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BATISTA, Vera Malaguti. Introdução crítica à criminologia brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2012. 126 p. Vera Malaguti Batista é graduada em Ciências políticas e sociais pela PUC-Rio, mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), doutora e pós- doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. É também professora adjunta de criminologia na Faculdade de Direito da mesma universidade e ex- Secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia. Possui 4 obras literárias publicadas. No livro “Introdução crítica a criminologia brasileira”, cujo título homenageia a obra análoga de Nilo Batista, Vera Malaguti pontua, em crítica, que a formação jurídica brasileira não mergulha nos saberes sociológicos e filosóficos gerais, restringindo-se a conteúdos da própria área do direito. Em contraposição a isso, logo introduz o método de estudo utilizado para abordagem dos assuntos, que serão historicizados e analisados capitularmente por meio da perspectiva de centenas de pensadores. De início, a Batista apresenta diversas definições, aspectos e utilidades da criminologia na perspectiva de múltiplos autores, confrontando ideias e identificando suas srcens históricas e escolásticas. A professora, porém, dá ênfase a acepção – adotada por ela – de Raúl Zaffaroni, que conceitua a criminologia como o saber e a arte intrincados aos discursos perigosistas, sendo, em síntese, o “curso dos discursos sobre a questão criminal”. (ZAFFARONI, 1988 apud MALAGUTI, 2012, p. 17). Valendo-se do pensamento do mesmo autor, Batista contesta o surgimento das questões criminais que, a despeito do que prevalece nos estudos tradicionais, não teria eclodido em meados dos séculos XIX e XX, mas ainda na Idade Média. Na sucessão, Batista se mune do pensamento de Massimo Pavarani para enunciar que a compreensão do objeto da criminologia está diretamente atrelada à ordem requerida pela estrutura econômica e social capitalista – uma compreensão que, pela a base marxista da autora, norteará todo o título. Já no segundo capítulo, ela postula a necessidade de compreendermos o “crime” como um dispositivo construído socialmente, e não como conceito ontológico. Baseando-se em Nilo Batista, a autora defende que a política criminal está subordinada ao pensamento econômico e propõe e propõe que seja entendida como um conglomerado de premissas e orientações para transformar a legislação criminal e instituições as quais compete sua implementação. A questão criminal, portanto, se relaciona com a hierarquia de poder e a demanda de uma classe pelo ordenamento social em prol de uma política de acumulação de capital. Na sequência, Vera Malaguti principia a linha histórica postulada e elenca como se deu a genealogia da criminologia. Retomando a tese da gênese no período medievo, a autora tece que a concepção humana do “criminoso” inicia com a desumanização, demonização, e respectivo método de combate aos hereges, promovido pela Igreja Católica, técnica essa que muito se assemelharia a ótica com que se enxerga atualmente os traficantes. Avançando no tempo, a autora apresenta os aspectos da produção positivista na seara da criminologia, os quais repercutem até os tempos hodiernos na mentalidade do tema. Baseando-se em Gabriel Anitua, a professora disserta que o positivismo surge em meio às revoltas populares com o intento de desqualificar o princípio da igualdade. Valendo-se de métodos “terapêuticos”, o positivismo teria impetrado estratégias disciplinares para alcançar o controle social. A ciência, usada para esse propósito, buscava ampliar e legitimar a punição contra a rebeldia proletária, no que desencadearia, sob o pretexto do combate a degeneração genética, a justificação para a eugenia genocida. Nesse sentido, o delito tornaria-se um sintoma de uma personalidade patológica e a criminalidade passou a ser atrelada a genética, em uma descrição fenotípica do perfil da pessoa pobre. Essa tese engendrou não só o cárcere compulsório, mas a medicalização dos presídios, presente também nos asilos e tratamentos manicomiais. Na contraposição dessa linha, a invenção freudiana da psicanálise desponta como uma ruptura no pensamento criminológico, promotor de um paradigma etiológico e metodologicamente causal, inaugurando, em sua substituição, compreensão subjetiva da questão criminal. Vera Malaguti, citando Alessandro Baratta, explica que o olhar psicanalítico demonstrava uma explicação totalmente adversa do proposto como comportamento crimininoso. E que, muito embora as teses de Freud apresentem uma problemática como a que diz respeito à generalização de “cultura” e demonstra um preconceito eurocêntrico na atribuição de primitividade a outros povos, a obra do psicanalista soma uma grande contribuição ao confrontar também a estrutura punitiva do Estado e refutar a criminologia clínica com uma ideologia que conjugava o delito a reação social. Outro autor que vai de encontro a tese positivista, é Émile Durkheim. De acordo com Batista, com o sociólogo, a questão criminal muda de panorama e o delito passa a ser visualizado como algo normal e necessário para questionar a efetividade das normas e a reação da sociedade a ele geraria a manutenção do coletivo. Essa perspectiva funcional- estruturalista é responsável pela ideia que acopla o desvio limitado como agente da anomia e desloca a compreensão do “normal” como comportamento habitual e o “patológico” como a ação atípica. Os estudos durkheimianos desvelaram a existência de subculturas pertencentes a grupos não hegemônicos, que produziam comportamentos considerados marginais. A autora, referenciando Baratta, elucida que a escola que essa linha foi de importante contruibuição por, entre outras coisas, apresentar o crime não como escolha individual, mas como consequência de condições sociais, cultura, aprendizado, etc. Na sucessão, a professora apresenta os conceitos rotulacionistas, que, de acordo com ela, se contrapõem a tese fundada por Durkheim ao manejar as ações edificadas pelos papéis sociais, compreendendo a identidade como produto da interação em sociedade. A criminalidade, nesse sentido, deixa de ser vista como uma realidade e passa a ser vislumbrada como uma classificação, deslocando-se a análise para o sujeito que tem o poder de impor essa definição sobre os demais – e implicando, com isso, a noção que relaciona a estratificação social ao poder de criminalizar. Essa crítica acarreta no pleito pela redução da criminalidade e limitação do poder punitivo estatal. Já pelo aspecto marxista, porém, o direito penal seria um discurso de classes utilizado para legitimar a hegemonia capitalista e a criminologia é lida como uma demanda por ordem do contingenciamento humano, como ciência do controle, que envolve termos como dominação e luta de classes. Neste bojo, o processo punitivo estaria intrinsecamente conectado ao controle e disciplinamento do mercado de trabalho e ao sistema de produção. Caminhando para a conclusão, Vera Malaguti adentra na criminologia crítica, o tema que dá cerne e nome ao seu livro. Valendo-se das palavras de Baratta, ela elucida que essa tese produz dois movimentos, sendo eles a transferência do infrator para condições objetiva, estruturais e funcionais, e o deslocamento das causas para os mecanismos de construção da realidade social. Nesse sentido, aspectos como a função da pena são descritos como atos de coibição a certas ações, cuja única serventia seria a cobertura ideológica do controle social das classes subalternas. O elo entre prisão e escola é traçado e se aponta que em ambos há uma série de cerimônias e regimes de degradação e desculturação que lançam por terra proposições como o da humanização de penitenciárias por meio de métodos de resocialização, reeducação e etc. Nesta linha, a justiça criminal e o poder punitivo se convertem, portanto, em um instrumento parao controle da ilegalidades populares, sendo essa a real razão histórica para o qual se constituíra a prisão e o sistema penal. No crepúsculo da obra, Batista elenca as repercussões que as escolas e teorias produziram, ao longo do tempo, no pensamento contemporâneo e na conjuntura neoliberal. Ela retoma o pensamento de alguns autores da criminologia crítica trabalhados ao longo do livro, para mencionar suas projeções e ideários para um sistema penal diferente. De acordo com a autora, Alessandro Baratta pensava em um universo menos punitivo e postulava a teoria deslegitimante da pena, defendia o desprendimento intelectual para se pensar em uma miríade de alternativas à penas e não em penas alternativas. Já para Raúl Zafaroni, a pena surge como fato de poder não legitimado e defende que a criminologia é um curso (como a correnteza dos rios) dos discursos que cercam as questões criminais, pelo qual devemos compreender a acumulação de teses a partir das margens sul-americanas. Rusche, por sua vez, propõe uma desconstrução da pena e do sistema penal a partir do desvelamento de suas funções histórica e concretas. Na contramão que percebe a policização intensa do Brasil redemocratizado, a autora finaliza “Introdução crítica à criminologia brasileira” enumerando pautas desafiadoras para a contemporaneidade: a despenalização de crimes patrimoniais sem uso da violência; a abertura das penitenciárias para comunicação social, familiar, comunitária; entre outros, que concretizariam a democracia como um sistema não determinativo, mas de negociação perene se lugares sociais.
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