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14.2Artigo VII Síndrome fim de obra - Cópia

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Artigo VII
	Síndrome de fim de obra
Texto original de Juliana Nakamura
Técnhe 79 - outubro de 2009
	Ansiedade e insegurança são alguns dos sentimentos que atormentam o engenheiro quando a obra está acabando. Em tempos de crise, o fantasma do desemprego é o que mais assusta
Pela primeira vez depois de oito anos de carreira e algumas obras no currículo, o engenheiro Flávio Roberto de Oliveira Barros desconhece o próprio futuro profissional. A poucas semanas de entregar mais um edifício residencial, a construtora em que trabalha não tem nenhuma nova obra. A insegurança é grande e, a todo o instante, notícias e estatísticas sobre o desemprego no Brasil o deixam ainda mais preocupado. Segundo Barros, na melhor das hipóteses, serão quase seis meses de férias forçadas, tempo necessário para a empresa lançar novos empreendimentos. 
Em um setor no qual a rotatividade de profissionais é habitual, casos como esse não costumam chamar atenção, embora sejam comuns. A razão está em duas características próprias da construção civil. Primeiro, porque se trata de um dos segmentos que mais reflete a conjuntura econômica do País. Se a economia vai bem, há muitos lançamentos e, conseqüentemente, empregos. Mas quando a economia se retrai, o setor fica estagnado e a oferta de vagas rapidamente escasseia. Além disso, a construção civil gira em torno de ciclos de prazos curtos, ou seja, o tempo de duração de uma obra. Assim, o período de início e fim de um projeto é bem marcado. 
Nesse ambiente inconstante, a alternativa é, na medida do possível, passar incólume pelos períodos de instabilidade. O que nem sempre é fácil. O receio de perder o emprego é apenas uma das inúmeras angústias que tomam conta do profissional durante as últimas semanas de obra. "O período de entrega de um empreendimento gera uma expectativa muito grande, afinal, é o coroamento de um trabalho de mais de dois anos", comenta Flávio Roberto Barros. "É como se fosse um nascimento. Só acontece uma vez", compara.
Recompensa
Quando o assunto é a relação entre engenheiro e obra, são comuns as analogias entre pai e filho e entre criador e criatura. Em um primeiro momento, há o orgulho e a satisfação do dever cumprido. 
Segundo conta o engenheiro Sandro Gamba, da Gafisa, o gerenciamento de uma construção normalmente é realizado sob muita pressão e exige um árduo esforço diário. Porém, a satisfação de ver o empreendimento concluído faz valer a pena. "É muito bom saber que em um terreno onde não existia nada, agora há um edifício onde pessoas viverão", explica. "Nós, engenheiros, não fazemos nada sozinhos, mas é gratificante pensar que ali há muito de nosso trabalho e dedicação", confessa. É a busca desse prazer, aliás, que leva muitas pessoas a escolherem a engenharia civil. 
Entretanto, de acordo com a psicóloga Silvana Case, vice-presidente executiva do Grupo Catho, a esse sentimento de alegria mistura-se antagonicamente uma sensação de perda, o que não depende do projeto ter sido bem ou malsucedido. Há, também, um sentimento de posse e, após tanta dedicação, deixar esse projeto pode ser difícil. "Fica um vazio. A pessoa já está habituada com o ambiente, conhece todos, sabe onde pode comer um lanche no bairro. Não há como ficar indiferente", revela o engenheiro Fabio Villas Bôas. Além disso, há sempre a necessidade de se adaptar à nova equipe. "Às vezes você se entende tão bem com determinada equipe que não quer mudar", reconhece o engenheiro Flávio Roberto Barros, da Cipesa. "Mas como isso é normal e esperado, em vez de lamentar, precisamos estar abertos à nova equipe para criar outros laços."
Hoje diretor técnico da Tecnisa, Villas Bôas revela que em mais de 20 anos de carreira passou por essa angústia muitas vezes. Em uma delas, porém, com mais intensidade. Foi no final da construção da planta industrial da fabricante de cosméticos Natura, em Cajamar-SP, em 2001. Ele lembra que foram quatro anos de dedicação integral a uma obra especial, principalmente em virtude das dimensões envolvidas, do desafio, da responsabilidade e da visibilidade. "Quando termina, você acha que nunca mais vai fazer outro trabalho como aquele, que sua vida vai ser monótona, com obras normais, diz. "Só que quando põe os pés em um novo canteiro, percebe que aquilo não tem nada de enfadonho, porque todo dia aparece um desafio diferente. E isso não depende do tamanho, nem do tipo de obra", completa.
Extraindo conhecimento
Como o engenheiro da Tecnisa, há muitos que se sentem seduzidos por esse movimento. Para Marcos Saulo Siqueira, que há quatro anos acompanha obras na construtora Muschioni, a conclusão de um projeto traz um novo ânimo por conta da expectativa de um outro trabalho. "A gente fica ansioso para poder aplicar tudo o que aprendeu com a experiência anterior", comenta. "Esses episódios fazem parte da nossa profissão e é importante que estejamos preparados psicologicamente para tal", diz Frederico Lemos de Faria Tavares, da MRV Engenharia. "O fato de não sabermos onde estaremos amanhã também é bom. Ajuda a quebrar a rotina e confere ainda mais dinamismo à nossa atividade", complementa.
Assim, em cada novo canteiro há a possibilidade de somar aprendizados. Uma obra nunca é igual à outra, já que nem sempre as técnicas e os processos se repetem, assim como os parceiros operacionais (fornecedores, clientes, equipe). "Sair da primeira obra sempre é mais difícil. Depois, tudo fica mais tranqüilo porque você carrega o conhecimento obtido no trabalho anterior", afirma Flávio Roberto Barros. Villas Bôas concorda. Para ele, as informações teóricas podem ser obtidas nas universidades, contudo, muita coisa só se desenvolve na prática, como flexibilidade, bom relacionamento e facilidade de comunicação. "É na obra que você aprende como lidar com as pessoas", diz. 
Com a experiência, também é possível lidar melhor com o estresse causado por prazos e detalhes de conclusão. No entanto, para extrair um saldo positivo dessas experiências, o profissional precisa querer. "É necessário ter uma disponibilidade interna para aproveitar e passar adiante esse conhecimento", ressalta a psicóloga Maria Célia de Moraes Bourroul, especializada em Recursos Humanos.
Uma atitude mais pró-ativa também é o que recomenda Silvana Case, do Grupo Catho. Afinal, término e entrega de obra fazem parte da atividade do engenheiro, inevitavelmente. "Pessoas que ocupam cargos de gerência, supervisão ou coordenação, devem saber conviver com essa rotina. Se o engenheiro está muito estressado com essa insegurança, talvez não tenha maturidade suficiente para ocupar a posição", observa. Segundo a psicóloga, nesse nível, o profissional não pode transmitir insegurança a subordinados ou familiares, sob o risco de transformar sua vida em um círculo vicioso insuportável.
É o que busca evitar o engenheiro Flávio Barros em suas últimas semanas de trabalho. "Quando a obra está chegando ao fim, os operários procuram o engenheiro para perguntar sobre o futuro. Todos sentem essa instabilidade porque estão no mesmo barco", conta. "O mais importante, porém, é mesmo com essas incertezas obter o comprometimento de todos e garantir que tudo seja executado como tem que ser, como planejado", conclui.
Fábio Villas Bôas
Idade: 45 anos
Função: diretor técnico da Tecnisa 
"Depois de alguns anos se dedicando intensamente a uma obra, tudo lhe parece familiar. Você já conhece os vizinhos e o dono do boteco onde você toma café todos os dias. Mudar tudo isso é, no mínimo, desconfortável"
Frederico Lemos de Faria Tavares
Idade: 29 anos
Função: engenheiro de obras da MRV Engenharia 
"Para mim o final da obra é o momento que me traz mais satisfação como engenheiro. É quando percebo que construí algo em um local onde não existia nada. Isso me dá muito orgulho"
Sandro Gamba
Idade: 29 anos
Função: engenheiro de obras da Gafisa 
"Quando estou iniciando uma obra, o sentimentoé de grande expectativa. Já quando estou concluindo um empreendimento, a ansiedade dá lugar a uma enorme satisfação por ver que, em um local onde não existia nada, agora há um prédio, fruto do nosso trabalho"
Flávio Roberto de Oliveira Barros
Idade: 31 anos
Função: gestor de contratos da Cipesa 
"Hoje, o desemprego é o que traz maior preocupação. É complicado não ter certeza de quanto tempo vou ficar parado e de como serão as coisas daqui para a frente. Nessa situação não podemos ter certeza de nada"
Como gravidez
Maria Célia de Moraes Bourroul
Psicóloga, com formação em psicodrama e administração de RH. Consultora e diretora executiva da Bourroul Recursos Humanos
Por que os engenheiros normalmente se sentem desconfortáveis quando sua
obra está chegando ao fim? Quais são os principais sentimentos que aparecem nesse momento? 
Ao entregar uma obra, os engenheiros experimentam alguns sentimentos que aparentemente são antagônicos, mas que acontecem ao mesmo tempo. O primeiro, é uma certa satisfação de dever cumprido, de ver a sua marca registrada. O segundo, de uma grande perda. É como se fosse uma gravidez. O tempo de gestação é de expectativas, dificuldades e engordas. No caso de uma obra, em uma determinada fase, há a necessidade de se manter uma equipe muito grande. 
Além do mais, os engenheiros, como as grávidas, não têm tempo para si, pois se dedicam noite e dia à causa, ou seja, a esse filho que vai nascer. 
E depois de concluído o trabalho?
Mais uma vez, comparo com a gestação. Tanto depois de dar a luz, quanto após entregar uma obra, algumas pessoas têm o que se chama de blue, que na verdade é uma depressão, um sentimento de vazio, de interiorização. Quando terminam, são obrigados a se recompor, a pensar em suas próprias vidas e a se perceber com suas próprias identidades. Ao mesmo tempo, há o medo de perder o emprego e a posição. Não é sempre que as empresas podem manter um quadro de pessoal por muito tempo quando não há novos negócios.
A senhora acredita que as construtoras estão atentas a esse problema? Como elas podem atuar para minimizar esses conflitos?
Hoje em dia há uma maior preocupação das construtoras em investir e qualificar seus profissionais, ao mesmo tempo em que precisam correr atrás de novos negócios e enxugar custos fixos. Uma forma de minimizar essa situação é contar com o suporte de uma consultoria em RH que esteja atenta a essas questões e faça um trabalho de valorização do ser humano que, afinal de contas, é a peça fundamental de toda e qualquer empresa.
O que os engenheiros podem fazer para aliviar o estresse da mudança? Como eles devem agir para que sua insegurança não se dissemine entre as pessoas que o rodeiam?
Os engenheiros de hoje precisam atuar também como mediadores e facilitadores dos processos de mudança. Não é fácil, mas extremamente necessário no mundo de hoje. Há um termo que uso com freqüência e é comum nesse ambiente construtivo, que é a resiliência, a capacidade de deformação de um material. Os engenheiros precisam desenvolver essa flexibilidade para enfrentar situações como essa. Mas, para isso, precisam receber ferramentas e instrumentos que possam auxiliá-los nesse processo. Mais uma vez, a área de RH tem que atuar como parceiro no dia-a-dia. Além de tudo isso, os engenheiros podem implementar alguns programas e treinamentos de motivação, de trabalho em equipe e de lazer para todo o pessoal da obra, de forma a levar um pouco de alegria e descontração.

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