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A IDENTIDADE FEMININAS - VIRGINIA WOLLF

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Semana de Geografia, 18., 2011. Geografias não mapeadas? Ponta Grossa: DEGEO/DAGLAS, 2011. ISSN 2176-6967 
 
A IDENTIDADE FEMININA NAS OBRAS DE VIRGINIA WOOLF PELO 
PRISMA DE BLOOMSBURY 
 
Rosana de Fátima Gelinski (mestranda) - UEPG∗ 
 
Resumo: 
Esse trabalho tem como objetivo analisar alguns aspectos da construção da identidade 
feminina e a forte influência do grupo de Bloomsbury nos romances de Virginia Woolf, 
destacando a busca do autoconhecimento das mulheres diante de uma sociedade que 
se revela estar, constantemente em processo de construção identitária. 
 
Palavras-Chave: Bloomsbury. Feminismo. Identidade. Sociedade. Virginia Woolf 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
 A mesma concepção de que é necessário a mulher ter uma identidade, um 
espaço no qual seus pensamentos pudessem ser ouvidos é aplicado à literatura, tal 
como preconizava a escritora Virginia Woolf, mas também à vida social, como 
podemos deduzir dos estudos de Stuart Hall (2002) acerca da identidade. 
Por muito tempo as mulheres lutam por igualdades e direitos. Essa busca por 
um reconhecimento perante a sociedade tem se intensificado ainda mais com o 
advento da globalização. Segundo Hall (2002), a modernidade tardia, período no qual 
estamos inseridos, está passando por um momento de transformações, pois as 
identidades tidas como fixas, começam a passar por um processo de mudança. Esse 
processo de fragmentação do sujeito fica bem evidente no discurso woolfiano, quando 
 
∗
 rogelinski@gmail.com 
 
 
Semana de Geografia, 18., 2011. Geografias não mapeadas? Ponta Grossa: DEGEO/DAGLAS, 2011. ISSN 2176-6967 
são enfatizadas as relações entre o eu e o outro, especificamente a relação entre o 
homem e a mulher. 
Hall, em seu livro intitulado A identidade cultural na pós-modernidade (2002), 
quando aborda as questões sobre o descentramento do sujeito e por consequência a 
identidade, inclui o feminismo como movimento impactante, tanto como uma crítica 
teórica quanto um movimento social. 
Partindo dessa premissa, esse trabalho objetiva mostrar como as buscas pela 
liberdade e por uma identidade feminina ganharam voz na escrita de Virginia Woolf. 
Não obstante, o trabalho enfatiza o viés feminista presente no Grupo de Bloomsbury e 
algumas abordagens prévias sobre o processo de construção do sujeito nos tempos 
modernos. 
 
2. OS IDEIAIS FEMINISTAS DE BLOOMSBURY 
 
É digno de afirmação que a esfera feminina foi fundamental na escrita woolfiana, e 
na constante associação da escritora à estética de Bloomsbury. Na visão de Quentin 
Bell (1993), Bloomsbury era feminista, e era também libertário e, ao mesmo tempo 
desafiava a ética de uma sociedade que encontrava no homem a fonte natural de 
poder e autoridade, desafiava também todo o sistema de moralidade no qual tal poder 
se baseava. E por esse motivo o círculo permaneceu por muito tempo como uma 
sociedade enclausurada. O círculo era uma fuga daquele mundo hostil, principalmente 
para as mulheres. Bloomsbury, na versão de Virginia Woolf poderia ser descrito como 
sendo capaz de produzir “não aquelas ásperas faíscas elétricas a que chamamos de 
brilho enquanto estalam em nossos lábios, mas o clarão mais profundo, sutil e 
subterrâneo que é a rica chama amarela da intercomunicação racional” 1. Ou seja, 
dentro do Grupo Bloomsbury, a escritora tinha espaço para comunicar seus ideais, e 
 
1
 BELL, 1986, P. 49-50. 
 
 
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sua visão da sociedade, uma vez que tinha acesso ao convívio com outros escritores, 
intelectuais e diferentes artistas, os quais sempre estavam em busca de manifestações 
contra alguns dos princípios tradicionais da sociedade. Não era característico dessas 
manifestações o uso da violência, mas sim do intelecto. O Grupo através de 
articulações sociais abalava as esferas do poder britânico, reivindicando a não 
opressão de classe, gênero e etnia em prol da emancipação da mulher. Questões 
como essas, são notáveis em muitas produções dos integrantes, principalmente 
Virginia Woolf. Muitas obras da escritora possibilitam ao leitor deduzir os ideais do 
Grupo Bloomsbury, entre as obras estão Mrs. Dalloway (1925), Orlando: Uma Biografia 
(1928) e Um Teto Todo Seu (1929), as quais mostram claramente a critica que 
vigorava a favor dos ideais feministas, e, portanto, ideais de Bloomsbury e de Virginia 
Woolf. 
A intenção de Virginia Woolf era provocar reflexões a respeito da vida e da 
sociedade, recorrendo na maioria das vezes aos fatos sociais. Dessa forma, ela discute 
em seus textos questões polêmicas e decisivas de sua época, exemplificando os 
assuntos triviais do cotidiano bem como o existencialismo através dos sujeitos 
inventados. 
 Através das personagens criadas, percebemos como a realidade ambiente é 
bem definida e como a consciência individual flui. Virginia Woolf, através de seus 
textos, dá voz aos problemas de sua época, mostrando uma sociedade que sofria com 
as consequências da Guerra, bem como aborda problemas de senso comum, como o 
cotidiano, as relações afetivas, os problemas econômicos e sociopolíticos, destacando 
a posição secundária do sexo feminino na sociedade, as quais exerciam o papel de 
guardiãs do lar, ou seja, o universo feminino era restrito ao ambiente doméstico e a 
procriação alheia à esfera pública, num período, século XX, em que ocorria o processo 
de urbanização das metrópoles. E uma das criticas da escritora era justamente de que 
a mulher deveria caminhar junto com essa sociedade que se desenvolvia. 
 
 
Semana de Geografia, 18., 2011. Geografias não mapeadas? Ponta Grossa: DEGEO/DAGLAS, 2011. ISSN 2176-6967 
Outro aspecto abordado em muitos de seus romances refere-se à relação 
patriarcal vigente na sociedade britânica no início do século XX, na qual a mulher 
dependia economicamente do homem, no caso, seu pai ou esposo. E quão difícil era 
para o então sexo frágil conquistar seu espaço em um ambiente predominantemente 
dominado pelas imposições do pensamento masculino. Essa situação está 
maravilhosamente presente em Mrs. Dalloway (1925). A obra centra-se na condição 
feminina quando põe em destaque a identidade da Sra. Dalloway. Casada com 
Richard, Sra. Dalloway demonstra extrema preocupação de como ela era vista na 
esfera social. Fato esse bem evidenciado em seus preparativos para a festa, tudo tinha 
de estar perfeito. Isso pressupõe dizer que a protagonista passa a ser definida pelo 
Outro, leia-se marido e pela própria sociedade, pois ela é sempre reconhecida como a 
Sra. Dalloway, casada com Richard Dalloway, e não somente Clarissa. Segundo 
Anthony Giddens (1993) “num casamento o sentido de identidade de cada indivíduo se 
torna unido ao da outra pessoa e, de fato, ao próprio casamento”. 2 
 Tais limitações se restringiam desde o não acesso a educação a não 
participação na vida econômica. Esse ressentimento partia da própria escritora, que 
concebia a sociedade como uma entidade repressora no que se refere às mulheres. De 
acordo com Anthony Giddens (1993) “sempre houve um abismo entre os sexos em 
termos da experiência, da criação e da educação”. 3 Essa afirmação torna-se mais 
evidente quando se analisa a obra Um Teto Todo Seu (1929), nela Woolf estabelece 
claramente os princípios da exclusão feminina, ao enfatizar a importância da mulher ter 
um lugar somente seu no qual pudesse exercer o papel de escritora. É com um tom de 
revolta, que Virginia Woolf critica duramente a exclusão das mulheres, principalmente 
no que se restringe a educação, pois exigia um tratamento igualitário para estudantes 
do sexo feminino e o direito de se desenvolveram intelectualmente. No romance2Anthony Giddens. Modernidade e Identidade, tradução: Plínio Dentzen, Rio Janeiro: Jorge Zahar, 2002, P. 18. 
3
 GIDDENS, Anthony, 1993, P. 71. 
 
 
 
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Orlando: Uma Biografia (1928) Virginia Woolf não deixa de elucidar essa crítica através 
dos pensamentos de seu protagonista Orlando. 
Resgatando as concepções de identidade, sujeito do Iluminismo, sujeito 
sociológico e sujeito pós-moderno, definidas por Stuart Hall (2002), pode-se afirmar 
que em Mrs. Dalloway a personalidade individual vive em constante conflito com a sua 
persona social. A protagonista pode ser inserida no contexto de sujeito sociológico, ou 
seja, apesar de a personagem ter o seu “eu interior”, ela precisa interagir com a 
sociedade para ter sua identidade consolidada. Sendo assim, essa concepção de 
identidade enfatiza a formação subjetiva dos indivíduos por meio das suas 
participações na sociedade. Uma vez que, segundo as fundamentações do sociólogo 
Bauman (2005), a identidade é algo que está sempre em processo, ou seja, ela não é 
imutável, a exemplo da personagem Clarissa Dalloway que em sua juventude tinha 
uma determinada identidade e que após o casamento anula seus sonhos e desejos em 
detrimento de sua condição de esposa, gerando então, um estado de crise existencial. 
Partindo da premissa de que as identidades não são fixas e estáveis, o romance 
Orlando: Uma Biografia (1928) antecipa muitas questões sobre a identidade bastante 
discutidas hoje por sociólogos como Bauman (1993) e Hall (2002), a exemplo das 
relações entre gênero e sexualidade. A obra é tida como a mais divertida e otimista dos 
romances de Woolf. E existe nessa obra muito dos ideais do circulo de Bloomsbury. O 
personagem e biógrafo Orlando vive por quatro séculos, inserido em vários contextos 
históricos que envolveram a monarquia inglesa; e quando a revolução explode a sua 
volta, Orlando dorme por sete dias e quando acorda, descobre que havia se tornado 
mulher. No momento em que Orlando transforma-se em mulher, observamos que sua 
caracterização em relação à identidade não é determinada apenas em função de seu 
corpo, mas sim, pelo papel que ocupa na sociedade. Pois inicialmente, na narrativa, a 
transformação ocorrida com a personagem aparentemente não lhe traz grandes 
interferências, apesar, de agora ser mulher, Orlando continuava sendo o que sempre 
havia sido, “a mudança de sexo embora tenha alterado o seu futuro, nada alterava da 
 
 
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sua identidade” 4. Assim, como narra Virginia Woolf, a própria personagem parecia não 
estranhar essa situação. Ou seja, “nascer mulher não é suficiente para nos tornar 
mulher”. Beauvoir (1976) parafraseando Jean-Paul Sartre expande esse conceito ao 
enfatizar que não basta ter um corpo feminino é preciso ir além, pensar e agir como 
mulher. “Não é a fisiologia que pode criar valores (...) o corpo da mulher só tem 
realidade vivida enquanto assumido pela consciência através das ações e no seio de 
uma sociedade” (BEAUVOIR, 1976, p. 62-63). 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Esse trabalho, a partir de uma análise literária fez uma breve análise sobre a 
construção da identidade de dois dos mais importantes sujeitos inventados por Virginia 
Woolf, as personagens Sra. Dalloway e Orlando. Durante a análise foi considerado a 
forte influência do Grupo de Bloomsbury na escrita woolfiana. O que nos possibilita 
afirmar que a escritora tende em seus romances a discorrer sobre a identidade 
feminina preocupando-se com o espaço onde se inserem. 
E de fato, conforme enfatiza Quentin Bell (1993) não apenas nos termos de sua 
fantasia, mas também, da vida real, a escritora pensa numa solução para os problemas 
surgidos nas relações entre homem, mulher e sociedade. Virginia Woolf e o Círculo de 
Bloomsbury tinham ciência de que a sociedade organiza-se em torno das noções 
rígidas do gênero. E na modernidade tardia, as questões andrógenas são bastante 
problematizadas, uma vez que o gênero passa não mais a ser visto apenas como uma 
equivalência do sexo, ou seja, da caracterização física dos sujeitos em homem ou 
mulher, mas sim como uma construção. 
Não obstante, é através do dualismo entre os sexos que a linguagem woolfiana 
questiona as fronteiras entre o homem e a mulher, o eu e o outro, abrindo para a 
contestação outras maneiras de se discutir e problematizar a identidade e as relações 
 
4
 WOOLF, 1976, P.77. 
 
 
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sociais. Em suma, o que está em jogo nessa discussão é a sujeição e a inferioridade 
das mulheres no âmbito da modernidade tardia, ainda caracterizado como um sistema 
de relações desiguais. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BAUMAN, Zygmunt. A Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. Tradução: Carlos Alberto 
Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 
BEAUVOIR, Simone de. O segundo Sexo: Fatos e Mitos. São Paulo: Círculo do Livro, 
1976. 
BELL, Quentin, Bloomsbury. Tradução: Suely Cavendish. Rio de Janeiro: Edioro S.A., 
1986. 
GIDDENS, Anthony. A Transformação da Intimidade: Sexualidade, Amor & Erotismo 
nas Sociedades Modernas. Tradução: Magda Lopes. São Paulo: Editora Universidade 
Estadual Paulista, 1993. 
 
HALL, Stuart, A Identidade na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. 
Guaracira Lopes Louro, 7 ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2002. 
 
WOOLF, Virginia, Orlando – a Biography. Tradução: Cecilia Meireles. São Paulo: Circulo 
do Livro, 1976. 
WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. Tradução: Mário Quintana. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1980. 
WOOLF, Virginia. A room of one`s own. Tradução: Vera Ribeiro. São Paulo: Circulo do 
Livro, 1990.

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