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A inconstitucionalidade no veto de doação de sangue por homossexuais no Brasil

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA
CENTRO DE ESTUDOS APLICADOS – CESA
CAMPUS AVANÇADO DE IGUATU 
CURSO DE DIREITO 
A INCONSTITUCIONALIDADE NO VETO DE DOAÇÃO DE SANGUE POR HOMOSSEXUAIS E BISSEXUAIS NO BRASIL 
IGOR BEZERRA FERNANDES
IGUATU
2018
IGOR BEZERRA FERNANDES
A INCONSTITUCIONALIDADE NO VETO DE DOAÇÃO DE SANGUE POR HOMOSSEXUAIS E BISSEXUAIS NO BRASIL
Projeto de pesquisa apresentado como requisito para avaliação da disciplina de Metodologia do Trabalho Científico no curso de Direito da Universidade Regional do Cariri – Campus Iguatu.
Orientadora: Professora Esp. Patricia Gomes Sampaio. 
IGUATU
2018
LISTA DE ABREVIATURAS 
 HIV - Human Immunodeficiency Virus;
SIDA - Síndrome da imunodeficiência adquirida;
AIDS - Acquired immunodeficiency syndrome;
HSH - Homens que tiveram relações sexuais com outros homens. 
SUMÁRIO
1.	INTRODUÇÃO...................................................................................................5
2.	OBJETIVOS......................................................................................................7
	2.1 GERAL........................................................................................................7
	2.2 ESPECÍFICOS.............................................................................................7
3.	JUSTIFICATIVA................................................................................................8
4.	METODOLOGIA................................................................................................9
5.	REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................10
5.1	BREVE HISTÓRICO.............................................................................10
5.2	O PRECEDENTE CONSERVADOR.....................................................11
5.3	A PRATICA DO ATO INFRACIONAL...................................................13
5.4	DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS..............................................14
5.5	SEQUELAS SOFRIDAS.......................................................................16
6.	BIBLIOGRAFIA...............................................................................................18
7.	ANEXOS..........................................................................................................20 
1. INTRODUÇÃO:
	No mundo, 50 países mantêm algum veto no que concerne à doação de sangue por homens que fizeram sexo com outros homens. A inibição teve início na década de 1980 e o Brasil faz parte deste conjunto. No mais, além de ter sido um dos primeiros países da América Latina a darem largada à restrição, também é um dos que mais debate a infração dessa norma. 
O cerne para todo o âmbito em discussão está na justificativa dado pela ANVISA e Ministério da Saúde, que, na visão de juristas ou até mesmo profissionais da área da saúde, é algo incoerente para o modelo de sociedade hodierno. Dessa forma, vê-se um pretexto insuficiente para manter um parâmetro usado há décadas atrás, sendo possível analisar o perceptível método discriminativo usado em detrimento de homossexuais e bissexuais. 
	Além disso, nota-se que a segregação alimenta o precedente maculado existente na figura de homens que mantem relações sexuais com outros homens, verificando-se o desserviço do Estado para o encerramento da homofobia no Brasil - tido como um dos principais países em rankings de homicídios causados pela intolerância sexual. Outrossim, vale salientar que tal norma ofende preceitos encontrados na Constituição Federal por torna-los inócuos para a elaboração da resolução. Desse modo, pode-se afirmar a plausível chance do documento infralegal ser inconstitucional. 
	Ademais, depreende-se um padrão que preconiza a heterossexualidade nas doações de sangue, mesmo havendo chances reais de serem coletados sangues contaminados desse grupo. Nesse sentido, sabe-se que doenças venéreas, como a AIDS, podem ser transmitidas por meio de relações sexuais desprotegidas, algo não abordado pela portaria em casos onde indivíduos heterossexuais se negam a fazer uso do preservativo, optando por métodos contraceptivos. 
	Em suma, é visível a não adequação da norma aos preceitos da lei. Essa conjuntura fica ainda mais nítida em depoimentos de homens que ao relatarem sua orientação sexual e contexto vivenciado, foram depreciados ou advertidos com discursos conservadores emitidos pelos próprios clínicos que os atenderam. Tendo em vista isso, fica claro o precário empreendimento na elaboração e execução da medida, de modo que, subestima direitos e reitera a noção antiquada de homens que fizeram sexo com outros homens (HSH), de maneira desagradável. 
2. OBJETIVOS
 
 OBJETIVO GERAL
Apurar a atual técnica de cautela em procedimentos hemoterápicos que inviabiliza homossexuais e bissexuais como doadores de sangue, tornando o método de diligencia ilícito, ferindo os princípios constitucionais. 
 
 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Salientar a vetusta seara em que a ação teve início;
Analisar desde o cerne, a justificativa da ação exposta na portaria 158 do Ministério da Educação da República Federativa do Brasil;
As alegações científicas e suas evoluções a respeito de doenças que possam vir a serem transmitidas em tratamentos hemoterápicos;
As práticas sexuais de um indivíduo podem ferir preceitos constitucionais?
Verificar a atual conjuntura do homossexual e bissexual no que concerne à luta por igualdade e fatores que fomentam com o preconceito;
Investigar a faceta discriminatória velada na restrição que ceiva com o princípio constitucional;
Explanar o impacto na vida do homossexual e bissexual inseridos neste contexto opressor.
3. JUSTIFICATIVA
Desde os primórdios a população LGBT sofre repreensão e subjugo incisivos. Nos anos 1960, após a descoberta do Human Immunodeficiency Virus (HIV), vírus causador da Acquired immunodeficiency syndrome (AIDS) ou síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), foi constatado que a maioria das pessoas infectadas eram homens que faziam sexo com outros homens, o que fomentou com o preconceito e a tentativa de comprovar a nocividade do homossexual para sociedade. 
Após estudos aguçados sobre a doença recém descoberta, na época, revelou-se que todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual, estavam passiveis a serem infectadas pelo vírus HIV, o que para muitos não foi o suficiente para mitigar e desconectar a imagem da AIDS como predicativo do homossexual. Essa ação levou a influenciar a denominação “grupo de risco” referente a homossexuais ou homens que faziam sexo com outros homens. 
A restrição para homens que fazem sexo com outros homens em tratamentos hemoterápicos é, segundo profissionais da saúde, decorrente do atrito causado nas práticas sexuais. Contudo, esse argumento não pode ser considerado, visto que as práticas sexuais as quais se referem podem também ser mantidas por casais heterossexuais os quais não são restringidos em tratamentos hemoterápicos.
Logo, é importante ressaltar a faceta que segrega homossexuais e bissexuais em tratamentos hemoterápicos, que ainda na contemporaneidade, possui uma vertente discriminatória que de forma deturpada, infringe o princípio constitucional de igualdade contido no artigo 5º e oprime, causando desconforto diante da situação, o que pode vir a ser considerado um ferimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal. 
 Não obstante, vê-se que esta conduta adotada pelo Estado corrobora com pronunciamentos homofóbicos, acrescentados em discursos de ódio contra grupos LGBT’s. Ademais, vale salientar que o presente trabalho questiona a periculosidade no atual método de restrição, acreditando ser possível a elaboração de uma norma que altereo veto para homossexuais e bissexuais que estejam em condições favoráveis para contribuir em contextos onde os seus respectivos auxílios são de extrema importância.
4. METODOLOGIA
Este Projeto de Pesquisa tem por finalidade central buscar questionar o atual Código do Ministério da Saúde canarinho que corrompe com o princípio de igualdade garantido pela Constituição. Destarte, serão analisados artigos, monografias, jornais, sites jurídicos de renome nacional e leis pertencentes à Constituição Federal e ao Código do Ministério da Saúde da República Federativa do Brasil.
No decorrer da pesquisa haverá um Encontro de Saúde LGBT no município de Iguatu, onde será debatido com profissionais da saúde a hodierna situação do sistema de saúde brasileiro direcionado à comunidade LGBT, a fim de aprofundar os conhecimentos adquiridos pelos meios literários e obter relatos práticos.
Em suma, o método utilizado para fazer a pesquisa será o dedutivo, visto que o assunto abordado compreende todo o território nacional e todas as peculiaridades sobre o tema encontradas serão consideradas para a produção deste projeto. 
5. REFERENCIAL TEÓRICO
O presente trabalho tem por intenção abordar a discussão desta temática iniciando o capitulo do referencial teórico. Esse, será apresentado com base em conceitos e pesquisas, de modo que se obtenha um conteúdo satisfatório, salientando argumentos e dando princípio às teorias.
5.1 BREVE HISTÓRICO
No final do século XX, uma epidemia alastrou a população mundial. A SIDA ou AIDS, como é mundialmente conhecida, veio como uma ceifadora de vidas e um monstro análogo ao que a lepra foi para os pecadores ou assim como bem disse Cazuza (1958-1990), a doença caiu como uma luva para os pronunciamentos tendenciosos da religião e do levante de direita. A falta de informação sobre o “câncer gay”, como era denominada a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, na época, causou uma deturpação da própria patologia e subsidiou injúrias direcionadas à comunidade LGBT. 
Sabe-se que em 1959 foi comprovado o primeiro caso de morte causada pela doença. Não obstante, segundo estudiosos, o primeiro contato do homem com o vírus ocorreu em 1930. Contudo, ainda hoje não existe uma unanimidade nessa tese, visto que alguns cientistas apontam que o vírus já havia sido adquirido séculos antes.
 Adiante, após a constatação de que houve contaminação de pessoas através de tratamentos hemoterápicos, homens que fizeram sexo com outros homens foram, naquele período, alocados em um “grupo de risco” e proibidos de doar sangue. No Brasil, houve muito receio até por parte dos próprios profissionais da saúde, já que em meados da década de 1980, a SIDA ainda era novidade para as terras canarinhas.
A sensação que eu e os demais profissionais da saúde experimentamos diante dos primeiros pacientes foi de absoluta paúra, porque não se sabia exatamente como a doença era adquirida. É verdade que, quando a AIDS chegou ao Brasil, já se conheciam as prováveis formas de transmissão – contato com sangue e fluidos sexuais –, mas, ainda assim, não nos sentíamos seguros para descartar outras formas de contágio, até que houvesse provas irrefutáveis a esse respeito.
Os médicos lidavam com os doentes paramentados como astronautas – usavam dois aventais, luvas, máscara, óculos e gorro. Faziam procedimentos invasivos um tanto amedrontados. Havia receio de, ao entubar um paciente, por exemplo, entrar em contato com a saliva ou o vômito da pessoa, como ocorria, às vezes. Algumas enfermeiras se recusavam a entrar no quarto dos indivíduos que padeciam da nova doença. Outras apenas levavam as refeições e saíam o mais rápido que podiam, sem tocar em nada. Nós, médicos, não sabíamos nem mesmo se era seguro liberar as visitas dos familiares. 
Orientávamos as pessoas a se “empacotarem” o máximo possível antes de entrar no quarto do doente. É claro que ponderávamos: “Bom, o paciente estava em casa até ontem, e a família está saudável, então essa doença não deve mesmo ser transmitida através do contato com a pele ou a saliva nem pelo compartilhamento de objetos”. Mas o medo era tanto que preferíamos pecar pelo excesso. Dá para imaginar o constrangimento emocional dos pacientes diante de tudo isso. (TIMERMAM, 2015, p. 08). 
Ainda naquele período, com a falta de informação instaurada, muitos portadores da doença não buscavam ajuda ou simplesmente ignoravam os sintomas que poderiam levar a óbito - muitas vezes isso decorria do receio em carregar um predicado tão recriminado como o da AIDS. Devido a isso, esses indivíduos permaneciam exercendo suas atividades civis normalmente, ocasionando na contaminação de pacientes hemofílicos que receberam sangue através de tratamentos hemoterápicos - algo que motivou vários países do mundo a empregarem restrições. 
É irrefutável a nocividade do HIV para um receptor que precisa de um sangue nulo de enfermidades. Desse modo, como o número de casos predominava em homossexuais, a qualidade do sangue passou a ser analisada conforme o comportamento desse grupo, visto que, naquele momento, ainda não era possível ter uma afirmação da presença do HIV no sangue do doador. 
Em relação ao Brasil, o Ministério da Saúde por décadas inviabilizou permanentemente HSH a doarem sangue por não terem embasamento aprofundado sobre a doença. Hodiernamente, a PORTARIA Nº 158, DE 04 DE FEVEREIRO DE 2016 traz uma ressalva a homens que fizeram sexo com outros homens no período de 12 meses como doadores de sangue. 
5.2 O PRECEDENTE CONSERVADOR 
Mesmo sendo uma restrição parcial, esta medida sanitária não só corrompe com as informações obtidas a respeito da doença, mas também com princípios constitucionais. Vale ressaltar que todas as vedações postas em prática, visam a qualidade do sangue recebido. Porém, o método utilizado para desclassificar as pessoas consideradas inaptas em determinado período, estabelece um juízo de valor que vai além da prática sexual considerada vulnerável por infectologistas. 
Assim como bem afirmam Marina Malacarne, infectologista, professora do Centro Universitário do Espírito Santo (Unesc) e coordenadora do Serviço de Infecção Hospitalar do São Bernardo Apart Hospital, e Hélio Angotti Neto, coordenador do curso de Medicina da Unesc:
Sabe-se que pessoas que praticam o coito anal têm chances muito maiores de contrair infecções sexualmente transmissíveis, em especial o HIV, quando comparadas com aquelas pessoas que praticam apenas sexo vaginal. O sexo anal pode aumentar o número de lesões na mucosa da região, e esse aumento de lesões diminui a proteção. Isso se torna ainda mais perigoso quando há o contato do sangue com o sêmen contaminado. 
Ainda que HSH não sejam considerados um “grupo de risco” como antes, há uma predominância na restrição do “grupo de risco” em detrimento ao comportamento de risco. Vê-se que este tipo de ato sexual pode ocasionar um número elevado de lesões, fragilizando a proteção do canal anal. No entanto, isso independe de orientação sexual e, no mais, qualquer contato sexual sem o uso do preservativo ainda pode vir a ser considerado um comportamento de risco. 
Portanto, é incongruente uma vedação que se baseia em uma pratica sexual tida como inerente a HSH, descartando a hipótese de que heterossexuais também podem ser adeptos da mesma prática. Assim sendo, compreende-se que a definição “homens que fazem sexo com outros homens” é uma forma de desfigurar a discriminação direcionada a homossexuais e bissexuais, posto que o paradigma usa de uma similitude trivial e fundamenta-se em uma análise fisiológica passível de ser comum a todos que desejam ser doadores. 
Ademais, consta-se na Portaria nº 158 do Ministério da Saúde, que todos os sangues coletados passam por uma triagem que analisa a qualidade do sangue que irá ser doado. Na contemporaneidade, surgiram testes que conseguem reduzir o tempo em que o vírus está indetectável. Em 2014, o Ministério da Saúde tornou obrigatória a utilização do Teste de Ácido Nucleico (NAT) emtodas as bolsas de sangue coletadas, tornando possível “burlar” a janela imunológica e captar o vírus da AIDS em até 10 dias e no caso da hepatite C, em 12. 
Janela imunológica é o intervalo de tempo entre a infecção pelo vírus da aids e a produção de anticorpos anti-HIV no sangue. Esses anticorpos são produzidos pelo sistema de defesa do organismo em resposta ao HIV e os exames irão detectar a presença dos anticorpos, o que confirmará a infecção, caso ela tenha ocorrido. (Blog da Saúde; Ministério da Saúde.)
Além disso, é ainda mais sem nexo haver uma restrição que considere todos aqueles que mantiveram relações sexuais com outros homens no período de 12 meses inábeis de contribuir para o sistema hemoterápico brasileiro, visto que é totalmente possível um homossexual e seu namorado ou cônjuge não portarem a doença e mesmo assim ser mantido o impedimento, enquanto um heterossexual pode ter tido várias relações sexuais durante o ano, com ou sem camisinha, e não sofrer nenhuma vedação. Vale acentuar que no Brasil há um déficit calamitoso nos bancos de sangue e cerca de 18,9 milhões de litros de sangue são desperdiçados anualmente. Estima-se que apenas 1,9% dos brasileiros doam sangue regularmente, ou melhor, têm suas doações deferidas. 
O Dr. Drauzio Varella, um dos profissionais da saúde mais conhecidos no Brasil, foi também um dos primeiros médicos a analisar e tratar da AIDS no país, tendo iniciado sua abordagem no antigo presídio Carandiru, onde ele explicou abertamente a situação dos detentos portadores do vírus. Ainda segundo Varella, deve ser preconizado a conceituação do comportamento de risco, sucedendo o antigo conceito “grupo de risco”:
Esse conceito de grupos de risco ficou para trás, porque você pega um homossexual que tem um único parceiro, e que não está infectado, qual é a chance de ele pegar o vírus da AIDS? É zero. Você pega um outro que tem 10 parceiros, só que nenhum dos 10 está infectado, qual é a chance de ele pegar [AIDS]? Zero. E aí você pega uma mulher casada com um homem infectado. A chance dela é maior do que zero. Quem é grupo de risco aí? 
5.3 A PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL 
Verifica-se uma discriminação fundamentada pelo próprio Estado a um grupo de indivíduos que durante toda a existência lutou por respeito e igualdade. A limitação a homens que fazem sexo com outros homens em tratamentos hemoterápicos corrobora para a visão funesta da homossexualidade no mundo. Outrossim, a comunidade LGBT e seus integrantes não são os únicos que podem vir a serem infectados pelo HIV. Mas, por um longo período de tempo, foram às ruas, lutaram por direitos e tiveram coragem suficiente de abordar a causa de todos os soropositivos. 
Por conseguinte, talvez seja por esse motivo que se perpetuou um senso comum de que AIDS é um resultado intrínseco a qualquer prática homossexual. Esta seara é ainda mais agravada pela falta de humanização na capacitação de profissionais da saúde, que em virtude do preconceito velado, agem rispidamente, causando um desconforto ainda maior. 
O estudante de jornalismo Leonardo Uller de 19 anos, assumidamente homossexual, relata a situação vivenciada por ele após dar entrada em um hospital para doar sangue a seu tio e ser impedido: 
Quis saber por que, expliquei que estava em um relacionamento estável há mais de um ano, usava camisinha, e, por isso, meu comportamento não era de risco. Mas a médica prosseguiu: veja bem, se você estiver internado, vai querer um sangue ruim, de gente promíscua, no seu corpo? Foi péssimo. A primeira coisa em que pensei foi ‘que loucura, como uma pessoa que tem diploma de médico, estudou tantos anos para cuidar de gente pensa uma coisa dessas, que não faz o menor sentido? Me senti humilhado, muito injustiçado (grifou-se) 
	
À vista disso, torna-se indubitável que a ação além de ser manejada de forma precária, usa de uma alegoria única para definir HSH a partir da entrevista – onde a irrefutável discriminação tem início. Fato esse torna-se visível com o termo antes usado “grupo de risco”, responsável por ratificar a chaga discriminatória presente até os dias de hoje na caracterização do homossexual. 
5.4 DOS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS
Toda norma infraconstitucional imposta deve ser concomitante com princípios constitucionais. Essa conjuntura presente no cotidiano e prevista pelo Ministério da Saúde na Portaria 158, entra em confronto com preceitos basilares da carta magna do país, ignorando prerrogativas inerentes a qualquer cidadão. 
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana encontrado no artigo 1º, inciso III da constituição é tido por muitos causídicos como um valor único, que não pode, seja por qual for o pretexto, ser sacrificado por interesses coletivos. Contudo, alguns autores entendem a Dignidade da Pessoa Humana, não apenas como um princípio constitucional, mas sim como um direito fundamental, que faz parte da caracterização do Estado Democrático de Direito, preservando a liberdade individual e a personalidade. 
Sua atuação não deve ser absoluta, tendo em vista outros códigos encontrados no texto constitucional, como o direito à vida. Mas, em contraponto, abrange a proteção de todos os direitos fundamentais, como bem conceitua Kildare Gonçalves Carvalho (1950):
A dignidade da pessoa humana é o fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa e que com base nesta é que devem aqueles ser interpretados. 
Dentro os fatos supracitados, constata-se que além de impedir o auxílio aos bancos de sangue, tal ação avilta um grupo de pessoas, por classifica-los vulneráveis sem antes haver uma comprovação exata do estado de saúde de cada homossexual e bissexual que se submetem a tratamentos hemoterápicos. 
Além do mais, percebe-se que a homofobia pode ser considera uma motivação para explicar a continuidade dessa ação discriminatória na contemporaneidade, assim como o racismo e a misoginia conseguem perdurar de modo deturpado, mas, usando sempre das mesmas categorias, fazendo com que a cor da pele ou gênero permaneçam sendo cabíveis para segregar, mesmo contrariando o Princípio da Igualdade, manifesto no caput do artigo 5º da Constituição Federal. 
Esse preceito assegura a igualdade material, visando coibir atos discriminatórios, respaldando todos os indivíduos a um contexto isônomo, assim como afirma Cármen Lúcia Antunes Rocha (1954):
 
Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental. 
Sendo posta essa sentença, paira um limite ao legislador, podendo acarretar em uma inconstitucionalidade caso ele não cumpra com o ditame da lei. Contudo, o Princípio da Proporcionalidade garante a permanência de um direito para sustentar a existência do outro. Nesse caso, o legislador pauta sua decisão por meio de um equilíbrio entre direitos individuais e anseios da sociedade. 
Todavia, o cenário discutido se baseia na seguinte problemática: não são as relações entre homens que aumentam o risco de infecção pelo HIV, como outrora havia sido sugerido, mas sim a relação sexual anal desprotegida. Portanto, o veto a homens que fazem sexo com outros homens, toma por norte uma presunção de que nas relações sexuais desse grupo há uma promiscuidade, não uso de preservativo e contágio por doenças venéreas. Destarte, se faz notória a ilicitude da ação, uma vez que mesmo existindo alegações científicas, o critério de exclusão reverbera somente na orientação sexual do doador, devido à suposição de que existe uma libertinagem generalizada entre HSH - como se a pratica de risco fosse única e exclusiva do “grupo de risco”. 
5.5 SEQUELAS SOFRIDAS 
Destaca-se que a estigmatização das relações homoafetivas ultrapassou anos e como resultado disso, a atividade que veta homossexuais e bissexuais em tratamentos hemoterápicosnão só rompe com princípios constitucionais como também contribui para a chaga que esses indivíduos carregam pelo simples fato de agirem e amarem conforme bem entendem. Consequentemente, ser homossexual ou bissexual no Brasil é estar vulnerável e potencialmente forte.
A cantora norte americana, Madonna, proferiu o seguinte discurso em apoio à comunidade gay em um de seus shows, reiterando a bravura desse grupo: 
Estou aqui para dizer aos gays presentes e a todos ao redor do mundo que temos os mesmos direitos. Os mesmos direitos em sermos tratados com dignidade, com respeito, com tolerância, com compaixão e com amor. Tenho viajado pelo mundo e percebo que as pessoas estão cada vez mais com medo de quem é diferente, estão mais intolerantes. Mas nós podemos mudar isso, nós temos o poder! Somos todos diferentes, mas temos uma força enorme e não precisamos fazer isso com violência e sim com amor.
6. BIBLIOGRAFIA
SONTAG, Susan. Doença e suas metáforas: aids e suas metáforas. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. 
TIMERMAN, Artur. “Você está vendendo atestado de óbito? ”. Histórias da AIDS: Artur Timerman, Naiara Magalhães. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. P.07-14.
Constituição Federal Interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo/Costa Machado, organizador; Anna Candida da Cunha Ferraz, coordenadora. – 9. ed. Barueri, SP: Manole, 2018. 
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 158 de, 04 de fevereiro de 2016, redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de fevereiro de 2016. p. 37. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0158_04_02_2016.html.> . Acesso em 20 de mar. 2018
RODRIGUES, Bruno. A restrição à doação de Sangue por homens que fazem sexo com homens: uma análise à luz das disposições constitucionais do direito brasileiro. 2017. 40 f. Trabalho de conclusão de curso (Monografia - Direito) – Faculdade Damas da Instrução Cristã, Recife. 2017. 
CARPINELLI, André de Paula Turella. Doação de sangue por homens que fazem sexo com outros homens à luz do princípio da igualdade no direito brasileiro. Iuris in mente: revista de direito fundamentais e políticas públicas. Ano I, n. 1. Itumbiara, jul./dez., 2016. Disponível em: <http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/iuris/article/view/2245 >. Acesso em 12 de maio, 2018. 
CARDINALI, Daniel Carvalho. A proibição de doação de sangue por homens homossexuais: uma análise as teorias do reconhecimento de Fraser e Honneth. Revista Constituição e Garantia dos Direitos, ISSN 1982-310X. Disponível em: < https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/12256> . Acesso em 22 de maio de 2018. 
VARELLA, Drauzio. Homossexuais e a doação de sangue - Drauzio comenta. 2016. (03:17). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=chIvxztHVeE> . Acesso em 22 de maio. 2018.
 
MADONNA. Madonna's Full St. Petersburg Speech. 2012. (04:13). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MnEUMA-nPd4>. Acesso em 22 de maio. 2018.
BARACHO, Alice Acioli Teixeira. A dignidade da pessoa humana pode ser considerado um direito absoluto? Disponível em <http://www.lfg.com.br> - 30 de outubro de 2009. Acesso em 25 de maio. 2018
FERREIRA, Ricardo Alexino. A doação de sangue e o preconceito contra homossexuais. Disponível em <https://jornal.usp.br/atualidades/a-doacao-de-sangue-e-o-preconceito-contra-homossexuais/>. Acesso em 28 de maio de 2018. 
CORREIA DE MELO, Bruno Herrlein. A igualdade aristotélica e o princípio da isonomia salarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 954, 12 fev. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7948 > Acesso em: 30 maio. 2018.
ANJOS, Anna Beatriz. Fórum semanal. Homossexuais não podem doar sangue no Brasil? Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/04/homossexuais-nao-podem-doar-sangue-no-brasil.html>. Acesso em 30 de maio. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Blog da Saúde. Pós Carnaval: Quando devo fazer o exame para detectar o HIV? Disponível em:<http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/52388-pos-carnaval-quando-devo-fazer-o-exame-para-detectar-o-hiv> . Acesso em 30 de maio. 2018.
MALACARNE, Marina. NETO, Hélio Angotti. A proteção do paciente em primeiro lugar. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/a-protecao-do-paciente-em-primeiro-lugar-1jvsgbxfzoeit1mhc44imteey >. Acesso em 30 de jun. 2018.
7. ANEXOS
ANEXO I
	Tipo de Exposição
	Risco por 10.000
Exposições
	Parentérica
	Transfusão de sangue
	9.250
	Compartilhamento de seringas para uso de drogas
	63
	Percutâneo (com agulha)
	23
	Sexual
	Sexo anal receptivo
	138
	Sexo anal insertivo
	11
	Sexo pênis-vaginal receptivo
	8
	Sexo pênis-vaginal insertivo
	4
	Sexo oral receptivo
	baixo
	Sexo oral insertivo
	baixo
	Outros
	Mordendo
	negligenciável4
	Cuspindo
	negligenciável
	Arremessando fluidos corporais (incluindo sêmen ou saliva)
	negligenciável
	Compartilhando brinquedos sexuais
	negligenciável
Tabela – Probabilidade Estimada de Contrair HIV de uma Fonte Contaminada por Tipo, Ato e Exposição 
Fonte: Patel P, Borkowf CB, Brooks JT. Et al. Estimating per-act HIV transmission risk: a systematic review. AIDS. 2014. (Tradução Jovem Soropositivo)
ANEXO II
Fonte: Portaria nº 158 do Ministério da Saúde. 
CRONOGRAMA
	ETAPAS
	 Março/2018
	 Abril/2018
	 Maio/2018
	 Junho/2018
	Escolha do tema
	X
	
	
	
	Levantamento bibliográfico
	X
	
	
	
	Desenvolvimento da justificativa e dos objetivos
	
	X
	
	
	Coleta de dados
	 X
	 
	
	
	Organização do roteiro/partes
	
	 X
	 
	
	Entrega parcial
	
	 X
	
	
	Elaboração do Referencial Teórico
	
	
	 X
	 
	Pesquisa dos Anexos
	
	 
	 X
	
	Revisão e redação final
	
	
	
	 X 
	Entrega
	
	
	
	 X

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