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CAP.2 IDENTIDADES E DIVERSIDADES ÉTNICO

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IDENTIDADES E DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAIS
CAPÍTULO 2 - É POSSÍVEL DESCOLONIZAR NOSSO OLHAR?
Rita de Cássia da Silva Leão
INICIAR
Introdução
Vamos pensar juntos a respeito dos sentidos de colonização e descolonização no contexto histórico brasileiro– sobretudo para compreender as identidades e diversidades étnico-raciais?
Segundo Bosi (1992, p. 11), o termo colonizar significa originalmente “morar”, então, por que se torna importante a descolonização de nossa maneira de pensar e agir? Provavelmente pela maneira como fomos colonizados.
Para que você reflita sobre as diversidades étnico-raciais, faremos uma digressão às origens da humanidade, reconhecendo que essa “excursão” histórica pode contribuir no combate ao racismo a partir do entendimento de que, desde sempre, houve diversidade e unidade nas características da humanidade. Para tanto, é imprescindível um conceito de cultura amplo, o qual desenvolveremos ao longo deste estudo.
Neste capítulo, você entenderá como ocorreu o processo de colonização no contexto brasileiro, além de refletir sobre a possibilidade de descolonização, principalmente no contexto da educação. Você já pensou nisso?
Por fim, você verá como se deu a formação do povo brasileiro, conhecerá as nossas matrizes étnicas e, dessa maneira, compreenderá a importância das culturas indígena e africana.
As informações apresentadas neste material, assim como as reflexões propostas, o auxiliarão em sua trajetória profissional como educador, comprometido com um ensino que tem por objetivo formar cidadãos com autonomia.
Bom estudo!
2.1 África, berço da humanidade e do conhecimento
Você sabia que, de acordo com os conhecimentos científicos, a humanidade surgiu no continente africano e, em seguida, ao longo de milhões de anos, foi colonizando o planeta? (NEVES, 2006).
Neste tópico, abordaremos especificamente a colonização e a descolonização no contexto brasileiro, mas sempre lembrando o sentido mais amplo dos termos.
Figura 1 - África, berço da humanidade e do conhecimento.Fonte: Arthimedes, Shutterstock, 2018.
Para começar, reflita sobre as seguintes questões: se a humanidade surgiu na África, se temos todos a mesma origem, por qual motivo existe o racismo? Que interesses estão por trás deste preconceito étnico-racial? Esta reflexão se dará de maneira a pensar o racismo como algo construído pelos interesses de dominação por parte do “homem branco”.
2.1.1 Colonização e descolonização
Você já parou para pensar na palavra colonização? A princípio, geralmente este termo sugere apenas uma conotação negativa, concorda? O autor brasileiro Alfredo Bosi (1992) auxilia a ampliar o pensamento a respeito desse conceito: “As palavras cultura, culto e colonizaçãoderivam do mesmo verbo colo, cujo particípio passado é cultus, e o particípio futuro é culturus” (BOSI, 1992, p. 11). Nesse sentido, ainda conforme definição deste autor: “[...] na língua de Roma, eu moro, eu ocupo a terra, e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo” (BOSI, 1992, p. 11). Porém, as palavras têm a sua própria história, e ao longo do caminho agregam outros sentidos.
Contudo, o termo colonizar é inerente à dominação de um povo sobre outros povos. No caso do Brasil, a dominação do branco em relação aos povos indígenas, aos africanos e à natureza. Do ponto de vista dos historiadores (CARVALHO, 2013), o período colonial no Brasil corresponde ao de 1500 a 1822. No entanto, o termo é utilizado para além dessa noção de período colonial definido estritamente.
Por esta perspectiva, a colonização envolve processos político-econômicos, sociais e culturais de dominação e exploração. Em um primeiro momento, esse papel foi realizado por sociedades europeias e, posteriormente, pela estadunidense. Essas sociedades acabam por servir como espelho de construção social para os países colonizados.
Jessé Souza, um dos mais importantes sociólogos da atualidade, em seu livro “A elite do atraso: da escravidão à lava jato”, analisa os impactos da colonização para a sociedade brasileira, que ainda perpetua papéis fundados na escravidão. Em outras palavras, a elite brasileira reproduz o mesmo papel de um colonizador externo (SOUZA, 2017).
Figura 2 - A sociedade brasileira ainda perpetua papéis fundados na escravidão.Fonte: Marzolino, Shutterstock, 2018.
Este é o sentido de colonização que nos interessa, a partir de um significado relacionado à introjeção de marcadores construídos pela lógica eurocêntrica, a qual impõe a outras etnias – que não a branca europeia – uma condição de inferiorização e invisibilidade. Essa inculcação ocorre ao longo dos séculos de colonização e, além disso, contamina os intelectuais brasileiros (SOUZA, 2017).
O termo etnocêntrico é amplamente utilizado na antropologia para qualificar a visão de uma pessoa ou grupo que se julga superior e utiliza critérios culturais para a classificação. A partir deste geraram outros termos tais como androcentrismo (homem superior à mulher), adultocentrismo (adulto superior à criança) e assim por diante (ROCHA, 1988).
A educação básica no Brasil seguiu os ditames da lógica etnocêntrica europeia, que apresenta as palavras como se fossem descoladas de sujeitos e possuíssem um caráter universalizante, causando consequências terríveis à autoestima do estudante brasileiro. A formação que busca a descolonização do currículo escolar passa a entender o Brasil, inclusive, a partir de intelectuais brasileiros (GOBBI, 2015). Porém, como alerta Souza (2017), boa parte dos nossos intelectuais também ajudaram a solidificar uma visão culturalista do povo brasileiro, que passa a ser tratado como inferior. Para Souza (2017), a semente da desigualdade social brasileira reside na escravidão, em contraposição ao que escreve Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, para quem nossas origens portuguesas seriam as responsáveis pelo problema (HOLANDA, 2015). Você já havia refletido sobre isso?
Nesse sentido, para começarmos o diálogo com crianças, consideraremos duas categorias de análise: o etnocentrismo e o adultocentrismo, conforme Gobbi (1997). Todas convergem para a condição do ser adulto, o qual serve de modelo sobre como estar no mundo. A criança, neste caso, se definiria pela sua negação, seria o adulto que ainda não é, mas chegará a ser. Sem protagonismo, continuaria presa a uma concepção evolucionista, que entende o processo educativo como preparatório para uma etapa posterior. A infância continua a ser compreendida, assim, a partir do degrau inferior na escala evolutiva da razão.
Um dos primeiros passos para a descolonização seria a possibilidade de as crianças serem ouvidas. Isto supõe considerá-las sujeitos produtores de culturas, de saberes e conhecimentos.
Figura 3 - As crianças precisam ser ouvidas, pois também são produtoras de conhecimentos.Fonte: Hasan Shaheed, Shutterstock, 2018.
Superar as condições geradas pela colonização supõe compreender a criança nas condições específicas de “povo criança”, e partir do contexto social e cultural de seus lugares de moradia – onde manifestam suas visões de mundo por intermédio do particular de ser criança – são os movimentos necessários da perspectiva descolonizadora em relação às crianças. A resposta fornecida é descolonizar a pedagogia e o currículo.
Para compreender o sentido do termo educação integral e conhecer melhor as ideias de Márcia Gobbi, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), leia o documento “Currículo Integrador da Infância Paulistana”, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. A edição de 2015 está disponível em: <http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/24900.pdf>.
Segundo Gobbi (2015, p. 10-11): 
[...] descolonizar o currículo na educação infantil significa dar visibilidade aos atores, culturas e conhecimentos, pouco ou nada visíveis, como as culturas africanas, as culturas populares, indígenas, migrantes de igual maneira, as crianças e as mulheres, desnaturalizando assim as hierarquizações e estratificações por idade, gênero, raça, formascorpóreas e sexualidade, a fim de construir possibilidades de superação das dramáticas desigualdades que marcam a vida de toda a sociedade, incluindo bebês e crianças.
Por intermédio destas definições, retomamos a ideia de uma educação integral, fundada na formação do ser humano essencial que enfrenta, individual e coletivamente, suas contradições para, num processo coletivo, lutar pela emancipação humana, ou seja, a transformação radical das relações de colonialidade.
A série Ocupação Mário de Andrade, produzida pelo Itaú Cultural (2013), traz depoimentos da professora Márcia Gobbi. No vídeo Parques infantis: arte como exercício da vida, Gobbi descreve a criação de espaços educativos de frequência livre para filhos de operários no Brasil. Para assistir, acesse o endereço: <https://www.youtube.com/watch?v=tohYoXTLoR8>.
Estamos falando a partir do lugar de habitantes do hemisfério sul, como entende Milton Santos (2015) e outros intelectuais brasileiros ou afinados com as questões do pós-colonialismo, como Boaventura de Sousa Santos (SANTOS; MENESES, 2014).
Milton Santos (1926-2001) foi um dos maiores intelectuais brasileiros. Conhecido internacionalmente, sobressaiu-se por apresentar um posicionamento crítico aos pressupostos teóricos dominantes na geografia. Foi vencedor do prêmio Vautrin Lud, em 1994, considerado a maior distinção no campo da Geografia, instituído pelo Festival Internacional de Geografia da França. Até 2012, tinha sido o único vencedor do prêmio sem ter o inglês como língua pátria (PRIMEIROS NEGROS, 2013). Para saber mais, acesse o endereço: <http://primeirosnegros.blogspot.com.br/2013/08/milton-santos-primeiro-premio-nobel-de_9.html>.
2.1.2 A humanidade surge na África
Conforme mencionado no início deste capítulo, de acordo com as pesquisas científicas (NEVES, 2006), a humanidade surgiu no continente africano e, em seguida, ao longo de milhões de anos, foi colonizando o planeta.
Descobertas recentes, do início do século XXI, no Chade – centro-norte da África – comprovam que “os primeiros bípedes, portanto os primeiros hominídeos, surgiram por volta de sete milhões de anos atrás, representados pelo Sahelanthropust chadensis” (NEVES, 2006, p. 254). No entanto, conforme complementa este antropólogo:
[...] o surgimento da locomoção bípede-vertical adaptada exclusivamente ao meio terrestre ocorreu por volta de 2,5 milhões de anos apenas, mais ou menos coincidente com o surgimento do gênero Homo na África. Só então nosso corpo passou a ter as proporções atuais entre tronco, pernas e braços (NEVES, 2006, p. 254).
Segundo Morin (1999), por volta de 200 mil anos atrás ocorreu o desfecho do Homo sapiens. Desse período são os fósseis mais antigos de nossos ancestrais, e os mais parecidos conosco fisicamente. Não podemos explicar o Homo sapiens apenas pelo tamanho e complexidade do cérebro, mas sim que este é o resultado de um processo longo e complexo de hominização, entendido como o processo de tornar-se humano que compreende mudanças multidimensionais físicas, sociais e culturais.
O termo hominídeo refere-se a nós e a todos os nossos ancestrais bípedes, inclusive os ancestrais extintos. Os traços principais dos hominídeos são a posição ereta e o bipedismo, o cérebro mais desenvolvido que os de outros primatas, além dos fatores sociais e culturais decorrentes (NEVES, 2006).
Recapitulando, então, o gênero Homo surgiu na África por volta de 2 milhões de anos, e o Homo sapiens por volta de 200 mil anos atrás. E é aí que retornamos à questão que nos leva a refletir: qual o sentido do racismo, se compartilhamos todos da mesma origem?
É preciso ficar muito claro que não há raças entre os seres humanos. Mesmo assim, teorias sobre as quatro raças (branca, negra, indígena e amarela) foram amplamente difundidas.
A ideia da divisão dos humanos por raça não tem nenhum sentido. Existe na superfície da terra senão uma única “raça” humana conhecida, a do Homo sapiens (NEVES, 2006).
2.1.3 O racismo como construção
Você já questionou desde quando existe preconceito de raça em relação ao negro? Qual a origem do racismo? Será que há alguma relação com a escravidão?
Estudiosos sobre o tema, entre os quais Munanga (2005), Carvalho (2013), Souza (2017), Gomes (2016), no Brasil e em outras localidades, a relação entre o racismo e a escravidão é intrínseca. O negro foi estigmatizado como inferior e sujeito a trabalhos pesados por interesses econômicos.
De acordo com Sant’ana (2005, p. 42): “Não havia preconceito racial antes do século XV”, porém, para justificar o poder econômico, o tráfico de escravos e a exploração, construiu-se a ideia de que o negro era inferior. Esse estigma foi construído ao longo dos séculos e consolidado aos poucos. As vítimas dessa discriminação racial,por parte dos colonizadores, eram os indígenas e negros. Para iniciarmos uma mudança nesse sentido, segundo ensina Munanga (2005, p. 18):
Embora concordemos que a educação tanto familiar como escolar possa fortemente contribuir nesse combate, devemos aceitar que ninguém dispõe de fórmulas educativas prontas a aplicar na busca das soluções eficazes e duradouras contra os males causados pelo racismo na nossa sociedade. A primeira atitude corajosa que devemos tomar é a confissão de que nossa sociedade, a despeito das diferenças com outras sociedades ideologicamente apontadas como as mais racistas (por exemplo, Estados Unidos e África do Sul), é também racista. Ou seja, despojarmo-nos do medo de sermos preconceituosos e racistas.
2.2 A riqueza da diversidade humana
Agora que já conhecemos as origens da humanidade, a noção de descolonização e sobre o estigma do racismo como uma construção, vamos estudar o conceito de cultura.
Você sabia que a compreensão sobre o significado de cultura é essencial para o profissional da área de Educação? Sobretudo para o profissional alinhado à educação integral, a qual considera “o sujeito em todas as suas dimensões: intelectual, social, corporal, afetiva e cultural” (SÃO PAULO, 2016). O conceito de cultura é muito caro à antropologia e pode ser considerado um “camaleão”, por mudar os sentidos conforme tentamos defini-lo. Para a compreensão da diversidade humana é preciso ter a dimensão da amplitude desse conceito. Agora, reflita: em que medida compreender o conceito de cultura nos ajuda a descolonizar a nossa sociedade? Neste tópico, além da noção de cultura, discutiremos as aproximações entre as noções de identidades e diversidades culturais, reflexões importantes para o profissional da educação.
2.2.1 Cultura, uma noção abarcante para a compreensão da diversidade humana
Compreender o conceito de cultura é fundamental para o educador, pois isso vai guiá-lo em suas escolhas e práticas ao longo da carreira. No entanto, a compreensão do conceito precisa ser considerada como um processo em construção, que é permanente. Dessa forma, mensurar a extensão dos sentidos de cultura é uma tarefa instigante e um grande desafio, por se tratar de um conceito que muda constantemente, sem que nos apercebamos.
Morin (1999) compilou três sentidos principais.
O primeiro sentido é o antropológico. A cultura corresponde àquilo que não é natural e se necessita aprender, ao que é adquirido ou assimilado desde a infância e se estende ao longo da vida, e que, por sua vez, não depende da constituição hereditária.
A humanidade é considerada essencialmente cultural. O processo de hominização, de transformar-se em humano, iniciado há aproximadamente 7 milhões de anos, é associado a outros fatores além da cultura. Isso engloba as inter-relações de fatores genéticos, ecológicos, cerebrais, sociais e não somente culturais que conceberam estas mudanças. Procurar um fio condutor para este processo é tentador, mas poderia ser reducionista. Por isso, todos os traços são essenciais para a concepção da hominização, desde o anatômico, passando ao psicológico, genético, ecológico, sociológico e cultural (MORIN, 1999).
Este primeiro sentido nos ajuda a pensar a unidade da humanidade na diversidade dos povos, e permiteque nos ajustemos ao meio, além de adaptar este meio a nós, às nossas necessidades e aos nossos projetos, ou seja, a cultura torna possível a transformação da natureza (CUCHE, 1999).
Figura 4 - A cultura torna possível a transformação da natureza.Fonte: Cienpies Design, Shutterstock, 2018.
O segundo sentido destacado por Morin (2002, p. 3) é o sociológico e histórico.
As culturas são constituídas pelo conjunto de hábitos, costumes, práticas, know-how, saberes, proibições, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos que se perpetuam de geração em geração, se reproduzem em cada indivíduo e mantêm a complexidade social.
Este é o sentido que, ao contrário do primeiro, nos ajuda a compreender a diferença entre os povos, as respostas diferentes à fome, ao sono, ao desejo sexual, à divisão sexual dos papéis e das tarefas, as explicações para a origem das coisas (a mitologia), e como expor seus dotes artísticos, por exemplo, desde as mais antigas pinturas que temos conhecimento. Em localidades e temporalidades diferentes, vemos a repetição dos temas na pintura rupestre, pois os homens caçavam, lutavam, amavam e morriam, entretanto, cada um dos sítios guarda suas especificidades.
A cultura, neste segundo sentido, não significa uma narrativa grandiosa e unilinear da humanidade em seu todo, mas uma diversidade de formas de vida específicas, cada uma com suas leis próprias e peculiares. Podemos usar o termo no plural, considerando as culturas de diferentes nações e períodos ou mesmo de diferentes culturas em uma mesma nação. O segundo sentido complementa o inicial, pois a cultura do primeiro só se manifesta por meio de culturas diversas e singulares.
Seguimos agora para o terceiro sentido de cultura, correspondente ao refinamento intelectual, esclarecimento ou aprimoramento dos espíritos cultivados. Embora, a princípio, pareça algo que se alcança de forma individual, não se pode realizar de forma isolada. Esta dimensão abarca as artes, as letras, a filosofia, em contraponto ao espírito não cultivado.
Contíguo a este terceiro sentido, um dos significados originais da palavra cultura remete ao cultivo agrícola, do latim colere, no meio rural. Com o tempo passa a designar aqueles, no meio urbano, que cultivam a si mesmos. No sentido da seleção particular de valores culturais, ser culto significaria ser abençoado com sentimentos refinados, paixões temperadas, como uma mercadoria que se herda – alguns têm, outros não – dessa forma, como um divisor de águas. Nesse âmbito, há um aspecto burguês e elitista vinculado ao sentido de cultura (BOSI, 1987).
2.2.2 Interfaces e mediações
Se quisermos construir uma sociedade descolonizada, no sentido amplo, devemos repensar a fundo esse conceito de cultura que está ligado a uma soma de objetos, como indica Bosi (1987). Este autor nos alerta para o perigo desta definição por excluir a classe operária, a população do campo, os afro-descendentes, os indígenas e, sobretudo, questionam a concepção como privilégio da elite.
Você concorda que, ao questionar esta hierarquia, é extremamente importante caminharmos para a descolonização? A cultura deve ser pensada como o fruto de um trabalho, um processo, uma ação para se chegar a um resultado.
A cultura é um processo. A palavra traz em si uma raiz latina; vem do verbo ‘colo’, que significa ‘cultivar a terra’[...]. A cultura está ligada a um trabalho duro, a um trabalho de conquista, a um trabalho de vitória sobre a natureza às vezes brutal, porque a sua primeira fase consiste no domínio da terra (BOSI, 1987, p. 38).
Na dimensão sugerida por Bosi, sobre a noção de cultura, o autor ainda afirma que:
[...] não se trata de um problema de classe, o ser humano será culto se ele trabalhar; e é a partir do trabalho que se formará a cultura. É o processo e não a aquisição do objeto final que interessa [...]. É a produção que forma o homem culto, e não o consumo dos símbolos, que, naturalmente, fará parte do processo, mas não enquanto um absoluto (BOSI, 1987, p. 40).
As dimensões da noção de cultura estão refletidas na trajetória de vida do artista Estevão Conceição como um holograma, como se na obra desse artista estivesse contida a totalidade dos sentidos de cultura. Permanentemente inquieto, o artista tem um engajamento profundo com a construção de sua arte que não acaba, e se mistura com seu modo de vida e a sua intimidade. Ao mesmo tempo em que constrói a arte, a arte o constrói, e toda a sua comunidade constrói-se junto, como humanos inseridos no universo.
A definição antropológica, que abarca todos os sentidos, figura no âmbito das políticas educacionais que defendem a educação integral, coerente com a intenção democrática na elaboração das ações que nela se baseiam. Podemos perceber que os significados se aproximam e se complementam, ao interagir e estimular a reflexão e o debate. Cultura é o que nos permite continuar a ler o mundo.
2.2.3 Identidades e diversidades culturais
Neste subtópico, o objetivo é levar você, estudante, a compreender os significados dos termos identidade e diversidade culturais. É preciso frisar que identidade e diversidade são noções, ao mesmo tempo, opostas e complementares. No entanto, primeiramente oferecemos uma breve discussão sobre identidade e como seu significado vem sendo tratado ao longo da história. Em seguida, partiremos para a diversidade cultural.
O autor Denys Cuche (1999), em “A noção de cultura nas ciências sociais”, dedica boa parte do livro ao desenvolvimento da discussão a respeito de identidade. Primeiramente, remete o conceito a um conjunto de vinculações: a uma classe sexual, a uma classe de idade, a uma classe social, a uma nação etc., ou seja, a identidade permite que o indivíduo se localize em um sistema social – e seja localizado socialmente. No entanto, ao mesmo tempo em que esta vinculação inclui, ela exclui, ou melhor, identifica o grupo entre os seus próprios membros, e o distingue dos outros grupos.
Apesar de haver uma estreita relação entre as concepções de identidade e cultura, é preciso não confundi-las. Alerta-nos Cuche (1999) que, para aqueles que relacionam a noção de cultura a de identidade – necessariamente ao grupo original de vinculação do indivíduo –, a categoria torna-se uma essência impossibilitada de modificar, e sobre a qual o ator social ou o grupo não têm nenhuma influência. Nesse caso, a identidade seria vista como algo inerente ao grupo por ser transmitida por ele e no seu interior, sem referências aos outros grupos.
Por outro lado, Cuche (1999) trabalha a concepção de identidade segundo a qual o que importa é o sentimento de vinculação ou a identificação com uma coletividade imaginária. No entanto, esta concepção reduz a identidade a uma questão de escolha individual arbitrária, em que cada um seria livre para escolher suas identificações. Esse ponto de vista tem a vantagem de valorizar o caráter variável da identidade, porém mostra-se efêmero.
Adotar uma concepção de identidade como algo inerente a um grupo, ou ainda, segundo o sentimento de vinculação, seria simplificar demais a condição humana. A tese mais aceita entre os pensadores sobre o assunto é que:
A identidade é uma construção que se elabora em uma relação que opõe um grupo aos outros grupos com os quais está em contato [...] Deve-se tentar entender o fenômeno da identidade através da ordem das relações entre os grupos sociais [...] A identidade é um modo de categorização utilizado pelos grupos para organizar suas trocas [...] A identidade resulta unicamente das interações entre os grupos e os procedimentos de diferenciação que eles utilizam em suas relações (CUCHE, 1999, p. 182).
Nessa abordagem podemos concluir que não há identidade em si, nem mesmo unicamente para si, ela existe sempre em relação a uma outra. Contudo, não há como defini-la de forma única e pura, ou seja, unidimensional, mas sim de forma multidimensional e flutuante, às vezes antagônica e contraditória. Um mesmo ser pode assumir determinada identidade de acordo com as situações relacionais, definindo-secomo brasileiro, como caipira, como sulista, indígena, afrodescendente, dependendo da ocasião e do lugar em que estiver.
Figura 5 - A identidade não se define em si, mas na relação com outras culturas.Fonte: Vitoriano Junior, Shutterstock, 2018.
Como você pode perceber a identidade não se define em si, mas na relação com outras culturas. Essa discussão pode ser ampliada na direção da Antropologia, que inclusive nos dá um aporte fundamental para o assunto. O antropólogo Claude Lévi-Strauss (1960), em “Raça e História”, discorda amplamente da ideia de que existam raças de humanos diferenciadas por tipo físico, devido ao fato de todos os seres humanos possuírem as mesmas estruturas genéticas, ou seja, não há raças humanas, já que somos geneticamente quase iguais. Para o pensamento do pós-guerra isso era um anátema, pois o genocídio havia acontecido no conflito devido à classificação de raças.
A obra “Raça e História”, escrita inicialmente em 1952, foi encomendada pela Unesco com o objetivo de combater o racismo. Elaborada, portanto, no contexto de pós Segunda Guerra Mundial, em que a humanidade estava muito abalada pelo grande número de mortes causadas por supostas diferenças raciais. Lévi-Strauss (1960) constrói um dos textos do livro, “Raça e Ciência I”, para desarticular o conceito de que haveria uma superioridade entre raças.
Lévi-Strauss (1960) propõe estudar as diferenças entre os seres humanos com enfoque nas culturas, sem hierarquizá-las como faziam os evolucionistas. Não deveriam ser entendidas como algo excludente e exclusivo, mas como experiências sociológicas diversas.
O grande risco da perspectiva da diversidade cultural é que historicamente está atrelada ao etnocentrismo, que resulta na observação de um grupo sob a perspectiva e valores da cultura do grupo observador. Esse olhar, com ares de superioridade sobre a cultura observada e de estranheza sobre seu entendimento, leva à intolerância quanto às formas culturais diferentes daquelas do observador. Por exemplo, entre os gregos na antiguidade, considerava-se bárbaro o que não era comum à sua cultura. Os europeus passaram a usar o termo selvagem, que, além de designar “da floresta” (LÉVI-STRAUSS, 1960, p. 236), ultrapassa o sentido etimológico para evocar um gênero de vida animal, oposto à cultura humana. Assim, lança-se fora da cultura – para o campo da natureza – o que não se conforma com a norma sob a qual vive o observador. Nos dois casos, há uma recusa em admitir o que nos assegura o próprio fato da diversidade cultural (LÉVI-STRAUSS, 1960).
Observe o exemplo descrito no caso fictício a seguir.
Em uma escola de Ensino Fundamental I, no Brasil, os professores começaram a observar as dificuldades encontradas pelos alunos, principalmente dos 3o e 4o anos, em acolher os imigrantes de países africanos, especialmente os do Congo. Os alunos congoleses ficavam sempre isolados, alguns dos brasileiros perguntavam se eles ainda não sabiam falar. Após uma análise mais cuidadosa, os professores concluíram que o problema tinha como motivo principal a dificuldade em lidar com as diferenças culturais, apesar de no Brasil a maior parte da população ser negra, o preconceito relativo a cor da pele também estava permeando a relação entre as crianças. Na reunião, começaram a pensar em estratégias para vencer esse desafio.
Depois de muitas sugestões e debates, foi escolhido um projeto de pesquisa sobre brincadeiras infantis que integrasse os imigrantes e os brasileiros. Os professores construíram o projeto coletivamente. Elaboraram objetivos, justificativa, metodologia, cronograma, fundamentação teórica. Foi decidido que o trabalho seria desenvolvido ao longo do segundo semestre, de forma interdisciplinar. Os conteúdos abordados passaram por todas as áreas de conhecimento e todos concordaram que seria imprescindível o envolvimento da professora de Educação Física como coordenadora da proposta.
Ao final, houve uma apresentação, com a presença de familiares, em que todos puderam demonstrar e vivenciar o resultado da pesquisa. O projeto durou quatro meses, e foi avaliado durante sua execução e também ao final. Rendeu frutos, pois foi estendido por mais um ano letivo e ampliado para outras turmas.
A diversidade de culturas se dá de maneira dinâmica e relacional. Mesmo as que se supõem mais isoladas desenvolvem relações com grupos que, inevitavelmente, interferem no comportamento social e na formação cultural de um povo.
Conforme a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a diversidade cultural não é simplesmente um bem a ser preservado, mas um recurso que é preciso fomentar, inclusive em âmbitos relativamente distantes da cultura entendida em sentido estrito (ALVES, 2010).
Desde o início em 1945, a preocupação da Unesco disse respeito à conservação e salvaguarda de sítios, práticas e expressões culturais que corriam perigo de desaparecer. A partir dos anos 1990, essa organização mundial passa a agir também em um ambiente de constantes mudanças culturais, a fim de ajudar as pessoas e grupos a gerir mais eficazmente a diversidade. 
Figura 6 - Gerir a diversidade é um dos maiores desafios na atualidade.Fonte: Anton Ivanov, Shutterstock, 2018.
2.3 De onde venho, onde estou, para onde vou?
Você já deve ter pensado nos seguintes questionamentos: como se formou o povo brasileiro? Por que somos como somos? Para onde vamos? Neste tópico, o objetivo é discutir estas questões, ressaltando a importância do estudo de intelectuais brasileiros a esse respeito e refletindo sobre a seguinte questão: Até que ponto estes estudiosos também não tiveram um pensamento que reproduzia o do colonizador?
Para abrilhantar a importância das manifestações culturais no Brasil, ao contar a história da nossa formação, Darcy Ribeiro (1995), em “O povo brasileiro”, trabalha com a tese central da mestiçagem como composição da cultura em cenários regionais, resultado da junção de matrizes étnicas muito diferentes umas das outras: a matriz indígena, a europeia, a africana. Mas, apesar dessas confluências e diferenças, nos comportamos como uma só gente e falamos a mesma língua. Ao mesmo tempo podemos verificar variantes da cultura brasileira: crioula, cabocla, sertaneja, caipira e gaúcha.
Veja na sequência como se configura essa maneira de contar a nossa história.
2.3.1 A formação do povo brasileiro
Antes do ano do descobrimento, em 1500, observava-se uma diversidade cultural muito fecunda neste território. O Brasil era habitado por povos integrados em formas complexas de vida social e ricas em diversidades culturais (RIBEIRO, 1995). Ou seja, diversidade cultural, no caso brasileiro, não é nenhuma novidade, concorda?
Figura 7 - Os indígenas, primeira matriz étnica do Brasil.Fonte: Filipe Frazão, Shutterstock, 2018.
Os indígenas não eram povos iguais, mas tinham algumas semelhanças. Alguns conheciam a técnica da agricultura; da arquitetura adequada ao clima de cada região; possuíam instrumentos de trabalho, arco, flecha, esteira, canoa; domesticavam plantas selvagens, plantas medicinais; caçavam, pescavam, conduziam a arte de guerrear, das danças, dos rituais e muitos outros costumes, além de possuírem uma imensidão de mitos que narravam a origem de quase tudo que permeia a vida.
Para os índios não havia divisão entre o trabalho e a arte, a música, a dança e o vinho. A terra era um bem comum, ninguém se sentia dono de nada e nem se apropriava de um conhecimento para obter mais poder em relação aos outros.
2.3.2 As matrizes étnicas e os cinco brasis
Ao abordar a formação do povo brasileiro, Ribeiro (1995) a organiza em cinco brasis: crioulo, caboclo, sertanejo, caipira e sulino.
Denomina de Brasil crioulo o povoamento formado ao longo da faixa litorânea do Nordeste. Nesta região as matrizes étnicas presentes e miscigenadas desde o início são a branca, a índia e a negra. O meio de produção de riqueza é baseado nos engenhos açucareiros, a primeira forma de grande empresa agroindustrial inserida no comércio mundial. As terras são frescase férteis, propiciando a facilidade de plantio. A mão de obra é abundante e barata, advinda da escravização de índios e de negros africanos. O fato de os portugueses possuírem experiência com o plantio em outras colônias facilitou enormemente o processo.
No Brasil crioulo, além da cana-de-açúcar, fabricava-se como complemento: aguardente, rapadura, fumo e cacau, o que aumentou as possibilidades de lucro.
O documentário O povo brasileiro é baseado no livro de mesmo título, de Darcy Ribeiro (1995). É imprescindível para compreendermos a história do Brasil do ponto de vista cultural. Primeiramente aborda as três matrizes étnicas da formação do país, em seguida é separado, como no livro, em cinco brasis, enfatizando as características de cada região. Disponível em: <https://rcristo.com.br/2013/03/17/o-povo-brasileiro-documentario-completo-capitulos-01-a-10/>.
A vida social era baseada em uma polaridade básica: senhor e escravo. O senhor de engenho tinha poder hegemônico na ordenação da vida colonial. As características negativas do Brasil crioulo eram relativas à produção: voltada para o mercado externo, não servindo aos que nela trabalhavam; não abria perspectiva de integração dos trabalhadores na sua economia de consumo e não lhes proporcionava um padrão de vida digno.
No entanto, as características positivas eram baseadas, sobretudo, no imaginário cultural forte, expressado na religião e na gastronomia, aspectos os quais marcam a sociedade brasileira atualmente.
Seguindo a classificação de Ribeiro (1995), o segundo Brasil intitula-se caboclo. Está localizado na região amazônica, e as matrizes étnicas formadoras são a indígena e a europeia. A economia baseia-se no extrativismo vegetal – principalmente da borracha –, do ouro, do estanho, drogas da mata, cacau, cravo, canela, urucum, baunilha, óleos e resinas. Da mesma maneira, esses produtos são extraídos e enviados à Europa.
Os missionários católicos são presentes em diversas localidades, facilitando a escravização dos índios e contribuindo para que fiquem afastados de suas tribos. Nesse meio, o papel do índio é realizar os trabalhos pesados e, sobretudo, ensinar aos brancos a andar na mata e reconhecer as plantas mais valiosas. Além disso, muitos caboclos colaboravam com os brancos na caça a outros índios.
De acordo com Ribeiro (1995), o terceiro Brasil, conhecido como sertanejo, inicia no agreste, área de transição entre a Zona da Mata e o Sertão nordestino, e prossegue com as extensões semiáridas da Caatinga até o Brasil Central.
A economia pastoril encontra-se associada originalmente à produção açucareira como fornecedora de carne, de couros e de bois de serviço, trazidos da Ilha de Cabo Verde. No Brasil sertanejo é que se formam os primeiros latifúndios do país, com terras doadas pela Coroa aos senhores de engenho.
Os trabalhadores eram os vaqueiros, que cuidavam do rebanho e recebiam como pagamento gêneros de manutenção, sobretudo sal, e – raramente – uma rês do rebanho. Para complementar, plantavam roçados, tiravam leite, faziam coalhada e queijo. Tinham facilidade em socorrer um touro, mas dificuldade em socorrer um filho, ou seja, precisavam ficar disponíveis a socorrer o animal do dono da terra, mas não havia nenhum suporte para socorrer um filho doente. A religiosidade era propensa ao messianismo.
O quarto Brasil, conforme denomina Ribeiro (1995), é o caipira. Esta região abrange os estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e parte do Rio de Janeiro.
Em São Paulo, não havia grandes engenhos de açúcar nem escravaria negra. Os núcleos paulistas eram arraiais de casebres de taipa e cobertos de palha. Os colonizadores bandeirantes eram servidos pelos índios cativos.
A produção indígena era baseada no cultivo da mandioca, feijão, milho, abóbora, tubérculos, tabaco, urucum e pimenta. Para a agricultura, utilizavam a técnica da coivara, caracterizada por poucos anos de cultivo seguido de muitos anos de repouso. Praticavam a caça, a pesca e a coleta de frutos silvestres. Os bandeirantes introduziram na culinária indígena o toucinho de porco, a rapadura, a pinga de cana etc.
A rudeza e pobreza dos paulistas eram resultado da perda, do tronco português, da vida comunitária das vilas, a dieta baseada no trigo, no azeite e no vinho; do tronco indígena, a autonomia da aldeia igualitária, a igualdade no trato social, a solidariedade. A mercadoria do paulista era o índio.
Durante um século e meio, os paulistas se fizeram cativadores de índios, primeiro, para serem os braços e as pernas do trabalho de suas vilas e seus sítios; depois, como mercadoria para venda aos engenhos de açúcar. Desse modo, despovoaram as aldeias dos grupos indígenas lavradores em imensas áreas, indo buscá-los, por fim, a milhares de quilômetros terra adentro, onde quer que se refugiassem (RIBEIRO, 1995, p. 367).
O maior objetivo dos paulistas era encontrar o ouro, façanha conquistada no final do século XVII e ampliada no século XVIII em Minas Gerais, Mato Grosso e em Goiás. Em 20 anos, essas regiões passam a ser as mais povoadas do Continente Americano, sendo que o Sudeste passa a ser o centro econômico do Brasil. Da mesma maneira que vimos anteriormente, toda a riqueza do ouro é retirada e retida pela Inglaterra. A maior parte da população dessa área cultural fica mergulhada na pobreza, e totalmente dispersa.
Acaba por esparramar-se, falando afinal a língua portuguesa, por toda a área florestal e campos naturais do Centro-Sul do país, desde São Paulo, Espírito Santo e estado do Rio de Janeiro, na costa, até Minas Gerais e Mato Grosso, estendendo-se ainda sobre áreas vizinhas do Paraná (RIBEIRO, 1995, p. 383).
Durante o século XIX, esta região torna-se grande produtora de café. Os caipiras são expulsos das terras, e os que ficam resistem aos novos sistemas de trabalho. No final do século XIX e início do século XX, são trazidas multidões de trabalhadores italianos, espanhóis, alemães e poloneses para substituírem os escravos negros e os caipiras. Por fim, com o sistema de fazendas, surgem os boias-frias.
Boia-fria é o trabalhador rural itinerante que se ocupa em tarefas temporárias sem vínculo empregatício. No meio urbano também é utilizado para o empregado que come no local de trabalho a boia (comida) que traz de casa (tal como os boias-frias rurais). (Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss 1.0).
Por fim, o quinto Brasil a que se refere Ribeiro (1995) – o sulino – é o resultado dos antigos paulistas, portugueses e espanhóis que ocuparam o sul e miscigenaram-se com as mulheres guarani, formando os gaúchos.
Uma das características básicas dos sulinos era a heterogeneidade cultural. Havia açorianos lavradores, gaúchos que faziam o pastoreio e outros imigrantes europeus, como os jesuítas espanhóis.
No início da colonização os sulinos fabricavam o charque para o mercado nordestino, e muitas vezes os índios – seus escravos – eram roubados por paulistas, que os repassavam para os engenhos nordestinos. Também cultivavam o arroz, o trigo e a soja, durante o período colonial, com mão de obra de escravos africanos. No entanto, no final do século XIX e início do XX chegam os alemães, italianos, poloneses, japoneses e libaneses para o trabalho assalariado.
As configurações do povoamento do Brasil sulino são muito variadas. Por um lado, tornou-se a região mais próspera do país em aspectos agroeconômicos; por outro, é no Sul que surge uma população de sem-terras que vai formar um dos maiores movimentos sociais do Brasil – o MST – fundado em 1984.
2.4 Afro-brasileiro: negros e indígenas construindo identidades positivas
Como poderíamos construir identidades positivas, pensando nos afro-brasileiros e indígenas? Que tal iniciarmos por meio de leituras contra-hegemônicas? Elas podem nos revelar um Brasil desconhecido e não apenas de exploração e subjugação de povos. Estas leituras nos revelam muita beleza, riqueza cultural de forma ampla – sua culinária, religiosidade e arte – que alimentam a nossa imaginação, nos ajudando ao reconhecimento de qualidade dasculturas negras e indígenas.
Nesse sentido, você concorda que quando conhecemos a riqueza cultural, as lutas, estratégias de resistência, e como se formam os laços coletivos de uma etnia, passamos a respeitá-la e reconhecê-la? Importante, para tanto, é compreender como o movimento negro discute a ideia de raça para o empoderamento do afrodescendente.
2.4.1 A ideia de raça como estruturante da sociedade brasileira
A ideia de raça se constrói ligada intrinsecamente às relações de colonialidade e de etnocentrismo para a classificação da humanidade, legitimando a dominação social, política e econômica dos povos da África e dos nativos da América. Dessa forma, acaba por naturalizar as relações de poder entre europeus e os não europeus, justificando a escravidão.
Os traços fenotípicos foram associados às questões de ordem cultural, mental e sexual. [...] Essa noção de raça foi se tornando, paulatinamente, um instrumento de poder econômico, político, cultural, epistemológico e até pedagógico. A empreitada colonial educativa e civilizatória esteve impregnada da ideia de raça (GOMES, 2012, p. 730).
2.4.2 O movimento negro e a ideia de raça
O conceito de raça, construído negativamente para marginalizar e diminuir a população indígena e negra é retomado pelo movimento negro. Por meio de experiências e práticas históricas são atribuídos outros sentidos ao conceito.
Como afirma Gomes (2012, p. 731): “No caso do Brasil, o movimento negro ressignifica e politiza afirmativamente a ideia de raça, entendendo-a como potência de emancipação e não como uma regulação conservadora; explicita como ela opera na construção de identidades étnico-raciais”. Em outras palavras, a noção de raça passa a ser um instrumento de reivindicação para melhorias – principalmente na educação – e não um estorvo para a igualdade de direitos. É preciso o reconhecimento na diferença para que todos sejam tratados com igualdade de direitos.
Nesse sentido, é colocado em xeque o mito da democracia racial, tão arraigada na sociedade brasileira desde o início do século XX.
2.4.3 O movimento negro e a educação emancipatória
A noção de raça é central nas discussões pós-coloniais e nas relações de poder, sobretudo, quando se trata de educação. O movimento negro tem um papel essencial nesse processo de emancipação social e reforça a noção de raça como algo que pode colaborar na construção de uma sociedade igualitária, com base, inclusive, na Constituição Federal de 1988.
De acordo com análise de Gomes (2012, p. 727), a ideia de raça
[...] assenta na reflexão realizada pelos estudos pós-coloniais, que discutem a sua centralidade nos países com passado colonial e a sua operacionalidade nas relações de poder, as quais têm sido mantidas e subsistem no pensamento moderno ocidental, inclusive, no educacional.
Este viés vai guiar “[...] as ações do movimento negro por uma educação emancipatória no contexto das discussões sobre diversidade, desigualdades e educação” (GOMES, 2012, p. 734).
Desde a abolição da escravatura até a década de 1980, o discurso do movimento negro era mais universalista, porém, ao verificar que as políticas da educação, nessa mesma linha, não contemplavam os negros, o movimento passou a ser mais específico em suas reivindicações. Segundo afirma Gomes (2012, p. 738): “Foi nesse momento que as ações afirmativas, que já não eram uma discussão estranha no interior da militância, emergiram como uma possibilidade e passaram a ser uma demanda real e radical, principalmente a sua modalidade de cotas.”
A discussão sobre a necessidade de ações afirmativas, já amadurecida no movimento para a educação superior, em 1995, e a realização da III Conferência Mundial contra o Racismo, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), levaram o Estado brasileiro a reconhecer abertamente a existência do racismo no país. Sendo assim, assumiu-se a necessidade de medidas para a sua sobrepujação, por meio de ações afirmativas na educação (GOMES, 2016).
O livro “Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos” (DOMINGUES, 2007) aborda a trajetória do movimento negro de 1889 até o ano 2000. O objetivo é demonstrar que desde o início da República, houve formas de luta pela inclusão social e contra o racismo.
No início do século XXI houve várias conquistas e avanços. Na educação, as universidades públicas passaram a adotar as cotas raciais como forma de acesso, provocando muitos desentendimentos entre políticos e intelectuais do país. Isso torna mais evidente a presença do racismo na sociedade brasileira.
Síntese
Você concluiu os estudos sobre a possibilidade de descolonizar a nossa forma de ver o mundo. A partir dessa abordagem, esperamos que você se sinta confortável para discutir sobre o respeito às diversidades étnico-raciais, refletir sobre as possibilidades de descolonização do pensamento, estudando autores brasileiros ou contra-hegemônicos e buscando outras fontes para compreender a formação do povo brasileiro.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
compreender que a humanidade tem uma mesma origem e, ao mesmo tempo, é diversa devido aos costumes e ao modo de vida;
entender que o racismo foi construído para dominação e para justificar a exploração, portanto, pode ser desconstruído;
acompanhar a discussão sobre as controversas no uso da noção de raça.
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