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O LIBERALISMO E A CRIAÇÃO DE ESCOLAS DE DIREITO NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA.

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FACULDADE MERIDIONAL – IMED
ANGELA CASA
(Estudante de Direito)
Trabalho para a Disciplina de História do Direito como parte de avaliação da disciplina do curso de Direito da Faculdade IMED.
Professor José Carlos Kraemer Bortoloti
PASSO FUNDO/RS
2017
INTRODUÇÃO
Desde sua descoberta, em 1500, até sua independência, em 1822, o direito existente no Brasil era exclusivamente destinado aos interesses da Coroa Portuguesa. Com influência do liberalismo, patrimonialismo, democracia, criação das primeiras escolas de Direito, assim como, a criação de novas legislações, a Independência do Brasil, criou a necessidade da formação de uma cultura jurídica nacional, que ironicamente rompe com a cultura jurídica oriunda do tempo de colônia, mas, mantém como protagonista a elite agrária já existente, em contraponto do povo brasileiro.
Esta elite agrária, detentora de muitos privilégios, reprimiu a sociedade indígena, que já possuía traços de desenvolvimento interno e seu próprio direito, impondo-os um direito externo e desconhecido. Assim como, excluiu grande parte da população, que não gozava dos mesmos direitos e liberdades que os elitistas. Escravos negros e índios, marginalizados, não possuíam garantias e respeito as suas dignidades, assim como a exclusão de suas garantias quanto à exploração indevida de mão-de-obra. 
Em decorrência de tais explorações, tanto em âmbito humano, quanto em âmbito de recursos naturais; ocorreram diversas revoltas em busca de direitos e liberdades. Revoltas como a Guerra dos Mascates, em Pernambuco, que buscava romper as relações da colônia com a metrópole portuguesa; Conjuração Baiana, que se inspira nas ideias revolucionárias francesas, e demonstra o descontentamento do povo baiano com o forte domínio português; e Inconfidência Mineira, que busca a derrubada de um governo que não se preocupava com as condições dos escravos e que obrigava aos fazendeiros submissão à Portugal.
	Todas essas problematizações ocorreram em decorrência da influência do liberalismo europeu que no Brasil, foi usado para fomentar os interesses oligárquicos. Isso porque, tal influência se baseou em uma estrutura político-administrativa de cunho liberal, patrimonialista e conservadora, que era comandada por uma elite agrária em detrimento da opinião do povo brasileiro marginalizado.
	A confusão dos princípios liberais com os interesses políticos, econômicos e administrativos, gerou a necessidade da criação de escolas jurídicas que elaborassem leis nacionais, que por consequência deu origem a uma elite jurídica que tem por função atender as necessidades burocráticas do Estado. Assim, nascem as primeiras escolas jurídicas brasileiras, sendo uma em Recife, transferida de Olinda; e outra em São Paulo, buscando transformar as bases jurídicas enraizadas na Universidade de Coimbra.
O LIBERALISMO E A CRIAÇÃO DE ESCOLAS DE DIREITO NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA.
O liberalismo como nova concepção de mundo, conforme Antônio Carlos Wolkmer, foi uma doutrina global que acabou por ser cultivada por segmentos da burguesia que se encontravam em ascensão contra o absolutismo monárquico, e que reproduziam novas condições matérias na produção de riquezas. As novas relações sociais que estavam direcionadas pelo mercado e suas necessidades, tornaram-se uma liberdade integral que estava presente em diversos níveis da realidade: ético, social, político e econômico.
Segundo Wefford (1980, apud WOLKMER, 2003, p. 64):
No Brasil, o liberalismo expressaria a “necessidade de reordenação do poder nacional e a dominação das elites agrárias” processo esse marcado pela ambiguidade da junção de “formas liberais sobre estruturas de conteúdo oligárquico”, ou seja, a discrepante dicotomia que iria perdurar ao longo de toda a tradição republicana: a retórica liberal sob a dominação oligárquica, o conteúdo conservador sob a aparência de formas democráticas. Exemplo disso é a paradoxal conciliação “liberalismo-escravidão” 
	Assim, motivados pela luta contra o sistema colonial, os monopólios e a antiga administração portuguesa, as fórmulas liberais acabaram atendendo às reivindicações das camadas da sociedade brasileira, pois parecia conferir-lhes os fundamentos éticos e políticos para a reformulação da legitimidade do poder, influenciando, os movimentos de independência.
	Com a proclamação da Independência, a conciliação da natureza patrimonial do Estado com o modelo jurídico liberalista, era fundamental. De tal conciliação, resultou uma estratégia liberal-conservadora que permitiria, de um lado, o clientelismo e a cooptação e, de outro, a introdução de uma nova cultura jurídica, formalista, retórica e ornamental (WOLKMER, 2003, p. 67).
	Com tal conciliação, houve no plano jurídico, o surgimento de duas escolas de Direito, através do projeto de 31 de agosto de 1826 que foi convertido em lei em 11 de agosto de 1827. Assim D. Pedro I cria uma escola de Direito localizada em Olinda, posteriormente transferida para Recife, e outra em São Paulo. Tais escolas, deram oportunidade para os descendentes da elite agrária darem continuidade aos negócios.
	Assim, as escolas de Direito foram destinadas a assumir duas funções específicas: primeiro, ser polo de sistematização e irradiação do liberalismo enquanto nova ideologia político-jurídica capaz de defender e integrar a sociedade; segundo, dar efetivação institucional ao liberalismo no contexto formador de um quadro administrativo-profissional (FALCÃO, apud, WOLKMER, 2010, p. 68).
	A Escola de Recife, teve significativa importância ao introduzir para a cultura brasileira, a contribuição do germanismo em detrimento da praticamente dominante influência portuguesa e francesa, com visões críticas às formulações do jusnaturalismo e espiritualismo. A Escola de São Paulo, teve seus passos na direção da reflexão e da militância política, no jornalismo. Com uma tradição de intenso periodismo acadêmico levando os bacharéis ao desencadeamento de lutas em prol de direitos individuais e liberdades públicas. (WOLKMER, 2003, p. 69).
	Segundo Schwarcz (1993, apud WOLKMER, 2003, p. 70):
Recife educou, e se preparou para produzir doutrinadores, “homens de sciencia” no sentido que a época lhe conferia, São Paulo foi responsável pela formação dos grandes políticos e burocratas de Estado. (...) De Recife vinha a teoria, os novos modelos – criticados em seus excessos pelos juristas paulistas; de São Paulo partiam as práticas políticas convertidas em leis e medidas. (...) Enquanto na Escola de Recife um modelo claramente determinista dominava, em São Paulo um liberalismo de fachada, cartão de visita para questões de cunho oficial, convivia com um discurso racial, prontamente acionado quando se tratava de defender hierarquias, explicar desigualdades. A teoria racial cumpria o papel, quando utilizada, de deixar claro como para esses juristas falar em democracia não significava discorrer sobre a noção de cidadania.
Um segundo fator necessário para a emancipação cultura jurídica do Brasil foi a elaboração do sistema legal, através de uma Constituição, a Constituição do Império, de 1824. Tal Lei Maior, segundo Wolkmer (2003, p. 71), afirmava-se idealmente mediante uma fachada liberal que ocultava a escravidão e excluía a maioridade da população do país.
Outros destaques do sistema legal brasileiro foram o Código Criminal de 1830 e o Código de Processo Criminal de 1832, que extinguiu a estrutura colonial de Portugal e que, na tentativa de criação de uma burocracia profissionalizada de administração judicial, era apoiada sobre os ouvidores e juízes de forma.
Nesse sentido é ilustrativo, segundo Wolkmer (2003, p. 72):
Aludir o pretenso esquecimento e a deliberada omissão dessas primeiras legislações (Constituição de 1824 e Código Criminal de 1830) sobre o direito dos índios e dos negros escravos. Tudo demonstra que a legislação oitocentista, ao ocultar o escravismo colonial, parecia envergonhada por não considerar o escravocomo pessoa civil sujeita de direitos.
Ainda nesse sentido:
É estranho, mas perfeitamente compreensível dentro do sistema: a lei penal – dedicada integralmente aos marginalizados sociais – não registra referência à mais marginal de todas as populações, os indígenas, porque ou estavam fora da sociedade, não lhes alcançando a ação penal o simples revide guerreiro, ou dentro da sociedade não se diferenciavam dos pobres marginalizados (MARÉS DE SOUZA FILHO, apud WOLKMER, 2003, p. 72).
Em 1850, cria-se o Código Comercial e, em 1916 é aprovado o Código Civil, já que, para a burguesia, a ordenação do comércio e da produção de riquezas era mais imperiosa do que a garantia e proteção dos direitos civis. (WOLKMER, 2003, p. 73).
O bacharel do direito que nasceu em uma estrutura escravagista, tornava-se o profissional mais preparado para atender os interesses político-administrativos, devido a fatores de corporativismo elitista e corrupção. Isso porque, a Universidade de Coimbra, em Portugal, foi responsável pela formação dos primeiros bacharéis brasileiros, implantando-os uma cultura alienígena, que transformou os bacharéis, pautados na superioridade, em elite privilegiada e afastada da população.
Wolkmer (2003, p. 76) discorre sobre essa questão dizendo o seguinte:
A arrogância profissional, o isolamento elitista e a própria acumulação de trabalho desses magistrados, aliados a uma lenta administração da justiça, pesada e comprometida colonialmente, motivaram as forças liberais para desencadear a luta por reformas institucionais, sobretudo para alguns, no âmbito do sistema de justiça.
A magistratura era, indubitavelmente, um dos pilares de sustentação na criação de uma organização político nacional. Os juízes eram um dos principais agentes de articulação da unidade nacional. Eles faziam uso de um vocabulário elaborado com objetivo de enrustir as desigualdades, privilégios e benefícios de determinadas classes sobre outras.
Segundo José Murilo de Carvalho (apud WOLKMER, 2003, p. 77), o emprego público seria a ocupação que mais favorecia uma orientação estatista e que melhor treinava para as tarefas de construção do Estado na fase inicial de acumulação de poder. Assim, o juiz entra para uma prática “antijudiciária”, contando somente com o atendimento aos interesses do partido aliado. 
Ainda segundo José Murilo de Carvalho (apud WOLKMER, 2003, p.77):
Na prática, o poder judicial estava identificado com o poder político, embora, institucionalmente, suas funções fossem distintas. O governo central utilizava-se dos mecanismos de nomeação de juízes para administrar seus interesses, fazendo com que a justiça fosse partidária, e o cargo, utilizado para futuros processos eleitorais (fraudes e desvios) ou mesmo para recompensar amigos e políticos aliados.
Em 1871, é realizada a maior reforma do sistema jurídico no Império. Tal reforma teve por objetivo, separar as funções policiais e judiciárias que foram confundidas no ano de 1841. A assertiva de Andrei Koemer (apud WOLKMER, 2003, p. 79), quando aponta que a Reforma Judiciária de 1871, nascida de propostas advindas do programa liberal com o aval dos conservadores, nada mais foi que uma tênue estratégia legal de transição do escravismo para a produção laboral livre.
Ademais, foi possível fazer distinção entre o cargo de magistrado e de advogados:
Os magistrados foram formados em grande parte em Coimbra, enquanto os advogados, quase todos, educados no Brasil. Além disso, a relação bacharel com o poder público era completamente distinta daquela assumida pelos juízes, que, como funcionários públicos, tinham a missão de aplicar o preceito legal e garantir os intentos de ordem oficial. De todas as ocupações liberais, o advogado passou a representar os interesses individuais ou coletivos, tomando-se o “porta-voz” tanto “ de oposições quanto do poder público. Seu papel se tomaria mais importante em relação à construção do Estado em uma fase posterior quando a participação se tornasse um problema mais básico do que a concentração de poder” (CARVALHO, apud WOLKMER, 2003, p. 81).
CONCLUSÃO
Conclui-se assim, que, no processo de formação das instituições e da cultura jurídica brasileira, apresenta-se a presença de elementos que se contradizem: herança colonial patrimonialista, conservadora; e o liberalismo que favoreceu ao elitismo agrário privilegiado. Por desfecho, o judiciário brasileiro, sempre esteve associado à minoria da elite oligárquica, demonstrando o quando o direito no país pouco representou, por início, o direito de cidadania, garantias legais e fundamentais dos então chamados marginalizados da sociedade (maior parte da população).
Dessa forma, é possível identificar que o direito de liberdade existente no período colonial, esteve submetido em grande parte aos interesses da Coroa Portuguesa. Apenas três séculos após sua descoberta, com a Independência, que se criou novas culturas jurídicas, porém, as reivindicações sociais, políticas, econômicas e jurídicas ainda mostravam necessidade de se modificar e resignar as formas e leis outrora estabelecidas pela sociedade colonial.
Assim, o desenvolvimento da sociedade dependeu da força de suas instituições, da sua história, no entanto, sem repensar a sociedade a partir de suas necessidades e sem utilizar o Direito como ferramenta de combate à exploração.

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