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VIOLÊNCIA E VINGANÇA NO PIAUÍ COLONIA1

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VIOLÊNCIA E VINGANÇA NO PIAUÍ COLONIAL
Uma análise de alguns casos de violência entre índios, negros e senhores de escravos na primeira metade do século XVIII nas fazendas do Piahuy
Daniel de Oliveira Vianna[1: Acadêmico do curso de licenciatura em História da Universidade Federal do Piauí]
danvianna@hotmail.com.br
INTRODUÇÃO
	O estudo e a escrita da História do Piauí colonial está cada vez mais desenvolvido graças ao entusiasmo de antigos e novos pesquisadores que, por paixão ou por vocação, têm se dedicado à esta farta seara de informações que são os manuscritos dos séculos XVII e XVIII no que se refere ao Piauí. Dentro da Universidade Federal do Piauí há um grande número de profissionais de altíssimo nível que se dedicam à estes estudos, e novas levas de pesquisadores famintos por descobertas e novas informações têm saído anualmente dos bancos da Universidade, enriquecendo cada vez mais esta pesquisa que, embora já com extensa produção acadêmica, ainda engatinha se comparada à História de outras unidades da federação como Bahia, Rio de Janeiro ou Minas Gerais. Quero através deste artigo dar minha singela contribuição ao tema.
	Foi por pura curiosidade que comecei a pesquisar nos arquivos digitais da Biblioteca Nacional atrás de documentos relacionados ao Piauí colonial. E nesta minha busca sem objetivo delineado, acabei me dando com um maço de cartas do ouvidor da Capitania do Piauhy, José de Barros Coelho, que me chamou a atenção pelo título, que se referia a uma consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V acerca dos assassinatos de senhores praticados por escravos no Piauí de 1722. A transcrição dos documentos me levou à um cenário muito parecido com o "velho oeste" norte-americano descrito nas telas de cinema pelos faroestes que todos conhecemos. Crimes de violência, casos de ciúmes, traição e corrupção embalados por um sentimento de injustiça e abandono em uma terra sem lei. 
	Minha intenção principal nesse artigo foi ir além de meramente descrever esta violência latente que se percebe facilmente ao ler os documentos do Piauí colonial, e analisar o cerne desta questão, identificando as raízes desta violência descrita nas cartas do ouvidor José de Barros. Para tal análise foi necessário voltar mais no tempo, já que a colonização do território outrora chamado "sertão de Rodelas" que viria a se tornar o Piauí de hoje, se iniciou com massacres e guerras entre colonizadores e nativos que marcaram essa relação por um bom tempo. A economia piauiense desde seu início mais remoto, foi baseada na pecuária de corte, e essa atividade sempre teve grande peso na violência que se instaurou no sertão, uma vez que a pecuária, e mais tarde as casas de salga, eram, para o colonizador europeu, a única razão de existir deste território. E para que a atividade pastoril se instalasse e prosperasse, o Piauí tinha que ser domado e civilizado à moda portuguesa, sem levar em consideração os conflitos e a violência que a ocupação para a criação de gado de grandes faixas de um território que já era habitado à séculos por diversas populações, além da escravidão violenta de uma gente trazida a força para uma terra desconhecida, gerariam. Com base na documentação disponível deste recorte histórico, de 1698 à 1750, podemos exercitar a nossa capacidade reflexiva e perceber que a violência era uma constante no trato entre colonos, brancos livres, escravos negros e nativos, nativos livres, mestiços e mamelucos no Piauí colonial. Desmistificando novamente algumas teorias de que a relação entre senhores e escravos se dava em âmbito de certa passividade, mostraremos nesse trabalho o lado da violência cotidiana que marcava as relações servis e não servis no sertão em processo de invasão. As longas distancias que separavam uma vila da outra e a ausência do poder de repressão do Estado português nessas distâncias permitiu que um grande numero de escravos e índios se rebelassem, matassem seus senhores usurpadores de sua liberdade e invasores de suas terras, libertassem outros escravos e índios, se escondessem nos matos e, em não raras vezes lutassem ombro a ombro, indígenas e negros, que sofriam sob o jugo do colonizador, e dessem origem à um povo miscigenado e marcado por uma relação de exploração e violência que duraria até os dias de hoje.[2: Odilon Nunes é principal expoente da corrente de "escravidão paterna". A principal obra do autor, Pesquisas para a História do Piauí, nos trás uma leitura de uma escravidão branda e pacífica, principalmente nas fazendas nacionais, onde, segundo o autor, a fiscalização dos trabalhos era feita de forma displicente e os escravos vivam em um clima de paz e trabalho tranquilo dentro do sistema escravocrata. Monsehor Chaves trás outra leitura que divide a escravidão em dois momentos: um mais violento e outro mais brando, que se iniciaria na segunda metade do século XIX. Já o professor da UFPI, Solimar Oliveira Lima, em sua obra Braço Forte, defende que a escravidão no Piauí foi tão violenta quanto em outros Estados, do início ao fim.]
	Dividirei este artigo em dois momentos que se completam, para facilitar nossa análise da origem e causas da violência no sertão piauiense descrita nas cartas do Ouvidor José de Barros Coelho, de 1722 a 1736. Na primeira parte vamos fazer uma breve descrição da ocupação do território, já com um olhar mais apurado sobre a violência que dominou este primeiro momento da história do Piauí. A degola dos índios Guê-guês e o uso de escravos negros e índios em uma guerra com ares de massacre, além do início da atividade pecuária nas terras ocupadas, e a utilização do trabalho escravo nesse negócio. E no segundo momento analisaremos as revoltas indígenas, com especial atenção à grande revolta comandada por Mandu Ladino, que se tornou uma grande preocupação à administração do Maranhão e do Piauí, e aos casos de revoltas de escravos negros que levaram à morte dezenas de senhores de escravos no Piauí colonial do século XVIII, e sua relação com casos descritos pelo ouvidor, desenhando um cenário que nos lembra bastante os filmes de faroeste.
A INVASÃO SANGRENTA
	A elite do Piauí nasceu em solo encharcado de sangue nativo, foi regado a sangue negro e mameluco e até hoje bebe das veias da gente pobre que carrega a antiga capitania nas costas marcadas pelas agruras da vida. Vejamos apenas o início deste processo de formação e consolidação dessas elites. Não é nenhuma novidade afirmar que o Piauí nasceu pelas mãos do escravo indígena. Foi a captura e escravização do nativo o primeiro ativo econômico a circular no sertão ainda em processo de desbravamento e invasão, segundo afirma Reginaldo Miranda. Em uma segunda etapa de ocupação deste sertão, que se deu quase concomitante com a primeira, de desbravamento e reconhecimento da região, veio a implantação da pecuária de corte. Os bois já traziam nos carros por eles puxados, os provimentos que seriam utilizados na construção das sedes rudimentares das primeiras fazendas. Juntamente com a chegada do colonizador vieram os primeiros embates com a gente nativa que aqui habitava a pelo menos 100 mil anos, segundo os estudos da arqueóloga Niède Guidon. [3: "Uma vez que, entre todas as formas de poder (entre aquelas que, socialmente ou estrategicamente, são mais importantes estão o poder econômico, o poder ideológico e o poder político) (...), o poder político pertence sempre a um restrito círculo de pessoas: o poder de tomar e de impor decisões válidas para todos os membros do grupo, mesmo que tenha de recorrer à força, em última instância." BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco; DICIONÁRIO DE POLÍTICA. VOL.1. - Brasília : Editora Universidade de Brasília, 11ª ed., 1998, p.385.][4: MIRANDA, Reginaldo; A FERRO E FOGO: Vida e morte de uma nação indígena no sertão do Piauí. - Teresina:2005, p.14.][5: Segundo Niède, o material arqueológico resgatado até agora no Piauí – alvo de controvérsias entre os estudiosos – indica que o homem chegou à região há cerca de 100 mil anos. A pesquisadora acreditaque o Homo sapiens deve ter vindo da África por via oceânica, atravessando o Atlântico. Disponível em [http://revistapesquisa.fapesp.br/2008/12/01/niede-guidon/]acessado em 10/04/2017.]
	A violência foi o cartão de visitas do colonizador ao adentrar em terras milenarmente habitadas, e sua gritante superioridade tecnológica foi o que fez a diferença entre batalhas e massacres, e estes segundos foram os que se deram no Piauí. O primeiro de uma série de outros foi o que se deu entre as tropas de Francisco Dias d'Ávila, na foz do rio Salitre, em 1676, quando, derrotados em suas próprias terras, os Gueguês recuaram mais ainda e se viram entre o rio São Francisco e a cordilheira que o separa do sertão de Parnaguá, perseguidos pelas tropas da Casa da Torre. 
Em 30 de maio, essa tropa "surpreende a tribo espavorida e famintas e, após ligeira escaramuça, subjulgam-na, jungindo os guerreiros estropiados, e decorridos dois dias, sob fútil pretexto, degolam 400 e reduzem à escravidão mulheres e crianças. Era 1º de junho de 1676" (Nunes, 1975; 51) in (MIRANDA, 2005; p.22).
Morte aos guerreiros, ferros às mulheres e curumins. Essa foi a máxima da guerra travada entre colonizadores e nativos dos sertões até a chegada dos jesuítas com sua política de aldeamentos. Estes aldeamentos jesuítas serviam como verdadeiras "escolas civilizatórias" para os nativos, que nelas aprendiam a roçar, fiar e outras tarefas simples que serviriam às fazendas de gado que se proliferavam rápido no sertão. E não foram poucos aldeamentos no sertão piauiense. Ainda no século XVII temos a notícia de dois que já estariam em andamento: o de S. Francisco Xavier, fundado na primeira metadedo século XVII, na serra da Ibiapaba, fronteira com o Ceará, onde viviam os Tabajaras e o de N. Sra. do Livramento de Parnaguá, com os Acoroás, os Macoás e os Rodeleiros, criado em 1698 e onde mais tarde foi criada a Vila de Parnaguá . Já no século XVIII, pelo menos mais sete aldeamentos foram criados antes da instalação da Capitania e São José do Piauhy, que foi criada em 1718, mas instalada de fato somente em 1758, quando em meio às intervenções política, econômicas e administrativas características do período Pombalino, a região se tornava cada vez mais importante como área pecuarista estratégica da colônia. O poder que os jesuítas acumularam durante décadas, inclusive com o recebimento das fazendas que pertenceram ao sertanista baiano Domingos Afonso Mafrense, após serem deixadas de herança para os religiosos da Companhia de Jesus em1711, e serem confiscadas pela Coroa Portuguesa em1759, se esvai na segunda metade do século XVIII. Isso aconteceu em meio ao planejamento e execução de medidas governamentais que atingiram todos os domínios portugueses durante esse período, na chamada Política Pombalina. Tais intervenções administrativas, por sua vez, trouxeram certo desenvolvimento ao território esquecido por Deus, e avanços como a confecção da primeira representação cartográfica da capitania do Piauhy, o Mappa Geográfico da Capitania do Piauhy, produzido pelo engenheiro italiano Henrique Antônio Galúcio, são exemplos deste tímido avanço. Considerando-se as particularidades da política portuguesa destinada ao interior do Brasil, em meados do séc. XVIII, com destaque para as medidas incidentes sobre os modos de vida indígena e rural, observou-se a tentativa de implantar-se uma nova forma de organização espacial, a partir de modos e instalações urbanas, transformando os antigos aldeamentos em vilas, e mais tarde em cidades. [6: MIRANDA, Reginaldo; A FERRO E FOGO: Vida e morte de uma nação indígena no sertão do Piauí. - Teresina:2005, p.16.][7: ASSIS, Nívia Paula Dias de; OLIVEIRA, Ana Stela de Negreiros; PADRES E FAZENDEIROS NO PIAUÍ COLONIAL – Século XVIII. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. p.2.][8: ASSIS, Nívia Paula Dias de; A CAPITANIA DE SÃO JOSÉ DO PIAUHY NA RACIONALIDADE ESPACIAL POMBALINA (1750-1777). 2013. 170 f. Dissertação (Mestrado em História e Espaços) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013.]
	Se nos primeiros momentos da ocupação a mão de obra dos nativos escravizados foi a principal força de trabalho e ativo econômico no Piauí, isso mudaria com o aumento gradual da mão de obra dos escravos negros para ocupar este lugar. De fato, o negro chegou ao Piauí junto com os primeiros criadores de gado, ainda que em pequeno número, por volta de 1674. Quando Domingos Afonso Sertão amplia seus domínios até as terras que seriam mais tarde definidas como Piauí, ele transfere algumas fazendas de gado para o território ainda virgem da presença do colonizador branco e se utiliza do trabalhador escravo negro como vaqueiro, e com essa nova atividade e estrutura produtiva inicia a experiência de trabalho com a mão de obra negra na montagem das fazendas de gado. (MOTT, 1985, p. 34). Passados pouco mais de dez anos após a chegada de Domingos Afonso Sertão, o Piauí já contava 129 fazendas de gado situadas nos diversos rios, ribeiras, riachos, lagoas e olhos d'água situados neste sertão. [9: MIRANDA, 2005, op.cit., p.15.][10: MOTT, Luiz R. B., PIAUÍ COLONIAL: população, economia e sociedade. Teresina: Fundação Cultural do Piauí, 1985, p.18.]
	A descrição do sertão feita pelo Pe. Miguel de Carvalho em 1697 e utilizada por Mott traz também a composição étnico-social da gente que vivia nessas terras àquela época.
Tem o sertão do Piauí, pertencente à nova Matriz de Nossa Senhora da Vitória, quatro rios correntes, vinte riachos, com cinco riachinhos, dois olhos d’água e duas lagoas, à beira das quais estão 129 fazendas de gados, em que moram 441 pessoas entre brancos, negros, índios, mulatos e mestiços. Mais lagoas e olhos d’água tem, em que moram algumas pessoas que, por todas as de sacramento, fazem o número de 605, em que entra um arraial de Paulistas, com muitos tapuias cristãos, o qual governa, o Capitão Francisco Dias Siqueira. Com os que não são de sacramento, chega o número de todas as pessoas, de uma a outra qualidade.... [sic] batizados que ficam à obediência da nova Igreja (conforme o rol dos confessados).[11: Descrição do Sertão do Piauí remetida ao Ilmo. Revmo. Sr. Frei Francisco de Lima, Bispo de Pernambuco, de autoria do padre Miguel de Carvalho. Transcrito e publicado com atualização da linguagem de época, pelo padre Cláudio Melo. In: CARVALHO, Padre Miguel de. DESCRIÇÃO DO SERTÃO DO PIAUÍ – comentários e notas do Pe. Cláudio Melo. Teresina: Instituto Histórico e Geográfico Piauiense, 1993, p. 14.]
É interessante observar que o padre Miguel de Carvalho não conta o total das almas, mas refere-se às pessoas e as classifica etnicamente. Também fica claro por este argumento que o número de almas batizadas era menor que o numero de almas por batizar, ou seja, haviam muito mais negros, índios, mulatos e mestiços do que brancos. Uma vez que nem todas as pessoas eram batizadas, portanto, suas almas ainda estariam por se conquistar pela Igreja, o que viria atestar a necessidade desta mesma Igreja se fazer presente no sertão. 
	Mas além disso, outro ponto que chama a atenção é o numero de fazendas e de pessoas proporcionalmente. Em 129 fazendas descritas pelo padre, ele encontra apenas 441 pessoas, o que em uma média simples dá pouco mais de 3 pessoas por fazenda. Se juntarmos o numero de pessoas que vivem no arraial dos Paulistas, essa média não sobe muito. Era bastante recente a entrada do colonizador no Piauí quando da conta do Padre Miguel, mas as fazendas já produziam, o que nos leva a crer que a lida nessas fazendas era extremamente dura. A intenção era que essas propriedades fossem auto suficientes, e para isso deviam manter um roçado de milho, mandioca e algodão, além de produzirem queijo e sabão, que tinham seus excedentes vendidos para a aquisição do sal. 
	Outra coisa que se pode constatar são as fazendas vazias. Esse número baixo de pessoas em relação ao numero alto de propriedades é explicável pela mobilidade que havia dos rebanhos recém instalados no sertão. Em busca de umaprodutividade aceitável, os rebanhos se moviam com relativa frequência. A pobreza do meio físico em que se implantavam as fazendas de gado levava os vaqueiros a mover os rebanhos em busca de novos pastos, pela periodicidade imprevisível das secas e pelo solo não apropriado à formação de pastos. Essa movimentação determinou a formação de uma economia especial em que a agricultura se limitava às necessidades de sobrevivência, e a pecuária, estimulada pelos anos de chuva, recebia a incumbência de formar o magro patrimônio do sertanejo, que se tornava gordo nas mãos dos proprietários da terra, que eram apenas dois dentre estas 129 fazendas relatadas pelo padre Miguel. 
De todas estas terras são Senhores, Domingos Afonso Sertão e Leonor Pereira Marinho, que as partem de meias. Têm nelas algumas fazendas de gados seus, os mais arrendam a quem lhe meter gados, pagando-lhe dez reis de foro, por cada sítio e, desta sorte estão introduzidos donatários nas terras, sendo só sesmeiros, para as povoarem com gados seus, em tanto que até as Igrejas querem apresentar, e esta nova queriam fundada debaixo do título de sua. [12: CARVALHO; 1993, op.cit. , p.14.]
Sendo as 129 fazendas consideradas pelo padre como pertencentes a somente duas pessoas, não é de estranhar qualquer conflito entre os donatários, sertanejos e a Igreja; principalmente quando a Igreja critica os donatários que queriam a ter também como suas as igrejas fundadas em suas terras. A Casa da Torre, sede do poder da família Ávila do litoral baiano, participou na introdução do gado no sertão do Piauí. Foi o maior latifúndio de que se tem notícia no Brasil, e nessa economia, a célula produtiva - a fazenda - não comportava o trabalho massificado, cumprindo a cada um o desenvolvimento de tarefas marcadamente individualistas, autônomas mesmo, quanto aos modos de execução, o que diminuía consideravelmente o número de mão de obra necessária em cada fazenda. A disparidade do atuar de cada um na realização das tarefas pecuárias, condicionou o homem do ciclo do gado, tornando-o individualista, autônomo, senhor da própria vontade e improvisador. Porém, este homem que autônomo e senhor da própria vontade no trato com o gado e que ansiava a liberdade do rebanho, tinha dono, e esta condição se chocava diretamente com sua lida diária, nos pastos e nas brenhas dos matos a dentro. Esse choque terminaria sempre em violência. Oliveira Viana, ao comparar o trabalhador das áreas agrícolas com o das áreas pastoris, argumenta que o tipo social encontrado nos pastos e currais supera o tipo agricultor em "combatividade", "rusticidade" e na "bravura física", graças ao que ele chamou de "maneira mais agreste de viver", oriunda da "maior internação sertaneja" e do "contato mais direto com o gentio". De fato, os conflitos nos currais do Piauí demonstram uma bravura incomum se comparados com as áreas agrícolas,como veremos no exemplo narrado pelo Ouvidor José de Barros Coelho em suas cartas.[13: este respeito, ver: BANDEIRA, L. A. Moniz; O FEUDO – A Casa da Torre de Garcia D’Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil.2. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. ][14: VIANA, Oliveira; EVOLUÇÃO DO POVO BRASILEIRO, 3ª edição. São Paulo: Companhia Editorial Nacional. 1938. p.68]
VINGANÇA E MORTE NA TERRA QUE DEUS ESQUECEU
	Segundo, Solimar Oliveira, no seu livro Braço Forte, que aborda o trabalho escravo nas fazendas da nação no Piauí (1822-1871), o trabalho escravo no Piauí não era diferente dos outros lugares onde se explorava a mão de obra escrava. Ele começava muito cedo, sem diferença de sexo, em geral, tinha inicio nas criatórias a partir dos seis anos de idade ao ocuparem-se em função pastoris complexas.[15: LIMA, Solimar Oliveira;BRAÇO FORTE - Trabalho escravo nas fazendas da nação no Piauí - (1822 - 1871). Passo Fundo: UPF, 2005.]
Percebe-se que neste intermeio entre o trabalho forçado no pasto e a senzala, o africano acabava por deixar rastro de sua cultura, absorvida pelos membros da fazenda, já que os senhores eram mais preocupados com a ganância advinda da produção e multiplicação da espécie humana, saciando sua libido de formas inescrupulosas.
Maria, trabalhadora, escravizada da inspeção de Nazaré, que estava nos campos peando cavalo e poldros, semeando e colhendo o alimento do dia a dia. A trabalhadora era nascida e crescida numa fazenda onde os machos pareciam mais fortes e as fêmeas, mais graciosas. Maria, sem marido nem parceiro e com pouco mais de idade de uma criança, ficou “barriguda”. Quem sabe tenha perdido a virgindade e ficado grávida entre caricias de mãos calejadas em encontros apaixonados, quiçá fora vítima de abusos sexuais, oprimida e violentada. (LIMA, 2005, p. 39).
Maria era uma entre centenas de meninas mulheres que engravidavam todos os anos e aumentavam o número de peças do senhor, que sabia muito bem o que fazer com suas posses. 
	Amada Costodia de Almeyda tinha cinco filhos de seu marido, o negro escravo Ignácio, que matou seu senhor, a esposa do mesmo e os filhos do casal, com seu bacamarte e cujas balas foram fornecidas pelo seu filho mais velho, o também escravo negro Estevão. 
(...) e veio a conclusão que o matador fora o dito escravo Ignácio por indução de sua concubina Amada Costódia de Almeyda de quem o defunto tinha cinco filhos e um deles chamado Estevão concorreo também para a morte que naquela bruta terra não fasão miração mataram os filhos e os paes.( Transcrição ipsis litteris).[16: Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V, sobre a carta do ex-ouvidor-geral do Piauí, José de Barros Coelho, acerca dos assassinatos de senhores praticados por escravos, no Piauí (...)anexo: 3 docs. ahu-piauí, cx. 2, doc.55 - ahu_acl_cu_016, cx. 2, d. 100. ]
Segundo a peça apresentada pelo ouvidor do Piauí, José de Barros Coelho, em carta enviada à coroa em 1733, o motivo do crime não ficou esclarecido, mas dona Amada Costodia teve papel fundamental no desfecho da história, uma vez que foi ela quem intencionalmente "induziu" o escravo Ignácio a cometer o cruel assassinato. Os motivos podem ter sido muitos, e não é difícil imaginar que envolve-se nessa trama um componente de assédio ou mesmo de abuso sexual. No fim, Ignácio acabou morto pelo Sargento mor que liderou a caçada ao bando que se escondia nos matos. O curioso é que, juntamente com Ignácio, Estevão e Amada Costodia, foi preso também um índio não identificado que portava um bacamarte com cano de bronze de tamanho desproporcional (provavelmente o utilizado no assassinato cometido por Ignácio):
(...) com esta confissão e a prova, mandou fazer deligencia por prender os culpados e os que se guarnecerão de armas para se porem em resistencia, porém vendo ser as tropas grandes se puseram alguns em retiro e outros em resistencia em que foram prezo um índio com um bacamarte de disforme grossura com o cano de bronze que sendo descarregado se achou ter sua quanta de pólvora bem pesada, nove balas entre palanquetas e também foi preza a dona Costodia de Almeyda que todos se achão prezos na cadeia daquelas vila (...). (Transcrição ipsis litteris).[17: Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V, sobre a carta do ex-ouvidor-geral do Piauí, José de Barros Coelho, acerca dos assassinatos de senhores praticados por escravos, no Piauí (...)Anexo: 3 Docs. AHU-Piauí, cx. 2, doc.55 - AHU_ACL_CU_016, Cx. 2, D. 100. ]
Índios e negros, com certeza, compartilhavam os mesmos motivos para alimentarem ódio mortal aos fazendeiros e senhores de escravos que viviam no Piauí. A exploração violenta da mão de obra de ambos era uma constante naqueles tempos. Outros casos em que se consorciaram negros e índios para fazer "justiçamento" são narrados na mesma carta. Por exemplo: 
(...) tambem passados poucos tempos teve a notícia de que tres escravos do capitão Maurício Gomes matarão a este estando dormindo dando-lhe com uma machadada na cabeça e o enterrarão e logo teria a diligencia por prender os culpados que com efeito o forão pegos e prezosna cadea de onde um deles, índio da terra falecera de doença. (Transcrição ipsis litteris).[18: Idem, ibdem.]
	Em 1712, no interior do Piauí, houve uma sublevação na fazenda de Antônio da Cunha Souto Maior, morto pelos índios revoltados com a crueldade do fazendeiro. A revolta espalhou-se rapidamente por léguas e léguas: no Maranhão, no Piauí e no Ceará. 
	Mandu Ladino, um índio batizado e educado pelos padres, liderou esse movimento com mão firme e tornou-se, por sete anos, o homem mais forte da região. Ele era da nação Aranhi, de matriz linguística Jê, porém muitos povos de língua tupi que moravam no Ceará e próximos à serra da Ibiapaba juntaram-se a ele contra os fazendeiros. No final de 1716, o governador e capitão general do Estado do Maranhão, Cristóvão da Costa Freire, soube de muitas queixas contra os índios nas terras do Piauí. Por essa razão mandou uma tropa de soldados e índios forros (índios dos aldeamentos jesuítas, de matriz tupi na sua imensa maioria) capitaneada por Francisco Cavalcante de Albuquerque, fazer uma guerra aos índios rebeldes de Ladino e os mais que infestavam a capitania deste estado, roubando e matando os moradores. Assim, foi a tropa para o Itapecuru e depois de seis dias de marcha, soube o governador do Maranhão que na capitania do Piauí o índio “Mandu Ladino cabeça dos levantados ajuntando algumas nações do gentio do corso”, investira contra o comboio que ia do Piauí ao Maranhão. Estes índios liderados por Mandu Ladino eram a “confraternização dos índios que traíram Souto Maior e que, junto com seus comandos, agora vinham praticando grandes insultos na região”. Segundo Bernardo de Carvalho, o gentio bravo havia “roubado os comboios que iam do Piauí para o Maranhão em que iam mais de 50 mil cruzados a maior parte deles pertencente à fazenda de V. M.”. A guerra contra Mandu Ladino demandou tempo, tropas e recursos que não estavam nas previsões da coroa portuguesa, e disseminou o medo entre os fazendeiros do Piauí. Ao mesmo tempo, ver um índio e seu bando aterrorizar as elites e autoridades da capitania plantou uma semente de revolta no coração de cada negro escravizado destas terras. De fato, houveram momentos de tensão também entre índios e escravos, principalmente quando os segundos, a mando de seus senhores, enfrentavam os primeiros em confrontos nos matos ou apenas serviam seus senhores em negociações com as nações indígenas rebeldes.[19: A carta “O D.or Vicente Leite Ripado do desemb.o da Sua Mag.e seo ouvid.r G.al da gente de guerra, com alçado no cível e crime; juiz das justificações Prov.or mor da fazenda real do est.o e dos defuntos, e ausentes, capelas e resíduos correg.or e Provedor da Com.ar tudo pelo d.o senhor” escrita em São Luís a 14 de dezembro de 1716 está anexada em “Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V, sobre o pedido de Bernardo de Carvalho de Aguiar, que solicita a confirmação no posto de mestre de campo e o respectivo soldo”. Lisboa, 6 de outubro de 1718. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 12, doc. 1199.][20: NUNES. Pesquisas para a história do Piauí, p. 122][21: Este requerimento de Bernardo Carvalho de Aguiar está anexado em “Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V”. Lisboa, 6 de outubro de 1718. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 12, doc. 1199.]
	Além da investida contra o comboio que se dirigia ao Maranhão, os índios de Ladino foram à casa forte do Iguará combater os soldados daquele presídio, matando alguns cavalos do comboio que se achavam naquela parte. Nessa ocasião encontrava-se em São Luís o mestre de campo Bernardo Carvalho de Aguiar com seu filho Miguel Carvalho de Aguiar e seus escravos com armas de fogo e alguns escravos índios. Pediu, então, o governador Cristóvão da Costa Freire ao mestre de campo que fizesse guerra contra os rebeldes selvagens, “matando e fazendo prisioneiros assim aos que cometeram este delito como a todos os mais índios do corso que pudesse descobrir”. Ao governador parecia que era “mais conveniente fazer guerra ao gentio do corso da nação Caicai que por duas vezes tinha saído junto a casa forte em razão de sua pouca defesa” e depois marchasse para o Parnaíba, o que fez o mestre de campo. No Iguará, a tropa de Bernardo Carvalho de Aguiar encontraria a de Francisco Cavalcante de Albuquerque. Carvalho de Aguiar continuou a marcha com os soldados e encontrou a populosa “nação do gentio Aranhi, com o qual pelejou até destruir sem escapar mais que um índio, que fugiu depois de passado com dois tiros”. Nessa ocasião, o mestre de campo teria aprisionado 52 cativos, que entregou ao governador; os demais índios haviam morrido na batalha.[22: A carta “O D.or Vicente Leite Ripado do desemb.o da Sua Mag.e seo ouvid.r G.al da gente de guerra, com alçado no cível e crime; juiz das justificações Prov.or mor da fazenda real do est.o e dos defuntos, e ausentes, capelas e resíduos correg.or e Provedor da Com.ar tudo pelo d.o senhor” escrita em São Luís a 14 de dezembro de 1716 está anexada em “Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V”. Lisboa, 6 de outubro de 1718. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 12, doc. 1199.][23: Desta campanha participaram também o sargento-mor Francisco Cavalcante de Albuquerque, o terceiro capitão de infantaria João Paes de Amaral e o capitão da conquista Domingos Duarte. A carta “Christovão da Costa Freyre Senhor de Pancas do Cons.o de S. Mag.e q. Ds. G.e G.or e Capp.m G.l do estado do mar.am” escrita em São Luís do Maranhão em 1716 e a “Ordem em forma de regim.to q. leva o mestre de campo da conquista Bernardo de Carv.o e Aguiar, e em segundo lugar o sarg.to mor Francisco Cavalcanti, e Albuquerque, e em 3º o capp.m de infantaria João Paes de Amaral, e no 4º o capp.m da mesma conquista Domingos Duarte” feita em São Luís a 29 de outubro de 1716 estão anexadas em “Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V”. Lisboa, 6 de outubro de 1718. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 12, doc. 1199.][24: Este requerimento de Bernardo Carvalho de Aguiar está anexado em “Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V”. Lisboa, 6 de outubro de 1718. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 12, doc. 1199.]
	Para o jesuíta José Vidigal, reitor do Colégio de Nossa Senhora da Luz em São Luís, "a esta ação se seguiu grandes utilidades porque os gentios que infestavam esta capitania (do Maranhão) e do Piauí atemorizados ou se contentaram com as suas brenhas ou buscaram a paz que sempre rejeitaram". Além disso, um principal Caicai estava assentando paz com eles e "prometia assistir nas campanhas com seus vassalos, fazer guerra a Mandu Ladino cabeça dos levantados e as mais nações inimigas". O próprio rei, em carta ao governador do Maranhão, acreditava que era necessária a continuação da guerra "para que por uma vez se ponha termo aos danos que temos padecido com a invasão destes bárbaros" e pudessem habitar seus vassalos os rios Mearim e Itapecuru. Por essa razão, seriam enviados do Ceará os índios para que participassem da guerra e "trinta quintais de bala miúda e cem espingardas", como pedia o governador do Estado do Maranhão.[25: O testemunho do jesuíta José Vidigal escrito em São Luís a 15 de dezembro de 1716 está anexado em “Consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. João V”. Lisboa, 6 de outubro de 1718. AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 12, doc. 1199.][26: “Para o Governador do Maranhão. Sobre a guerra que se fez ao gentio do corso a qual se lhe aprova”. Lisboa, 28 de outubro de 1717. ABN, vol.67 (1948), pp. 150-152.]
INSPIRADOS PELA GUERRA
	A guerra contra Mandu Ladino e seus comandados deixou marcas profundas na relação entre senhores e escravos no Piauí da primeira metade do século XVIII. Outras revoltas menores surgiam a todo instante e dezenas de senhores de escravos foram mortos por seus servos durante anos. Ver um bando se índios aterrorizar os poderosos, sem dúvida, encheu de coragem e esperança alguns corações que sonhavam com a liberdade nas senzalas do Piauí. Embora não tenha havido grandes revoltas de escravos no Piauí, os casos de violência eram constantes e chegavam,não raras vezes, às vias de fato com a morte ou do senhor ou do escravo.
	Ainda em 1726, um mameluco fujão matara uma dona e seus filhos na casa onde moravam, foi preso e conduzido ao Maranhão, já que as cadeias do Piauí estavam todas lotadas de réus.
Do lugar chamado Caratheus se teve notícia de que mameluco forçava a mulher e que por esta dar gritos a matara estando pelada e não satisfeito coma a sua morte e vendo na casa ter filhos os matara também com a sua faca de ponta. O criminozo foi prezo e acabou levado por ter a casa cheia de prezos com graves culpas, nesta cadeia para parte ao governador do estado do Maranhão significando lhe o muito que importava (ilegivel) naquela capitania. (Transcrição ipsis litteris).[27: Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V, sobre a carta do ex-ouvidor-geral do Piauí, José de Barros Coelho, acerca dos assassinatos de senhores praticados por escravos, no Piauí (...) Anexo: 3 Docs. AHU-Piauí, cx. 2, doc.55 - AHU_ACL_CU_016, Cx. 2, D. 100. ]
Estes casos de violência gratuita também eram constantes no sertão ralamente povoado e com pouca penetração das instituições portuguesas. O ouvidor do Piauí chegou a solicitar ao rei que fossem feitos seminários, na intenção de pacificar os habitantes com forte inclinação à violência.
Ultimo suplício para exemplo da extrema lastividade que la naquela gente voluntaria sem temor de Deus nem das justicidades daquela consta resultava mandar se lhe fizesse seminarios nos quaes intrepursece-lhe. (Transcrição ipsis litteris).[28: Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V, sobre a carta do ex-ouvidor-geral do Piauí, José de Barros Coelho, acerca dos assassinatos de senhores praticados por escravos, no Piauí (...) Anexo: 3 Docs. AHU-Piauí, cx. 2, doc.55 - AHU_ACL_CU_016, Cx. 2, D. 100. ]
Além da violência cotidiana na capitania, havia o problema das grandes distâncias entre uma vila e outra, entre um pequeno povoado e outro. Nessas distancias se escondiam toda a sorte de pretos fugidos, índios e bandidos, o que era um risco permanente para os viajantes e agentes do fisco, que tinham que visitar as sedes das fazendas para recolher os dízimos e impostos para a coroa. O problema também foi relatado pelo ouvidor José de Barros: 
(...)achava ser conveniente que os ouvidores daquella capitania tenhão faculdade de Vs. Magestade conceder os ouvidores do Maranhão para que possais mandar executores a serviço das vítimas suplico na gente India da terra, mestiços e pretos, porque de cada sorte ficarão sem suplicio pela falta do necessário para as levar em grandes riscos nos caminhos de onde já tem tirado pretos a justiça sem embargo de irem com bastante gente de armas por passarem por mocambos de pretos e de gente bandoleira e também carecem os ouvidores de faculdade para tirarem devassas nos crimes graves por quanto os que forão os juízes arbitrários como são homens da mesma terra agem com temor escusos por inclinação e amizade não fazem a deligencia necessária para descobrir os culpados. (Transcrição ipsis litteris).[29: Idem, ibdem.]
Até a segunda metade do século XVIII, a violência no Piauí foi um reflexo das relações tensas entre colonizadores, escravos e nativos da terra. A mesma violência, que não diminuiu, mudou aos poucos com a repressão do Estado português e, mais tarde do Império brasileiro, mas ela nunca deixou de existir em elevada quantidade nessas terras quentes, distantes e onde mora a injustiça.
CONCLUSÃO
	A sinfonia que embalou o nascimento do Piauí foi os gritos dos nativos que sangravam no fio da espada do invasor branco em meio às tentativas de resistência e defesa de seu modo de vida; teve sua primeira infância embalada pelos gritos do negros e mestiços escravizados que sofriam pelo chicote do mesmo invasor, agora senhor de terras e grande pecuarista; sua adolescência e juventude foram embaladas pelo choro dos oprimidos, explorados e humilhados que descendiam destes subjugados e escravizados e que fizeram a fortuna de poucos que, desde o século XVII se consideram donos dessa terra. Hoje, na idade adulta, o Piauí resgata histórias de violência, exploração e injustiça. A revisão da História do Piauí é um trabalho árduo e ainda muito promissor no que tange a descobertas de casos que comprovem a exploração de muitos por poucos, a subjugação de povos seculares por um invasor branco cristão que roubou as terras, os nomes e a história dos povos que explorou ao longo desse processo.
FONTES
Fontes manuscritas:
Arquivo Histórico Ultramarino
Avulsos da Capitania do Maranhão
Avulsos da Capitania do Piauí
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola;PASQUINO, Gianfranco; DICIONÁRIO DE POLÍTICA. VOL.1. trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília : Editora Universidade de Brasília, 11ª ed., 1998, p.385.
CARVALHO, Miguel de.; DESCRIÇÃO DO SERTÃO DO PIAUÍ: comentário e notas de Pe. Claudio Melo. Teresina: Gráfica Mendes, 1993.
	
CHAVES, Monsenhor; OBRA COMPLETA. Teresina: Halley S.A. Gráfica Editora, 1998.
FALCI, Miridan Britto Knox;  A CRIANÇA NA PROVÍNCIA DO PIAUÍ. CEDHAL (Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina) – São Paulo: USP Universidade de São Paulo, 1991.
LIMA, Solimar Oliveira;  BRAÇO FORTE -Trabalho escravo nas fazendas da nação Piauí (1822/1871). Passo Fundo: UFP, 2005.
MIRANDA, Reginaldo; A FERRO E FOGO: Vida e morte de uma nação indígena no sertão do Piauí. - Teresina, 2005
MOTT, Luiz; PIAUÍ COLONIAL: população, economia e sociedade. Teresina: FUNDAC – Coleção Grandes Textos, 2010.
NUNES, Odilon; PESQUISAS PARA HISTÓRIA DO PIAUÍ. Teresina: Imprensa Oficial, 1966, vols. I e II.
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	1733, novembro, 16, Lisboa
CONSULTA do CONSELHO ULTRAMARINO AO REI D. JOÃO V, SOBRE A CARTA DO EX-OUVIDOR-GERAL DO PIAUÍ, JOSÉ DE BARROS COELHO, ACERCA DOS ASSASSINATOS DE SENHORES PRATICADOS POR ESCRAVOS, NO PIAUÍ, ADVERTINDO O OUVIDOR-GERAL, FRANCISCO XAVIER MORATO BOROA, PARA CUMPRIR O REGIMENTO DOS OUVIDORES DO MARANHÃO; INFORMA QUE, POR TEREM SIDO RETIDAS PELO CLERO DO PIAUÍ, ENVIA DE NOVO AS CARTAS DIRIGIDAS À BAHIA
Anexo: 3 Docs.
AHU-Piauí, cx. 2, doc.55
AHU_ACL_CU_016, Cx. 2, D. 100.
Transcrição ipsis litteris.
	O ouvidor da Capitania do Piauhy José de Barros Coelho dá conta al Mag. de por este conselho em carta de quatro de septr. de mil setecentos e vinte e doys em que dis que na rotta passada desa carta al V.Mag.de das muitas mortes naquella capitania tem feito os servos de seus senhores e por ter indicados de que por persuaçoes do clero daquella vossa, não forão entregues na Bahia todos os massos torna alepetis as contas na prezente monção para que senão presuma falta na dita obrigação.
	Ao sargento mor da conquista, deu um tiro em seu escravo chamado Ignácio de que faleceu passados quatro dias e mandou ao juiz que fosse ao sítio em que morava que dista daquela vila quarenta legoas e por não ter notícias se não descobria a verdade mandara suspender a devassa por alguns dias por conhecer que aquelas terras se querem tempo para se descobrir a verdade em razão da muita vastidão de terras e da falta de gente de que se fundou vir-lhe a noticia de algumas pessoas que faltavas culpando algumas pessoas as quais mandou-se para ele e as perguntou judicialmente; e veio a conclusão que o matador fora o dito escravo Ignácio por indução de sua concubina Amada Costódia de Ameyda de quem o defunto tinha cinco filhos e um deles chamado Estevão concorreo também para a morte que naquela bruta terra não fasão miração mataram os filhos e os paes. Concluída a verdade fez ao delegado prender o escravo que andava oculto nos matos com sua espingarda e sua faca comprida a quem socorria a dita Costodia de Almeyda e a força de muita deligência foi prezo e levado a cadeia daquela vila e logo lhe fez perguntar, em que confessou ter dado o tiro por mando da concubina aqual por persuacões do confessor recebeu do dito sargento mor antes de morrer por poucas horas vivo depois de recebido que fora o filho que dera as balas ao dito escravo; com esta confissão e a prova, mandou fazer deligencia por prender os culpados e os que se guarnecerão de armas para se porem em resistencia, porém vendo ser as tropas grandes se puseram alguns em retiro e outros em resistencia em que foram prezo um índio com um bacamarte de disforme grossura com o cano de bronze que sendo descarregado se achou ter sua quanta de pólvora bem pesada, nove balas entre palanquetas e também foi preza a dona Costodia de Almeyda que todos se achão prezos na cadeia daquelas vila e logo mandou ajuntar o sesmario que tinha tirado a devassa e que o juiz acabou pois que pelo dito o sesmario faltava clareza em seus deferimentos.
	Tambem passados poucos tempos teve a notícia de que tres escravos do capitão Maurício Gomes matarão a este estando dormindo dando-lhe com uma machadada na cabeça e o enterrarão e logo teria a diligencia por prender os culpados que com efeito o forão pegos e prezos na cadea de onde um deles, índio da terra falecera de doença.
	Do lugar chamado Caratheus se teve notícia de que mameluco forçava mulheres e que por esta dar gritos a matara estando pelada e não satisfeito coma a sua morte e vendo na casa ter filhos os matara também com a sua faca de ponta. O criminozo foi prezo e acabou levado por ter a casa cheia de prezos com graves culpas, nesta cadeia para parte ao governador do estado do Maranhão significando lhe o muito que importava (ilegivel) naquela capitania. Ultimo suplício para exemplo da extrema lastividade que la naquela gente voluntaria sem temor de Deus nem das justicidades daquela consta resultava mandar se lhe fizesse seminarios nos quaes intrepursece-lhe Ouvidor o seu parecer ao que satisfez e os remeteu ao governador que com adjuntos sentenciou cinco a morte e lhe mandou as sentenças para que as desse logo a execução e parecendo lhe acertado das parte a Rcam da Bahia por ser aquella capitania pertencente à da Rcam teve por respostas o fim das rellações com do VRey que remeteu os culpados com as culpas ao Rcam e que não tendo bens nem o conselho. 
	Cobradores deixaram de executar seus serviços por estes ficarem distante das outras quatro, seis, oito e dez légoas em tal forma que para eles cobrarem de quinze ou vinte pessoas se encontra em quase cem legoas, o que pede grande dillação, quanto mais que comece a executarem os delitos na B{.may de cento e secenta legoas das da America não há lugar dede le hay fixado o cajado que dista tanto dos postos do mar como aquella cappitania que compete ao Maranhão o posto may venido dista cento e couarenta legas pelo que achava ser conveniente que os ouvidores daquella capitania tenhão faculdade de Vs. Magestade conceder os ouvidores do Maranhão para que possais mandar executores a serviço das vítimas suplico na gente India da terra, mestiços e pretos, porque de cada sorte ficarão sem suplicio pela falta do necessário para as levar em grandes riscos nos caminhos de onde já tem tirado pretos a justiça sem embargo de irem com bastante gente de armas por passarem por mocambos de pretos e de gente bandoleira e também carecem os ouvidores de faculdade para tirarem devassas nos crimes graves por quanto os que forão os juízes arbitrários como são homens da mesma terra agem com temor escusos por inclinação e amizade não fazem a deligencia necessária para descobrir os culpados.[30: A medida de uma légua varia: depende do local, da época – e do dicionário que a define: Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, de Caldas Aulete, de 1881, légua é “medida itinerária cuja extensão varia segundo as épocas e países:
4 km (França, atualmente);
4,24 km (Espanha, época colonial);
4,33 km (Paraguai);
4,83 km (países de língua inglesa);
5 km (pelo sistema métrico);
5,2 (Argentina);
5,555 km (légua marítima)
5,60 (Bolívia);
5,96 (légua marítima usada por Cristóvão Colombo);
6 km (Brasil, atualmente)
6,179 km (Portugal e Brasil, antigamente);
6,6 km (Brasil, antigamente, chamada légua de sesmaria) ;
7,06 km (Espanha, chamada légua real de Espanha).”]
	E dando a vista ao Procurador da Coroa respondeo que naquella capitania se deve mandar praticar o mesmo capitulo do regimento dado aos Ouvidores do Maranhão por ser necessario castigarense taes escandalosos delitos e se deve mandar a corte este ouvidor do Piauhy logo pratique o regimento com estes prezos e fassa a remessa dos que não podem sentenciar a Rcam da Bahia e faça a levar a custa da Fazenda Real mas podendo logo cobrar a finta.
	
Ao conselheiro parece o mesmo que ao Procurados da coroa.
Deseseis de novembro de mil setecentos e trinta e tres.

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