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OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS APÓS A EMENDA Nº45/2004: SUA DENÚNCIA (PARCIAL OU TOTAL) E OS REQUISITOS E PROCEDIMENTOS DE TRAMITAÇÃO LEGISLATIVA PARA FINS DE APROVAÇÃO NOS TERMOS DO § 3º DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO Ana Carolina De Almeida Tannuri Laferté Advogada da União Tatiana Zuconi Viana Advogada RESUMO: Pretende-se, no presente trabalho, discorrer sobre os tratados internacionais de direitos humanos, à vista dos §§ 2º e 3º do artigo 5º da Constituição da República, notadamente as implicações desses dispositivos constitucionais com a denúncia (parcial ou total) desses tratados e os requisitos e os procedimentos de tramitação legislativa a serem observados para fins de aprovação do tratado internacional de direitos humanos como emenda constitucional. PALAVRAS-CHAVE: Tratados internacionais de direitos humanos. Emenda Constitucional nº 45/2004. Denúncia. Aprovação como emenda constitucional. Procedimentos. Tramitação legislativa. ABSTRACT: It is intended, in this work, discuss international treaties on human rights, in view of paragraphs 2th and 3th of Article 5th of the Federal Constitution, especially the implications of these constitutional provisions with the denunciation of these treaties and the requirements and procedures for the legislative procedure to be followed for approval of the international human rights treatu as a constitutional amendment. KEY WORDS: International human rights treaty. Constitutional amendment n. 45/2004. Denunciation. Approval as a constitutional amendment. Procedures. Legislative procedure. SUMÁRIO: 1 Dos tratados internacionais; 2 Dos tratados de direitos humanos e sua recepção na ordem interna; 3 Tratados internacionais de direitos humanos após a Emenda Constitucional n° 45/2004; 4 Denúncia de tratados de direitos humanos pelo Presidente da República; 5 Processo Legislativo para aprovação de tratados internacionais de direitos humanos sob a nova ordem introduzida pela Emenda Constitucional n. 45/2004 1 DOS TRATADOS INTERNACIONAIS Os tratados internacionais são acordos celebrados de forma escrita entre Estados (Convenção de Viena, art. 2º, 1º, letra a) e destinados a produzir efeitos jurídicos não só na ordem internacional, como também na ordem interna dos signatários. No entanto, somente podem produzir efeitos na ordem interna após a ela incorporados mediante ato complexo dos Poderes Executivos e Legislativo. A negociação e assinatura do tratado internacional é de competência privativa do Presidente da República (art. 84, inc. VIII, da CF). Ao Legislativo incumbe a tarefa de controle desse ato (art. 49, inc. I da CF), através da apreciação e aprovação – total ou parcial – do tratado, mediante edição de decreto legislativo. Por fim, mas não menos importante, o tratado somente terá vigência e eficácia após ratificação do Presidente da República, expedindo, logo após, decreto presidencial, por meio do qual é conferida publicidade. Assim, ao Legislativo [...]é atribuída a incumbência de examinar, uma vez consumada a celebração do ato pelo Presidente, se tal decisão pode ser mantida, em nome do interesse nacional. A harmônica coordenção entre os Poderes Legislativo e Executivo da União, nesse assunto, decorre de preceito constitucional inscrito no art. 21, I, segundo o qual compete à União ‘manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais’ 1 . E isto constitui tendência característica das Constituições contemporâneas, onde a constitucionalidade da ratificação latu sensu (ratificação pelo Poder Executivo + aprovação pelo Poder Legislativo) é indispensável. Como se percebe, por conseguinte, estamos diante de um procedimento complexo dos poderes da União, onde, para a formalização dos tratados, participam sempre o Legislativo e o Executivo. A propósito, Resek assinala que a “assunção de um compromisso externo repousa sobre a vontade conjugada dos dois poderes políticos. A vontade individualizada de cada um deles é necessária, porém não suficiente”. 2 2 DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E SUA RECEPÇÃO NA ORDEM INTERNA De forma geral, entende-se que os tratados internacionais se inserem na ordem normativa em equivalência às leis ordinárias. Contudo, no caso de tratados que consagrem direitos humanos paira há muito discussão quanto a sua posição na ordem normativa, considerando a pirâmide Kelseniana. A Constituição Federal, desde sua promulgação, dispõe no § 2º do art. 5º que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. A partir do texto desse dispositivo, quatro correntes interpretativas buscaram definir a hierarquia dos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico interno, são elas: a) a hierarquia supraconstitucional destes tratados; b) a hierarquia constitucional; c) a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal; e d) a paridade hierárquica entre tratado e lei federal.3 Na doutrina, merece destaque a tese segundo a qual os tratados internacionais de direitos humanos são recepcionados com status de norma materialmente constitucional, embora sob o aspecto formal não o sejam. Segundo Flávia Piovesan 4 , inova a Carta de 1988 ao incluir, dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário. Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja a de norma constitucional. Já o Supremo Tribunal Federal, até recentemente, entendia que os tratados internacionais de direitos humanos eram recepcionados no ordenamento interno com 1 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito internacional: tratados e direitos humanos fundamentais na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2001, p. 165. 2 RESEK, Francisco. Congresso Nacional e tratados. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Brasília, v. 75, n. 1, p. 74-81, jan- março/2009. 3 PIOVESAN, Flávia. Reforma do judiciário e direitos humanos. In TAVARES, Ramos. LENZA, Pedro. ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora (Coord.). Reforma do judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 67-81. 4 I biderm, p. 69-70. status de lei ordinária. Essa era a posição majoritária entre os ministros da Corte desde a ordem constitucional anterior, conforme acórdão proferido no RE nº 80004/SE, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, julgado em 01/06/1977, litteris: Convenção de Genebra, Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias - aval aposto a nota promissória não registrada no prazo legal - impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do decreto-lei nº 427, de 22.01.1969. Embora a convenção de genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do país, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do dec-lei nº 427/69, que institui o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto. Recurso extraordinário conhecido e provido. Na vigência da atual Constituição, o entendimento jurisprudencial sobre a recepção dos tratados internacionais com status de lei ordinária foi confirmado nos julgamentos do HC 72.131-1/RJ e da ADI-MC nº 1.480/DF, sendo que, nesta ação direta de inconstitucionalidade,firmou-se o entendimento de que qualquer tratado de direito internacional, seja ele de direitos humanos ou não, ingressa no ordenamento interno no mesmo patamar das leis ordinárias, a elas se equiparando 5 . Merece destaque, entretanto, a posição externada pelo Ministro Sepúlveda Pertence que, apesar de não admitir a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos, passou a aceitar o status supralegal desses instrumentos 6 , conforme se extrai do voto proferido por ocasião do julgamento do RHC 79.785-RJ. 3 TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45/2004 Presente a controvérsia doutrinária e jurisprudencial a respeito da recepção dos tratados internacionais de direitos humanos, afirma a doutrina que a inclusão, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, do § 3º ao art. 5º da Carta “pretendeu por termo às discussões relativas à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio” 7 . Segundo Eliane Meira Barros de Oliveira 8 , a introdução do parágrafo 3° ao artigo 5° da Carta Magna, promovida pela Emenda Constitucional n. 45/2004, foi pensada a partir de audiência pública na qual o Ministro Celso de Mello anotara sua preocupação em garantir aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil fosse signatário status de norma constitucional, à semelhança do que estabelece a Constituição da Argentina, a partir da reforma de 1994. Com efeito, pode-se afirmar que o Poder Constituinte Reformador pretendeu, com esse dispositivo, atribuir aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos que sejam aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, 5 ADI-MC n. 1480: “Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa.” 6 Registre-se, ainda, que o Ministro chegou a reconhecer a supremacia constitucional dos tratados de direitos fundamentais firmados pelo Brasil antes da Carta de 1988, conforme se infere do voto proferido por ocasião do julgamento da ADI-MC nº 1675. 7 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito internacional público: parte geral. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 101. 8 OLIVEIRA, Eliane Meira Barros de. Tratado de direitos humanos e a Constituição: análise do impacto jurídico do acréscimo do parágrafo 3° ao artigo 5° da Constituição Federal. Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público- IDP, 2005. 109 p. por três quintos dos votos dos respectivos membros, equivalência às emendas constitucionais. Consequentemente, passam a ter status de norma formal e materialmente constitucional. Mas, e os demais tratados de direitos humanos? Em relação a esses tratados, firmou entendimento o Supremo Tribunal Federal, no RE 466.343/SP 9 , no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos adentram a ordem interna com uma posição diferenciada, com status supralegal, mas infraconstitucional. A propósito, confira-se trecho elucidativo do voto do Ministro Gilmar Mendes no referido julgado: Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação á legislação infraconstitucional que disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exemplo, com o art. 652 do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que reproduz disposição idêntica ao art. 1.287 do Código Civil de 1916. O principal fundamento desse novo posicionamento jurisprudencial evidencia-se na “abertura cada vez maior do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção de direitos humanos” 10 . Com efeito, aponta o Ministro Gilmar Mendes [...]uma tendência contemporânea do constitucionalismo mundial de prestigiar as normas internacionais destinadas à proteção do ser humano. Por conseguinte, a partir desse universo jurídico voltado aos direitos e garantias fundamentais, as constituições não apenas apresentam maiores possibilidades de concretização de sua eficácia normativa, como também somente podem ser concebidas em uma abordagem que aproxime o Direito Internacional do Direito Constitucional. Tomando-se esse entendimento da Suprema Corte como premissa para o raciocínio que passaremos a desenvolver, tem-se, então, a partir desse julgamento, a seguinte situação: i) tratados internacionais que não são de direitos humanos são recepcionados na ordem interna com status de lei ordinária; ii) tratados internacionais de direitos humanos são recepcionados na ordem interna com status supralegal, ou seja, estão entre a Constituição e a lei ordinária; 9 RE 466.343/SP, Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em 03/12/2008. 10 Ministro Gilmar Mendes, por ocasião do voto proferido no RE 466.343/SP. iii) tratados internacionais de direitos humanos aprovados nos termos do § 3º do art. 5º da Carta da República equivalem a emendas constitucionais e, portanto, têm status formal e material de norma constitucional. Nesse ponto, rechaçamos a tese segundo a qual os tratados de direitos fundamentais, de acordo com a regra do § 2º do art. 5º da Constituição, seriam normas materialmente constitucionais, pois, em virtude da inserção do § 3º ao art. 5º, a leitura que se extrai é a de que o Poder Constituinte derivado deliberou que as normas internacionais que protegem direitos humanos somente alcançariam status constitucional mediante procedimento solene e com quorum mais qualificado. Se a doutrina discutia sobre possível intenção do Poder Constituinte originário de conceder às normas internacionais de direitos humanos status Constitucional, o Poder Constituinte derivado, ao trazer preceito expresso que exige processo legislativo diferenciado para tal fim, estancou a divergência 11 . No mesmo sentido, aliás, leciona Cármen Tibúrcio que O texto introduzido pela emenda, atualmente em vigor, não deixa dúvidas: os tratados internacionais sobre direitos humanos têm a mesma hierarquia das emendas constitucionais, desde que obedecido o quorum privilegiado de aprovação dessas. De qualquer forma, embora aparentemente essa posição contrarie a nova tendência de Constitucionalismo 12 , denominada por Marcelo Neves de Transconstitucionalismo, a Suprema Corte temperou os efeitos de tal retração, ao agasalhar, no RE 466.343/SP, o entendimento de que tais normas teriam status supralegal, ou seja,na pirâmide Kelseniana, um degrau abaixo da Constituição Federal, quando não observado o procedimento previsto no §3° do art. 5° da Constituição Federal. Estas conclusões têm implicações diretas com o exercício da competência do Presidente da República para denunciar 13 os tratados internacionais de que o Brasil seja signatário. É sobre o que se passa a discorrer. 4 DENÚNCIA DE TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA A prática brasileira atual em matéria de denúncia de tratados internacionais encontra fundamento no inciso VII do art. 84 da Lei Maior, que inclui entre as competências privativas do Presidente da República manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos 14 . 11 TIBÚRCIO, Carmem. A EC n. 45 e temas de direito internacional. In Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a Ec. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 121-139. 12 Cf. Lilian Baltmant Emerique e Sidney Guerra: “Caso contrário, o poder reformador teria apenas estatuído um procedimento que trouxe maior complexidade (quorum qualificado) para internalização dos tratados internacionais sobre direitos humanos, diluindo os dispositivos contidos no §§1° e 2° do art. 5° da Constituição de 1988 e indo na contramarcha do pensamento hodierno sobre o caráter especial dos tratados internacionais sobre direitos humanos, uma vez que mais e mais se observa o aumento da abertura do Estado constitucional a ordens jurídicas supranacionais de proteção aos direitos humanos”. In Revista Jurídica, Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p. 01-34, abr./maio, 2008. Disponível em www.planalto.gov.br/revistajurídica. Acesso em 28/04/2010. 13 “Denúncia dos tratados: entende-se por denúncia o ato unilateral pelo qual um partícipe em dado tratado internacional exprime firmemente sua vontade de deixar de ser parte no acordo anteriormente firmado. Difere da ab-rogação justamente pelo fato de ser levada a efeito unilateralmente por uma determinada parte no tratado, e não pela totalidade delas. Trata-se de forma de extinção do tratado pela vontade unilateral do Estado-parte”. MAZZUOLI, Valério. Direito internacional público. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.67. 14 “Neste sentido, a denúncia, como ato pelo qual o Brasil informa a parceiros internacionais que não mais deseja se manter vinculado a determinado compromisso consagrado na forma de tratado, é da alçada do Poder Executivo. Cabe destacar que não existe norma, nem na Constituição Federal nem em outro diploma legal, que sequer disponha explicitamente sobre a denúncia dos tratados, estabelecendo a forma como a autoridade brasileira deverá proceder no âmbito interno para tomar as medidas necessárias para a sua implementação.” PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. A possibilidade da denúncia de tratados de direitos humanos no Brasil Por outro lado, da sistemática posta extraem-se duas categorias possíveis de tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio: os que possuem status supralegal e, portanto, não foram aprovados nos termos do § 3º do art. 5º da Carta 15 , e os que são equivalentes às emendas constitucionais, uma vez que sejam aprovados na forma desse dispositivo constitucional. Ocorre que a aprovação na forma do § 3º do art. 5º da Lei Maior acarreta, inexoravelmente, reforma constitucional, ou seja, o tratado passa a integrar, formalmente, inclusive, o texto constitucional. Sendo assim, entendemos, como Flávia Piovesan16, que esses tratados não podem ser denunciados. Confira-se: Já os tratados material e formalmente constitucionais não pode ser objeto de denúncia. Isto porque os direitos neles enunciados receberam assento no texto constitucional, não apenas pela matéria que veiculam, mas pelo grau de legitimidade popular contemplado pelo especial e dificultoso processo de sua aprovação, concernente à maioria de três quintos dos votos dos membros, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação. Ora, se tais direitos passaram a compor o quadro constitucional, não só no campo material, mas também formal, não há como admitir que um ato isolado e solitário do Poder Executivo subtraia tais direitos do patrimônio popular – ainda que a possibilidade de denúncia esteja prevista nos próprios tratados de direitos humanos ratificados, como já apontado. Também Francisco Resek17 entende que Não haverá quanto a semelhante tratado a possibilidade de denúncia pela só vontade do Executivo, nem a de que o Congresso force a denúncia mediante lei ordinária (v. adiante o § 53), e provavelmente nem mesmo a de que se volte atrás por meio de uma repetição, às avessas, do rito da emenda à Carta, visto que ela mesma se declara imutável no que concerne a direitos dessa natureza. De outra forma, uma vez que terão status supralegal os tratados de direitos fundamentais que não se submeterem ao rito específico do § 3º do art. 5º da Carta, não sendo, portanto, normas constitucionais – nem sob o aspecto formal, nem sob o aspecto material –, entendemos que não haverá óbice à denúncia desses instrumentos internacionais, até porque a denúncia é própria aos tratados internacionais, tanto que costumam ser previstas no próprio instrumento. Cabe apontar que está sob julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1625, proposta pela Central Única dos Trabalhadores – CUT, em que se questiona violação ao art. 49, I, da Carta da República, em razão da denúncia da Convenção da OIT n° 158, promovida pelo Presidente da República através do Decreto n. 2.100/1996. O julgamento da referida ação teve início em 02.10.2003, quando os Ministros Maurício Corrêa – Relator – e Carlos Britto se manifestaram pela procedência parcial da ação para, emprestando interpretação conforme ao art. 49, I, da Carta, determinar que a denúncia da Convenção 158 da OIT condiciona-se ao referendo do Congresso Nacional, a partir do que produz sua eficácia plena. Também já apresentaram seus votos os Ministros Nelson Jobim e Joaquim Barbosa, sendo o primeiro pela improcedência, e o segundo pela procedência total da ação. O julgamento foi adiado e o Congresso Nacional. Disponível em: <http://www.esmarn.org.br/ojs/index.php/revista_teste/article/viewFile/17/3>. Acesso em: 28/04/2010. 15 Cabe ressaltar que no RE 466.343/SP o Plenário do STF se manifestou apenas sobre os tratados incorporados a ordem interna em momento anterior à edição da Emenda Constitucional n. 45/2004. Carmem Tibúrcio salienta a possibilidade de, mesmo após o advento da referida Emenda Constitucional, a deliberação não obter o quorum qualificado, o que implicaria na admissão do tratado internacional com status de lei ordinária. TIBÚRCIO, Carmem. AEC n. 45 e temas de direito internacional. In: Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a Ec. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 121-139. 16 PIOVESAN, op. cit., p. 74. 17 RESEK, op. cit. em razão de pedido de vista da Ministra Ellen Gracie, na sessão plenária de 03.06.2009. 5 PROCESSO LEGISLATIVO PARA APROVAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS SOB A NOVA ORDEM INTRODUZIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004 Em momento anterior à edição da EC n. 45/2004, Valério Mazzouli 18 e Francisco Resek 19 discorrem, com maestria, sobre o procedimento legislativo para aprovação ou recusa de um tratado internacional assinado pelo Presidente da República. Não há, contudo, qualquer ato normativo, seja lei stricto sensu ou estabelecidono Regimento Interno das Casas do Congresso Nacional, que regule a tramitação de tratado internacional de direitos humanos, considerando a nova ordem instituída pela EC n. 45/2004. Para Resek 20 : Não é de crer que o Congresso vá doravante bifurcar a metodologia de aprovação dos tratados sobre direitos humanos. Pode haver dúvida preliminar sobre a questão de saber se determinado tratado configura realmente essa hipótese temática, mas se tal for o caso o Congresso seguramente adotará o rito previsto no terceiro parágrafo, de modo que, se aprovado, o tratado se qualifique para ter estatura constitucional desde sua promulgação – que pressupõe, como em qualquer outro caso, a ratificação brasileira e a entrada em vigor no plano internacional. Já Pedro Lenza 21 : Entendemos, pela regra do art. 49, I (que não poderá ser desprezada), continua sendo o decreto legislativo o ato pelo qual o Congresso Nacional, no procedimento de incorporação dos tratados internacionais, resolve definitivamente sobre os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos. Veja que a nova regra não diz que o procedimento deverá ser o das Emendas, mas que, cumpridas as formalidades, equivalerão às Emendas. Em geral, têm-se, assim, dois posicionamentos divergentes quanto ao processo legislativo a que se refere o § 3º do art. 5º da Carta. Uma parte da doutrina que entende que, a partir da EC n. 45/2004, os tratados de direitos humanos devem ser submetidos apenas uma vez à deliberação do Congresso Nacional, já com o quórum qualificado para aprovação ou não como emenda. A outra parte entende que os tratados devem ser submetidos, num primeiro momento, para fins do art. 49, I, da Carta e, somente após ratificado e facultativamente, para fins de sua aprovação como emenda constitucional. Para nós, a posição de Manoel Jorge e Silva Neto é a mais acertada. Entende o doutrinador como obrigatório o “início da apreciação legislativa acerca do tratado sobre direitos humanos de acordo com o processo constitucionalmente estabelecido para emendas.” 22 . Frise-se: apenas o início da apreciação, pois o Parlamento não se 18 MAZZUOLLI, op. cit. 19 RESEK, op. cit. 20 RESEK, op. cit. 21 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009. 22 NETO, Manoel Jorge e Silva. Devido processo legislativo e aprovação de tratados internacionais sobre direitos humanos. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 29/04/2010. encontra vinculado à aprovação da medida como emenda constitucional, o que não obsta à posterior ratificação do tratado, havendo aprovação com quórum simples. Com efeito, se se tratasse apenas de uma faculdade a submissão do tratado ao rito do § 3º do art. 5º da Carta, “ter-se-ia uma alteração constitucional sem qualquer utilidade, pois sempre pôde o CN aprovar, como emenda constitucional, novo direito fundamental, incorporando-o ao rol trazido pela Constituição de 1988” 23 . Dessa forma, entendemos que a iniciativa desse específico processo legislativo será do Presidente da República, pois a ele compete celebrar tratados, nos termos do 84, VIII, da Lei Maior. Nesse contexto, o Presidente da República, ao firmar um tratado, envia uma mensagem ao Congresso Nacional, com o texto do instrumento e exposição de motivos do Ministro das Relações Exteriores 24 , restando deflagrado o processo legislativo, o qual deve seguir os trâmites estabelecidos no art. 60 da Constituição. Resta um esclarecimento, com relação ao início da tramitação. Nesse ponto, recorremos a André Ramos Tavares, que afirma que As votações sobre tratados ou convenções de direitos humanos deverão ter início na Câmara dos Deputados, aplicando-se a regra de que o Senado á a Casa iniciadora apenas quando a proposta provenha dos próprios senadores. 25 Cumpre registrar, por derradeiro, que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Resolução n. 204, de 2005, que propõe alteração no Regimento Interno da Casa para adequá-lo ao conteúdo da Emenda Constitucional n. 45/2004. De acordo com o Projeto, a iniciativa de dar ao tratado internacional tramitação equivalente a de emenda constitucional será da Casa ou do Presidente da República, e a norma a ser editada será decreto legislativo, com processo de tramitação equivalente ao da emenda constitucional. 23 TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88.Des/estruturando a Justiça. São Paulo: Saraiva, 2005 24 Idem, p. 45. 25 Ibidem, p. 45.
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