise de vídeos sobre o “menor infrator” que foram 
veiculados primeiramente pela televisão e agora estão difundidos na internet. Esses vídeos se constituem como 
lugares de onde a materialidade imagética se elabora como arquivo operador de uma memória. Neste trabalho, 
o corpus abrange quatro vídeos selecionados do portal You Tube2 , os quais nos trazem, como possibilidade de 
análise, uma materialidade linguística e imagético-midiática direcionada ao sujeito em questão. Desse modo, 
o objetivo deste trabalho é compreender os percursos discursivos construídos sobre o “menor infrator”, consi-
derando as implicações discursivas de acontecimentos midiáticos que atravessam este processo de subjetivação 
no cotidiano. 
Na mídia, o discurso tem relação direta com a construção de imagens; e a imagem, ao lado da mate-
rialidade linguística,opera produções de verdades. Observamos de que maneira esses registros audiovisuais se 
remontam como elementos discursivos corporificados pelo próprio objeto em pauta, qual seja: o “menor infra-
tor”, a partir das lentes da mídia, tomando os trabalhos de Michel Foucault, Jean-Jacques Courtine, Ginzburg 
e Milanez como referências. A análise dos vídeos colocou em evidência a repetição do foco das produções de 
filmagem em partes específicas do corpo do sujeito, compondo um quadro fragmentado de uma subjetividade 
comprometida com a desordem jurídica e, ao mesmo tempo, investido de um apagamento em torno do sujeito. 
Considerando a trama discursiva do jogo das imagens, a constituição da análise dos vídeos passa, tam-
bém, pela busca da formação de uma produção imagética que pode ser compreendida como um domínio no 
1 Este trabalho foi apresentado no simpósio “Estudos foucaultianos: sujeito, discurso e educação”, do I CIELLI – Colóquio 
Internacional de Estudos Linguísticos e Literários (2010).
2 Os vídeos que compõem o corpus do trabalho são uma reportagem veiculada pelo Jornal Nacional (Rede Globo) sobre 
“Como se recupera ‘menores infratores’”, em 2007; outra noticiada no Jornal Band Vale (Rede Bandeirantes), em 2010; outra 
constante da série “Di Menor”, exibida pelo Fantástico (Rede Globo), em 2009, e um vídeo produzido pela Fundação CASA (Centro 
de Atendimento Socioeducativo) de Campinas em 2009.
69
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
qual coexistem outros enunciados e outras materialidades; essa coexistência de enunciados e de materialidades 
compõem, por sua vez, um campo de sequências narrativas, configurando o discurso do presente, permeado por 
enunciados exteriores ao sujeito, que ora se evidenciam ora submergem, em um processo de intericonicidade. 
Dessa maneira, estudando as materialidades que compõem os vídeos, analisando suas formas de encadeamento, 
focalizando lugares que indicam pistas, índices e sinais na construção do “menor infrator”, este trabalho enfa-
tiza a elaboração da construção de sentidos produzidos discursivamente pela mídia.
Sinais de uma história de baixo para cima
A proposta de análise desta pesquisa não se encarrega senão, em instância privilegiada, de pensar ar-
queologicamente a história do “menor infrator” e suas materialidades discursivas em processos cotidianos. Sem 
pontos de partida ou categorização desses sujeitos, a partir dos quais se centraliza o corpus da pesquisa, é a 
descontinuidade histórica que aqui nos interessa, bem como seus pontos de surgimento e de ressurgimento, em 
cenas sem marcos ou origens. Isto traz questões ocultas nas filigranas das formas de saber e, em decorrência 
disso, pretendemos entender as condições de formação de verdades por meio de sistemas e vontades de poder 
que se estabelecem por meio de saberes. Aqui não se trata de compreender se/ou quando a delinquência juvenil 
começou, mas se trata de saber como a delinquência – implicado aí o papel do criminoso, parafraseando Michel 
Foucault (2001) nas diferentes definições que lhe foram e são dadas –, em certo momento, pôde ser integrada 
em um campo institucional que a constitui como tal, ocupando certo lugar ao lado das outras infâmias em 
processos cotidianos (FOUCAULT, 2001). Acerca da infâmia em questão, entendemo-la como um lugar de 
raridade que é a de homens insignificantes, obscuros e simples, proscritos, ultrajados, de vidas breves, em 
aventuras e desventuras, ausentados de grandes narrativas, tal como nos propusemos pensá-la pela via teórica 
de Foucault (2006).
Foucault pontua que a história tradicional preocupa-se apenas com os fatos heroicos, contínuos, ou seja, 
com a narrativização da história envolvendo os grandes personagens. Para ele, em realidade, o que importa é 
assinalar o ponto em que o poder afeta o próprio grânulo dos indivíduos, atinge seus corpos, vem inserir-se em 
seus gestos, suas atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua vida cotidiana, adquirindo assim uma dimensão 
política. Dessa forma, conforme Foucault (2008, p. 161), notamos que o “século XVIII encontrou um regime, 
por assim dizer, simpático do poder, no exercício no corpo social”. Nesse sentido, Foucault (2008) analisa o 
poder e sua dinâmica na produção dos discursos de verdade sobre as ciências que estudam o homem – entre elas 
a História. Atentando para a concepção de que o interesse histórico volta-se para a configuração do humano, 
outros elementos surgem como ponto de partida para considerar o arcabouço histórico de espaços e grupos 
negligenciados. Surge uma prática que começa a levantar, na ruína, espaços possíveis de fala e de existência. 
Esta constante invenção do cotidiano constitui uma espécie de bricolagem com e na economia cultural 
dominante por meio da utilização de metamorfoses da lei, como procedimentos populares (minúsculos e co-
tidianos), que “jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los” 
(CERTEAU, 1994, p.41), de acordo com os interesses de determinados grupos ou indivíduos. 
A apropriação da realidade e as adequações/readequações (a invenção/reinvenção do cotidiano), pro-
duzidas diante da própria realidade, podem ser percebidas quando nos reportamos a vários aspectos do modo 
de vida destes habitantes – “menores infratores” –, que vão desde adaptações, no sentido de “morar”, conseguir 
moradia, passando pelas relações entre vizinhos, formas de “ganhar a vida”, lazer, até as infrações diretas, as leis, 
sejam estas escritas – regulamentadas – ou simplesmente presentes em outras formas menos veladas de poder. 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
As infrações diretas ou indiretas da lei, sejam veladas ou não, também podem representar uma reação a medidas 
vindas “de cima”, e, a partir dessas reações, é possível perceber de que forma as infrações vão de encontro 
com os interesses da elite local e das tentativas de reformas por elas empreendidas, no sentido de incutir nas 
populações “de baixo” uma série de valores e um “modo de viver” condizente com elas (cf. CERTEAU, 1994). 
A história do “menor infrator” é também uma que se reinventa e ressurge, historicamente, na pauta de uma 
apropriação (infracional) da realidade cotidiana. Um aspecto metodológico central considerado nesta pesquisa 
está relacionado ao questionamento feito por Certeau (1994) sobre o que se pode apreender do discurso do 
ausente. Como resgatar a história de sujeitos que dificilmente deixam registros de seu cotidiano, sobre 
seu modo de pensar, de ver o mundo, enfim, de sobreviver diante de uma realidade opressora? O historiador 
Carlo Ginzburg (2009) nos encaminha para um rigor flexível na leitura e análise das fontes, de modo a propor 
que se leve em conta aí elementos imponderáveis, como o faro, o golpe de vista, a intuição, a imaginação como 
limite, que remetem a formas de discernimento e de sagacidade que são racionais e mostram o gosto pelo 
detalhe revelador. Trata-se da importância de “examinar os pormenores mais negligenciáveis” (GINZBURG, 
2009, p. 144), buscando, por meio de um método interpretativo, no qual detalhes aparentemente marginais e 
irrelevantes são formas essenciais de acesso a uma determinada realidade, desvendar as redes de significados 
sociais e psicológicos mais profundos, inacessíveis por outros métodos (cf. GINZBURG, 2009).
Dessa maneira, justifica-se o fundamento arqueológico do corpus deste trabalho, para o qual o direcio-
namento do olhar sobre os pormenores analisa, junto à história “de baixo para cima”, as análogas pontuações 
referentes a partes específicas do corpo humano, tal como: os pés do sujeito “menor infrator”, da maneira 
como é apontado pelas lentes da mídia, ainda que esta se respalde na justificativa da não-permissividade da 
identificação de seus rostos3. Note-se que rostos, em seus apriores de sentido, são pontos de partida para o 
reconhecimento de alguém. No caso dos “menores infratores”, talvez eles não tenham necessariamente o rosto 
que se deseja ver ou se queira revelar. O foco em suas histórias, direcionada pelas lentes de baixo para cima, 
revela seus pés similarmente símios infames por sua irregularidade e conduta ilegal. De certo modo, cumpre-
nos considerar, neste ponto, a necessidade de se atentar para a inexorável trama de transformações que, em 
cena, vai se modificando, quadro a quadro, em favor de uma abordagem que redobra suas ações como pontos de 
problemáticas que, cada vez mais, se aprofundam. Por repetidas vezes, essas cenas se esmiúçam, evidenciando 
a força dos movimentos que compõem as cenas das próprias tragédias dos homens.
Aqui também nos cabe considerar o que Frontana (1999) propõe enquanto entendimento sócio-histó-
rico do termo “menor” e sua difusão nos usos e práticas sociais cotidianas, que passa a ser veiculada a partir da 
definição jurídica estabelecida pelo Código de Menores. Vejamos os dizeres de Frontana (1999): 
Entendendo essa situação do “menor” antes de tudo como uma “situação de perigo” o Có-
digo precedia a uma caracterização negativa do “menor”, na medida em que assinalava um 
destinatário que se encontraria em estados considerados dissociados do conceito de infân-
cia, aproximando-o da figura de um “outro” da infância, pois, mantendo certos atributos 
dela, estaria para ela como uma anomalia, como uma alteridade incompleta, já que mesmo 
permanecendo criança não faria parte do mundo da infância (FRONTANA, 1999, p. 59).
A noção de risco nos “possibilita entender como são definidas as relações entre governantes e gover-
nados e sobre a quem compete legislar sobre o risco nas diferentes esferas do fazer humano” (SPINK, 2000, 
3 O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), promulgado em 1990, por meio do Artigo 94 (IV), prevê como obrigação 
das instituições a preservação da identidade de jovens infratores (PRÓ MENINO, 2007).
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
p.159-160). Assim, entra em cena o fenômeno da gestão dos riscos, e este passa a constituir-se, então, como 
uma forma de governo das populações. “Para cada risco, cria-se a necessidade de avaliação e regulação”, de 
acordo com Spink (2000, p.169). Menores irregulares, menores viciosos, menores desocupados, menores em 
perigo moral, menores abandonados, menores expostos, menores delinquentes, menores em situação de risco, 
pivetes, trombadinhas, enfim, para todos esses qualificantes, observamos a vinculação com a palavra menores. 
Neste entremeio de análise, há algo que nos chama a atenção e pode ser pensado nos seguintes termos: se 
construímos uma entidade como uma infância, construímos, ao mesmo tempo, outra entidade: uma outra 
infância (cf. FIGA, 1998).
Na procura de estabelecer as responsabilidades sociais de controle e respondendo a uma tentativa de 
gerir/anular o risco representado, os aparelhos institucionais buscam modelar e adequar o comportamento 
desviante, bem como as biografias desses menores, promovendo uma pedagogia corretiva; “classificar crianças 
e famílias como risco é uma tecnologia de governança, implicada em um projeto de planejamento social” 
(POPKEWITZ e LINDBLAD apud HÜNING e GUARESCHI, 2002, p. 47). O processo de organiza-
ção que classifica, regula e controla faz uso do que Foucault (2000) chamou de dispositivos disciplinares. 
Tomando o corpo como objeto, o poder disciplinar investe-o com o objetivo de torná-lo dócil, aperfeiçoado. 
A propósito, no que se refere à noção de corpo, neste trabalho são tomados como embasamento para análise 
os estudos de Milanez (2006, 2009). De volta ao direcionamento de Ginzburg (2009), nos parece importante 
que as fontes sejam lidas olhando para suas entrelinhas, a fim de captar por meio de indícios, de traços, de 
vestígios uma totalidade sempre evasiva e ausente (cf. GINZBURG, 2009). A partir desses modos de pensar 
teórico-analiticamente, é possível buscar ouvir o discurso dos sujeitos aqui focados, já que os documentos aos 
quais se tem acesso são produzidos por aparelhos dominantes; sendo assim, compreendemos que, a partir do 
contato com os “menores infratores”, se pode buscar os indícios denunciadores dos movimentos e dos desejos 
das camadas socialmente menos privilegiadas da população. A utilização destes discursos se faz necessária, na 
medida em que constituem a única maneira de construir uma história que teve pouco espaço nas fontes ainda 
acessíveis nos dias de hoje (cf. CERTEAU, 1994).
Materialidades discursivo-midiáticas em torno do “menor infrator”
Sabe-se que a mídia é uma das grandes instituições formadoras do ambiente sócio-histórico de um povo. 
Isso porque ela, na condição de aparelho ideológico, molda opiniões, fabrica estilos de vida, veicula discursos 
e imagens que funcionam como dispositivos de que os sujeitos tanto se apropriam quanto interferem, em um 
processo de criação e recriação. É, sob essa perspectiva, que o estudo da problemática deste texto traz como 
corpus a análise de vídeos difundidos na internet, os quais foram primeiramente veiculados em programações 
televisivas, sob a inscrição da seguinte temática “menor infrator”; em decorrência disso, compreendemos que 
a materialidade imagética desses vídeos se constitui como arquivo operador de uma memória excludente. Na 
mídia, o discurso tem relação direta com a construção de imagens e, por sua vez, com as questões de língua, 
inscrevendo-se na ordem do enunciado. Por isso, a imagem, ao lado da materialidade linguística, produz efeitos 
de sentido e opera produção de verdades cristalizadas sócio-historicamente. Entendemos, portanto, que os 
registros audiovisuais se remontam como elementos discursivos relevantes nas produções de sentido corporifi-
cadas pelos “menores infratores” a partir das lentes da mídia.
Ao iniciar a busca pelos vídeos, com o propósito de investigar a utilização e o sentido da nominalização 
“menor” pela mídia, aliada quase com exclusividade ao complemento “infrator”, uma das mais relevantes ob-
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
servações que produzimos foi a repetição do foco das produções de filmagem nos pés dos protagonistas. Como 
sequência de nossas observações, percebemos o foco nas mãos, sendo essas as mesmas que infracionam, quase 
sempre contidas; o foco nos rostos, com borrões, impedindo a identificação dos sujeitos, de modo a parecer 
compor um quadro fragmentado de uma subjetividade comprometida com a desordem jurídica e, ao mesmo 
tempo, investido de um apagamento de existência. Parece ser este, a nosso ver, o sentimento materializado 
nestes corpos em um mundo da perspectiva jurídico-biológica, controlado por certo tipo de poder que conduz 
o sentido de qualquer reconstituição à insignificância.
O corpus selecionado apresenta uma gama de diferentes narrativas acerca do “menor infrator”. Dessa 
dispersão de narratividades dos vídeos selecionados sobre o “menor infrator”, compreendemos suas unidades, 
observando-os como integrados em uma rede (FOUCAULT, 2000). Isso se dá na medida em que cada discur-
so, seguindo o método arqueológico proposto por Foucault (2000), tomado na irrupção de seu acontecimento, 
é compreendido como um objeto que se repete e que, ao mesmo tempo, se esquece e se transforma. 
Interessa-nos saber, portanto, como definir e limitar as possíveis singularidades deflagradas desses 
discursos, observando os tipos de articulação, os modos de distribuição e o posicionamento de estratégias 
utilizadas na produção dos vídeos. Dessa feita, poder-se-á estabelecer subconjuntos que dão lugar para compre-
ender, em termos discursivos, os regimes de existência do corpo, da história, da memória e do “menor infrator”enquanto objetos de discurso. No que diz respeito à questão do “menor infrator”, vale ressaltar que “no fim do 
século XIX, os juristas brasileiros descobrem o ‘menor’ nas crianças pobres das cidades, que por não estarem sob 
a autoridade de seus pais e tutores são chamadas por eles de abandonadas” (LONDOÑO, 1991, p.135). Essa 
“descoberta” fez com que o Estado se voltasse à produção de técnicas, de políticas e de instituições direcionadas 
ao enfrentamento da “questão do menor”. A partir de então, duas preocupações passaram a ganhar importância 
em relação aos “menores”: a de buscar soluções em termos de assistência às crianças e adolescentes sem amparo 
material e moral; e a preocupação com a crescente criminalidade infantil e juvenil que, por sua vez, colocavam 
em risco a ordem da sociedade (cf. FRONTANA, 1999). Nessa esteira, propomo-nos a analisar, neste momen-
to, uma reportagem exibida, em 2007, pelo Jornal Nacional (Rede Globo) sobre “Como se recupera menores 
infratores” 4. Vejamos, abaixo, dois recortes mobilizados a partir dessa reportagem:
http://www.youtube.com/watch?v=zkrCH-5yQKs
A reportagem faz referência, a partir do jogo de diversas cenas, ao centro de internamento para “me-
4 Link para acesso ao vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=TOX9fNutD5s. Acessado no dia 14 de julho de 2010.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
nores infratores”; destacamos, neste ponto, essas duas imagens pelo fato de compreendermos que a focalização 
estritamente nessas mãos produz certos sentidos. Sendo assim, a nosso ver, esse foco parece denotar um 
sentido paradoxal sobre as mãos: as mãos que supostamente figurariam como símbolo de inocência denunciam 
aí, levando em conta o ângulo de foco das imagens, a implicação do ato de infração cometido pelos menores. 
Observamos que essas duas imagens, em foco, chamam atenção para as mãos dos internos apoiadas sobre as 
grades da cela onde eles se encontram. Já as duas imagens que se encontram abaixo, em paralelo, nos permitem 
pensar no jogo de foco entre as mãos dos “menores infratores” e os pés, na tentativa de apagar a identidade dos 
protagonistas das cenas. Na segunda imagem, percebemos mais um infrator sendo conduzido pelos corredores 
com as mãos contidas na parte posterior do corpo. Essa imagem se encadeia com o close em pés enfileirados e 
calçados em chinelas uniformizadas, como observamos a seguir:
 
A partir dessas práticas sociais instauradas em relação aos “menores infratores”, compreendemos que o 
investimento jurídico-social deixa deflagrar a constituição da possibilidade da disciplinaridade desses sujeitos. 
Assim, qualquer postura que vai de encontro com as práticas sociais legitimadas por um grupo, via leis, é 
fortemente considerada como ilegal, não-legítima, a ponto de socialmente haver certas consequências, dentre 
elas citamos aqui o caso do enclausuramento. 
No caso dos menores infratores, a partir da prática da reclusão, notamos que seus corpos passam a 
ocupar o lugar de abster-se da infâmia por meio da docilização de suas condutas. As grades, a uniformização 
de suas aparências e o enfileiramento subsequente de seus pés, em uma mesma cadência, estão pairados, enfim, 
sob as lentes de quem os vê apagados. Reparemos que a focalização nas partes de seus corpos nos possibilita 
pensar no efeito de evidências de sua fragmentação subjetiva. Há, aí, a possibilidade daquele que direciona o 
olhar da câmera, que é, afinal, o ângulo de todo aquele que posteriormente também vê, em tornar fechada, a 
partir de um ângulo exato, ou mesmo congelado, uma prática da não-completude, como em um quebra-cabeça, 
do menino que é ilegal, imoral, anormal.
Esse efeito de imagem fragmentada em uma espécie de quebra-cabeça, tal como foi veiculada pelo Jor-
nal Nacional, conforme destacamos anteriormente, parece ser produzido, de modo similar, por outros grandes 
telejornais como o da Rede Bandeirantes, quando da exibição, em 2010, da reportagem “menores infratores”5 
de 14 e 16 anos, acusados de homicídio. No vídeo, dois menores são filmados de costas com close nas cabeças 
e nas mãos algemadas e, de frente, com close nos pés. Isto pode ser observado, a seguir, a partir dos trechos 
recortados da reportagem em questão:
5 Link para acesso ao vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=KGa5qnKuFo4. Acessado no dia 14 de julho de 2010.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
http://www.youtube.com/watch?v=-X4Bk6NS0lA
 
É pertinente destacar aqui que o uso da câmera como um tipo de materialidade deve ser considerado 
em sua existência história, como técnica cinematográfica que converte uma ferramenta em discurso. Nesse 
sentido, na reportagem, observamos a posição da câmera a uma altura considerável em relação a um desses 
jovens, o qual está sentado, algemado. Dessa forma, compreendemos que esse ponto de foco da câmera nos 
permite pensar na possibilidade de se vislumbrar uma história de “baixo para cima” vista pela história tradicio-
nal de “cima para baixo”. Milanez (2009) aponta para o fato de que há uma imposição de imagens por meio 
de repetições em close, de tal maneira que se forma um fio regular das sequências em unidades consistentes 
(MILANEZ, 2009). Vejamos, a seguir, a imagem que ancora as referidas observações: 
Podemos notar que esse processo midiático-jornalístico implica repetições, retomadas e esquecimentos 
no campo histórico, e que esses movimentos aparecem como um conjunto de imagens (des)organizadas pela 
nossa memória coletiva, levando-nos a pensar sobre as modalidades da constituição de séries de formulações 
no interdiscurso (cf. COURTINE, 2006). Essa repetição e essa insistência em close sobre as mãos, bem como 
sobre os pés – como vimos anteriormente –, “começam a produzir certos conhecimentos acerca do corpo e seu 
intrincamento no discurso” (MILANEZ, 2009, p. 217).
De nossa perspectiva teórica, acreditamos ser possível pensar que o mecanismo utilizado para a ins-
crição dessas repetições e as maneiras pelas quais elas se constituem são descritos tanto por Courtine (2006) 
quanto por Foucault (2000), que entrelaçam suas propostas para a mobilização do modo de compreensão dessa 
75
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
constituição. Nesse sentido, Courtine (2006), em seu trabalho acerca da memória discursiva, nos fala das formas 
de discurso reportado, cuja materialização se dá por meio das (re)citações e das relações com o texto primeiro. 
Nesse caso, podemos articular aqui as considerações de Courtine (2006) com a própria discussão foucaultiana 
de que “um texto diz pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia sido dito, repetindo incansavelmente 
aquilo que, entretanto, não havia jamais sido dito” (FOUCAULT, 2000, p. 25). Essa tendência de pensamento 
teórico postula a memória do discurso não somente como um fato do passado, mas também como uma me-
mória do presente e do devir. Isso revela, portanto, que pensar a memória sob a perspectiva discursiva abre vias 
para a implicação de entrelaçamento entre o passado, o presente e o devir. Por isso, notamos que a repetição 
disfarçada (FOUCAULT, 2000), que é a marca das imagens colocadas em rede, possibilita-nos apreender o 
domínio do imagético, considerando as problematizações de Courtine em torno da imagem, a saber:
Toda imagem se inscreve em uma cultura visual e essa cultura visual supõe a existência para 
o indivíduo de uma memória visual, de uma memória das imagens. Toda imagem tem um 
eco. Essa memória das imagens se chama a história das imagens vistas, mas isso poderia ser 
também a memória das imagens sugeridas pela percepção exterior de uma imagem. Por-
tanto, a noção de intericonicidade é uma noção complexa, porque ela supõe a relação deuma 
imagem externa, mas também interna (COURTINE apud MILANEZ, 2006, p. 168).
Considerando a trama discursiva do jogo de imagens, entendemos que a constituição dos sentidos na 
análise dos vídeos passa pela busca da formação de um domínio associado de imagens (FOUCAULT, 2000) 
enquanto uma produção imagética que pode ser compreendida como um domínio no qual coexistem outros 
enunciados e outras materialidades. Essa coexistência nos permite pensar em indícios de regras de passagem 
para novas possibilidades e reutilizações na construção dos sentidos, considerando os objetivos propostos. E 
o campo associado do discurso vai se recheando como num jogo de réplicas (FOUCAULT, 2000), trazendo 
enunciados, implícitos ou não, repetindo-os e modificando-os, criando, dessa maneira, uma sequência narrativa 
em forma de ritualizações para a configuração de um discurso do presente. Esse tipo de funcionamento das 
imagens parece ser uma das bases para a noção de intericonicidade, que vem sendo desenvolvida por Jean-
Jacques Courtine desde 2003, nos trabalhos que pratica na Paris III/Sorbonne Nouvelle. Eis, textualmente, a 
noção de intericonicidade:
[...] a intericonicidade supõe as relações das imagens exteriores ao sujeito como 
quando uma imagem pode ser inscrita em uma série de imagens, uma genealo-
gia como o enunciado em uma rede de formulações, segundo Foucault. Mas isso 
supõe também levar em consideração todos os catálogos de memória do indiví-
duo. De todas as memórias. (COURTINE apud MILANEZ, 2006, p. 168-169).
Dessa forma, a noção de intericonicidade é percebida no corpus desta pesquisa a partir da retomada 
de uma memória possível construídas sobre os símios. Sob a óptica de nossa leitura, compreendemos que a 
imagem produzida sobre os “menores infratores” parece ser associada a traços de não-civilidade e de não-
domesticação, sendo estes supostamente peculiares aos símios. Os símios, do status de outsiders, primatas 
superiores, animais-humanos, podem ser (re)vistos na figura dos meninos não estabelecidos, humanos-animais, 
em sua história então radicada ilegalmente, aquém dos pretextos de uma normalidade e de uma evolução 
moral. De acordo com Norbert Elias, 
os grupos estabelecidos vêem seu poder superior como um sinal de va-
lor humano mais elevado; os grupos outsiders, quando o diferencial de po-
76
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
der é grande e a submissão inelutável, vivenciam afetivamente sua inferiori-
dade de poder como um sinal de inferioridade humana (ELIAS, 2000, p. 28).
Trata-se, portanto, de componentes da sustentabilidade de relações deslocáveis (FOUCAULT, 2000) 
em suas ambiências tanto distantes quanto equivalentes, como nas redes de poder descritas por Foucault. Os 
“meninos símios”, focados nesta pesquisa, são os que, em sua materialidade discursiva, surgem nas lentes mi-
diáticas em uma composição borrada, de modo a deflagrar o efeito de uma identidade passível de apagamento.
Diante da amostragem mobilizada neste texto, alguns vídeos trazem essa percepção intericônica então 
considerada por nós. Na série “Di menor”, veiculada pelo Fantástico (Rede Globo) em 20096 , percebemos 
o jogo de imagens em relação às celas dos centros de internação que cercam os “menores infratores”. Esses 
protagonistas se apresentam, ao longo das reportagens, com faces borradas pela edição do vídeo e pés em foco 
cru e nítido:
http://www.youtube.com/watch?v=dVtxQlri2bA
Em outro arquivo, produzido pela Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo) de 
Campinas7 , não é raro observar a estrutura panóptica (da prisão e da câmera) realizando buscas em 360 graus 
de todos os elementos disciplinarizantes e ortopédicos para os tais corpos indóceis (cf. FOUCAULT, 2000). 
Eis, abaixo, o movimento das imagens como acontece: 
http://www.youtube.com/watch?v=XA01OeNuWVk
6 Link para acesso ao vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=WS723i711Vk. Acessado no dia 14 de julho de 2010.
7 Link para acesso ao vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Pr0kV8wnvGE&. Acessado no dia 14 de julho de 2010.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Levando em conta a perspectiva de nossas análises sobre as imagens aqui mobilizadas, compreendemos 
que o foco das câmeras parece se direcionar para um mesmo acontecimento, em tempo e espaço. Tal similarida-
de pode ser notada a partir das várias imagens aqui listadas ao longo de todo o texto. Sendo assim, a repetição 
inscrita nessa materialidade pode ser verificada, nos quatro vídeos selecionados para compor o material de 
análise deste texto. A seguir, mobilizamos uma série de imagens em que esse efeito de repetição imagético (foco 
das mãos contrastando com as grades do aprisionamento, mãos para trás em cima de culpabilidade, etc.) para 
se estruturar como regularidade dos variados acontecimentos socais envolvendo “menores infratores”:
 
 Rede Globo (2007) Rede Globo (2009)
 Como se recuperam “menores infratores” Série “Di Menor”
 
 
 Rede Globo (2009) Rede Bandeirantes (2010)
 Série “Di Menor” Jornal Band Vale 
 
 Rede Bandeirantes (2010) Rede Globo (2009)
 Jornal Band Vale Série “Di Menor”
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
 
 Rede Globo (2007) Rede Globo (2009)
 Como se recuperam “menores infratores” Série “Di Menor”
Filiando-nos ao pensamento de Courtine (2006), corroboramos a idéia de que a perspectiva da interi-
conicidade concede ao sujeito o papel ao mesmo tempo de produtor e de intérprete das imagens, sendo ainda 
o sujeito o próprio suporte das imagens produzidas. Em face a essa tendência teórica, compreendemos que 
a noção de sujeito é ampliada, quando atribuímos certa relevância, no jogo de sua constituição, para o corpo 
como lugar de produção, interpretação e suporte de imagens. O corpo, assim, detém uma tríplice arquitetura 
que fomenta o funcionamento discursivo da memória, de procedimentos de controle e promove a investigação 
da construção das identidades constituídas discursivamente. Sujeito e corpo, nesse sentido, tomam uma dimen-
são constitutiva para a produção dos discursos no que tange à produção das subjetividades.
Conclusão
Diante dessa proposta de análise, observamos que o processo analítico em relação às materialidades 
midiáticas, recortadas por nós em torno da temática do “menor infrator”, se constitui como uma tentativa de 
trazer, em seu ângulo, o acontecimento – aqui corporificado na ilegalidade, em uma possibilidade de inter-
conectar os efeitos de sentido construídos por elementos imagéticos aos discursos pronunciados em outros 
lugares, onde existe a provável (re)configuração de um passado. 
Pontuando, por sua vez, as produções de sentido corporificadas pelos meninos infames, “menores infra-
tores”, maiores em seu próprio poder de acontecer como sustentáculo da existência de sua contra-ordem, a lei, 
compreendemos que se os soberanos utilizam, para a disciplina de si, tecnologias que demarcam a construção 
de elementos que cruzam a vida de homens vulgares; sem dúvida, estes buscam o governo de si mesmos para 
bem gerenciar suas relações na história do cotidiano. E essa dispersão de mentalidades compreende a emergên-
cia de uma constituição de imagens e discursos que compõem os nossos traços historicamente orientados, por 
vezes abandonados, por outras vezes, de outros modos, revisitados (cf. MILANEZ, 2006).
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79
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
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aspx2007. 2007>. Acesso em 15 de abril de 2010.
Videografia
Vídeo 1: http://www.youtube.com/watch?v=TOX9fNutD5s. 
Vídeo 2: http://www.youtube.com/watch?v=KGa5qnKuFo4&feature=related. 
Vídeo 3: http://www.youtube.com/watch?v=WS723i711Vk. 
Vídeo 4: http://www.youtube.com/watch?v=Pr0kV8wnvGE&feature=related. 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
NEUTRALIDADE NO TRIBUNAL: A POLÊMICA NO DISCURSO JURÍDICO1
Jorge Viana SANTOS
Preliminares
Com base em pressupostos de Dominique Maingueneau (2005), especialmente as noções de polêmica 
discursiva e simulacro, objetiva-se responder à questão: Como se caracteriza a polêmica no discurso jurídico? 
Nesse sentido, procura-se, como recorte, detectar na materialidade de textos jurídicos: a) que discursos estão 
em polêmica; b) se (ou quando) existem simulacros no discurso jurídico, até que ponto se limitam ao jurídico.
Para tanto, primeiro apresenta-se a noção de polêmica discursiva, conforme Maingueneau (2005); em 
seguida, caracterizam-se o Discurso Jurídico em geral, bem como o espaço discursivo pertinente com seus 
respectivos discursos; por último, a partir dos pressupostos colocados, analisa-se a configuração da polêmica 
em um texto jurídico típico: um acórdão do Superior Tribunal Federal (STF).
A polêmica discursiva, conforme Maingueneau (2005)
A noção de polêmica postulada por Maingueneau (2005), na qual nos basearemos, não pode ser 
compreendida fora do arcabouço teórico postulado por esse autor. Em síntese, sua proposta fundamental é 
desenvolver
[...] uma teoria do discurso que una um certo sistema de restrições (formação 
discursiva)2 e os enunciados produzidos de acordo com essas restrições (superfí-
cie discursiva), valorizando assim os discursos considerados tanto do ponto de vis-
ta de sua gênese quanto de sua relação com o interdiscurso (SILVA, 2004, p. 59).
Nesse sentido, Maingueneau (2005), em Gênese dos discursos, apresenta sete hipóteses de trabalho 
que, em conjunto, embasam a primazia do interdiscurso na medida em que, como afirma ele, ligam por dife-
rentes vieses a problemática da gênese e a da interdiscursividade, permitindo-o tentar “[...] apreender de uma 
só vez o discurso através do interdiscurso” (MAINGUENEAU, 2005, p. 17). São elas: 1) precedência do 
interdiscurso sobre o discurso, 2) interincompreensão regrada; 3) Hipótese da existência de um sistema 
de restrições semânticas globais; 4) hipótese da competência interdiscursiva; 5) Discurso é uma prática 
discursiva; 6) Prática discursiva é intersemiótica; hipótese de que há um sistema de correspondência que 
possibilita associar isomorficamente a prática discursiva a outras séries do seu contexto sócio-histórico.
Dessas hipóteses relevam dois fatos importantes para a noção de polêmica. O primeiro é que, “para 
Maingueneau, o interdiscurso precede o discurso de fato, no seguinte sentido: o Outro é desenhado a partir 
do Um” (POSSENTI, 2002, p. 197). Já o segundo é que, em consequência, ao lado de um conceito geral de 
polêmica constitutiva, pode-se postular outro mais restrito de polêmica discursiva. Isto porque, como lembra 
Silva (2004), se por um lado, em um nível apenas constitutivo, “[...] os discursos estariam sempre em polêmi-
1 Retomo aqui algumas discussões desenvolvidas em texto para qualificação em Análise do Discurso que elaborei sob orientação 
do Prof. Dr. Sírio Possenti (Unicamp), a quem agradeço.
2 Mais propriamente, segundo o próprio Maingueneau (2005), trata-se de posicionamento ao invés de formação discursiva.
81
Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
ca com seu Outro, mesmo que este não seja empiricamente apresentado” (SILVA, 2004, p. 68), por outro, ao 
postular a polêmica discursiva, 
Maingueneau (1984) refere-se, de forma específica, a dois discursos identificados no in-
terior de um mesmo espaço discursivo3 que polemizam não só constitutivamente, mas que 
revelam essa polêmica através de uma heterogeneidade mostrada. Dessa forma, a polêmica 
discursiva seria um tipo de heterogeneidade na qual as marcas ou índices polêmicos po-
dem ser identificados na superfície discursiva através de simulacros (SILVA, 2004, p. 68).
Assim, como esclarece Maingueneau (2005), trata-se de uma espécie de tradução mútua na qual cada 
discurso, enquanto tradutor (discurso-agente), opera construindo o simulacro do outro (discurso-paciente), na 
medida em que, dada a necessidade de anulá-lo, de desqualificá-lo, interpreta os semas4 positivos do Outro a 
partir dos semas negativos de seu próprio sistema.
Discurso Jurídico
O conceito de Discurso Jurídico não parece estar estabilizado sob apenas um ponto de vista. Ao que 
tudo indica, necessita ser apreendido a partir de pelo menos três perspectivas.
Alguns elementos do discurso jurídico, na perspectiva da retórica, podem ser desenhados a partir do 
fato de que, já na Arte retórica, Aristóteles propõe três tipos de discurso oral, considerando o tipo de auditório: 
o discurso deliberativo, que se refere ao útil e ao prejudicial e tem como objetivo aconselhar ou desaconse-
lhar; o demonstrativo (ou Epidíctico), que diz respeito ao belo e ao feio, objetivando elogiar ou censurar; e 
o judiciário, que, dirigido aos juízes, trata do justo e do injusto, tendo por finalidade a acusação e a defesa. 
Note-se que este último gênero caracteriza bem a produção discursiva oral nos tribunais, onde um acusador e 
um defensor dirigem-se a um ou mais juízes que, avaliando os fatos e argumentos, manifestam-se quanto ao 
justo ou injusto.
Numa segunda perspectiva, autores como Serverim e Bruxelles (1979), considerandocertas condições 
de produção do discurso jurídico, empregam a expressão prática jurídica para indicar o conjunto de análises 
feitas sobre o direito pelos juristas, em oposição à prática judiciária, expressão referente ao que ocorre nos 
tribunais. Nesse sentido, definem produção jurídica como “a produção de discursos pelos juristas” (SERVE-
RIM e BRUXELLES, 1979, p. 51).
Em terceiro, Petri (1988) comenta uma tipologia em que a base para caracterizar tal ou qual discurso, 
o jurídico inclusive, baseia-se na existência de uma instituição equivalente. Quer dizer, assim como há o dis-
curso político vinculado tipicamente5 às instituições políticas, ou o religioso às instituições religiosas, haveria 
o jurídico relacionado também tipicamente às instituições jurídicas como, por exemplo, ao Poder Judiciário, 
quando interpreta e aplica a lei, ou ao Legislativo, quando cria e legitima o texto legal.
Essas quatro concepções, a rigor, não são excludentes, mas complementares. Em conjunto, podem 
3 Para Maingueneau (2005), há três instâncias no interdiscurso: universo discursivo, “[...] conjunto de formações discursivas 
de todos os tipos que interagem numa conjuntura dada”; campo discursivo, “conjunto de formações discursivas que se encontram em 
concorrência [...]”; e espaço discursivo, “[...] subconjuntos de formações discursivas que o analista julga relevante para seu propósito 
colocar em relação” (MAINGUENEAU, 2005, p. 35-37).
4 Conforme a hipótese da semântica global, todo discurso apresenta um conjunto de semas divididos em negativos, aceitos pelo 
posicionamento discursivo, e positivos, rejeitados pelo mesmo posicionamento.
5 Tipicamente, mas talvez não exclusivamente.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
tanto caracterizar o discurso jurídico, quanto servir para justificar as condições de produção e de circulação 
dos textos que o materializam, por exemplo, nas sociedades ditas Estado de Direito, como o Brasil. Nelas, 
visto que “[...] o Estado tem, na Instituição Jurídica, a representação ‘legítima’ do Direito” (LAGAZZI, 1987, 
p. 27-28), os textos jurídicos são produzidos dentro de um sistema jurídico que engloba desde a produção e 
hierarquização de leis (organizadas ou não em códigos), compondo o chamado ordenamento jurídico6, até 
a fixação por escrito de como deve ser, formalmente, determinados tipos de textos. Completa o controle da 
produção-circulação textual-discursiva oficial dos textos jurídicos a obediência a um trâmite no tempo e no 
espaço, a partir do momento em que compõem um processo. Isto porque há o estabelecimento de tribunais 
com atribuições e competências de julgamento diferenciadas conforme a instância, fato que permite, segundo 
o caso, o recurso à instância superior, havendo sempre uma corte suprema, de cujas decisões não se pode 
recorrer.
Caracterização de discursos em polêmica
Enfim, considerando um Discurso Jurídico assim caracterizado, recortamos, relacionado à interpreta-
ção da norma, um espaço discursivo com dois discursos em polêmica, como prevê Maingueneau (2005).
De um lado, destaca-se o discurso dogmático, que se caracteriza como um posicionamento que busca 
igualar o direito à norma. Considera que a solução geral para um caso específico já está prevista na norma 
escrita, especificamente na lei emanada de Poder Legislativo estatal, cabendo, então, ao juiz, intérprete auto-
rizado da lei, o papel de, dogmaticamente, “repetir” o pensamento do legislador, em busca de aplicar o direito 
legislado. Com isto, reduz-se o objeto da interpretação às normas jurídicas (SAVIGNY apud VIGO, 2005, p. 
41). Disso decorre um discurso marcado pela inflexibilidade como sema fundamental, fato que pode levá-lo a 
priorizar a abstração em detrimento do empirismo do fato.
De outro lado, encontra-se como antagonista o discurso não-dogmático, no qual assume-se que “[...] o 
intérprete, ao procurar a regra ou medida jurídica adequada para solucionar um problema, não somente pode 
recorrer às normas propriamente ditas, mas também tem à sua disposição os princípios jurídicos” (grifos 
nossos) (VIGO, 2005, p. 41). Nesse posicionamento, a flexibilidade constitui o sema fundamental, fazendo 
com que, em tese, o discurso enfatize o fato e não sua tipificação abstrata.
Vejamos a seguir como cada um desses discursos polemiza com o Outro, observando em que medida 
constroem, e, se for o caso, como constroem, simulacros.
Em busca de simulacros no discurso jurídico: análise de exemplos
O texto jurídico selecionado para análise é um acórdão7 proferido pelo STF. Trata-se do julgamento 
da procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3068, proposta pelo Partido da Frente Libe-
ral como forma, legalmente prevista, de impugnar a Medida Provisória (MP) 136/2003, que supostamente 
contrariaria o artigo 37, inciso IX, da Constituição de 1988. Na interpretação do requerente, tal MP8 seria 
6 Num Estado constitucional, há, por exemplo, a lei superior, a Constituição, à qual se subordinam todas a demais leis e textos 
normativos. Para detalhes, consultar Sidou (2005) e Ferraz (1988).
7 “Peça escrita que contém o julgamento proferido por tribunal, nos feitos de sua competência originária ou recursal” (SIDOU, 
2004, p. 25-26). No acórdão que consideramos, os exemplos foram extraídos de alguns votos dos Ministros (juízes do STF). Esclarecemos 
que, como aqui não está em pauta o sujeito pragmático, os nomes desses Ministros aparecem, se necessário, indicados apenas pelas 
iniciais.
8 Essa MP foi convertida posteriormente na Lei 10.843/2004, ainda durante a tramitação do processo.
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inconstitucional por propor contratação provisória para o exercício de atividades permanentes no Conselho 
Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Passemos aos exemplos.
O Discurso dogmático, em polêmica com o Não-dogmático, em tese, teria uma semântica global base-
ada na inflexibilidade quanto à interpretação e aplicação da norma. Buscaria alcançar idealmente uma justiça 
verdadeira, obtida mediante avaliações e decisões fundamentadas no Direito, tomadas a partir de uma suposta 
posição neutra de juiz, um árbitro autorizado. Será que isso se confirma?
De início, consideremos o trecho abaixo extraído do voto de um dos Ministros que, inflexível, votou 
a favor da ADI:
Exemplo (1) Não há justificativa, a meu ver, juridicamente aceitá-
vel, à luz da Constituição Federal, para acreditar-se legítima essa for-
ma que se diz muito próxima do concurso público preconizado pelo Diplo-
ma Máximo, a forma simplificada de recrutar [...] (grifos nossos) (MA, p. 12).
Esse enunciado apresenta-se como uma tentativa de o Discurso dogmático desqualificar o discurso 
oponente a partir da construção de um simulacro em que o Outro é traduzido como um discurso “frouxo”, 
capaz de considerar legítimo um processo de seleção que visa a substituir, ainda que temporariamente, um 
concurso nos moldes previstos em lei. Note-se que o enunciador tenta circunscrever o espaço de seu co-
mentário ao âmbito do “juridicamente aceitável” segundo a lei escrita. Ou seja, em tal ou qual medida, a 
legitimidade, para esse posicionamento discursivo, não é aceitável se fundamentada em outros aspectos que 
não os argumentos jurídicos. Parece que não caberia, por exemplo, a justificativa social, ou política. Sendo 
assim, o Ministro, de sua parte, julgou inconstitucional a MP tanto por não encontrar argumento jurídico que a 
sustentasse, quanto por recusar-se a discutir a excepcionalidade da seleção provisória, considerando possíveis 
fatos (dados empíricos) que lhe fossem subjacentes. O enunciador preferiu, pois, privilegiar a abstração da 
lei: agir diferente, para ele, seria comungar com a flexibilidadedo Outro, havendo o risco de “transmudar-se 
a exceção, tornando-a regra” (MA, p. 9).
Entretanto, o aparente rigor e “pureza” do discurso dogmático evidenciado nesse exemplo (1) não 
parece ser a regra. Isto porque um outro enunciador alinhado com esse discurso tomou sua decisão quanto 
ao pleito, priorizando claramente fatos de ordem política em vez de argumentos propriamente jurídicos. Usa 
como principal argumento para a inconstitucionalidade da MP em questão notícias veiculadas por um jornal 
paulista que critica com veemência o Governo quanto ao número exagerado (sob seu ponto de vista) de cargos 
públicos, os quais não só estariam gerando benefícios financeiros indiretos para certo partido político, como 
também estariam “aparelhando” o Estado. A ênfase do enunciador na fundamentação política, e não jurídica, 
de seu voto, é tamanha que, após ser advertido com o enunciado “Vossa Excelência há de convir que isso não 
são argumentos jurídicos que possamos debater aqui. Não estamos aqui para julgar o Governo” (NJ, p. 36), 
ele assume claramente que adota uma motivação política, ao declarar:
Exemplo (2) Não estamos a julgar o Governo, mas a fazer uma consideração que, de 
fato, tem relevo político. Portanto, a abertura de contratações para cargos temporários 
pode permitir uma flagrante burla ao sistema concursivo (grifos nossos) (GM, p. 36).
Nesse enunciado evidenciam-se dois fatos de suma importância. De um lado, o enunciador não se ateve 
aos limites do discurso jurídico. Pelo contrário, fez questão de transitar para o âmbito do discurso político; de 
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outro lado, será adotando um dado posicionamento político, e não jurídico, que construirá o simulacro de seu 
opositor: flagrante burla ao sistema concursivo, não será outra coisa que uma possível tradução de legítimo 
processo de contratação excepcional. Em suma, o exemplo (2) está relacionado a uma decisão com consequ-
ências jurídicas, mas que teve como base uma espécie de “julgamento político do Governo”. Noutras palavras, 
o discurso jurídico “resvalou” para o político: um certo posicionamento político materializado no discurso do 
juiz tentou anular um posicionamento político antagônico da Administração, ou melhor, o seu simulacro.
Essa espécie de recurso ao político e não ao jurídico para avaliar questões de justiça ratifica-se em 
outro trecho quando, em resposta a um Ministro de posicionamento jurídico (político?) diferente do seu, um 
dado Ministro (SP) declara:
Exemplo (3) Temo [...] que estejamos hoje abrindo uma porta, como aque-
las de que está cheia a nossa história administrativa, para a fraude sistemáti-
ca ao concurso público. [...] Se formos admitir um argumento tão ao gosto de 
Vossa Excelência – no que os dois Poderes se puseram de acordo em uma lei ca-
suística para, hoje atender ao CADE – amanhã poder-se-á fazer isso para qual-
quer autarquia. Voltaremos ao tempo dos interinos (grifos nossos) (SP, p. 46 e 51).
Aqui, através de simulacros explícitos, percebe-se a polêmica entre dois discursos num dado espaço 
discursivo político e não propriamente ou exclusivamente jurídico. Na perspectiva do discurso-agente, uma 
contratação temporária foi traduzida como fraude sistemática ao concurso público, enquanto uma medida 
provisória, já respaldada por dois poderes da República, tornou-se uma lei casuística. O temor patenteado no 
posicionamento do enunciador funciona quase como uma espécie de sentença, não para o caso em pauta (o 
que seria do âmbito do jurídico), mas para o Governo (o que a torna uma sentença política): a Administração 
de hoje reiteraria no futuro os seus erros e os de administrações passadas. Desse modo, abrir a porta pode 
ser visto, na ótica desse posicionamento, como uma flexibilização antes de tudo política e menos (ou nada) 
jurídica. Os simulacros em (3) indicariam uma tradução do Outro com base em “pré-conceitos” políticos: o 
Governo de hoje será igual ao de ontem e, por isso, errará amanhã.
Se nos exemplos acima, mesmo entre os partidários do discurso dogmático, que em princípio defende-
riam uma observância rigorosa de preceitos legais, foi possível detectar, através dos simulacros, uma “fuga” 
do discurso jurídico, que resvala para o político, cabe perguntar: o que ocorre na formação dos simulacros 
entre os partidários do discurso juridicamente oponente, o Não-dogmático?
Em primeiro lugar, consideremos um trecho do voto de um Ministro que foi contrário aos anteriores, 
ou seja, favorável à MP: 
Exemplo (4) A mim pareceria extremamente rigorosa a interpreta-
ção que impossibilitasse a prestação de um serviço público que tem, em 
quadra difícil da economia nacional, por função garantir a livre concor-
rência e o livre funcionamento do mercado (grifos nossos) (NJ, p. 27).
Nele, observa-se que, se na parte inicial a expressão extremamente rigorosa a interpretação parece 
remeter a uma crítica ao discurso antagônico (o Dogmático) no âmbito do jurídico, e traduz a inflexibilidade 
do Outro que condenou a MP (por motivos alheio ao Direito, como se viu acima), diferentemente, a sequência 
do enunciado conduz a discussão para o campo do discurso econômico. Se o opositor recorreu (como vimos 
acima em (2)) a fatos políticos para condenar a MP, esse juiz recorre aos fatos econômicos para justificá-la. 
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Assim, enquanto o discurso antagonista construiu um simulacro que traduziu, politicamente, a finalidade da 
medida provisória como aparelhamento do Estado, agora, traduzida sob uma perspectiva econômica, a função 
da mesma lei é garantir a livre concorrência e o livre funcionamento do mercado, função essa que remete a 
um discurso que se não for neoliberal, pelo menos defende uma economia desvinculada do controle direto do 
Estado.
Em segundo, um outro simulacro aparece no trecho abaixo como que confirmando o exemplo (4): 
Exemplo (5) A punição não será da Administração, mas sim da pró-
pria sociedade e da economia nacional (grifo nosso) (EG, p. 33).
Note-se que, não por acaso, a palavra punição aqui figura como uma possível tradução da atitude 
(política) atinente ao discurso político materializado, por exemplo, em (2). Habilmente, o enunciador enfrenta 
o argumento político do Outro: primeiro recorre ao próprio discurso político (na primeira parte do enunciado, 
até antes da expressão mas sim), para combater o adversário no seu próprio campo; em seguida, obriga o 
oponente a enfrentá-lo no âmbito do discurso econômico.
Como se vê, tanto em (4) quanto em (5) registram-se simulacros em que os enunciadores “passam” do 
discurso jurídico para o econômico (que, a rigor não se afasta de tal ou qual posicionamento político).
Conclusão
“Como se caracteriza a polêmica no discurso jurídico?” foi a questão proposta inicialmente. Sem 
extrapolar os exemplos analisados, diante do exposto, pode-se dizer que a polêmica discursiva essencialmente 
jurídica não se configurou. Verificou-se, de fato, o embate entre discursos num mesmo espaço discursivo, mas 
isto se fez de um modo particular, visto que os simulacros detectados, embora se materializando num texto 
convencional e institucionalmente considerado jurídico, efetivamente revelaram discursos, e respectivos posi-
cionamentos, que, “saindo” do âmbito de uma polêmica que deveria em tese ser apenas jurídica, “resvalaram” 
para o âmbito de discursos outros.
Cumpre dizer que, no caso do discurso dogmático, como se viu, a polêmica evidenciada pelos simu-
lacros resvalou para o discurso político. O discurso não-dogmático, por sua vez, optou pelo econômico. Em 
contraste, os dois discursos revelaram um fato digno de nota: enunciadores de ambos os posicionamentos se 
“afastaram”do jurídico, mas apontaram, no Outro, essa espécie de falha. Assim, estudos posteriores podem 
talvez demonstrar que, ao construir simulacros, um juiz vê a si como estando no domínio do jurídico (i.e., 
neutro/institucionalizado): político ou econômico seria o discurso antagonista. Fica aberta a sugestão.
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VIGO, R. L. Interpretação jurídica: do modelo juspositivista-legalista do século XIX às novas pers-
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
RECORDAR, REPETIR, ELABORAR: 
PRODUÇÃO DE SENTIDOS E MEMÓRIA EM FREUD
Lélia Marília dos REIS
Conforme podemos perceber a partir do dicionário Aurélio eletrônico (2010), memória é, de modo 
geral, “Faculdade de reter idéias, sensações, impressões, adquiridas anteriormente”. / “Efeito da faculdade 
de lembrar; a própria lembrança”. / “Recordação que a posteridade guarda”. Com base nas considerações 
de Luis S. M. Sá Jr. (1998), podemos notar que concepção de memória diz respeito à organização da lógica 
temporal humana, a partir da interação com o mundo e a consciência, ocorrendo de forma organizada e lógica 
(contiguidade, similitude e oposição), dentro do processo de aquisição de informações e de produção de 
sentidos do sujeito no mundo.
Paulo Dalgalarrondo (2000) descreve alguns tipos de memória, tais como a genética, a imunológica, a 
cognitiva e a cultural, e todas juntas comporiam os grupos de significação do indivíduo.
Ambos autores delimitam três processos específicos ao exercício desses grupos de significação, mas 
Dalgalarrondo (2000, p.91) é mais enfático destacando os seguintes: 
• percepção, registro e fixação (apreensão de conteúdos), 
• retenção e conservação (associação de conteúdos já fixados ou novos encadeamentos a partir desses) e 
• reprodução e evocação (rememoração).
Logicamente, há uma série de outros mecanismos envolvidos em cada um desses processos, como, por 
exemplo, o fato de que a disposição do indivíduo no processo é necessária para a aquisição de conteúdos; o 
sentido lógico de sua aquisição, dentro de seu contexto, a quantidade a ser introjetada, bem como condições 
biológicas do processo.
No que concerne à evocação, que nos ateremos mais devido à temática tratada aqui, há aspectos im-
portantes a serem levados em conta. O esquecimento, conforme Sá Jr (1998), é o ato de não se conseguir ou 
poder evocar. Esse pode ocorrer por diferentes processos: fisiológicos, associados a aspectos de tensão; ou 
conteúdos chamados reprimidos, eliminados da consciência e memória ou impedidos de vir até elas, por serem 
considerados insuportáveis seu retorno às mesmas.
A memória é, portanto, a conexão entre os estados mentais, codificando-os na consciência. A partir 
dela se rememora e se revive a trajetória existencial humana. 
Há, na obra de Freud, o reconhecimento de que tanto os processos fisiológicos quanto os processos 
psíquicos são ligados à memória e estão associados na elaboração e na construção da linguagem. Funda-
mentalmente, o texto de seu Projeto de 1895 é o ponto inicial não apenas da Psicanálise, como das questões 
relacionadas à memória, pois nele Freud ainda se apóia na lógica neurológica para a reflexão psicanalítica, 
partindo de conceitos já consolidados para construção do que seria sua técnica, embora tenha sido divulgado 
tardiamente pelo autor, apenas em 1950, por considerá-lo muito precário diante dos avanços subsequentes da 
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Psicanálise.
Fátima Caropreso (2006) vai além e traça um histórico sobre os estudos de Freud que se referem à 
noção de memória, desde o texto Sobre a concepção das afasias (1891); trata-se de um texto em que ele 
discute aspectos biológicos relacionados à memória, e os processos relacionados à perspectiva da construção 
da linguagem e os trajetos neurológicos e psíquicos. As reflexões sobre consciência e memória se adensaram 
a partir do Projeto de uma psicologia (1895), em que, conforme o autor Luiz Alfredo Garcia-Roza (2007), já 
há o início da reflexão sobre o inconsciente, bem como sobre a tendência de remeter a um meio estruturador 
de aspectos mnemônicos, sendo que as representações constituídas na consciência não são necessariamente 
correlatas à ela, mas, sim, a aspectos e à representações inconscientes. 
No Projeto de 1895, Freud estabeleceu uma lógica econômica para o aparelho psíquico, propondo a 
perspectiva de que haveria uma quantidade de energia psíquica a ser articulada e distribuída. Os responsáveis 
por esse pleno funcionamento, na busca da manutenção equitativa da energia, seriam os chamados neurônios, 
distintos da concepção do que hoje conhecemos enquanto representantes deste termo, mas associados à lógica 
de condutores da energia psíquica. Devido à sua aproximação com a lógica da memória, nos ateremos à função 
de cada tipo de neurônio e sua interação com os demais. 
Cada um dos neurônios possuiria uma memória neurônica (GARCIA-ROZA, 2007, p.50) devido ao 
acúmulo de Q (energia do aparelho psíquico), e ela seria regulada pelas chamadas barreiras de contato, res-
ponsáveis pelo controle do fluxo desta energia. Apresentam-se então:
Neurônios phi (φ); sem barreiras de contato, ligados à percepção, logo, a apropriação de significantes 
no mundo externo;
Neurônios psi (ψ); são intransponíveis à energia psíquica, embora excitáveis por ela e a retenham. 
Estão associados ao registro destes significantes externos, ou seja, à memória;
Neurônios gamma (γ); ligados às sensações decorrentes do fluxo de energia (contenção-liberação/
desprazer – prazer), logo, de cunho qualitativo.
Dessemodo, embora a função dos neurônios seja regular a energia psíquica, para que esta não tenha 
a satisfação totalmente realizada, cabe aqui destacar que o fluxo dos conteúdos respectivos a cada um dos 
neurônios é livre e intercambiável em termos excitatórios.
Freud (1985) estabelecerá, em sua teoria, a presença de uma construção simbólica e imaginária do 
inconsciente que, a partir de associações e de reordenação das representações já inscritas, bem como da aqui-
sição de novos estímulos externos, captados na interação com o mundo, vai sendo reordenada pela lógica do 
aparelho psíquico produzindo os sentidos do sujeito. Os estímulos poderiam ser conscientes ou inconscientes, 
a partir de registros das experiências reais ou da própria fantasia experenciados pelo sujeito, e, quando retor-
nam enquanto fato ou associados a uma imagem/representação e a um significado, reproduzem a memória e 
a recordação. 
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Logo, é possível ressaltar que a memória tem um importante papel no fluxo da energia psíquica, uma 
vez que, além de permitir a saída da energia psíquica a partir de significantes1, permeados por sentido, traz 
de volta afetos, sentidos vivenciados ao consciente, permitindo sua re-significação e elaboração, quando em 
conflito.
A linguagem, em especial a fala, dado o ponto de vista teórico aqui destacado, tem, portanto, intrin-
secamente um caráter rememorativo, fazendo-se parte fundamental do processo analítico, uma vez que, ao 
expressar-se, o sujeito encadeia sua lógica de significações e de afetos, transformando-os em imagens visuais 
e acústicas que se materializam e se atualizam em seu discurso. Entendemos, então, que não recordamos de 
tudo o que vivemos, mas, sim, do que nos é autorizado, pela lógica inconsciente a ser recordado, transmutado 
em um signo permitido a ser liberado, carregado de energia psíquica, investido de desejo. Ou seja, a escuta 
analítica é uma decisão em participar, ao menos em um dado momento, da história do outro, ainda que como 
traço da rememoração. Vejamos a citação de Coraci Prado (2009), que ancora as referidas observações, a 
saber: 
Logo, uma percepção não significa uma atribuição de sentido imediata, pois não ape-
nas não há sentido consciente anterior ao processo inconsciente, como também não 
há memória fixa, onde os sentidos pudessem ser armazenados e acessados a cada novo 
estímulo. O que há são traços rearranjados, reescritos, cifrados e decifrados nas ins-
tâncias inconscientes, para só então a palavra ser disponibilizada como signo na pré-
consciência e poder ser resgatada com sentido pela consciência. Quer dizer, os registros 
inconscientes representam o processo necessário para que o objeto percebido chegue à 
consciência, e isso só ocorre passando pelo simbólico; de outro modo, se uma percep-
ção permanece no campo da coisa, quer dizer, se a coisa retorna ao sujeito sem palavra, 
resta uma possibilidade alucinatória, que provoca não um sentido, mas uma sideração 
(PRADO, 2009, p. 204-205).
Dessa forma, podemos destacar que a memória não é estática, mas dinâmica, e ela se constitui a partir 
da lógica inconsciente do aparelho psíquico. Conforme propôs Freud ([1985]1996), a possível implicação da 
lógica inconsciente para a memória poderia ser vislumbrada nesses termos: Não me lembro do que quero, mas 
sim do que posso lembrar e para que me recorde, o fato ou a imagem foram carregados de um investimento 
libidinal, que é o que lhes doou significado, por isso a recordação é, inevitavelmente um traço de repetição, 
segundo Freud, um traço da neurose.
No texto Recordar, Repetir, Elaborar, elaboração na qual Freud relata seu abandono à hipnose e 
aponta encaminhamentos e ações do analista na clínica, notamos que ele retoma a questão da rememoração e 
1 Aqui, fazemos menção à lógica de Saussure (1985), que decodificou o signo linguístico como resultado da associação arbitrária 
do significado com o significante; posteriormente, essas elaborações saussurianas foram apropriadas por Jacques Lacan (1953) para a 
compreensão da estruturação do inconsciente como linguagem e das produções de sentido do sujeito que passam, obviamente, pela 
interação com o mundo e com suas percepções apropriadas pela consciência.
Coraci Prado (2009), em seu texto, destacou certas interlocuções e determinadas divergências entre três teóricos fundamentais para 
a compreensão da Psicanálise e da Linguística: Freud, Saussure e Lacan.
As contribuições de Freud e de Lacan foram fundamentais na compreensão dos processos linguísticos e mnemônicos, de modo 
a engendrar a construção dos mecanismos que possibilitam a ocorrência dos fenômenos em questão, quais sejam: da representação do 
objeto, da consolidação de sua imagem acústica à construção de seu significado, muitas vezes, não inerente a sua existência, deixando vácuos, 
hiatos, lapsos que se transformam em sintomas, em fantasias, no próprio não-dito que na rememoração da experiência se transformam 
e ganham sentido, consolidando estes três aspectos.
 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
suas implicações na condução do processo analítico.
No processo hipnótico, haveria uma rememoração pura e simples, induzido pelo analista, de modo 
que o inconsciente tornar-se-ia inconsciente, pura e simplesmente, redimindo o sintoma. No entanto, pela 
observação em dado momento, ou o sintoma retornava, muitas vezes mais intenso, ou transformava-se, com a 
possibilidade de se manifestar sob outra forma. Daí se discute, então, a questão do esquecimento.
Esquecer seria um modo de interceptar fatos insuportáveis à satisfação, seja pela sua significação 
particular seja por ser impedidos pela lógica social de gratificação. Observa-se, portanto, que o esquecimento 
pode servir como um importante mecanismo para a manutenção do funcionamento psíquico. 
Desse modo, certas rememorações viriam em atos, em manifestações desconexas, comumente na pró-
pria fala, como modo de recordação, não de algo concreto, necessariamente vivenciado, mas de uma inscrição 
inconsciente que tenha produzido um sentido ao sujeito que a verbaliza; podendo, assim, ser manifesta sem as 
repressões ou as resistências que as impeçam de serem satisfeitas. É, portanto, recorrente sua repetição, como 
forma de mantê-la atuante, em constante gratificação, por mais que, aparentemente, gerem um sofrimento 
verbalizado.
Nesse espaço de análise, é possível ressaltar que, também, há o processo transferencial das partes 
envolvidas, o qual dimensiona a repetição e a atualização de certos traços definitórios da matriz infantil. Eis, 
em Laplanche e Pontalis (2001), uma articulação teórica de nossa parte, a saber: 
(...) o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos 
no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro 
de uma relação analítica. Trata-se de uma repetição de protótipos infantis vivida com um 
sentimento de atualidade acentuada. (...) (LAPLANCHE & PONTALIS, 2001, p. 514)
Notamos, portanto, que o estabelecimento do lócus analítico é processual e fundamental para (im)
possibilidade da transferência. Trata-se de um lócus ancorador de objetos como lugares aos quais investimos 
energia psíquica libidinal, na busca de gratificação, dadas as experiências de sentidos primitivas, que remetem 
à infância; sendo assim, o lugar do analista é foco desta ação.
Porém, como podemos notar nos dizeres de Laplanche e Pontalis (2001), mobilizados acima em forma 
de citação, o investimento em objetos – objetos estes que ganham esse caráter, justamente a partir de nossas 
interações ao longo de nossa história, produzindo, assim, inscrições significantes no inconsciente –, remetemà constante repetição e atualização das primeiras experiências, estas sim, com marcos inscritivos e, após a 
interação com os mesmos, doadores de sentidos e de significados.
Logo, compreendemos que a repetição é uma tentativa de apropriar-se do lugar primitivo do encontro 
com o objeto, lugar de gratificação na fantasia, na alucinação primitiva do desejo livre, satisfeito sem impe-
dimentos.
A tentativa de burlar esse lugar é a resistência às interpretações analíticas, pois representam a observa-
ção de que esta vivência inicial com o objeto é apenas mítica, do plano da fantasia, ou mesmo o investimento 
amoroso, como estratégia de sedução, na tentativa de manter a imagem inicial de gratificação. 
Desse modo, o recordar e o repetir são estratégias de rememoração inconscientes que vão contra o 
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fluxo de gratificação da energia psíquica, justificando os esquecimentos corriqueiros em nossa linguagem, ou 
mesmo as trocas fonéticas em palavras, em lapsos, como forma de camuflar o caminho de acesso à barragem 
da satisfação do desejo. Porém, percebemos que sem a aceitação dessa barragem não há elaboração. A elabo-
ração é a aceitação de limitações impostas ao sujeito; a renúncia a essa fantasia infantil de completude e de 
gratificação, bem como a busca de novos sentidos e significações para que o fluxo energético mantenha-se 
circulante se justificam em virtude da própria manutenção do fluxo energético. Do contrário, notamos que 
advêm os sintomas, determinadas manifestações fixas do fluxo, com significação estanque, que se mantêm 
na repetição, por ser a única forma que, inconscientemente, a satisfação do desejo se vê capaz de se atualizar.
Em suma, é possível afirmar, portanto, que a Psicanálise freudo-lacaniana não se propõe à cura de 
sintomas, mas, sim, a sua compreensão, sendo possível, sim, um movimento de recordação e de repetição; 
trata-se de um movimento que ancora a atualização de fantasias primeiras, na tentativa de compreendê-las e 
de desencadear um trabalho analítico a partir de aspectos dessas fantasias. Sendo assim, da parte do analista, 
ele desalojaria certos sentidos construídos pelo analisando a partir de lugares fixados na construção psíquica 
das fantasias primitivas; ao realizar o trabalho de desprendê-las de lugares fixados imaginariamente pelo su-
jeito, compreendemos que esse investimento analítico se constitui com base na perspectiva de que a instancia 
do sujeito da enunciação é passível de sustentar os mecanismos de re-significações e de elaboração. O mesmo 
não procede para a instância do sujeito do enunciado. 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
CUANDO EL “GESTO” SE CONVIERTE EN “POSE” – 
MEMORIA VISUAL DE LA MUJER DURANTE LA GUERRA CIVIL ESPAÑOLA EN MADRID A 
TRAVÉS DEL DISCURSO FOTOGRÁFICO
Beatriz de las Heras HERRERO
Introducción
Partimos de tres conceptos que se entrecruzan y marcan nuestro punto de arranque: la Historia del Tiempo 
Presente (como disciplina desde la que iniciamos nuestra investigación), Memoria (objetivo de nuestro análisis) 
e Imagen (elemento de conocimiento científico a través del cual pretendemos acercarnos a ese objetivo).
Hst. del Tiempo Presente Memoria Imagen
 
 Disciplina Objetivo Elemento
 de conocimiento científico
La Historia del Tiempo Presente utiliza la imagen como elemento de conocimiento ya que le permite 
rescatar la memoria colectiva, sustituyendo así al documento escrito como herramienta exclusiva para acercarse 
al pasado y llegar a la acumulación de datos, objetivo principal de la forma tradicional de la Historia. Esta 
diferencia a la hora de aproximarse a lo pretérito hace que el historiador se enfrente al tiempo acontecido, el 
pasado, de distinto modo. La historia tradicional tiene como objetivo pasar a lo largo del acontecimiento y 
la Historia del Tiempo Presente permanecer en él, ya que mientras la historia es longitudinal (cronológica), 
la memoria es una forma de tiempo vertical (estructural, que cubre todos los aspectos). Así el tránsito de 
la manera tradicional de la Historia a la Historia del Tiempo Presente es el paso del estudio de un tiempo 
cronológico a un tiempo-memoria, teniendo en cuenta que la memoria es la capacidad para almacenar, retener y 
recordar determinada información.
Por tanto, el objetivo del historiador es construir la memoria colectiva a través de los vestigios producidos 
en el pasado, vestigios que pueden tomar distintas formas: desde objetos materiales hasta recuerdos transmitidos 
a través de la oralidad o imágenes. Nosotros partimos de la base de que el hombre es un hacedor de imágenes 
(no olvidemos que la imagen se convierte en la primera fuente que emplea el ser humano para conformar la 
memoria exenta) y si a esto le unimos que el historiador es un hacedor de memoria, éste encuentra en el soporte 
visual, cualquiera que sea su expresión, una herramienta fundamental de trabajo.
De este modo, carteles, fotografía y cine documental se presentan como fuentes de recuperación de la 
memoria altamente interesantes para el historiador, tanto por lo que esas imágenes “dicen” como por lo que 
“ocultan”, de tal manera que le obligan a ver y volver a ver, una y otra vez, para poder extraer información que, 
en un primer momento, podría aparecer velada.
Nosotros emplearemos la fotografía por ser un soporte que corta el espacio y captura el tiempo de aquello 
que retrata, convirtiendo el artefacto generado (analógico o digital) a través del clic de una cámara fotográfica 
en un documento social (Freund, G, 1993). No sólo se presenta como una extensión del ojo (la memoria natural 
piensa en imágenes) sino que lo hace como una extensión de la memoria, en tanto que se revela como una de 
sus funciones (PANTOJA, A, 2005), de tal manera que opera en nuestras mentes como una especie de pasado 
preservado. El resultado es una selección de ese momento pretérito ya que, a través del encuadre, el fotógrafo 
rescata la realidad que pasa por delante del visor de su cámara y, por tanto, muestra una parcela de lo real (el 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
fotógrafo elige lo que quiere retratar y lo que quiere ocultar).
Si las fotografías son testigos de lo acontecido, en un momento tan relevante como un conflicto bélico 
se convierten en armasmuy potentes en el terreno propagandístico. En el caso de la Guerra Civil Española 
esto se potencia ya que fue el primer acontecimiento seguido día a día en todo el mundo y se entendió, desde 
el primer momento, la necesidad de controlar las imágenes que se producían, tal y como ya se advertía en un 
artículo: “Este punto hay que plantearlo con toda claridad. Si queremos que este arma no pierda ninguna de sus 
virtudes tenemos que calibrar muy bien su empleo y conocer el modo de emplearla lo más eficazmente posible. 
Una de las armas más a nuestro favor con que contamos para ganar la guerra es precisamente la propaganda; de 
ahí que nos valgamos de ella con tacto, con mesura, con verdadero tino, y no confundamos su propia finalidad” 
(LA VOZ DEL COMBATIENTE, 9/01/1937).
Fue tal el nivel de explotación propagandística que incluso la prensa de la época criticó duramente al 
gobierno republicano por estar más concentrado en hacer grandes campañas que mostraran visualmente las 
maldades facciosas y las bondades de los antifascistas que en el propio desarrollo militar de la contienda, tal y 
como se recogía en un artículo que fue censurado: 
Y puesto que estamos resueltos a que ninguna falta quede sin corregir, ¿no 
será menester que alguna vez nos pongamos a pensar si desde el Comisaria-
do de Guerra, por ejemplo, no se está atendiendo más, mucho más, a la pro-
paganda de partido –no el nuestro, ciertamente- que a servir calladamen-
te las exigencias que la guerra plantea? (EL SOCIALISTA, 19/02/1937).
Por esta razón, y otras que iremos desgranando a lo largo de este capítulo (como que la Guerra Civil 
Española fue el laboratorio de ensayo de conflictos posteriores respecto, entre otros asuntos, a lo concerniente 
en propaganda), los sucesos que tuvieron lugar en España entre el 18 de julio de 1936 y el 1 de abril de 1939 
se convierten en puntos de partida relevantes para desarrollar nuestra propuesta de trabajo: la creación de 
un discurso a través del ensamblaje de distintas imágenes, empleando como indicios para construir nuestra 
teoría la expresión corporal de los personajes retratados en las fotografías. De esta manera el “gesto” repetido 
y seleccionado (hasta tal punto que deja de ser gesto para convertirse en “pose”) se convierte en un delator del 
discurso velado existente tras el interés de las autoridades en mostrar una determinada imagen de la realidad 
vivida por los protagonistas.
En este caso tomaremos como referencia la imagen que se ha conservado de aquellas mu-
jeres que sufrieron la guerra en la ciudad de Madrid. “Mujeres” porque se convirtieron en 
heroínas de la retaguardia y de “Madrid” por ser esta ciudad el símbolo de la resistencia 
antifascista de la España republicana, objeto, por tanto, de la atención propagandística.
Las mujeres del ¡No pasarán! 1
Antes de abordar el tema que nos ocupa, es necesario establecer, a modo de apunte, algunas cuestiones 
relativas al papel desempeñado por las protagonistas de este trabajo, las mujeres, durante el acontecimiento 
histórico que vertebra la historia del siglo XX en España: la Guerra Civil2.
Desde el verano de 1936 la mujer republicana adquirió un papel antes impensable: el de protagonista de 
la retaguardia. El hombre debía partir al frente y esto se tradujo en un reajuste de los roles de género, ahora 
marcados por la disolución de la figura masculina y la responsabilidad femenina en el espacio privado (asociado 
tradicionalmente a la mujer) y en el espacio público, incluyendo el trabajo en talleres y fábricas, en labores 
asistenciales e, incluso, en actividades de carácter político y sindical. 
1 Eslogan que Dolores Ibárruri, La Pasionaria, (fundadora del Partido Comunista de España), recoge de un cartel elaborado por 
el artista republicano Ramón Puyol que, a su vez, había recuperado del lema francés “Ils ne passeront pas” que el general francés Robert 
Nivelle popularizó durante la Batalla de Verdún en plena I Guerra Mundial.
2 Conflicto que divide España entre el 18 de julio de 1936 y el 1 de abril de 1939 cuando parte del ejército se subleva contra el 
gobierno establecido en el país tras las elecciones celebrada en el mes de febrero y del que sale victorioso el Frente Popular. Tras tres años, 
la guerra finaliza con la victoria de los golpistas dirigidos por el general Francisco Franco, quien se convierte en el jefe del estado hasta 
su muerte el 20 de noviembre de 1975, tras 40 años de dictadura.
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De este modo, las mujeres se convirtieron en sujetos de interés de la propaganda y la información, y, 
por tanto, en objetivo de carteles, fotografías y documentales del momento. Sin embargo, debemos hablar de 
distintos modelos de mujer (IGLESIAS, C, 1989) en función de la actividad que desarrollaron durante el 
conflicto y que quedan representados en los soportes visuales:
Mujer de costumbres: responsable de intentar el mantenimiento de un hogar en tiempos de guerra.
Mujer sublime: capaz de combinar su faceta de ama de casa con la de voluntaria o asalariada en trabajos 
de refuerzo en la retaguardia.
Mujer antifascista: responsable de luchar contra el enemigo a través de su voz en la retaguardia (la político-
sindicalista) o a través de su fuerza en el frente (la miliciana).
Cada uno de estos prototipos quedó representado en la portada del diario ABC3 del día 13 de noviembre 
de 1936, en la que bajo el lema: “¡Mujeres¡ ¡En pie¡”, se muestra, a través de siete dibujos, un grupo de mujeres 
desempeñando distintas labores como el trabajo en un taller, arando, asistiendo a un enfermo, conduciendo un 
tranvía, barriendo las calles, cocinando y dando un discurso.
Fig. 1
Cuando el “gesto” se convierte en “pose”
El “gesto” es el eco del cuerpo y, por tanto, delator de un estado de ánimo, una resonancia natural que expresa 
una emoción. Cuando éste, una vez materializado en un soporte de memoria como es la fotografía, se selecciona 
a partir de un conjunto de posibilidades y tras crear un discurso previo es utilizado con fines propagandísticos, 
pasa a convertirse en un artificio (en una “pose”) que se emplea para crear un mensaje determinado. Esta idea 
será nuestro punto de partida.
Para anclar esta afirmación emplearemos un ejemplo gráfico que se representa en el siguiente cuadro:
3 Diario español de tendencia monárquica y conservadora que fue fundado el 1 de enero de 1903 por Torcuato Luca de Tena. Ha 
sido el único periódico en el mundo que durante un conflicto bélico ha mantenido dos ediciones diferentes en los bandos enfrentados, 
de tal modo que tuvo una tirada editada en Madrid (ciudad que, desde el inicio de la guerra, quedó en manos de los defensores de la 
República) y otra en Sevilla (ciudad alzada). 
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Fig. 2
La imagen que hemos seleccionado se tomó en la ciudad de Madrid durante los primeros meses de la 
Guerra Civil Española. Una mujer vestida de negro (símbolo de luto) muestra un gesto desgarrador. Ante 
esta realidad un fotógrafo anónimo captura la escena con su cámara fotográfica generándose un documento 
histórico4: es un retazo de la realidad que sufre la protagonista. Pronto, las autoridades de Madrid entendieron 
la idoneidad de emplear esta fotografía como ejemplo gráfico del dolor que sufría la población civil como 
consecuencia de la sublevación militar con un objetivo claro: que las democracias occidentales, al comprobar 
visualmente los efectos de los bombardeos enemigos sobre la población civil, apoyaran su causa. De este modo, 
el Ministerio de Propaganda distribuyó esta fotografía inserta en un cartel5 (lámina coloreada 56x80), cuyo 
texto en español también se tradujo al inglés (“¿What are you doing to prevent this?”), para que fuera publicada 
en los diariosde muchos países, como se hizo en Noticias Gráficas6 :
4 No conocemos la fecha exacta de lo ocurrido pero podemos afirmar que sucedió durante los últimos meses de 1936 o en los 
inicios de 1937, ya que por la ropa que viste se trata de una instantánea tomada entre el otoño y el invierno. Si a esto le añadimos que fue 
publicada en prensa en febrero de 1937 nuestra hipótesis para ser acertada.
5 Archivo General de la Guerra Civil, Salamanca (España). Sig.: 1.238 / M-32 cartel 243.
6 Noticias fue un periódico vespertino fundado el 10 de junio de 1931 por la familia Mitre, dueña de otros diarios como La Nación, 
con la intención de competir con Crítica. En 1941 ya se había convertido en uno de los tres diarios de la tarde más importantes del país. 
Tenía sede en la Avenida de Mayo 654, más conocida como la “avenida de los españoles”, y pronto adoptó el nombre de Noticias Gráficas 
debido a que su doble página central estaba totalmente ilustrada.
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Fig. 3
¿En qué momento se convierte el “gesto” de sufrimiento de la mujer en una “pose”? Justo en el instante 
en el que las autoridades republicanas seleccionan, de entre todas las posibilidades posibles, aquellas fotografías 
(incluida la que acabamos de ver) que muestran esas escenas de dolor, obviando otras en las que las mujeres 
intentan (dentro de las limitaciones impuestas por el ritmo de la contienda) sobrevivir en las mejores 
circunstancias posibles. La respuesta es, por tanto, la siguiente: en el momento en el que se seleccionan unas 
fotografías determinadas y se ignoran otras que muestran un perfil diferente para mantener un discurso artificial 
con fines propagandísticos.
Esta afirmación no se realiza tras meras conjeturas sino que nos apoyamos en los datos extraídos después 
de realizar una intensa prospección de distintos fondos fotográficos que conservan imágenes tomadas a mujeres 
que vivieron la Guerra Civil Española en la ciudad de Madrid. Pongamos como ejemplo los resultados extraídos 
tras el estudio de dos colecciones que recogen este tipo de instantáneas: el Fondo Fotográfico de la Guerra 
Civil Española de la Biblioteca Nacional de España y la colección de fotografías que se conservan del diario 
Noticias Gráficas en el Archivo General de la Nación Argentina y que recoge aquellas instantáneas que pasaron 
la censura de las autoridades republicanas para que fueran publicadas fuera de España7.
Mientras que en el Fondo Fotográfico de la Guerra Civil Española de la Biblioteca Nacional de España 
un 62´62% de las fotografías muestra una actitud activa de las mujeres retratadas (recogiendo escombros, 
haciendo colas para adquirir alimentos, dedicándose a la limpieza del hogar, etcétera) en la colección del 
Archivo General de la Nación Argentina la cifra de imágenes en las que éstas mantienen una actitud pasiva 
asciende al 61´90%. 
La lectura de estos datos muestra una evidencia: en el caso de las imágenes fotográficas que fueron 
exportadas para mostrar visualmente la vida en la ciudad de Madrid durante la Guerra Civil Española y 
que retratan a mujeres, observamos como en un porcentaje que supera el 60% las muestra como víctimas 
del conflicto, mientras que en las imágenes que se conservan en el fondo español en ese mismo porcentaje 
7 Un estudio en profundidad de las fotografías de Noticias Gráficas que se conservan en el Archivo General de la Nación Argentina 
se realiza en De las Heras, Beatriz: Imágenes de una ciudad sitiada: Madrid, 1936-1939. Colección inédita de fotografías de la Guerra Civil (Ediciones 
J.C., 2009). 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
se retrata la imagen de una mujer activa. Pasividad (asociada al retrato de mujeres que sufren) y actividad 
(asociada al retrato de mujeres que trabajan) que se muestra a través del lenguaje corporal con un gesto natural, 
en el momento en el que se selecciona como elemento que, con una intencionalidad, se convierte en base de la 
propaganda, se convierte en pose aunque en origen (la intención de las protagonistas) fuera un gesto.
Mujeres de Madrid, 1936 – 1939
Para componer nuestro discurso (de qué manera la imagen que se proyectó de las mujeres que vivieron 
la Guerra Civil Española en Madrid se seleccionó para mandar un determinado mensaje con fines claramente 
propagandísticos tanto en el país como en el extranjero) emplearemos como fuente principal la fotografía y nos 
apoyaremos en otras fuentes visuales: los carteles y el cine documental. Debemos aclarar que enunciaremos, 
brevemente, algunas cuestiones que deberían ser tratadas con mayor profundidad.
Ya hemos avanzado la primera “pose” sobre las mujeres. Hubo una intención manifiesta por parte de las 
autoridades republicanas por manipular la realidad seleccionando las fotografías del primer prototipo: la mujer 
de costumbres, presentándola con un doble perfil:
En los medios españoles como una superviviente que, sin rendirse, intentaba acomodarse a las duras 
circunstancias. El objetivo era evitar que la población civil cayera en el desánimo.
En los medios extranjeros como víctima de la sublevación militar que sufría las siniestras consecuencias 
de los continuos ataques que recibía la ciudad de Madrid. El objetivo era denunciar las atrocidades del enemigo.
¿Qué es lo que nos dice el lenguaje corporal del prototipo de mujer de costumbres que fue retratada en 
las instantáneas que se publicaron en el extranjero? Observemos detenidamente los rostros de alguna de esas 
protagonistas inmortalizadas por los fotógrafos.
Fig. 4
Estas fotografías están acompañadas por textos (que se conservan en el reverso) y que remarcan la 
victimización de las mujeres, como en el siguiente mensaje correspondiente a la segunda de las instantáneas 
(publicada en el diario Noticias Gráficas) que hemos presentado, en el que palabras como “dramática/dramatismo”, 
“dolor”, “agobia” o “perdido” son enunciadas:
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Fig. 5
Dramática expresión de una madre. Estas escenas fueron registradas inmediatamente después de un raid 
de los aviones rebeldes. Ellas dicen claramente el dolor que agobia a las mujeres que han perdido a los seres 
más queridos, no encerrando menor dramatismo ese grupo que huye de las zonas peligrosas llevando los pocos 
enseres que pudieron ser salvados del bombardeo.
Por otro lado, ¿qué es lo que nos dice el lenguaje corporal del prototipo de mujer de costumbres que fue 
retratada en las instantáneas que se publicaron en Madrid?
Fig. 6
La primera fotografía publicada en la prensa española de mujeres que corresponden al prototipo de mujer 
tradicional es del 28 de julio de 1936. Se trata de una instantánea tomada en la ciudad de Toledo, cercana a 
Madrid, en la que se retrata a una mujer que anima a un grupo de milicianos en pleno combate.
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FIg. 7
La figura femenina está en primer plano aunque de espaldas, por lo que no distinguimos sus rasgos. Este 
hecho, muy empleado en la cartelería de la época, permite que cualquier observador de la fotografía se sienta 
identificado con la protagonista: se trata de un personaje que podría ser cualquiera. El texto que acompaña 
a la imagen remarca la actitud de la mujer: “En Toledo, como en todos los frentes, la mujer ha tomado parte 
activa en la lucha. Esta muchacha anima a los milicianos durante el combate que éstos sostuvieron contra la 
Academia”. A pesar de pertenecer al prototipo de mujer tradicional, se la fotografía como un personaje valiente 
que no duda en, muy cerca de la batalla, animar a los milicianos.
Más interesante resulta el retrato delprototipo de mujer sublime, muy explotado en la prensa publicada en 
la España republicana. De hecho, el primer número del diario ABC que publicó imágenes de mujeres en los 
primeros días de contienda8, ya recogía una imagen en la que hombres y mujeres trabajaban en cooperación. Se 
trata de una fotografía tomada por Alfonso que muestra el trabajo de colaboración de hombres y mujeres que, 
unidos, colocan en un puesto de la Cruz Roja los periódicos que más tarden repartirán entre los milicianos que 
se encuentran en el frente de Somosierra.
Fig. 8 
8 ABC, 28/07/1936, p. 5
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
Este interés por parte de las autoridades republicanas por recoger el retrato de la mujer trabajadora se 
debía a dos motivos: en primer lugar porque la imagen de mujeres trabajadoras que se publicaba en la prensa 
animaba a otras a seguir su ejemplo y, en segundo lugar, porque tras las fotografías que retrataban este prototipo 
se escondía un discurso creado que intentaba, de manera sutil, zanjar un problema con el que tuvieron que 
enfrentarse las autoridades republicanas desde las primeras semanas de contienda: la incomodidad que produjo 
a los hombres que las mujeres se integraran en el mercado laboral sustituyéndoles en talleres y fábricas de la 
ciudad. Pensaron que su sustitución como mano de obra ponía en riesgo su reincorporación tras finalizar la 
guerra, hasta tal punto que algunos políticos centraron sus discursos en intentar atajar este asunto (IBÁRRURI, 
D, 1938). A partir de este momento son numerosos los ejemplos visuales que se publicaron en los diarios 
madrileños en los que se retrataba a un grupo de mujeres trabajando en talleres y fábricas de la ciudad o en el 
sector servicios, acompañadas de hombres pero con un matiz diferente que se percibe si atendemos a algunos 
detalles que, de nuevo, se delatan a través del lenguaje corporal. Pongamos un ejemplo visual:
Fig. 9
Se trata de una fotografía anónima que retrata un grupo de nueve mujeres y un hombre en un taller 
mecánico. A través del lenguaje corporal podemos extraer algunas conclusiones que nos ayudan a recomponer 
la situación:
El gesto del grupo de féminas que se encuentra a la derecha parece decirnos que no están familiarizadas 
con la máquina que están observando. La cabeza ladeada y la forma que tiene de mover los brazos la mujer que 
viste de blanco delata desconfianza.
El gesto del grupo de féminas que acompaña al hombre parece decirnos que escuchan atentamente 
aquello que les cuenta y que se encuentran familiarizándose con la maquinaria del taller.
En este fragmento se nos revela una información que también puede descubrirse trabajando otros soportes 
visuales, como los carteles. A lo largo de la ciudad se colgaron estos “gritos en la pared” en los que una mujer, 
ataviada con el mono de trabajo, trabajaba con una llave mecánica apretando unas tuercas (representación visual 
del trabajo en los talleres). Junto a esta figura femenina se dibujó a un hombre en sombra (representación de un 
protagonismo secundario) y con un lenguaje corporal (la mira fijamente y pone sus brazos sobre la cadera) que, 
claramente, se puede identificar con una actitud de supervisión. El lema nos ayuda a completar la información 
aportada a través del lenguaje visual: “La mujer también quiere ganar la guerra. Ayudémosla”.
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Fig. 10
Ahora bien, si hay un prototipo de mujer que se explotó visualmente, sobre todo en los primeros meses de 
la contienda, fue el de la mujer antifascista en la vanguardia. De hecho la primera fotografía que se publicó en el 
ABC de una mujer corresponde, precisamente, al retrato de una miliciana: se trata, de nuevo, de un trabajo de 
Alfonso, en el que un grupo de milicianos posa armado ante la cámara del fotógrafo. El centro de atención de la 
instantánea es para la figura femenina que, de una forma destacada, ocupa la posición central.
Fig. 11 
Sin embargo, debemos tener en cuenta que el frente de Madrid no fue el más defendido por mujeres y 
como grupo “no constituyó un nuevo modelo de mujer asociada con la resistencia antifascista” (NASH, M, 
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1991), entre otras cosas porque durante el transcurso de la guerra no se dispuso ninguna política oficial de 
alistamiento femenino9 y porque a partir de octubre de 1936 se popularizó la consigna “Hombres al frente, 
Mujeres a la retaguardia”, lema que se convirtió en obligación con la creación del Ejército Popular en enero 
de 1937. Por otro lado, salvo contadas excepciones10, la mayoría de mujeres que lucharon contra el enemigo 
desde el frente se responsabilizó de las labores de soporte, reproduciendo los tradicionales roles de género: se 
dedicaron a la cocina, limpieza, higiene y enfermería. 
De hecho la mayoría de las fotografías que se conservan de mujeres que lucharon en primera línea, si 
son estudiadas con detalle, muestran una imagen poco natural de su actividad. Su lenguaje corporal apunta 
siempre a la pose, a la artificialidad de sus gestos. Para demostrar esta afirmación recuperaremos dos fotogramas 
rescatados de un documental “La mujer y la guerra” en los que, claramente, se muestra una imagen posada. La 
posición de la cámara (en el primer fotograma se observa como el operario estaba de pie en el campo de tiro 
del enemigo) y los propios gestos exagerados de las protagonistas, lo confirman. Se trata, claramente, de una 
recreación de una escena bélica. 
Fig. 12
 Pero, ¿qué sentido tendría mostrar a la mujer luchando en primera línea de frente? La explicación puede 
intuirse estudiando el siguiente cartel de guerra. Se trata de un trabajo anónimo que recrea una escena de lucha 
en la que un grupo de milicianos se enfrenta al enemigo. 
Fig. 13
9 Existe alguna excepción en este sentido, como el llamamiento que realizó el Secretario del Partido Socialista Unificado de 
Cataluña (PSUC), Artur Cussó, durante los primeros días de guerra con la intención de crear una milicia femenina, o la creación de un 
batallón de mujeres milicianas en el mes de agosto de 1936 de Barcelona, Sabadell y Mataró que actuó en la defensa de Mallorca. 
10 Entre las madrileñas más conocidas destacan nombres como los de Angelita Martínez, asaltante del Cuartel de la Montaña, 
Consuelo Martín, que fue herida en el frente de Somosierra, Margarita Fuente, responsable de dirigir el grupo Femenino de Investigación 
o Anita Carrillo, coordinadora política del Batallón México.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
De nuevo una figura femenina resulta ser el foco de atención de la imagen. Bajo el lema “!No pasarán!” 
esta mujer defiende, junto a otros compañeros, su posición atacando a un batallón del ejército sublevado. Sin 
embargo el lenguaje corporal de los protagonistas no nos habla de una actitud igualitaria por parte de todos los 
milicianos ya que la mujer, mas valiente que los demás, encara al enemigo desafiándole casi de pie, sin buscar el 
cobijo de la trinchera o del cuerpo de un compañero caído, como en el caso del miliciano retratado en la parte 
izquierda del cartel. ¿Cuál era el objetivo? Este cartel no estaba dirigido a las mujeres para que se sintieran 
identificadas con la miliciana y se alistaran como voluntarias en las milicias sino a los hombres, con la intención 
de que, viendo el valor con el que luchaban sus compañeras, entendieran que ellos debían alistarse los primeros.
Pies de figura
Fig. 1. aBC. Diario republicano de izquierdas. 13/11/1936
Fig. 2. archivo General de la Guerra Civil, salamanca. Sig.: 1.238 / M-32 cartel 243.
Fig. 3. Noticias Gráficas,13/02/1937
Fig. 4. archivo General de la Nación argentina: Colección de Noticias Gráficas. C. 362, Docs. 1869, 
1961, 1866, 1755 y 1757
Fig. 5. Noticias Gráficas, 6/03/1937
Fig. 6. Biblioteca Nacional de españa: Fondo Fotográfico de la Guerra Civil española. Carpetas y 
Caja 57
Fig. 7. aBC. Diario republicano de izquierdas. 28/07/1936, p. 13
Fig. 8. aBC. Diario republicano de izquierdas. 28/07/1936, p. 5
Fig. 9. Biblioteca Nacional de españa: Fondo Fotográfico de la Guerra Civil española. Caja 93bis
Fig. 10. Parrilla: la mujer también quiere ganar la guerra. ayudémosla [en línea], Partido Comunista 
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Fig. 11. aBC. Diario republicano de izquierdas. 28/07/1936, p. 4
Fig. 12. la mujer y la guerra (Mauricio A. Sollin, 1938)
Fig. 13. Anónimo: ¡No pasarán!, en Carteles de la Guerra Civil española, Madrid, Ediciones Urbión, 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
O AMOR PARA ALÉM DA VIDA:
ESTUDO DISCURSIVO DO AMOR ENCANTADO E SILENCIOSO
Maria Aparecida Conti 
 Málter Dias Ramos
Introdução
A partir de fragmentos do roteiro de Carlos Alberto Soffredini, adaptado por Luís Alberto de Abreu e 
por Luis Fernando de Carvalho para a microssérie “Hoje é dia de Maria”, bem como de alguns aspectos cênicos 
da série publicados em DVD e também do romance “Vidas-secas”, de Graciliano Ramos, pretendemos discutir 
os dispositivos que constituem a memória discursiva do corpo e sua relação com o silêncio. Para desenvolver-
mos nosso trabalho, utilizaremos as ferramentas de análise discursiva. 
Em acordo com a perspectiva foucaultiana, todo sujeito é constituído por atravessamentos da relação 
com o outro, ou seja, os sujeitos discursivos são constituídos a partir da relação com o outro, nunca sendo fonte 
única do sentido, tampouco elementos de onde se origina o discurso. Assim, discutiremos a construção de 
subjetividades construídas por meio das metáforas do amor encantado, que exige a transformação do outro para 
a sua realização, e da imagem do amor produzida pelo silêncio. Para isso, buscaremos respaldo em Courtine, 
na noção de intericonicidade, que trata da imagem sempre já lá, ou seja, da existência de sempre lá estar uma 
imagem. É sobre essa imagem já posta que buscaremos tecer relações com as imagens que nossos corpora nos 
apresentam e, a partir dessa materialidade, encontrar elementos na memória discursiva que configurem nossa 
corporeidade ser um prêmio ou um castigo para a nossa vivência Humana.
Abordaremos, também, a noção de representação relacionando os signos imagéticos e os linguísticos 
para observar os pontos comuns que tornam toda forma de expressão (científica ou cultural) em uma nova 
tecnologia de subordinação e de produção de verdade. Com Foucault, em “As palavras e as coisas”, entendemos 
que os pontos de referência e de valorização do signo não se encontram no interior dos signos, mas no seu 
exterior. A palavra, falando, mobiliza o discurso a falar, uma vez que, composto e presente em si, o discurso 
emerge de sua opacidade. Dessa forma, tomamos como ponto de partida o fato de que vivemos num mundo 
de histórias que nos são constantemente contadas e que contamos aos outros e a nós mesmos. Uma vez que as 
histórias fazem parte da humanidade, pensamos em pesquisar os dispositivos que usamos para criar represen-
tações simbólicas que encapsulam as experiências de vida que explicam o mundo.
Pressupostos teóricos
O lugar ocupado pelo corpo como objeto discursivo tem sido exaustivamente trabalhado por analistas 
de discurso. Foucault1 (1994) discute esse assunto em “Uso do prazeres” e “Técnicas de si”, falando que em 
1 « Technologies of the self » (Université du Vermont, outubro, 1982; trad. F. Durant-Bogaert). In: Hutton (P.H.), Gutman (H.) 
e Martin (L.H.), ed. Technologies of the Self. A Seminar with Michel Foucault. Anherst: The University of Massachusetts Press, 1988, pp. 
16-49. Traduzido a partir de FOUCAULT, Michel. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994, Vol. IV, pp. 783-813, por Karla Neves e wanderson 
flor do nascimento. http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/tecnicas.pdf Acessado em 15/02/2010.
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
nossa sociedade, na era pós-moderna, não há mascaramento dos discursos sobre a sexualidade. A mídia se 
encarrega de divulgá-los e mesmo incitá-los. Produto de linguagem, a sexualidade é uma criação sócio-cultural 
que se estabelece historicamente e o conjunto de enunciados produzidos a seu respeito resultam de um sujeito 
discursivo sexual, como comenta Milanez, pesquisador especialista sobre o discurso do corpo.
Apresentar-se como sujeito nessa posição implica em articular sistemas de regras que 
coagem nosso modo de vida. O corpo, assim, é o elemento que nos permite criar dis-
cursos que falam de nossas necessidades, expondo nossos desejos e emoções. O contro-
le, nesse caso, não será soberano, pois trará a possibilidade do indivíduo voltar-se para 
si e praticar-se como sujeito, dando margem para um pequeno exercício de liberdade, 
multiplicando o sexo como história, como significação e, também, como certo tipo 
de identidade clivado pelo social e pelo histórico. (MILANEZ, 2009, p. 219-220). 
Observar esse aspecto em um texto literário requer conhecimento do sujeito discursivo que enuncia na 
obra e para defini-lo, seguimos as orientaçõesde Foucault. Na concepção de sujeito foucaultiana, em todas as 
épocas os sujeitos discursivos são subjetivados pelas identidades culturais que as governam. Seja pelas identi-
dades sexuais (que não tem nada a ver com o sexo), seja pelas construções sócio-histórico-culturais acerca do 
conhecimento e dos cuidados de si. Desse modo, há uma constitutividade entre o desejo silencioso e o dizer no 
entrelaçamento dos sujeitos discursivos. Estas instâncias do silêncio e do dizer perpassam os gestos discursivos 
e serão notados a partir das enunciações destacadas nesta análise. 
Para analisar o funcionamento desse sujeito nos recortes que selecionamos utilizamos, também, as 
orientações bakhtinianas para os corpora literários, pois apontando o dialogismo e a polifonia do discurso, 
Bakhtin (1990, p. 87) fala que “a concepção do objeto pelo discurso é complicada pela ‘interação dialógica’ do 
objeto com os diversos momentos de sua conscientização e de seu desacreditamento sócio-verbal”. Assim, diz 
o mestre, “a ‘imagem’ do objeto, pode penetrar neste jogo dialógico de intenções verbais que se encontram e se 
encadeiam nele”. (BAKHTIN, 1990, p. 86). A essa representação linguística, Bakhtin metaforiza:
Se representarmos a intenção, isto é, a orientação sobre o objeto de tal discur-
so pela forma de um raio, então nós explicaremos o jogo vivo e inimitável de co-
res e luzes nas facetas da imagem que é construída por elas, devido à refração do 
‘discurso-raio’ não no próprio objeto (como o jogo de imagem-tropo do discur-
so poético no sentido restrito, na ‘palavra isolada’), mas pela sua refração naque-
le meio de discursos alheios, de apreciações e de entonações através do qual pas-
sa o raio, dirigindo-se para o objeto. A atmosfera social do discurso que envol-
ve o objeto faz brilhar as facetas de sua imagem”. (BAKHTIN, 1990, p. 86-87)
Ao focalizar o discurso como produto social e, portanto, histórico Bakhtin abre mais uma porta para 
pesquisas que tratam da língua(gem), seja a Linguística, a Literatura, a Filosofia, a Sociologia ou a Psicanálise. 
Para falarmos daquilo que pode ser registrado verbalmente e, consequentemente, discursivizado busca-
remos entender o processo do texto literário como um acontecimento histórico operando juntamente com o 
dispositivo complexo de uma memória. Para isso, recorremos a Pêcheux: 
A imagem seria um operador de memória social, comportando no inte-
rior dela mesma um programa de leitura, um percurso escrito discursivamen-
I
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
te em outro lugar: tocamos aqui o efeito de repetição e de reconhecimento que 
faz da imagem como que a recitação de um mito (PÊCHEUX, 2007, p.51).
Ou seja, aquilo que já está lá e que dá permissão para outras leituras serem feitas por meio do que está 
implícito. Saber onde estão os implícitos e de que maneira se materializam no discurso é o alvo das pesquisas 
discursivas. Assim, a memória, como fator de estruturação da materialidade discursiva complexa que se estende 
dialeticamente (dialética da repetição e da regularização), pode ser definida:
A memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que surge como um aconteci-
mento a ler, vem restabelecer os implícitos (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-cons-
truídos, elementos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua leitura ne-
cessita: a condição do legível em relação ao próprio legível (PÊCHEUX, 2007, p. 52).
Dessa forma, argumenta Pêcheux (2007) fundamentado em Achard, os implícitos que estão ‘ausentes 
por sua presença’ poderiam ser encontrados sob a repetição como a formação de um efeito de série, iniciando 
uma ‘regularização’. Seria justamente nessa regularização que os efeitos de implícitos residiriam em forma de 
remissões, de retomadas e de efeitos de paráfrases. Porém, nada do que poderia parecer uma sistematização 
delimitada e fechada para servir de estereótipo se definitiva. Um acontecimento discursivo novo pode sempre 
perturbar a memória.
Segundo Orlandi (2007, p. 29) a memória discursiva é este “saber discursivo que torna possível todo 
dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada to-
mada da palavra”. Assim, uma simples prática no mundo exige uma relação com a memória, pois é a partir dela 
que reconhecemos e compreendemos o mundo, nos identificando entre o mesmo e o diferente nos processos 
históricos. A memória não é o passado que não mais poderá retornar, porque foi superado. Também não é algo 
inexorável. É, ao contrário, movente, “atual”, na medida em que é convocada para sustentar o dizer e, nesse 
processo, ela se presentifica e se transforma, nas práticas de determinada conjuntura histórica.
Em virtude das observações teóricas expostas, vemos que o discurso é atravessado por contradições da 
formação discursiva em processos de aliança, subordinação, de relações de forças que estão atuando histori-
camente. Devido a isso, podemos pensar a negação como um modo de recalcar o exterior de uma formação 
discursiva; de recusar sentidos que vêm pela memória atuar no dizer presente.
Pode-se dizer ainda que o discurso inscreve-se na tensão entre o mesmo e o di-
ferente, entre o já-dito e o a-se-dizer, sendo atravessado por vários outros que 
o precederam e que já estão postos em outros contextos sociais. Esses dize-
res já-ditos e esquecidos, que sustentam e tornam possível todo o dizer, consti-
tuem a memória discursiva ou interdiscurso. Assim, para que nossas palavras te-
nham sentido é preciso que elas já façam sentido. (ORLANDI, 2007, p.85).
Fundamentado em Courtine, Milanez (2006) comenta que há uma função interdiscursiva no domínio 
de memória que permite o sujeito acessar (ou apagar/esquecer) enunciados já ditos. Nessa direção, Courtine 
aprofunda a teoria criando o conceito de intericonicidade para o trabalho com imagens. Há, na memória, 
arquivo de imagens internas provindas das visualizações de imagens externas como explica Courtine (apud 
MILANEZ, 2006, p.168).
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a noção de intericonicidade é uma noção complexa, porque ela supõe a rela-
ção de uma imagem externa, mas também interna. As imagens de impressão vi-
sual armazenadas pelo indivíduo. Imagens que nos façam ressurgir outras ima-
gens, mesmo que essas imagens sejam apenas vistas ou simplesmente imaginadas. 
 Dessa forma, as imagens visuais ecoam, e mesmo no silêncio, produzem significações produtivas para 
uma análise discursiva. Para entendermos como o silêncio pode ser produtivo, como categoria de análise, 
necessário se faz falar sobre o conceito de formação discursiva. A partir do entendimento de que a formação 
discursiva determina “o que pode e o que deve ser dito”, conforme Pêcheux apud Courtine; Marandin (1981), 
podemos inferir que aquilo que não deve e não pode ser dito, ou seja, o que pode ou deve ser silenciado, 
também é determinado pela formação discursiva, bem como o que pode e o que deve ser lembrado, em relação 
à memória coletiva. De acordo com esse ponto de vista, o vazio, apesar de não ter algo dentro dele, também 
significa “porque fundamentalmente na relação entre ele, o sujeito e o outro, é-lhe inevitavelmente atribuído 
um sentido, mesmo que negativo” (VILLARTA-NEDER, 2002, p.14).
Elencamos como hipóteses relevantes na constituição deste trabalho a observação das instâncias de 
silêncio por ausência (omissão dos itens já-ditos anteriormente) e por excesso (sobreposição de dizeres e de 
silêncios). Observamos as
instâncias do não-dito, do silêncio e do silenciamento na superfície do corpus analisado.
Em relação à produção dos sentidos, Villarta-Neder (2002) faz uma reflexão acerca de duas categorias 
do silêncio em relação dialética e complementar, num procedimentode instauração da heterogeneidade: a 
ausência, que representa o não dizer; e o excesso, que compreende a sobreposição que a palavra instaura sobre o 
silêncio ou sobre outras palavras. Seguindo a classificação de Villarta-Neder (2002), enfocamos o silêncio como 
sendo mais que um apagamento das vozes do discurso, um procedimento de instauração da heterogeneidade.
Análise
Mudar para amar
Em “Hoje é dia de Maria”, há um momento (quarto capítulo/episódio) em que o diabo rouba a infância 
da menina. Como moça, Maria continua a caminhada e sua história é cruzada pela história da Cinderela. Aqui 
observamos a aplicação do ensinamento de Pêcheux sobre a Memória e a Representação de um acontecimento 
novo. Repetindo (mas não da mesma maneira) o conto de fadas, Maria se interessa pelo príncipe. Já está no 
altar para casar-se com ele quando ouve o pio doloroso do pássaro ferido, trazido pelo vento. Maria retira sua 
mão e volta para o casebre, onde morava com a madrasta e a filha dela, a Joaninha. Diz à Joaninha que pode 
ficar com o sapato, o vestido e o príncipe e sai andando pela beira do rio até chegar ao charco onde o pássaro 
Incomum (presença constante na vida de Maria) emite uns gemidos parecidos com gemidos humanos. Retira 
as setas que o feriram e acarinha as penas do pássaro que, repentinamente, se transforma em um moço. É o 
Amado. Inicia o diálogo: 
amado: “Sou aquele que velei seu sono e segui seus passos. E não vi en-
canto em voar livre no espaço, nem em estar perto do manto das estre-
las, nem no canto dos pássaros nas manhãs. Quis andar... pela terra...”. 
Não conseguindo suster-se sobre as pernas, envergonha-se. amado: “Eu que conheci 
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a altura dos vôos, os raios mais fortes do sol, naveguei no ar gelado das montanhas e 
enfrentei o hálito quente do deserto... Eu, que agora estou tão perto de você, não sei 
caminhar... minhas pernas não me obedecem, sou um fraco... Por favor, não me olhe...” 
Maria: “Quem é ocê?” [...] “Será ocê aquele que eu já adivinho?” [...] “E pur que minha voiz 
pergunta quem é ocê, se meu coração já le conhece?” (ABREU; CARVALHO, 2005, p. 188)
Continuam declarando amor um ao outro e o pássaro conta à Maria que só é homem à luz da noite e 
que, na luz do dia, é pássaro.
Nesse trecho destacado para análise, podemos observar o jogo da memória desregulando o enunciado. 
Não é o ser humano que se transforma em animal e que pelo milagre do amor tem seu encantamento quebrado, 
desfeito, como é comum nos contos de fadas. O pássaro Incomum torna-se homem por ter o desejo de ser 
amado, como homem, por Maria. É o animal que se torna gente. Não foi encantado por nenhum bruxo que se 
desgostasse dele. 
No silêncio desse “encantamento” podemos ver uma representação metafórica do amor desmedido, sem 
fronteiras. O amor que se revela independente de classe social/biológica e que deseja ser mostrado sobrenatu-
ral porque ultrapassa os limites éticos-morais a que estamos subordinados. Talvez por esse motivo haja uma 
transformação física no Amado. Ele não pode ser completamente ave para concretizar seu amor. É necessário 
transmutar-se em homem para que o amor se realize e seja admirado ou aceito pela sociedade. 
Sobre o amor, muitos discursos foram formados na história da humanidade. Em “O Banquete”, Platão 
(2001) apresenta seis discussões sobre Eros, deus do amor e do desejo. Cada uma das discussões apresenta um 
ponto de vista diferenciado, mas em todas o amor e o desejo são tratados como procedimentos éticos-morais.
O amor entre as pessoas, como objeto a ser descrito pela linguagem, sofre deslocamentos como todos 
os objetos passíveis de discursivisação. Na análise discursiva, o sujeito não é o indivíduo. Nem é pleno, “dono 
de sua morada. Na definição de Fernandes (2007, p. 45): “O sujeito discursivo é constituído por diferentes 
vozes sociais, é marcado por intensa heterogeneidade e conflitos, espaços em que o desejo se inter-relaciona 
constitutivamente com o social e manifesta-se por meio da linguagem”. 
Nesse sentido, o sujeito discursivo, em questão, mostra uma faceta da sexualidade humana e, para en-
tendermos como isso procede, recorremos ao comentário de Campilongo. Para essa autora, o sujeito discursivo 
foucaultiano é subjetivado culturalmente pelas identidades de uma determinada época, “a partir de dois pontos 
de vista: 1) o das identidades com relação ‘a sexualidade e não ao uso do sexo’ e 2) o das construções culturais 
sobre si (o conhecimento de si e os cuidados de si)” (CAMPILONGO, 1999, p. 65). Considerando esse 
raciocínio, podemos dizer que a história de amor entre Maria e o pássaro Incomum/Amado tem muito a ver 
com outras tantas histórias conhecidas, reais ou fictícias, de nosso tempo. 
No mundo real, os rituais para os encontros amorosos, os cuidados tomados com o corpo, por exemplo, 
são aspectos que, a cada momento sócio-histórico-ideológico, foram se transformando. Mas a matriz, o ponto 
de referência para as representações do amor, se encontra com os novos acontecimentos, na opacidade ou 
mesmo na transparência linguística dos enunciados. Mudar para amar faz parte da vida e dos discursos sobre 
o amor. Maria transforma-se em mulher e Pássaro Incomum em Amado, desse encantamento, uma história de 
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amor. 
Todo o simbolismo circunscrito nessa relação representa o ideal romântico de amor, que nos séculos 
XIX e XX chega ao auge: amar e morrer de amor.
 O modelo de amor romântico, cuja paternidade indiscutível foi atribuída a Rousseau, 
consistia em um projeto amoroso que era também uma proposta filosófica e política para 
a sociedade burguesa em ascensão. Na visão rousseauniana, o amor apaixonado devia ser a 
base da construção da família, pilar da sociedade. Assim, o ideal de amor romântico integra 
a sexualidade natural do homem com o amor e o casamento, propondo um amor recípro-
co e indissolúvel, cuja finalidade última é a felicidade. (LEJARRAGA, 2005, p. 68-69).
As discussões sobre o amor e como ele é vivido varia de acordo com o momento social, político, religio-
so, histórico-ideológico, pois a noção de amor e de outros sentimentos que foram nomeados são construções 
linguísticas datadas e podem passar por mudanças como todas as construções feitas de linguagem. Como já 
dissemos, o sujeito discursivo (com o qual trabalhamos) funciona sempre considerando as forças de poder que 
regem os discursos (das identidades, com a relação à sexualidade, e do saber sobre si). 
O entendimento de um conceito de História descontínua se torna, então, de extrema importância para 
entendermos os enunciados contidos em “Hoje é dia de Maria” na perspectiva da Análise do Discurso. Por 
esse motivo, voltamo-nos para a questão de Foucault (1995), para entender esse processo: como aparece um 
determinado enunciado e não outro em seu lugar? Historicamente, os efeitos de sentido de um enunciado 
(re)velam conflitos sociais existentes nos espaços de enunciação, assumidos por sujeitos que se colocam em 
diferentes organizações sociais. Dessa maneira, 
As relações de poder são preenchidas politicamente por ideologia e, em conformida-
de com as mudanças que sofrem, diferentes vozes ideológicas enunciam construin-
do diferentes rumos na História. As alterações político ideológicas nos discursos de-
correm da mudança de sujeitos em cena, ou da transformação dos sujeitos na linha 
do tempo, o que implica mudanças no espaço social. Na verdade, novas perspectivas 
políticas e ideológicas, que provocam o surgimento de um novo cenário sociocultu-
ral, são aspectos inerentes à formação de um discurso (FERNANDES, 2007, p.62).
Esses aspectos podem ser observados, por exemplo, no estudo que Chaves (2006) faz sobre relaciona-
mentos amorososna Pós-Modernidade. A autora relata que inúmeros estudos foram realizados nesse sentido 
e que é dessa forma que conhecemos, por exemplo, o amor platônico, o amor cristão, o amor cortês e o amor 
romântico. Para a autora,
Cada uma dessas noções diz respeito a um sentimento que expressa uma de-
terminada crença emocional. Paralelamente ao sentimento amoroso, existe algo 
que é da ordem do juízo, por exemplo, ao fazer uma escolha amorosa há nes-
sa ação um julgamento no qual o indivíduo leva em conta suas experiências pas-
sadas e necessidades, seus valores, expectativas e ideais, sua condição contextu-
al de vida. [...] A maneira como o indivíduo sente, expressa e vivencia o sentimen-
to amor está relacionada a um conjunto de idéias, fantasias, imagens e discursos 
ao qual ele tem acesso, no qual ele é inserido por intermédio da sua família e do(s) 
grupo(s) social(ais), com o qual ele se identifica ou não. (CHAVES, 2006, p. 828).
Concluímos, nesse sentido, que uma história de amor tão romântica divulgada em um meio de comu-
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nicação tão poderoso como a televisão, no momento histórico em que vivemos, não pode se considerada isenta 
de propósitos. Assim como a literatura, nos séculos XIX e princípio do XX solidificaram o comportamento 
amoroso, a microssérie nos levar a refletir como essa questão tem sido vivenciada nesses tempos em que as 
relações humanas se encontram tão líquidas (BALMAN, 2005, 2001). 
O desejo e o silêncio
Em Vidas Secas, um dos fatores que devem ser analisados são os modos pelos quais todas as personagens 
trabalham com seus sonhos – sempre jogados para um futuro impreciso, distante. Inclusive a cachorra Baleia, 
que embora seja um animal, possui representações discursivas tão relevantes quanto às representações dos de-
mais sujeitos analisados e cabe a ela também o momento mais dramático da narrativa. Antes de ser sacrificada, 
Baleia deseja um céu cheio de preás gordos. Ela é constituída e interpelada por alegrias e tristezas, vida e morte; 
às demais personagens cabe apenas a sobrevivência.
Uma dessas manifestações de sonhos e anseios sem prováveis concretizações se dá por meio da per-
sonagem Sinhá Vitória. Um dos seus desejos é possuir uma cama de couro, semelhante à de seu Tomás da 
Bolandeira, dono de uma fazenda em que trabalharam no passado. Fica subentendido por meio de uma das 
manifestações do silêncio (por ausência), que Sinhá Vitória não apenas deseja ter melhores condições finan-
ceiras, mas que tivesse traído Fabiano pelo fato de conhecer e desejar ter uma cama de couro como a do antigo 
Patrão. Há, nessa enunciação, uma espécie de comparação entre a vida atual e os momentos vividos na fazenda 
de seu Tomás da Bolandeira.
Sinhá Vitória desejava possuir uma cama igual à de seu Tomás da bolandei-
ra. Doidice. Não dizia nada para não contrariá-la, mas sabia que era doidice. Cam-
bembes podiam ter luxo? E estavam ali de passagem. (...) Viviam de trouxa arru-
mada, dormiriam bem debaixo de um pau. (RAMOS, 1977, p. 25) (Grifo nosso).
Nesse primeiro momento, já nos certificamos que há algo silenciado por parte de Sinhá Vitória, pois 
se estavam acostumados a dormirem embaixo de árvores e se consideravam como retirantes, sem poderes de 
fixação em um ambiente, não justificaria ter uma cama igual a do Seu Tomás. Nesse caso, poderia ter uma cama 
que trouxesse algum conforto ao corpo e não precisaria ser exatamente igual à cama desejada.
Sinhá Vitória tinha amanhecido nos seus azeites. Fora de propósito, dissera ao marido 
umas inconveniências a respeito da cama de varas. Fabiano, que não esperava semelhan-
te desatino, apenas grunhira: - “Hum! Hum!” E amunhecara, porque realmente mulher 
é bicho difícil de entender, deitara-se na rede e pegara no sono. (RAMOS, 1977, p. 42) 
Há nesse fragmento, informações percebidas por meio do discurso produzido pelo silêncio, que Sinhá 
Vitória não se conformava em dormir numa cama de varas, possivelmente por ter se habituado a se deitar em 
uma cama de couro, como a de Seu Tomás, por exemplo. Embora Fabiano não se pronuncie claramente sobre 
o desejo da esposa, percebemos pelo seu estado emocional, que tal desejo muito o incomodava.
Nos fragmentos a seguir, teremos mais detalhes sobre o desejo de Sinhá Vitória e das informações 
veladas que aparecem por meio das manifestações do silêncio por meio do discurso:
Jogou longe uma cusparada, que passou por cima da janela e foi cair no terreiro. Pre-
parou-se para cuspir novamente. Por uma extravagante associação, relacionou esse ato 
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com a lembrança da cama. se o cuspo alcançasse o terreiro, a cama seria comprada 
antes do fim do ano. Encheu a boca de saliva, inclinou-se – e não conseguiu o que 
esperava. Fez várias tentativas, inutilmente. O resultado foi secar a garganta. Ergueu-
se desapontada. Besteira, aquilo não valia. (RAMOS, 1977, p. 44). (Grifo nosso).
Sinhá Vitória já não conseguia se distanciar da idéia de possuir uma cama de couro igual a de Seu Tomás 
e a lembrança da cama voltava constantemente. Nesse caso, verificamos um exemplo de silêncio por excesso, 
pois se diz X para não dizer Y. Na verdade, se a imagem da cama tanto a atormentava, era porque ela conhecia 
os detalhes da cama em sentidos outros que não se configuravam pelo desejo de ascensão financeira. Se fosse 
por querer conforto, Sinhá Vitória desejaria obter outros móveis da casa, mas apenas a cama a interpelava.
Fabiano roncava com segurança. Provavelmente não havia perigo, seca devia estar longe. 
Outra vez Sinhá Vitória pôs-se a sonhar com a cama de couro. [...] Tinha de passar a vida inteira 
dormindo em varas? Bem no meio do catre havia um nó, um calombo grosso na madeira. [...] – e eram quase 
felizes. Só faltava uma cama. Era o que aperreava Sinhá Vitória.
(RAMOS, 1977, p. 47) Era melhor esquecer o nó e pensar numa cama igual à de seu Tomás 
da Bolandeira. Seu Tomás tinha uma cama de verdade, feita pelo carpinteiro, um estrado 
de sucupira alisado a enxó, com as juntas abertas a formão, tudo embutido direito, e um 
couro cru em cima, bem esticado e bem pregado. (RAMOS, 1977, p. 48). (Grifos nossos).
O silêncio pode ser caracterizado (1) como ausência e, como tal, torna-se difícil reconstruir o que não se 
disse; (2) como excesso e, também nesse caso, existe uma dificuldade, já que se tem que buscar um dizer virtual 
que teria sido sobreposto. Villarta-Neder (2002, p.3) Nesse caso, as muitas referências da cama na obra evi-
denciam que a traição de Sinhá Vitória, embora não seja algo posto, pode ser comprovada. E se consideramos 
o sujeito epistemológico, essa seria uma extensão no domínio do saber científico, do esquecimento número1, 
proposto por Pêcheux& Fuchs (1975). Para Sinhá Vitória não servia ser qualquer cama de couro, deveria ser 
igual à de Seu Tomás. Além disso, o fato de ela especificar “um couro cru em cima, bem esticado e bem pregado” 
evidencia, definitivamente, que ela havia experimentado se “deitar” na tão famigerada cama. Além disso, o 
desejo incontrolável de possuir a cama pode também evidenciar a existência um amor silenciado por questões 
familiares e sociais inerentes às condições de produção às quais Sinhá Vitória estava inscrita.
Metodologicamente esta decisão é fundamental. Qualquer modelo teórico circunscreve, para determi-
nar seu objeto, limites entre o que lhe é interno em oposição a uma exterioridade, tida como um excesso incô-
modo. Mas é precisamente essa exterioridade silenciada que permite tatear os vestígios dos desejos presentes na 
interioridade. Por outra perspectiva, a interioridade pressupõe uma falta, identificável como o que lhe é externo. 
(VILLARTA-NEDER, 2002, p.9)
Por fim, Sinhá Vitória decide realizar o seu sonho aqualquer custo. Chega ao limite de querer vender 
as galinhas e a porca, além de deixar de comprar querosene, apenas para sobrar dinheiro e poder comprar uma 
cama que fosse igual à de Seu Tomás da bolandeira. A essa altura, Sinhá Vitória já tinha conhecimento sobre a 
morte do antigo patrão, mas o desejo continuava inscrito e materializado em meio às suas memórias.
Venderia as galinhas e a marrã, deixaria de comprar querosene. Inú-
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til consultar Fabiano, que sempre se entusiasmava, arrumava projetos. Esfria-
va logo – e ela franzia a testa, espantada, certa de que o marido se satisfazia com 
a ideia de possuir uma cama. Sinhá Vitória desejava uma cama real, de cou-
ro e sucupira, igual à de Seu Tomás da bolandeira. (RAMOS, 1977, p. 49)
 Diante da possibilidade de não consultar Fabiano para realizar este ato, ela ironiza o fato de Fabiano 
se satisfazer com a ideia de possuir uma cama de couro. Por este enunciado fica claro que não se tratava apenas 
de querer um móvel que lhe proporcionasse conforto, mas um objeto capaz de trazer recordações que ficaram 
interpeladas na memória e que se materializariam por meio do desejo realizado. Nessa acepção, o silêncio e o 
dizer se entrelaçam, seja na direção do já-dito ou na direção do não-dito. 
A obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos e as manifestações do discurso pelo silêncio, são objetos 
discursivos entendidos como resultado da transformação da superfície linguística de um discurso concreto em 
um objeto teórico. Neste estudo, vemos que a materialidade do discurso pelo silêncio é evidente nas condições 
adversas da tragédia sertaneja acossada pela seca, na personalização brutalizada do homem, na preocupação 
com melhores condições de vida. Esta materialidade discursiva enuncia a continuação, o devir, o desejo de 
conjunção com a felicidade e abundância futura, mesmo que tais anseios sejam percebidos por manifestações 
do silêncio.
Conclusão
Vimos que as obras em estudo se inscrevem na relação de elos entre as diversas posições-sujeito que 
se configuram como elenco da narrativa. Isso se dá por meio da relação que se estabelece entre o sujeito do 
discurso e a posição-sujeito de uma dada formação discursiva. Ressaltamos que uma posição-sujeito não é uma 
realidade física, mas um objeto imaginário, representando, no processo discursivo, os lugares ocupados pelos 
sujeitos na estrutura de uma formação social. Assim, podemos considerar o amor encantado e silencioso como 
parte integrante desse objeto imaginário na inscrição dos discursos ora analisados e que estão relacionados com 
determinadas formações discursivas e ideológicas. 
Este artigo explicita os efeitos de sentido do amor encantado e silencioso por meio do silêncio na cons-
tituição dos sujeitos e dos discursos, pois analisa o silêncio como elemento instaurador e também destituidor 
nas relações discursivas. Podemos observar tal afirmação no processo de construção do amor encantado 
que, independente da classe social/biológica, se inscreve em um dado contexto que emerge da relação 
de desregulamentos dos enunciados por meio da memória discursiva. Courtine (2007) define a memória 
discursiva como a existência histórica do enunciado relativo às expressões concretas da Ideologia em movi-
mento. Esse amparo teórico expõe um reencontro do discurso com a Memória, considerando que os corpos 
sócio-históricos dos traços discursivos constituem o espaço da memória, assimilando-o ao interdiscurso. 
São aproximações de ordem teórica que estabelecem elos entre memória e produção de sentidos. É pos-
sível tomar essa concepção de leitura pelos atravessamentos em que o amor se manifesta nos corpora analisados. 
Podemos notar tais atravessamentos amorosos tanto na relação de deslocamento da manifestação do amor 
encantado da Maria, que se transforma em mulher e desiste do príncipe devido aos sentimentos que nutria pelo 
pássaro Incomum/Amado, como do amor silenciado de Sinhá Vitória, materializado pelo desejo incondicional 
de ter uma cama de couro como a do Seu Tomás da Bolandeira, seu antigo patrão.
É possível observar nas narrativas em estudo que, o encontro amoroso passa por cuidados tomados 
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com o corpo, pois em Hoje é dia de Maria, Maria transforma-se em mulher e pássaro Incomum em Amado e 
esse encantamento proporciona a constituição de uma história de amor. O corpo também produz sentidos na 
análise de Vidas secas, pois no capítulo intitulado Sinhá Vitória, Fabiano a ridiculariza pela formação dos pés 
chatos e dedos abertos: “Ressentido, Fabiano condenara os sapatos de verniz que ela usava nas festas, caros 
e inúteis. Calçada naquilo, trôpega, mexia-se como um papagaio, era ridícula. Sinhá Vitória ofendera-se 
gravemente com a comparação (...). São aspectos que, a cada momento sócio-histórico-ideológico, foram se 
transformando e dando margem a outras produções de sentido. Além disso, as reclamações do nó que havia 
na cama de varas de Sinhá Vitória e que proporcionava desconforto ao seu corpo, faz com que, mais uma vez, 
a memória do passado viesse pela materialização do desejo pela cama de couro e das possíveis produções 
de sentido a que esse acontecimento remete. São representações do amor em acontecimentos inscritos na 
opacidade ou mesmo na transparência linguística dos enunciados. Mudar para amar faz parte da vida e dos 
discursos sobre o amor. 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
SUJEITOS DILACERADOS EM MOVIMENTO NO CINEMA DE GLAUBER
Janaina de Jesus SANTOS
Deixar que o mundo exterior atravesse e traduza em palavras, vozes, imagens e música parece ser um 
dos desafios do cinema, ao longo de sua história. Focalizaremos o cinema de Glauber Rocha como um univer-
so criativo, em que os personagens deixam o mundo passar por eles e que, por isso, são capazes de tudo, dos 
maiores sofrimentos às maiores alegrias, sem julgamentos maniqueístas, sem buscar verdades, ou qualquer 
valor moral que o impeça de existir na densidade dos tempos, em sua tessitura de seu ritmo e sua força. O filme 
Claro (1975) se constitui como um misto de singularidade e complexidade na narrativa e na estética.
Por meio de que categoria explicitar o modo como eles tornaram visível a dimensão política de todo 
gesto humano? Acreditamos que problematizar o filme como materialidade discursiva nos possibilita descre-
ver e analisar o visual em conjunto com o verbal. O filme será sondado nos seus limites de realidade e ficção, 
de palavras, de imagens e de criação e exterioridade. Trata-se de um todo em que a heterogeneidade lhe 
constitui como condição de existência.
Consideramos, pois, que Claro se relaciona com a exterioridade que o constitui. Assim, percebemos 
que a atmosfera de 1975 era de fim de esperanças políticas despertadas pelos movimentos populares ao redor 
do mundo. Entretanto, foi um período de uma explosão das formas narrativas, ao que os cineastas respondem 
com propostas novas em seu fazer: o ponto em comum aos vários diretores pelo mundo é o assumir uma 
postura política, expressa por uma recusa de reduzir o cinema a um simples entretenimento do público.
Cada diretor responderá de modo diferente a essa exigência da ordem política. No caso de Glauber 
Rocha, trata-se de buscar um outro cinema capaz de engajar tanto o diretor quanto o expectador num trabalho 
recíproco: enquanto o primeiro revolve a si face ao filme, o segundo é convocado a se despir dos modos 
institucionais de representação, no esforço de se deslocar e se permitir adentrar na instância do filme.
Autoria no filme
Nesse ínterim, destacamos que o nome Glauber Rocha ocupa lugar de destaque nas páginas da história 
do cinema mundial, como importante representante da arte na América Latina. Ele é apontado como um dos 
fundadores do Cinema Novo e o principal difusor do Nuevo Cine Latinoamericano. Citado várias vezes, nessa 
historiografia, como autor e diretor no “cinema político”, além de líder na renovação do cinema brasileiro e 
latino-americano, Glauber se distingue em termos políticos e estéticos do cinema anterior à década de 1960.
Sob a lente dos estudos foucaultianos, desafiamo-nos a olhar o filme Claro como objeto mesmo de 
análise, observá-lo como uma dispersão de elementos historicamente agrupados e concebê-lo dentro do fun-
cionamento social do discurso. Deteremo-nos nesse funcionamento, que legitima o seu “dizer”, na sociedade 
ocidental pós-Segunda Guerra para investigarmos a função autor “Glauber” em nosso corpus.
A fim de nortearmo-nos no delineamento do autor, lembramos quando Foucault (2006, p. 273) afirma 
que o nome do autor, assim como o nome próprio, “é o equivalente a uma descrição”, que permite delimitar 
um grupo de textos relacionados e apoiados reciprocamente. Não se trata, pois, da perspectiva biográfica ou 
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Entre a Memória e o Discurso - Nilton Milanez, Cecília Barros-Cairo, Túlio Henrique Pereira (orgs.)
sociológica de um indivíduo; mas sim da autoria como estratégia anterior, exterior, e inscrita na materialidade 
do objeto.
Enunciado no filme
Neste trabalho, propomos descrever e analisar o discurso fílmico em Claro na busca de problematizar 
os sujeitos em sua irrupção de acontecimento discursivo. Interessa-nos em particular analisar como os sujeitos 
se constituem em cenas que se destacam pelo excesso de movimentos, na dinâmica entre as materialidades 
linguística e visual. Nesse sentido, questionamo-nos até que ponto os movimentos nas três cenas selecionadas 
representam uma ação fílmica? Qual o efeito de sentido produzido pelo amálgama desse discurso fílmico?
A escolha do filme Claro como objeto de análise se pauta sobre os desafios lançados pelo discurso 
fílmico, enquanto materialidade heterogênea, o que nos propicia questionar sobre as possibilidades de trabalho 
a partir do campo teórico da Análise do Discurso. Acreditamos que pensar o filme discursivamente viabiliza 
responder às questões levantadas, no sentido de que os enunciados no método arqueológico estão “nessa 
descontinuidade que os liberta de todas as formas em que, tão facilmente, aceitava-se fossem tomados, e ao 
mesmo tempo no campo geral, ilimitado, aparentemente sem forma, do discurso” (FOUCAULT, 2007a, p. 90). 
Então, o enunciado é concebido para além da estrutura de proposição, frase ou ato de fala. Ele está no plano 
do discurso e não em um ato material ou intenção de um indivíduo.
A fim de explicar o modo singular de existência, o filósofo francês transita pelos níveis da língua e da 
lógica para afirmar que se trata de “um certo tipo de enunciado que deve estar relacionado, de modo definido, 
a uma realidade visível” (FOUCAULT, 2007a, p. 102). De modo que o enunciado não está no âmbito dos 
signos, das ideias ou do pensamento; mas, sim, no domínio de uma prática discursiva. Em outros termos, 
interessa-nos o que foi efetivamente dito.
Estamos diante de ditos que foram produzidos em algum lugar, como o único possível enquanto posi-
ção que se inscreve na história. Assim, todo enunciado é produzido por um sujeito que somente ele poderia ter 
enunciado, e que o faz entrar numa rede de outros enunciados já ditos. Nessa perspectiva, pensamos a função 
autor dentro dos pressupostos foucaultianos como aquela que possibilita recriar a realidade a partir de seu 
lugar histórico. Ela é uma condição para a produção e circulação de todo dizer: alguém diz a partir de algum 
lugar. 
Propomo-nos problematizar o enunciado em suas regras de formação e emergência, indagando: “como 
apareceu um determinado enunciado, e não outro em seu lugar?” (FOUCAULT, 2007a, p.30). A análise dos 
enunciados, como pretendemos mostrar no desenvolvimento, está calcada na estreiteza e singularidade do 
acontecimento discursivo, em que nenhum outro poderia (re)aparecer em seu lugar.
Pensamos que o filme tem existência, acima de tudo, sócio-histórica e é atravessado pelas inquietações 
de posições do sujeito autor. Desse modo, estamos diante de um objeto que nos possibilita investigar as 
relações da linguagem com a História, numa constituição mútua.
Acontecimento no filme
O filme foi gravado na Itália, valendo-se de várias externas que mostram seu patrimônio material, os 
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turistas e a população. Ao longo do filme, aparecem pequenas tramas que problematizam o turismo em Roma, 
a religião católica e o status do Vaticano, o núcleo familiar, as manifestações contra o fascismo, as condições 
de vida do proletariado, a questão do colonialismo e das guerras, entre outras. Observamos que sua

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