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A visão da prática da Eutanásia no Brasil

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A visão da prática da eutanásia no Brasil
A visão da prática da eutanásia no Brasil
Raphaela Lopes Rodrigues
Publicado em 03/2018. Elaborado em 02/2018.
O presente artigo possui como objetivo abordar a prática da
Eutanásia no Brasil, demonstrando quais os seus benefícios e
principalmente porque tal prática é vista com maus olhos em
nossa sociedade; trata-se do direito de morrer com dignidade.
Resumo: O presente artigo aborda de forma crítica a discussão da prática da
eutanásia no Brasil, fazendo uma interpretação sobre os princípios da bioética sob
a ótica desta prática, ressaltando também a crucial diferença entre eutanásia,
distanásia e ortotanásia, uma vez que para se explicar a eutanásia, é de suma
importância a diferenciarmos das demais condutas que estão relacionadas sobre a
cessação do sofrimento de um doente enfermo que se encontra em situação de
vida inviável e lhe garantir uma morte digna. Por fim, são expostos e analisados os
objetivos da prática da eutanásia, com ênfase aos seus benefícios e porque é tão
complexo que a nossa sociedade ocidental brasileira não aceite a morte de forma
natural.
Palavras chaves: Eutanásia. Dignidade. Sofrimento. Vida. Morte.
Sumário: Introdução. 1. A bioética e a análise de seus princípios. 2. A diferença
entre Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia. 3. A discussão da prática da Eutanásia
no Brasil em pleno século XIX. Conclusão. Referências.
Introdução
A prática da eutanásia gera polêmicas, pois a nossa sociedade brasileira não
consegue lidar com a morte, questão esta enraizada na cultura ocidental; e é por
conta disto que milhares de pessoas com vidas inviáveis e doenças incuráveis
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sofrem em macas de hospitais, pois a sua família não encara a morte como
acontecimento inevitável e prefere prolongar, por egoísmo e vaidade, o sofrimento
deste ente.
Atualmente, a legislação penal brasileira não possui previsão para a prática da
eutanásia, entretanto, ela é classificada como homicídio privilegiado; é importante
lembrarmos que não há possibilidade para ocorrer analogia maléfica no Direito
Penal, mas em relação à prática da eutanásia, isto ocorre para se evitar que se
pratique esta conduta com fins maléficos e homicidadas, entretanto, quando o
princípio da eutanásia é respeitado (cessar o sofrimento de uma vida inviável e lhe
garantir uma morte digna), esta prática não deveria ser encarada como violação de
direito à vida, e sim como garantia de direito à morte.
Este problema deve ser discutido para que a sociedade jurídica compreenda que
praticar eutanásia contra um ente querido não configura crime de homicídio, pois
a mesma está garantindo o direito de morrer com dignidade, e não envolve ódio
ou motivo fútil.
A realização do presente artigo contribui para que a legislação e a sociedade
entendam que o ato conhecido como "boa morte" está assegurando um direito
humano, que é morrer com dignidade e em paz; ninguém é obrigado a sofrer em
uma UTI, é preciso entender e discutir que no ato da eutanásia benéfica não há
que se falar em crime de homicídio, e sim em compaixão e respeito pelo direito do
próximo.
1. A bioética e a análise de seus princípios
Atualmente, de acordo com André Hellegers, a bioética se caracteriza como a ética
da ciência da vida, estudando no campo da ciência a vida e a saúde enquanto os
princípios e valores morais, porém, nem sempre a bioética teve esse conceito. O
termo foi empregado pela primeira vez em 1971 por Van Rensselder Potter, que
considerava a bioética uma relação de compromisso com o equilíbrio das relações
humanas com o ecossistema (DINIZ, 2011, p.33); vejamos isto com maior detalhe
nas palavras de Namba (2009, p.8):
Potter dizia que a bioética "é a ponte entre a ciência e as
humanidades". Ele se propunha a enfatizar os dois
componentes mais importantes para se atingir uma nova
sabedoria: o conhecimento biológico e os valores humanos.
Em 1988, outra é a definição apresentada pelo oncologista: é
"a combinação da biologia com os conhecimentos
humanísticos diversos constituindo uma ciência que
estabelece um sistema de prioridades médicas e ambientais
para a sobrevivência aceitável". Ele procurou dar ênfase a
uma bioética global, com ampla abrangência.
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Na definição atual, a bioética não é uma parte da biologia, e sim da ética, é uma
parte da nossa responsabilidade com a humanidade e com a nossa relação de
homem com homem; a vida deve ser conduzida de forma ética, ou seja, de acordo
com o bem comum de todos e para todos (NAMBA, 2009, p.10). Nas palavras de
Maria Helena Diniz (2011, p.34-35):
A bioética seria, em sentido amplo, uma resposta da ética às
novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde,
ocupando-se não só dos problemas éticos, provocados pelas
tecnociências biomédicas e alusivos ao início e fim da vida
humana, às pesquisas em seres humanos, às formas de
eutanásia, à distanásia, às técnicas de engenharia genética, às
terapias gênicas, aos métodos de reprodução humana
assistida, à eugenia, à eleição do sexo do futuro descendentes
a ser concebido, à clonagem de seres humanos, à maternidade
substitutiva, à escolha do tempo para nascer ou morrer, à
mudança de sexo em caso de transexualidade, à esterilização
compulsória de deficientes físicos ou mentais, à utilização de
tecnologia do DNA recombinante, às práticas laboratoriais de
manipulação de agentes patogênicos etc., como também dos
decorrentes da degradação do meio ambiente, da destruição
do equilíbrio ecológico e do uso de armas químicas.
Visando a proteger cada vez mais os valores da vida presentes na bioética, no final
da década de 70 e começo de 80, quatro princípios básicos surgiram para
enaltecer o ser humano, como explica Diniz (2011, p.38):
No final da década de 70 e início dos anos 80, a bioética
pautou-se em quatro princípios básicos enaltecedores da
pessoa humana, tendo dois deles caráter deontológico (não
maleficiência e justiça) e os demais, teleológicos
(beneficiência e autonomia).Esses princípios, que iluminam a
nova caminhada da humanidade, estão consignados no
Belmont Report, publicado, em 1978, pela National
Commission for thr Protection of Human Subjects of
Biomedical and Behavioral Research (Comissão Nacional
para a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisa Biomédica e
Comportamental), que foi constituída pelo governo norte-
americano com o objetivo de levar a cabo um estudo
complexo que identificasse os princípios éticos básicos que
deveriam nortear a experimentação de seres humanos nas
ciências do comportamento e na biomedicina. Tais princípios
são racionalizações abstratas de valores que decorrem da
interpretação da natureza humana e das necessidades
individuais.
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O princípio da não maleficiência consiste em não acarretar dano intencional ao
indivíduo e sempre assegurar o melhor para o mesmo; o princípio da justiça
requer a imparcialidade em relação aos riscos e benefícios que irão atingir o
paciente através da prática médica, levando em consideração que todos devem ser
tratados de forma igual de acordo com as suas necessidades (DINIZ, 2011, p.39).
O princípio da beneficiênciarequer o atendimento por parte do médico ou dos
geneticista ao maior interesse dos indivíduos presentes na prática biomédica ou
médica, visando ao bem-estar, evitando, na medida do possível, dano ou danos ao
paciente. O princípio da autonomia requer que o profissional da saúde respeite a
vontade de seu paciente ou representante, levando em consideração que o
indivíduo é capaz de saber o que é melhor para si (DINIZ, 2011, p.38-39).
Todos estes princípios buscam o melhor para todo e qualquer indivíduo,
principalmente para aquele que se encontra em um estado delicado de sua vida,
tornando-se um paciente terminal em um leito de hospital, e é em torno disto que
atualmente se discutem os princípios da bioética, como explica Maria Berenice
Dias (2005, p.210):
Mas vida continua sendo vida. E as respostas devem ser
buscadas na leitura e interpretação dos quatro princípios
básicos da Bioética: o da não-maleficência, da beneficência,
da autonomia e da justiça.
Não-maleficência significa não fazer o mal. Mas manter vidas
inviáveis, com o sofrimento do paciente, será maleficência?
Beneficência é fazer o bem. O médico deve empregar os meios
possíveis. Mas cabe indagar: é benemerente a atitude do
médico de manter a vida pela vida, embora sabendo-a
inviável, ainda que vendo a insuportabilidade da dor do
paciente?
O princípio da autonomia compreende-se como o direito do
paciente no uso pleno de sua razão - ou de seus responsáveis,
quando faltar consciência - de estabelecer os limites em que
gostariam e ver respeitada a sua vontade em situações
fronteiriças. Assim, cabe questionar, existe o direito do
indivíduo de antecipadamente dizer: "não quero que tentem
nada''?
Outra hipótese diz com a validade do documento público
elaborado por alguém plenamente capaz solicitando que nada
seja levado a efeito, em caso de doença incurável, em
particular as que conectam do mundo , ou quando o
prolongar a vida seja às custas de intenso sofrimento.
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O mais delicado dos princípios é o da justiça, em face do qual
se questiona: até que ponto é legal, não apenas legítimo,
suspender os suportes de vida? Há uma faceta que sempre é
mistificada e escondida e que se encontra subjacente em
motivações de ordem econômica(...).
De acordo com os princípios básicos da bioética, o objetivo é o bem para todos,
sendo assim, pode-se analisar cada um como um todo. Se não-maleficiência
significa não fazer o mal, qual é o princípio pelo qual deixar um enfermo
agonizando e piorando cada dia mais em uma cama preserva o bem estar dele? Ao
se deixar de aliviar o sofrimento humano quando possível e não fazer isso por
egoísmo, com certeza a não-maleficiência está sendo desonrada.
A beneficência consiste em fazer o bem, logo, como pode um paciente sofrer um
ato de bondade por parte dos médicos e até mesmo de seus familiares se não o
deixam morrer em paz? Se a sua angústia e desespero aumentam a cada dia em
uma cama onde o mesmo se encontra debilitado; por mais que seja doloroso para
uma família ter que perder um ente querido pelo processo da eutanásia, pior ainda
é ver o mesmo sofrendo a uma intensidade maior a cada instante.
O princípio da autonomia consiste na escolha consciente e racional por parte do
enfermo ou de um familiar (quando o mesmo não puder se manifestar) para optar
pela cessação de seu sofrimento quando for necessário, logo, se essa opção for
eleita como o melhor a ser feito, a prática não deve ser vista como crime, uma vez
que a escolha foi decidida de forma correta e não impulsional.
Por último e não menos importante, o princípio mais delicado é o da justiça, como
ressaltou a própria autora. Até onde é legal suspender os suportes da vida? Deixar
com que um enfermo descanse em paz não é atentar contra a sua vida, e sim
respeitar o seu direito de morrer, e com dignidade.
2. A diferença entre Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia
Ao abordarmos o tema da eutanásia, é de suma importância diferenciarmos esta
prática da prática de distanásia e ortotanásia.
Etimologicamente, eutanásia significa uma morte serena e sem sofrimento;
atualmente a expressão é usada para representar uma morte provocada por
piedade ou por compaixão em face daquela pessoa que sofre, antecipando a sua
morte e inibindo o seu sofrimento (NAMBA, 2009, p.171). A partir desta breve
análise, é importante citarmos o entendimento de Edison Namba (2009, p.171):
A verdadeira eutanásia ocorre quando a morte é provocada
em quem é vítima de forte sofrimento e doença incurável(...).
A eutanásia caracteriza-se, portanto, quando há: a)morte
provocada por sentimento de piedade, compaixão; b)a pessoa
visada é acometida de sofrimento e doença incurável.
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Caracteriza-se o homicídio, não a eutanásia, quando alguém
provoca a morte de outrem para obter alguma vantagem
econômica ou, então, para vingar-se.
Quando estamos nos referindo à prática da eutanásia, a expressão direito de
morrer é mais adequada do que direito à morte, uma vez que a morte é um fato
inevitável para todos nós, por isso, é preferível usar o termo morte digna (VIEIRA,
2006, p.33).
Embora a eutanásia seja o ato de romper o sofrimento intenso de outrem, é
importante analisarmos a sua divisão, uma vez que há diferença entre eutanásia
ativa, eutanásia passiva e eutanásia de duplo efeito, como conceitua Namba
(2009, p.172):
A eutanásia ativa é o ato deliberado de provocar a morte sem
sofrimento do paciente, por fins humanitários (em caso de
utilização de uma injeção letal).
Na eutanásia passiva, a morte ocorre por omissão em se
iniciar uma ação médica que garantiria a perpetuação da
sobrevida (deixar de se aclopar um paciente em insuficiência
respiratória ao ventilador artificial).
Quanto à eutanásia de duplo efeito, a morte é acelerada como
consequência de ações médicas não visando ao êxito letal,
mas ao alívio do sofrimento de um paciente (emprego de uma
dose de benzodiazepínico para minimizar a ansiedade e a
angústia, gerando, secundariamente, depressão respiratória e
óbito).
A eutanásia ainda é subdividida em eutanásia voluntária, quando se atende a uma
vontade expressa do doente; eutanásia involuntária, quando o ato é realizado
contra a vontade do paciente e eutanásia não voluntária, em que a morte ocorre
sem se saber a vontade do enfermo (NAMBA, 2009, p.172).
O termo "distanásia" é muito pouco conhecido ainda, ao contrário do termo
"eutanásia", que a todo momento ganha grande repercussão na mídia e da
sociedade, mas é, entretanto, muito menos praticado do que a distanásia em
nossos hospitais (PESSINI, 2009, p.177); complementando esta ideia nas palavras
do mesmo autor, Pessini (2009, p.177):
Que entender por distanásia? O dicionário Aurélio conceitua o
termo com precisão ao defini-lo como "morte lenta, ansiosa e
com muito sofrimento". Trata-se, portanto, do tratamento
fútil e inútil que simplesmente prolonga a agonia, o
sofrimento e adia a morte. Nessa conduta, não se prolonga a
vida propriamente dita, mas o processo de morrer. É a
obstinação terapêutica que nega a finitude humana.
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Em relação à distanásia, é de suma importância citarmos inicialmente o
pensamento de Pessini (2007, p.144):
O dever médico de prolongar a vida a qualquer custo não tem
raízes clássicas, como mostra Darel W. Amundsen. O tratado
A morte no Corpo Hipocrático define a medicina a partir de
três objetivos: Aliviar o sofrimento do paciente, diminuir a
violência de suas doenças e recusartratar aqueles que estão
completamente tomados por suas doenças, reconhecendo que
em tais casos a medicina não pode fazer nada.
Baseando-se na citação acima relatada, deve-se entender que a Medicina tem a
função de aliviar o sofrimento do paciente, sendo assim, a prática da distanásia
está violando esta função, uma vez que centenas de pessoas em todo e qualquer
lugar do mundo se encontram em um estado vegetativo em macas de hospitais,
possuindo suas vidas prolongadas por grande dose de remédios que não lhe
proporcionam dignidade alguma de vida, apenas prolongam o sofrimento de um
ser humano que se encontra nesta situação em decorrência do egoísmo de outras
pessoas que preferem lhe ver sofrendo em uma cama do que aliviar esta situação e
lhe proporcionar uma morte digna. Nas palavras do professor Cabette (2009,
p.15):
(...)Afinal, como sublinha Rachels,"nada pode estar
moralmente certo ou errado simplesmente porque uma
autoridade assim afirma", ainda que esta autoridade advenha
de uma norma legal ou regulamentar. O pensamento e o agir
moral baseiam-se na ponderação de razões e na disposição de
guiar-se por suas indicações.(grifo do autor)
O conceito de distanásia gira em torno da problemática de definir quando a
intervenção médica irá beneficiar ou não o paciente que se encontra em um estado
crítico terminal, vegetativo ou um neonato concebido com seríssimas deficiências
congênitas; nestes casos a intervenção médica seria fútil e inútil, uma vez que se
trata de vidas inviáveis (PESSINI, 2007, p.163). Conclui assim o autor Pessini
(2007, p.163):
Finalizamos nossa reflexão ética apresentando uma
perspectiva de trabalho que seja de ajuda a todas as partes
envolvidas (pacientes, familiares, profissionais e instituições),
destacando a necessidade de se definir algumas diretrizes em
torno de quando um determinado tratamento é fútil e,
portanto, não deve ser aplicado. Esse desafio-tarefa é
apontado pela grande maioria dos bioeticistas envolvidos na
discussão da distanásia.
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Para melhor se entender a distanásia e compreender a sua problemática, é
importante mencionar uma história pequena porém clara sobre esta dolorosa e
cruel prática, como conta Pessini (2009,p.177-178):
No interessante artigo "Escolhendo morte ou mamba em UTI
(Unidade de Terapia Intensiva)", publicado, em 1991, no
jornal norte-americano Washington Post, o doutor John
Hansen conta uma interessante história que aqui resumimos:
mamba é uma serpente africana peçonhenta, cuja picada
inflige grande sofrimento antes da morte quase certa. Conta-
se a história de três missionários aprisionados por uma tribo
de canibais, cujo chefe lhes ofereceu entre a morte e a mamba.
Dois deles, sem saber do que se tratava, escolheram a mamba
e aprenderam, assim, da maneira mais cruel, o significado de
uma longa e torturante agonia para só então morrer. Diante
disso, o terceiro missionário rogou logo pela morte, ao que o
chefe respondeu-lhe: "Morte você terá, mas primeiro um
pouquinho de mamba".
Não é isso que vem acontecendo nos nossos hospitais, que
utilizam tecnologia de ponta nas UTI's? Do mesmo modo
como o missionário não sabia o que significava mamba, o
público, em geral, e os profissionais da saúde, em particular,
desconhecem a existência e o significado da distanásia, cuja
prática é muito comum nos hospitais de hoje, quando não se
deixa a pessoa morrer em paz e com dignidade. Uma postura
mais humana diante de um paciente sem possibilidade de
cura, e que não prolongue seu sofrimento, é facilmente
interpretada como eutanásia ou, então, confundida com
omissão de socorro.
A ortotanásia é a prática de deixar morrer de modo natural o indivíduo que se
encontra em estado terminal, sem lhe oferecer nenhuma ajuda médica, ou seja, é a
morte advinda por abstenção ou omissão de cuidados (VIEIRA, 2006, p.33).
Por não se tratar de uma ação que visa diretamente a interromper a vida do
paciente, a ortotanásia não é reprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)
e não é expressamente prevista em nosso ordenamento jurídico, como explica
Cabette (2009,p.13):
Em 28.11.2006 o Conselho Federal de Medicina (CFM)
firmou posição com relação à não reprovabilidade
deontológica da prática da chamada ortotanásia.
Efetivamente naquele dia foi publicada no Diário Oficial da
União a Resolução 1.805/06 do CFM, a qual, em seu art. 1º
estatui o seguinte:
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Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é
permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-
lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que
levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência
integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu
representante legal.(grifo do autor)
Ocorre que embora a discussão sobre a temática do direito à
vida e do direito de vida digna seja recorrente nos meios
jurídicos, nosso ordenamento é omisso quanto a um
tratamento claro e direto do tema. Assim é que o Código
Penal, ao regular o crime de homicídio, não faz menção
expressa à questão da eutanásia em nenhuma de suas
diversas modalidades, inclusive a ortotanásia.
Embora o Conselho Federal de Medicina tenha se posicionado em relação à
ortotanásia, o mesmo não é capaz de finalizar a polêmica que gira em torno desta
prática, uma vez que ele não possuiu aspecto jurídico-penal, como cita Eduardo
Cabette (2009, p.16):
Também em relação ao aspecto jurídico-penal da matéria, a
Resolução 1.805/06 CFM não tem o condão de pôr fim à
polêmica sobre a reprovabilidade criminal na ortotanásia. Ela
somente insufla o debate e, como já frisado, pode funcionar
como uma motivação para o tratamento mais claro da questão
na legislação penal. No entanto, é de trival conhecimento que
uma normativa administrativa oriunda de um órgão
consultivo profissional não pode alterar a legislação penal,
criando tipos criminais ou mesmo descriminalizando
condutas. Este é um espaço exclusivo para a legislação
federal, imposto por "reserva de lei" pela própria Constituição
(CF,arts. 5º, XXXIX; 22, I; e 62, I,"b").
A ortotanásia é a síntese ética entre o morrer com dignidade e o respeito à vida
humana, que nega a prática da eutanásia, onde se abrevia a vida; e da distanásia,
que se caracteriza pelo prolongamento da agonia e do sofrimento do paciente
antes de morrer (PESSINI, 2009, p.179).
A questão da prática da ortotanásia gira em torno de se deixar o enfermo morrer
bem e com dignidade e principalmente sem sofrimento, fazendo com que ele e
seus familiares aceitem um fato inevitável entre nós: a morte; quanto a isso,
esclarece Pessini (2009, p.179):
A ortotanásia permite, ao doente que se encontra diante da
morte iminente e inevitável, bem como aqueles que estão ao
seu redor - sejam familiares, sejam amigos, sejam
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profissionais da saúde -, enfrentar com naturalidade a
realidade dos fatos, encarando o fim da vida não como uma
doença para qual se deva achar a cura a todo custo, mas sim
como condição que faz parte do nosso ciclo natural.
A cultura ocidental esconde e nega a morte. Essa atitude
acaba marginalizando os doentes terminais, que estão por aí
para nos lembrar de algo que não gostamos nem de pensar:
do nosso fim, pois, simplesmente, somos mortais. A
perspectiva da ortotanásia é a de integrar na vida a dimensão
da mortalidade e de distinguir o que significa curar e cuidar.
Em outras palavras, manter a vida e lutar pelo
restabelecimentodo doente, quando isso for uma intervenção
que traga esperança e saúde, e permitir que a pessoa morra,
quando a cura não é mais possível e a hora de dizer adeus se
aproxima.
No fundo, a ortotanásia nada mais é do que permitir ao enfermo que ele morra da
melhor maneira e digna possível, cercado de amor e carinho por parte daqueles
que lhe rodeia. A Medicina nem sempre curará o indivíduo, então, cabe a nós
respeitarmos a sua integridade humana através de alguns pequenos e importantes
princípios, como menciona Pessini (2009, p.180):
Tenha a sua dor e sofrimento cuidados com tratamento adequados;
Receba cuidados contínuos e não seja abandonado quando os objetivos da
medicina mudam da "cura" para o "cuidado";
Seja o protagonista, e não mero objeto, do processo de cuidados de saúde;
Tenha controle, tanto quanto for possível, das decisões a respeito de sua
vida;
Seja-lhe dada a possibilidade de recusar a obstinação terapêutica
(distanásia);
Seja ouvido e respeitado em seus medos, pensamentos, sentimentos e
valores;
Possa optar, quando possível, por despedir-se da vida no local que deseja.
Assim, mesmo a morte sendo um fato inevitável, não há dúvidas acerca de que é
muito melhor esperar este momento sem sofrimento, do que encarar esta
realidade acompanhada de dores, sejam elas físicas como espirituais.
3. A discussão da prática da Eutanásia no Brasil em pleno século XIX
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Como eutanásia, pode-se considerar então toda a ação ou omissão realizada com o
objetivo de suprimir a vida de um paciente com a finalidade de evitar sofrimento
físico ou psíquico (URBAN, 2010, p.86), ou seja, não se trata de um homicídio
qualificado por motivo fútil ou torpe, e sim de uma ação dotada de compaixão e
piedade por aquele enfermo que não possui mais cura. Um dos grandes problemas
em torno desta prática se encontra no fato de um esquecimento básico por conta
dos médicos, como cita Cícero Urban (2010, p.88):
Não foi ensinada ao médico a compaixão como terapêutica e
ficou esquecido no tempo o jargão do “cuidar mais do que
curar”. É neste contexto em que se ancoram alguns discursos
pró-eutanásia hoje: o da falta de esperança e o medo da
solidão na última fase da vida, bem como o da necessidade de
se respeitar a autonomia como valor absoluto.
Délio Kipper menciona o artigo 7º do Código de Ética Médica do Brasil (2004,
p.410):
O Código de Ética Médica do Brasil, datado de 1998 diz, em
seu artigo 7º: "O médico deve guardar respeito absoluto pela
vida humana, atuando sempre em benefício do paciente.
Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento
físico ou moral, para exterminar o ser humano ou para
permitir ou encobrir os ataques a sua dignidade e
integridade".
Sobre o artigo 7º do Código de Ética Médica do Brasil, cabe aqui uma análise
sobre o que o mesmo diz. O médico deve ter respeito pela vida humana e atuar em
benefício do paciente, mas onde podemos ver a prática disto quando os médicos
insistem em prolongar a vida inviável de uma pessoa, acreditando que um dia irá
surgir a cura para aquela doença e enquanto isto o paciente sofre em silêncio? O
médico não deve usar seus conhecimentos para gerar sofrimento ao paciente, mas
deixar ele agonizando, vegetando, sofrendo e não lhe abreviando a vida por
"consciência pesada", é usar o seu conhecimento para o quê? Ao tratarmos de
eutanásia, o médico não está exterminando ninguém, até porque esta prática é
usada para garantir uma morte digna para aquelas pessoas que possuem vidas
inviáveis, seria extermínio e homicídio se o paciente não se encontra em um
estado de vida inviável e com possibilidade de cura.
Há um grande debate acerca da eutanásia e até mesmo sobre o seu entendimento,
como menciona Soares (2006,p.142):
O debate sobre eutanásia tem recebido destaque da imprensa
e a atenção de vários profissionais da saúde, além de
despertar o interesse de membros dos Poderes Legislativo e
Judiciário. A expressão morrer com dignidade se
transformou num slogan confuso. De um lado, é proclamado
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por grupos e movimentos favoráveis ao desligamento de
aparelhos que mantêm vivo um paciente. De outro, é
defendido por aqueles que, contra a transformação da pessoa
em mero objeto, colocam-se contra o prolongamento abusivo
da vida humana através de tratamentos fúteis(...). Neste
sentido, é necessário afirmar que o termo eutanásia (do grego
boa morte, que também pode significar morrer com
dignidade ou morrer em paz e sem dor). (grifo do autor)
Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro é omisso ao tratar da prática da
eutanásia, entretanto, caso o ato seja realizado, o mesmo será caracterizado como
homicídio privilegiado, atenuando-se a pena do agente que realizou a conduta em
vista do valor moral que o levou a praticar a eutanásia com a vítima, pouco
importando se houve ou não o consentimento por parte daquele que sofreu este
ato (D'URSO, 2001).
Embora a eutanásia não possua uma previsão legal no Código Penal, a comissão
da reforma do código propõe uma alternativa para a mesma, como cita Luíz
D'Urso (2001):
A comissão de reforma do Código Penal brasileiro enfrenta
essa questão e traz uma alternativa que merece estudos,
vejamos o que diz o projeto:
§3º. Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente,
irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à
vítima, e agiu por compaixão, a pedido desta, imputável e
maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico
insuportável, em razão de doença grave e em estado
terminal, devidamente diagnosticados: Pena reclusão, de
dois a cinco anos.
Exclusão de ilicitude:§4º. Não constitui crime deixar de
manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente
atestada por dois médicos a morte como iminente e
inevitável e desde que haja consentimento do paciente ou, em
sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente,
descendente ou irmão.(grifo do autor)
Embora o projeto de reforma do Código Penal considere a prática da eutanásia
como uma figura típica e ilícita, uma possível legalização da mesma permitiria que
doentes incuráveis pudessem escolher entre a prolongação de sua agonia ou uma
morte imediata, com a cessação de seu sofrimento (VIEIRA, 2006, p.35), como
acrescenta Tereza Vieira (2006, p.35):
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Os defensores da legalização da eutanásia ativa são
conscientes de que esta não poderá ser admitida exceto em
circunstâncias específica, em condições estritas, objetivando
livrar-se de uma situação insuportável para o paciente. Assim,
os prosélitos da eutanásia rejeitam os termos matar ou
provocar a morte, preferindo permitir a morte ou não
prolongar a agonia(...)Contudo, quando defendemos a
prática da eutanásia, referimo-nos apenas a casos especiais.
(grifo do autor)
Não é só no Brasil que há uma grande discussão sobre esta prática, a possibilidade
de legalização mundial da mesma já chegou até à ONU, visando a garantir a
mesma como um direito humano, se isto fosse aceito, o Brasil poderia inserir em
seu ordenamento jurídico a prática da eutanásia como direito fundamental, como
complementa Sgreccia (2009, p.702):
Contribuem para esse impulso pela legalização da eutanásia
associações como a Euthanasian Society of America, que
apresentou à ONU uma petição para que o direito à eutanásia
seja incluído na Declaração Universal dos Direitos do
Homem. Esse impulso cultural ganha forças com a influência
dos grupos e movimentos de propaganda a favor do suicídioconcebido como self-deliverance. Multiplicaram-se em todo o
mundo as associações e sociedades dedicadas à difusão da
eutanásia e ao estímulo para a mudança das leis a favor desta
prática.(grifo do autor)
Embora a eutanásia seja um gesto nobre que visa a garantir a integridade da
pessoa humana, ao respeitar o seu direito de não apenas viver com dignidade e
sim morrer com dignidade, é de suma importância que tal ato seja previsto na
nossa legislação para se punirem aqueles que praticam a mesma com má-fé;
entretanto, como ressalva o professor Cabette, não é só porque uma autoridade
define tal conduta como crime que a mesma será moralmente errada (2009, p.15).
Nas palavras de Maria Berenice Dias (2005, p.211):
É bom sempre recordar o conceito da Organização Mundial
de Saúde (OMS): ''Saúde é o completo estado de bem-estar
físico, psíquico e social". E esse bem-estar, se conseguido no
coletivo, seria a volta do paraíso na terra, utopia desejada,
mas raras vezes alcançada. Em nível individual, quando
acontece, costuma levar o nome simples e globalizante de
felicidade.
De acordo com a própria OMS, a saúde engloba o bem-estar físico, psíquico e
social, sendo assim, podemos analisar que um doente incurável não possui sua
saúde física de forma íntegra, e muitas vezes os seus órgãos, membros e outras
partes do corpo se encontram debilitados; seu estado psicológico provavelmente é
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o mais afetado, uma vez que estando nestas condições de incurabilidade, o próprio
paciente passa a não suportar as suas condições de sobrevida, aliás, passa a não
suportar a partir do momento em que possui consciência, o que não ocorre em
muitos casos. Será mesmo que vale a pena manter uma pessoa nestas condições de
sobrevida? O problema da sociedade é muitas vezes não querer aceitar o
sofrimento do outro e muito menos aceitar que a sua morte pode ser um alívio
para o mesmo, o orgulho (muitas vezes religioso) deve ser deixado de lado, aceitar
que não importa se foi Deus que deu a vida para aquele ser, e sim aceitar que este
mesmo ser não aguenta mais sofrer e se encontra sem saúde alguma.
Ao contrário do que muito se pensa, a prática da eutanásia possui seus benefícios,
sendo alguns deles apontados por Urban (2010,p.92):
Diminuição do número de pacientes em fase terminal ocupando os
disputados leitos das unidades de terapia intensiva brasileiras;
Diminuição do sofrimento prolongado de pacientes com patologias crônicas
incuráveis;
Exercício pleno da autonomia da pessoa;
Diminuição de custos com pacientes terminais e redirecionamento de
recursos para outras áreas emergentes.
De acordo com uma reportagem elaborada pela Revista "Istoé" em 2016,
baseando-se no levantamento do Conselho Federal de Medicina, feito a partir de
dados do Ministério da Saúde, atualmente, existem 40.960 leitos de UTI em todo
o Brasil (razão de 1,86 leito a cada 10.000 habitantes), sendo que deste número,
20.173 são do SUS (Sistema Único de Saúde) e 20.787 leitos são exclusivos da
saúde privada; é possível perceber que há mais habitantes do que leitos, por uma
razão de obviedade não seria possível se criar um leito para cada cidadão,
entretanto, é importante destacarmos que o dinheiro que o Estado gasta por ano
com um doente internado em estado terminal em uma UTI do SUS é altíssimo; se
estas pessoas não estivessem ocupando estes leitos, o dinheiro gasto com elas
poderia ser repassado para outros doentes com possibilidade de cura, pois haveria
a possibilidade de investimento em outras áreas da saúde, invés de se gastar um
alto valor com aqueles pacientes que não possuem mais nenhuma chance de vida e
estão aguardando a morte da pior e mais agonizante maneira possível.
Edison Namba também destaca os argumentos favoráveis em face da prática da
eutanásia (2009, p.176):
Quem defende o ato aponta para a necessidade de que seja
respeitada a liberdade de escolha do ser humano que padece e
decide, sendo competente e autônomo, impôr fim em seus
dias.
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Além disso, a eutanásia reveste-se de um genuíno estofo
humanitário, propiciando que se livre o enfermo de um
sofrimento insuportável, retirando-se uma vida sem
qualidade, na visão do próprio paciente, não tendo mais
sentido de ser vivida.
Aqueles que defendem a eutanásia fazem valer dois princípios, o da autonomia e o
da inutilidade do sofrimento. Sendo assim, nos casos de enfermidade grave e
irreversível, o médico estaria autorizado a praticar a eutanásia ativa em seus
pacientes (SOARES, 2006, p.146). É melhor morrer do que ter uma vida cruel, do
que ter uma doença constante (PESSINI, 2004, p.389).
A eutanásia só deve ser aplicada sempre que não houver mais terapêutica de cura
(confirmada por uma junta médica) e o doente plenamente consciente solicitar o
fim da sua vida que se encontra ausente de dignidade (VIEIRA, 2006, p.34);
entretanto, nem sempre o doente poderá se manifestar em decorrência do seu
estado crítico de sobrevida, sendo assim, há uma linha cogitativa de quem poderia
requerer a eutanásia: o próprio paciente; o cônjuge ou quem coabite com o
paciente; os filhos, sejam naturais ou adotivos, maiores de idade; os seus
ascendentes e por último, os médicos (VIEIRA, 2006, p.35). Destacamos a
complementação realizada por Vieira (2006, p.35):
O profissional que praticar o ato deverá estar seguro que não
existem meios para salvar aquele doente. A solicitação deve
ser examinada com prudência, tomando-se as precauções
devidas: obtendo-se o maior número de informações possíveis
acerca da doença, evitando-se um erro prognóstico,
consultando outros médicos e, eventualmente, um psicólogo.
Sobre a conscientização do paciente em relação ao seu estado atual, destaca Drane
(2004, p.425-426):
No final da vida, tem particular importância dar aos pacientes
informações fidedignas. A participação do paciente na decisão
médica exige que ele primeiro possa entender sua situação
médica e as vantagens ou desvantagens das intervenções
propostas. Então, ele, ou seu representante, tem de poder
escolher livremente se aceita ou não uma dada intervenção. A
ética médica contemporânea do consentimento informado
supõe um paciente capaz de entender e escolher em liberdade.
Em relação a um paciente que se encontra dependente de aparelhos, caso ocorra o
desligamento destes, não há que se falar em homicídio, e sim em um exemplo de
eutanásia ativa, pois se a pessoa não possuía mais condições de viver, não há que
se falar em interrupção da vida biológica (CAPEZ, 2006, p.62). Como recebemos
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ajuda ao nascer, também devemos receber ajuda ao morrer, deve haver uma
solidariedade em face daquela pessoa que encontra-se fragilizada; isto é garantia
de dignidade no adeus à vida (PESSINI, 2004, p.406).
Um dos mais impactantes problemas acerca da prática da eutanásia esta
relacionada à cultura do medo do desconhecido existente no homem, apesar de
todos os progressos, como destaca Eduardo Cabette (2009, p.48):
O pensador Krishnamurti já diagnosticou que inobstante todo
nosso progresso tecnológico-científico, "psicologicamente,
internamente, não progredimos - somos o que éramos há dez
mil anos ou mais". E o medo da morte é manifestação de algo
que vem incrustado ao "medo de desistir daquilo que
conhecemos". Seja a morte encarada como um mergulho no
nada sob uma perspectiva atéia-materialista, seja concebida
como a passagem a alguma outra dimensão existencial, de
acordo com as mais diversas concepçõesreligiosas e místicas,
o medo do desconhecido permanece, pois não há contato
direto seja com o nada, seja com alguma suposta dimensão
espiritual.
Saliente Rinpoche que inobstante todas as suas conquistas
tecnológicas, a moderna sociedade ocidental carece de "uma
compreensão real da morte". As pessoas são doutrinadas para
"negar a morte" e crer que ela não tem outro significado que
não o de "aniquilação e perda". Por isso, "a maior parte do
mundo vive negando a morte ou aterrorizado por ela. Até
falar da morte é considerado mórbido, e muitos acham que
fazer a simples menção a ela pode atraí-la sobre si"(grifo do
autor)
Em relação a este medo da morte, complementa Sgreccia (2009, p.695):
(...)Depois de um estudo histórico comparativo, o antropólogo
Thomas tirou a conclusão um tanto paradoxal: "Há uma
sociedade que respeita o homem e aceita a morte: a africana;
há outra, mortífera, tanatocrática, obcecada e aterrorizada
pela morte, a ocidental"
Podemos observar que parte desta não aceitação da prática da eutanásia está
relacionada a nossa cultura brasileira que é a ocidental; não nos é ensinado que
todos um dias partirão, e quando este momento chega, todos se aterrorizam e
fazem de tudo para prolongar a vida humana, praticando assim a distanásia; é
curioso observarmos que a palavra "eutanásia" causa uma grande repulsa, mas
todos aceitam a prática da distanásia, porque acham que isto é uma das maneiras
de se salvar aquela vida inviável.
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Lidar com a vida, e principalmente com a morte é algo que exige uma necessidade
de intervenções pedagógico-educacionais, como aborda Pessini (2004, p.404):
Lidar com a vida e a morte é um desafio que exige um longo
processo de aprendizado não só pessoal, mas também
comunitário e social. Daí a necessidade de se levar em conta
as dimensões pedagógicas implicadas na descoberta de
sentidos e significados para a vida e a morte; e a
correspondente necessidade de investir na educação das
pessoas para lidar com tais situações, seja em âmbito de
experiência pessoal, seja na área de cuidados dos serviços de
saúde em geral.
Como a nossa cultura de uma forma geral não está preparada para a chegada do
fim da vida, o ideal é que esta aceitação seja inserida no ser humano desde a sua
primeira lição, pois quanto mais cedo se aprender sobre a morte, mais cedo
descobriremos que ela na verdade nos liberta deste mundo de dor e egoísmo sem
fim.
Conclusão
O texto abordado procurou descrever e demonstrar a polêmica que gira em torno
da prática da eutanásia, mostrando que a mesma não é nenhum mal como boa
parte da sociedade pensa, quando praticada por piedade e compaixão; este ato é
uma forma de demonstrar respeito pelo direito de morrer com dignidade daquele
que se encontra em estado incurável.
Com a análise dos princípios da bioética, percebemos que negarmos e
repudiarmos a eutanásia está violando o princípio da não-maleficência, justiça,
autonomia e da beneficência, pois nenhum destes demonstra que violar um direito
humano é considerado como bom ato.
Ao se analisar a diferença entre eutanásia, distanásia e ortotanásia, percebemos
que esta primeira prática é uma solução viável e respeitosa em relação ao
indivíduo que sofre; percebe-se que entre estas, a vilã não é a eutanásia, e sim a
distanásia, pois ela sim visa a prolongar o sofrimento de um paciente que se
encontra em situação de vida inviável, e submete este a um tratamento fútil e
inútil, fazendo com que a sua situação atual se perpetue por muito tempo; a
eutanásia não visa prolongar sofrimento, e sim cessar este e garantir um direito
humano, que é morrer com dignidade, evitando que aquele que sofre continue em
um estado de dor infinita.
Um dos maiores problemas em relação à aceitação da morte no Brasil está
entrelaçado com a nossa cultural ocidental, pois a sociedade não encara a morte
como um fato inevitável e natural, e sim como uma abominação, e é graças a isto
que milhares de doentes terminais sofrem calados dentro da sua própria dor. E
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embora a mesma não tenha previsão expressa no atual Código Penal e o projeto
para acrescentar a eutanásia como forma de homicídio ainda não tenha se tornado
lei, devemos pensar que a verdadeira eutanásia não se configura como homicídio.
A reflexão acerca deste assunto é válida e talvez nunca se chegue a uma opinião
unânime, pois cada indivíduo pensa de uma maneira, entretanto, devemos deixar
nossas vaidades, medos e orgulhos de lado e aceitar que todo nós somos findos; é
fácil ser contra a prática da eutanásia quando somos saudáveis e temos os nossos
direitos garantidos.
Referências
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resolução 1805/06 CFM.Aspectos Éticos e Jurídicos. Curitiba: Editora
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DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 8º edição- São Paulo:
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perspectiva bioética. Curitiba: Revista Studia Bioethica, 2010
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética; temas atuais e seus aspectos
jurídicos. Brasília: Editora Consulex, 2006
 
 
Autor
Raphaela Lopes Rodrigues
Graduanda no Curso de Direito no Centro Universitário
Salesiano de São Paulo - Unisal Lorena. Estagiária no
Escritório de Advocacia Gomes Barbosa Assessoria Jurídica. Escritora de
Artigos Jurídicos. Apaixonada pelo Direito, principalmente pelo Direito
Penal e assuntos relacionados à Bioética e Biodireito.
Informações sobre o texto
Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de
prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos
são divulgados na Revista Jus Navigandi. 
Raphaela
Lopes
Rodrigues

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