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E conom ia B rasileira C ontem porânea Economia Brasileira ContemporâneaEconomia Brasileira Contemporânea Walter Franco Lopes da Silva www.iesde.com.brFundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-7638-813-5 Walter Franco Lopes da Silva Economia Brasileira Contemporânea 2009 Walter Franco Lopes da Silva Mestre em Ciências Sociais pela University of London, Institute for Latin American Studies. Pós-Graduado em Economia de Empresas, e Graduado em Administração de Empresas, pela Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP). Consul- tor de Investimentos e Novos Negócios. Profes- sor de Economia e Administração nos cursos de Bacharelado, Pós-Graduação e Graduação Tec- nológica da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). su m ár io su m ár io su m ár io su m ár io As transformações da economia brasileira no século 20 1111 | Breve histórico e a questão do desenvolvimento econômico no Brasil14 | O período entre a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 192915 | As bases do processo de substituição das importações A crise dos anos 30 e o processo de industrialização 25 25 | A crise dos anos 1930 como motor do processo de industrialização 25 | As duas teses que explicam o início do processo de industrialização do Brasil 29 | Outras razões para justificar o processo de substituição das importações 30 | Dinâmica, desequilíbrios e crises do modelo 31 | Crítica à política de substituição de importações 31 | O governo de Getulio Vargas: consolidação das políticas industriais e conseqüências Do Estado Novo à crise do endividamento 39 39 | A consolidação das estratégias dos governos Vargas até o período de 1951-1954 44 | O governo de JK: as políticas de modernização e o plano de metas As décadas de 1960 a 1980: dívida externa, recessão, inflação e crise do setor público 53 53 | O agravamento da inflação 56 | Desestabilização econômica, desemprego e crises 58 | Planos econômicos: conseqüências e problemas Da abertura econômica de Collor ao Plano Real 69 69 | Governo Collor e a abertura econômica 73 | Governo FHC, Plano Real e reformas estruturais 76 | Governo Lula e a consolidação da estabilidade econômica 78 | Panorama do desempenho econômico de 2007 e perspectivas Gabarito 85 Referências 89 Apresentação E conom ia B rasileira C ontem porânea Este livro tem por objetivo estudar a Economia Brasileira Contempo- rânea, de forma a propiciar ao aluno uma visão ampla e crítica dos principais temas políticos, econômicos e sociais que afetam o Brasil nos dias de hoje. Esse estudo se dará a partir de uma visão histórica das políticas públicas e de desenvolvimento implantadas pelos di- versos governos nas últimas décadas, e do entendimento de temas importantes como inflação, estabilização, emprego e desigualdade social, presentes no dia-a-dia dos brasileiros. Estudaremos também os principais desafios que se apresentam hoje ao país, no que se refere a seu crescimento econômico e à sua viabilidade de sustenta- ção a longo prazo. Por fim, trataremos do importante papel que vem sendo desempenhado pelo Brasil no âmbito internacional e seu cres- cente papel como economia emergente nos mercados globalizados. Na primeira aula, o foco será uma breve análise histórica e o estudo das principais transformações por que a economia brasileira passou, no período compreendido entre o final do século XIX até a Crise de 1929. Esse estudo de como a economia brasileira se encontrava or- ganizada permitirá compreender as razões das estratégias adotadas no país com a tomada do poder por Getulio Vargas, a partir dos anos 1930. Em seguida, estudaremos a importância – fazendo uma análise histórica e crítica – das bases do processo de substituição das im- portações, iniciado no Brasil na primeira metade do século XX. Esse processo trouxe enormes desafios para o país e possibilitou uma mu- dança significativa na estrutura da sociedade brasileira, com reflexos até os dias de hoje. Na segunda aula, estudaremos os impactos da Crise dos anos 1930 na economia brasileira, e de que forma o governo Vargas deu início ao processo de substituição de importações. Estudaremos também o papel dos governos e da iniciativa privada no processo de indus- trialização no Brasil, que abandona seu perfil basicamente rural e agroexportador para se transformar em um país urbano, exportador também de produtos industrializados e detentor de um parque in- dustrial em grande transformação. Na terceira aula, trataremos primeiramente da consolidação de Ge- tulio Vargas no poder – no período conhecido como Estado Novo, de 1937 a 1945 –, a importante fase do período pós-guerra, a transição para o governo Dutra e o Nacionalismo Econômico de Vargas, a partir de 1951. Em seguida, estudaremos as principais características e feitos das políticas de modernização do governo de Juscelino Kubitschek, cujos impactos podem ser ainda sentidos na sociedade brasileira. Fa- remos uma análise de como os diversos planos de desenvolvimento permitiram o crescimento significativo da inflação no Brasil, bem como o agravamento de crises econômicas nos governos subseqüentes. Na quarta aula, estudaremos o agravamento da inflação no Brasil, ocorrido nos anos 1960. Veremos também a fase compreendi- da entre o chamado “Milagre Econômico” da década de 1970 e a “Década Perdida”, de 1980: dívida externa, recessão, inflação e crise do setor público. Nesse capítulo, trataremos das diversas tentativas por parte dos governos em controlar a inflação por meio de planos econômicos, assim como a difícil missão de viabilizar o crescimento e o desenvolvimento econômico nacional no período. Por fim, na quinta aula estudaremos as importantes transformações ocorridas no Brasil na década de 1990, após um longo período de profundas mudanças econômicas, políticas e sociais que possibilita- ram a contenção da inflação e permitiram a continuidade das atuais políticas de crescimento e de desenvolvimento nacionais. Nesse estudo, enfocaremos a importância da abertura comercial do Brasil para o mundo durante o governo Fernando Collor e a busca pela es- tabilidade econômica durante os governos Itamar Franco e Fernan- do Henrique Cardoso. Concluiremos nosso estudo sobre Economia Brasileira Contemporânea tratando da consolidação do controle da inflação e do desafio do crescimento econômico durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, bem como a estratégia de inserção do Brasil no mundo globalizado, as ações voltadas à redução das desigualda- des sociais e à busca pelo desenvolvimento sustentado. Boa leitura e bom estudo! E conom ia B rasileira C ontem porânea 11 As transformações da economia brasileira no século 20 Breve histórico e a questão do desenvolvimento econômico no Brasil Desde o início do século passado a questão do desenvolvimento econô- mico do Brasil – e mais recentemente, a questão do seu desenvolvimento sustentado – vem sendo uma das grandes preocupações de diversos estu- diosos e economistas. Vale lembrar que o Brasil é uma nação muito jovem, cuja formação como país livre e democrático remonta a pouco mais de um século a partir da Proclamação da República – em 15 de novembro de 1889 –, e que experimentou, nesse breve período de tempo, diversos tipos de gover- no e uma série de políticas econômicas que nem sempre propiciaram atingir um padrão de desenvolvimento econômico que atendesse às necessidades da grande maioria de sua população. Quando pensamos em formação da economia brasileira nestes últimos cinco séculos, a primeira visão que vem em nossas mentes, por um lado, é a de um grande fornecedor internacional de matérias-primas e de bens pri- mários para os grandes mercados das economias centrais, da Europa e dos Estados Unidos. E, por outro lado,a de um importante comprador de bens de consumo e de bens de capital desses mesmos países. A partir da segunda metade do século XIX, observa-se um sensível au- mento da renda da população brasileira, em decorrência da rápida expan- são das exportações brasileiras de produtos agrícolas. Paralelamente a esse crescimento da renda, o país presencia o florescer de uma classe média e de trabalhadores assalariados que se tornariam juntos os grandes consumi- dores de produtos manufaturados nos principais centros urbanos do país. Entretanto, como esse mercado consumidor ainda não se encontrava muito desenvolvido no Brasil e a renda disponível era ainda pouca e muito concen- trada, raras manufaturas de grande escala se estabeleceram com o intuito de suprir os mercados locais com produtos manufaturados made in Brazil. 12 Economia Brasileira Contemporânea A resposta a essa expansão na demanda interna veio, diferentemente do que poderíamos imaginar, por meio de um significativo aumento das com- pras de produtos manufaturados, importados dos antigos centros europeus. Diferentemente, portanto, de um processo natural de aumento da produção interna, como poderia ser esperado em se tratando de um país com tantos recursos, mão-de-obra disponível, diversas vantagens comparativas, além de relativa estabilidade político-econômica. Mas quais eram então as verdadeiras razões para o não-desenvolvimento da indústria local, em resposta a esse significativo crescimento de seu mer- cado consumidor? Uma primeira e simplista análise poderia alegar que esse acomodamento da indústria manufatureira local se deveu a certos aspectos culturais e tradi- cionais.1 Entretanto, na visão de Bulmer-Thomas (1994, p. 132), o fornecimen- to de produtos fabricados no exterior ganhou espaço no mercado brasileiro até meados dos anos 1930, devido principalmente à baixa competitividade das indústrias brasileiras em comparação às suas concorrentes européias. O autor vai ainda mais fundo em sua análise, e destaca que essa baixa compe- titividade das indústrias brasileiras no início do século passado era resultado dos seguintes fatores: inexistência no Brasil de capital fixo e de capital de giro disponível para os industriais, ou seja, praticamente, a inexistência de poupança interna; o governo brasileiro não impunha barreiras à entrada de produtos com baixas margens de ganhos, dificultando a competitividade dos produtores locais, ou seja, uma quase penalidade ao produtor e à pro- dução nacional; as instituições financeiras estabelecidas localmente não tinham inte- resse em financiar o micro e o pequeno industrial no Brasil, o foco era basicamente o financiamento do comércio exterior e o governo; os pequenos industriais não dispunham de peso político na estrutura social brasileira, a fim de imporem suas demandas aos governos, por outro lado, a classe política não dialogava com os setores industriais menos estruturados e de menor porte; ausência de energia, já que a indústria moderna exigia muitos depósi- tos de carvão, ou eletricidade gerada por poucas hidrelétricas, assim, a 1 A priori, uma análise super- ficial poderia nos remeter à valorização de bens prove- nientes dos grandes centros europeus, a exemplo de Paris ou Londres, em razão da forte ligação comercial existente entre comerciantes locais e exportadores europeus. Por outro lado, muitas vezes, também esses últimos eram donos dos estabelecimentos comerciais no Brasil, entre outros motivos. As transformações da economia brasileira no século 20 13 importação de máquinas e equipamentos modernos exigia a disponi- bilidade de tais recursos para o seu funcionamento, e o Brasil, em mui- tos casos, não dispunha de infra-estrutura para atender à demanda; dificuldades de transporte no vasto território nacional, ou seja, a lo- gística para o produtor local era praticamente o maior entrave para ganhos de escala no fornecimento em nível nacional. Esses fatores, somados à dificuldade do desenvolvimento de tecnologia local, impunham ao industrial brasileiro enormes desafios para poder com- petir de igual para igual com a organizada e bem-estruturada produção vinda dos grandes centros europeus e norte-americanos. E isso principalmente no que se refere aos bens de consumo duráveis (como máquinas e equipamen- tos) e demais equipamentos de transporte, por exemplo. Devido a esse cenário pouco propício ao investimento, restou como a melhor alternativa para o industrial local a presença um pouco mais desta- cada apenas em alguns setores-chave como os de alimentos e bebidas, têxtil e de confecções, além de uma presença significativa também no setor de mineração. Dados da Pan-American Union (apud BULMER-THOMAS, 1994), destacados no quadro abaixo, demonstram que em 1913 já existia uma forte presença de industriais brasileiros no setor de alimentos: podemos observar que as importações de alimentos representavam pouco menos que 14% do total importado pelo país nas primeiras décadas do século XX, cabendo, por- tanto, ao industrial local a produção e o suprimento da grande maioria de gêneros alimentícios para os consumidores brasileiros. Importação de alimentos Ano 1913 US$ mil Do total das importações Pa n- A m er ic an U ni on (a pu d BU LM ER -T H O M A S, 19 94 ). Brasil 45.004 13,90% Dando continuidade a essa análise, e conforme demonstrado no quadro abaixo, em que observamos as estatísticas do total das riquezas produzidas no Brasil na segunda década do século XX, percebemos que apenas 12,1% do total do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em 1920, vinha da indústria manufatureira.2 Esse dado demonstra a enorme dependência do país em re- lação à importação de produtos manufaturados e, também, à pequena im- portância da atividade manufatureira na geração total de riquezas. 2 Dados da Cepal (1978): Ma- nufacturing Output. 14 Economia Brasileira Contemporânea Produção industrial Ano 1920 US$ milhões Do total do PIB (C EP A L, 1 97 8) Brasil 440 12,1% As estatísticas da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) re- forçam ainda a importância significativa de setores como o de alimentos e bebidas, o têxtil e de confecções no total do PIB, sendo responsáveis por quase 75% do total da produção das riquezas produzidas no país pelo setor industrial. Os dados disponíveis são para o Brasil de 1920, conforme descrito no quadro abaixo3: Total do PIB (%) Ano 1920 Alimentos e bebidas Têxtil Confecções Subtotal Metais (IB G E, 1 98 7) Brasil 40,7% 25,2% 8,2% 74,1% 3,3% O período entre a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 1929 Apesar das dificuldades presentes no mercado brasileiro, diversas inicia- tivas de industrialização tomaram fôlego no período compreendido entre o início do século XX e os anos 1930, com destaque para setores voltados à exportação de alimentos semi-industrializados e industrializados, da cons- trução civil, bem como o têxtil e de confecções. Diversos movimentos foram percebidos no âmbito social, com o aumento significativo de migrações in- ternas de mão-de-obra para os grandes centros, com o objetivo de atender à crescente demanda burocrática do governo e das empresas, além de busca por melhorias na qualidade de vida e novas oportunidades. Com o início da Primeira Guerra Mundial, o Brasil, bem como seus demais parceiros latino-americanos, viram-se diante de uma boa oportunidade de crescimento de suas exportações para os países europeus, que demanda- vam, por exemplo, produtos semimanufaturados, alimentos e matérias- primas, necessários ao seu abastecimento durante os períodos de conflitos armados. O Brasil, por sua vez, viu-se obrigado a rapidamente “substituir im- portações” por uma imediata produção local, devido àsimples impossibili- dade de comprar de seus tradicionais fornecedores europeus em guerra. 3 Dados ajustados a preços de 1970 pelo IBGE (1987): considerando-se que 75% da mão-de-obra se encontrava nos setores de mineração e de construção civil. As transformações da economia brasileira no século 20 15 Infelizmente, esse movimento forçado de substituição de importações não foi aproveitado pelo Brasil para consolidar e fomentar sua indústria nacional nas décadas seguintes. Pelo contrário, o governo não aproveitou a oportunidade para desenvolver uma política industrial voltada à manu- tenção desse esforço produtivo a longo prazo, capacitando mão-de-obra local ou mesmo criando um mercado interno para esses produtos. No final da década de 1920, a Crise de 1929 nos EUA agravaria mais a situação da economia brasileira, ainda fortemente dependente das exportações de café, causando profundas mudanças políticas e sociais em nosso país. As bases do processo de substituição das importações O entendimento da economia brasileira contemporânea exige, em pri- meiro lugar, uma breve discussão a respeito das bases da formação de nossa sociedade. E quando pensamos em formação da sociedade brasileira moder- na temos, necessariamente, que entender a importância das políticas adota- das e das instituições criadas durante o governo Getulio Vargas4, que foi, sem dúvida, o grande estadista brasileiro do século XX. Tendo sido presidente por um longo período de tempo, da Revolução de 1930 até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, Getulio Vargas forjou o Estado brasileiro moderno da forma como o conhecemos hoje. Ou seja, grande parte das leis, das instituições e das características presentes na so- ciedade e nas instituições brasileiras atualmente deve-se ao legado do pe- ríodo Vargas e de suas políticas modernizadoras e transformadoras. Contudo, não podemos nomear Getulio Vargas como o único responsável pelas políticas modernizadoras e voltadas ao crescimento e desenvolvimen- to do Brasil. Diversos outros governos, democráticos ou não, contribuíram positiva ou negativamente para a transformação de nossa sociedade desde o início da República. Esse é o caso das políticas desenvolvidas por Juscelino Kubitschek, e por algumas políticas implementadas durante o período dos governos militares (1964-1985). Mais recentemente, o trabalho de estabili- zação econômica desenvolvido pelos três últimos governos – Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva – pode ser elogiado por ter encerrado longos períodos de inflação crônica e de instabilidades econômicas. Mas, de qualquer forma, o Brasil ainda carece de um planeja- mento para desenvolvimento sustentado de longo prazo. 4 Os governos de Getulio Vargas podem ser divididos em: Governo Transitório (1930-1934), Governo Consti- tucional (1934-1937), Estado Novo (1937-1945) e Período Democrático (1951-1954). 16 Economia Brasileira Contemporânea Na realidade, pensar e estudar um único modelo de desenvolvimento para o Brasil é algo impossível de ser feito, já que várias políticas foram sendo implantadas pelos diversos governos no decorrer de sua história, o que, com algumas rupturas e continuidades, de uma forma ou de outra, determina- ram as características de nossa economia e a face de nosso país no mundo atual. Logo, o que na verdade o Brasil nunca usufruiu foi de um planejamen- to governamental realmente de longo prazo e que atendesse às suas reais necessidades de desenvolvimento sustentado, e com menos interrupções ou rupturas no decorrer de todos esses períodos. Aliás, essa questão da não continuidade de um plano de desenvolvimen- to econômico coordenado é uma das grandes características da economia brasileira. E esse fato, combinado com as características do nosso padrão de desenvolvimento enquanto Colônia (de 1500 a 1822), e mesmo duran- te o Império (de 1822 a 1889), foi o responsável pelo forjamento da nossa identidade nacional e da nossa dificuldade em identificar uma vocação forte para o planejamento de longo prazo. Portanto, acreditamos que entender de Economia Brasileira Contemporânea é entender da população, da exten- são territorial, das riquezas naturais, da diversidade cultural, dos indicado- res econômicos e das políticas que vêm caracterizando a formação do Brasil moderno. Sempre que pensamos na montagem de nosso parque industrial, temos que pensar nas políticas voltadas para a substituição de importações. Por outro lado, é importante destacar, logo no início de nossa análise, que subs- tituir importações por produtos fabricados localmente deve necessariamente atender à lógica do desenvolvimento. Isso porque a substituição de importa- ções não pode apenas atender à lógica do produzir tudo localmente, a qual- quer custo e de qualquer forma. Ou seja, conforme descreveu Paulo de Tarso Soares (in: REGO, 2003, p. 284), somente quando a substituição de importa- ções se faz de maneira significativa e sistemática é que podemos caracterizá- la como um modelo que contribui para o crescimento da economia como um todo. Mas o que leva um país a implantar uma política de substituição de importações? Há diversas teorias que explicam a necessidade da implantação de uma política de substituição de importações. Dentre elas, podemos destacar: A interrupção do fornecimento externo – como decorrência de guerras, de bloqueios comerciais, de escassez, dentre outros fatores. As transformações da economia brasileira no século 20 17 O crescimento significativo do mercado interno – como resultado do aumento da renda média da população, ou do aumento das expor- tações dos produtos locais, que venham a contribuir para a sua substi- tuição por importados similares. As políticas de desenvolvimento – ocorre quando os governos in- vestem em determinados setores, exigindo o aumento do suprimento de matérias-primas ou de outros insumos produzidos localmente. Celso Furtado (1959) estudou e cunhou a expressão substituição de impor- tações como um movimento decorrente de determinados fatores, por exem- plo a política desenvolvimentista e de industrialização do governo Getulio Vargas a partir de 1930, que, combinada com as dificuldades de importação por um longo período de tempo, levou a um crescimento significativo do mercado consumidor interno. Esses fatores podem levar a uma busca pela produção local, a fim de possibilitar o crescimento interno da demanda por bens. Ampliando seus conhecimentos Anos 20 – café e indústria (FGV/CPDOC, 2008) Em síntese: Durante a Primeira República (1889-1930) a economia brasileira ainda se caracterizava pelo predomínio da atividade agroexportadora. O café, o açúcar, a borracha, o cacau e o fumo eram os principais geradores de divisas para o país. Já se registrava, entretanto, o funcionamento de diversas indús- trias, inauguradas desde o final do século XIX. Diversos fatores explicam o nas- cimento da indústria no Brasil. Um deles foi a formação de um capital inicial a partir do comércio exportador e da lavoura cafeeira. Ao aumentar a renda da população e a demanda de produtos de consumo não-duráveis, a política de valorização do café também contribuiu para a expansão da atividade indus- trial. Outro elemento de estímulo para a indústria foi a política de incentivo à imigração. Outro, ainda, foi a Primeira Guerra Mundial, que alterou o quadro das relações econômicas internacionais do Brasil. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, o fluxo internacio- nal de comércio sofreu uma drástica desaceleração. Aumentaram as dificul- 18 Economia Brasileira Contemporânea dades para a exportação do café brasileiro, que foram ainda mais agravadas pela volumosa safra de 1917-1918. Paralelamente, porém, o conflito mundial favoreceu o processo de industrialização do Brasil. A interrupçãoda entrada de capitais estrangeiros e a obrigação de honrar os compromissos da dívida externa minaram os estoques de divisas nacionais. Como conseqüência, foi necessário controlar as importações, já prejudicadas devido à guerra, e pro- mover a produção nacional de artigos industrializados. Estima-se que a pro- dução industrial brasileira cresceu a uma taxa anual de 8,5% durante os anos de conflito. Ao mesmo tempo que incentivava, a guerra criava limites à expansão da nossa indústria ao impedir a reposição e manutenção de máquinas e equipa- mentos. O problema era que o Brasil continuava carente de uma indústria de base que inclui a produção de aço, ferro e cimento. Data somente de 1924 o início da produção de aço no país, pela siderúrgica Belgo-Mineira, enquanto a produção de cimento, pela Companhia de Cimento Portland, só se iniciou em 1926. O processo de industrialização da década de 1920 se dividiu em duas etapas: a primeira até 1924, coincidindo com a terceira valorização do café (1921-1924), quando foram realizados importantes investimentos em maqui- naria que levaram à modernização da indústria; a segunda, de 1924 até 1929, quando ocorreu um processo de desaceleração na produção industrial, em virtude da retomada do fluxo de importações graças a uma taxa de câmbio que tornava mais barato o produto estrangeiro. A despeito da relação simbiótica entre café e indústria, que se refletia in- clusive na união das famílias por meio de casamentos ou no duplo papel do cafeicultor-industrial, não se pode negar a existência de disputas entre fazen- deiros e industriais, principalmente quanto à delicada questão da elevação de tarifas. Tanto a burguesia cafeeira quanto a nascente burguesia industrial que- riam proteger seus interesses. Assim, em 1922 foi criado o Instituto de Defesa Permanente do Café, órgão destinado a organizar o mercado produtor nacio- nal. Não tardou muito para que essa função passasse a ser atribuição do estado de São Paulo, com a criação, em 1924, do Instituto do Café de São Paulo. Os industriais também se organizaram em diversas associações de classe, em ci- dades como São Paulo, Porto Alegre e Juiz de Fora. Mas foi o Centro Industrial do Brasil (CIB), sediado no Rio de Janeiro, o que mais se destacou por procurar articular os interesses empresariais em todo o país. Ao longo das greves ocor- As transformações da economia brasileira no século 20 19 ridas entre 1917 e 1920, conseguiu garantir a união do setor industrial frente à classe operária. O CIB também procurou limitar a intervenção do Estado na questão social, a fim de evitar um excesso de ônus para os industriais e o cer- ceamento de sua liberdade na condução das relações com o operariado. A crise política dos anos 1920 foi caracterizada pela rejeição do sistema oligárquico, que era associado ao “rei Café”. Seu desfecho foi o fim da hegemo- nia da burguesia cafeeira na condução da economia e da política brasileiras. Mas a estreita relação entre café e indústria fez com que tanto os cafeiculto- res quanto os industriais fossem identificados como beneficiários da política do governo. De fato, os industriais – supostamente representantes dos novos tempos – aliaram-se em sua maioria aos setores mais conservadores das forças em luta. Ao se inaugurar a Era Vargas, apesar das dificuldades políticas e econômicas enfrentadas, a industrialização do país já iniciara um caminho sem retorno. A política econômica (FGV/CPDOC, 2008) A crise de 1929 afetou profundamente a economia brasileira. A queda do preço do café, reduzido a 1/3 de seu valor entre 1929 e 1931, provocou uma redução dramática da capacidade de importar e das receitas fiscais, além de ameaçar de falência o mais importante setor econômico do país, a já endivi- dada cafeicultura. De outro lado, a interrupção dos fluxos financeiros interna- cionais inviabilizava o financiamento da dívida externa dos governos federal e dos estados e até mesmo o pagamento dos juros, o que tinha repercussões negativas sobre a taxa de câmbio. Diante desse quadro, a resposta inicial do Governo Provisório de Vargas, a par de medidas extremas e inevitáveis, como a suspensão dos pagamentos externos (setembro de 1931) e o estabelecimento do monopólio do câmbio pelo Banco do Brasil, seguiu linhas tradicionais. Procurou-se cortar despesas, negociar pontualmente as dívidas da cafeicultura e buscar um acordo com os credores externos. Após a demissão de José Maria Whitaker, Oswaldo Aranha assumiu o Mi- nistério da Fazenda e Artur de Sousa Costa, o Banco do Brasil. Em março de 20 Economia Brasileira Contemporânea 1932, foi assinado o terceiro acordo para a consolidação da dívida externa brasileira, estabelecendo um rescalonamento dos pagamentos, mas Aranha continuou a negociar novos adiamentos. Em junho de 1932 foi criada a Caixa de Mobilização Bancária (Camob), que deveria funcionar como mecanismo de proteção contra crises do sistema financeiro. No mesmo mês, a Carteira de Redesconto do Banco do Brasil foi autorizada a trabalhar com títulos de longo prazo no financiamento da agricultura e da indústria. Contudo, a gravidade dos problemas enfrentados e acontecimentos po- líticos imprevistos tornaram esse curso insustentável. A Revolução Constitu- cionalista de 1932 e uma grande seca no Nordeste passaram a exigir pesados gastos governamentais, ampliando um já expressivo déficit. Por fim o gover- no promulgou a Lei do Reajustamento Econômico (Decreto 23.533, de 1.° de dezembro de 1933), que previa o perdão de até 50% das dívidas dos cafeicul- tores junto a fornecedores e ao sistema financeiro. Além dessas medidas, com a criação do Instituto Brasileiro do Café, o governo federal voltou a ter uma política ativa de sustentação do preço do produto. Os déficits governamentais, a política para com a dívida da cafeicultura e a diminuição da capacidade de importar terminaram por evitar uma crise de liquidez de maior gravidade, mantiveram de alguma forma a renda dos cafei- cultores e trouxeram alguma proteção às atividades industriais, criando con- dições para uma razoável recuperação econômica. Com Sousa Costa já ocupando o Ministério da Fazenda, os sinais de me- lhoria puderam ser sentidos na liberação do câmbio, em setembro de 1934, e nas amplas negociações com o governo americano para a obtenção de uma solução mais duradoura para a dívida externa e a assinatura de um novo tra- tado comercial (1935). O agravamento da conjuntura internacional, provocado pela diminuição do ritmo de crescimento da economia americana, forçaria porém uma nova reversão do quadro. Ao final de 1937, a situação da balança comercial brasilei- ra levou ao restabelecimento do monopólio cambial e à criação de controles sobre as importações. Diante da dificuldade brasileira de honrar o pagamento de credores e fornecedores, o governo norte-americano passou a pressionar o governo brasileiro para que revisse não somente sua política cambial, mas também os tratados comerciais firmados com a Alemanha. As transformações da economia brasileira no século 20 21 Atividades de Aplicação 1. O texto afirma que “desde o início do século passado a questão do de- senvolvimento econômico do Brasil – e mais recentemente a questão do seu desenvolvimento sustentado – vem sendo uma das grandes preocupações de diversos estudiosos e economistas.” Isso é: a) errado, pois nunca a questão econômica brasileira gerou interesse de estudiosos e economistas. b) correto, pois o Brasil sempre foi foco de interesse de estudiosos de- vido às suas características, que são, dentre outros fatores, tama- nho geográfico e posição estratégica no continente americano. c) correto, pois o desenvolvimento econômico é importante apenas para os países em desenvolvimento, uma vez que as economias centrais já se encontram desenvolvidas e não necessitamcrescer mais. d) errado, pois o Brasil não gera interesse de estudiosos e economis- tas devido à sua irrelevância no comércio global. 2. A inexistência, no Brasil, de capital fixo e de capital de giro disponível para os industriais, ou seja, a praticamente inexistência de poupança interna é resultado: a) de gastos excessivos com produtos importados comprados das economias industrializadas. b) de gastos excessivos com o desenvolvimento da indústria brasilei- ra durante cinco séculos. c) da ausência de um Banco Central atuante no mercado de poupan- ça interna durante o período do império. d) de anos de colonização, políticas de desenvolvimento inadequa- das e falta de planejamento de longo prazo e estratégias de fo- mento econômico no Brasil. 3. O texto menciona: “Há diversas teorias que explicam a necessidade da implantação de uma política de substituição de importações.” Dentre elas, poderíamos destacar: 22 Economia Brasileira Contemporânea a) a busca por uma produção local, e de melhor qualidade, de bens no Brasil. b) a exigência de produtos mais sofisticados por parte dos novos consumidores locais, cansados dos produtos europeus e norte- americanos. c) a interrupção do fornecimento externo, como decorrência de guer- ras, de bloqueios comerciais e de escassez, entre outros fatores. d) a não ligação entre substituição de importações e as ações de po- líticas públicas no Brasil. 25 A crise dos anos 30 e o processo de industrialização A crise dos anos 1930 como motor do processo de industrialização Nesta aula, estudaremos de que forma a crise internacional desencadeada a partir da quebra da Bolsa de Nova York em 1929 levou a economia norte- americana à recessão e impactou a economia brasileira a partir de 1930. Nos anos 1930, o mercado internacional não tinha interesse, nem capa- cidade, de absorver grande parte das tradicionais exportações do agrone- gócio brasileiro. Composta basicamente pelo café, nossa principal pauta de exportação era uma commodity de luxo e facilmente substituível nas eco- nomias em recessão, como era o caso da norte-americana. E foi nesse cená- rio pouco propício ao comércio internacional do Brasil que Getulio Vargas iniciou o processo de substituição das importações, passando a enxergar o crescimento do mercado local como o principal foco da política econômica governamental. Foi a partir dessa época que o Brasil se viu forçado a abandonar sua tra- dicional vocação como grande exportador da monocultura cafeeira e iniciar uma transformação rumo à diversificação de sua matriz exportadora e ao de- senvolvimento de um novo modelo industrial. Esse novo modelo acarretou profundas mudanças na sociedade brasileira, transformando-a de maneira definitiva nas cinco décadas subseqüentes. As duas teses que explicam o início do processo de industrialização do Brasil Podemos procurar entender o processo de substituição de importações das economias latino-americanas de duas formas distintas. A primeira delas é a da industrialização induzida pelas exportações, e a segunda, a teoria dos choques adversos. 26 Economia Brasileira Contemporânea No caso da industrialização induzida pelas exportações1, a industrializa- ção das economias tradicionalmente agroexportadoras seria resultado da transferência de capital acumulado nesses processos de exportação para a produção de bens com maior valor agregado. Na visão de Bulmer-Thomas (1994), as riquezas decorrentes das exportações de bens primários eram gradativamente transferidas para outros setores da economia local, possi- bilitando o financiamento da industrialização. No século XIX, presenciamos esse fenômeno de transformação em larga escala nos Estados Unidos, e em menor proporção na Argentina2. Ao ganhar dimensão, esse processo de industrialização pode ainda levar com o tempo à gradativa substituição de produtos manufaturados impor- tados pela produção local. Paralelamente ao atendimento das demandas internas por produtos industrializados, a indústria local propiciaria aumen- to significativo do valor agregado de produtos exportados, gerando, ainda, mais riqueza e desenvolvimento econômico. O Brasil presenciou um proces- so semelhante de industrialização da sua economia durante as últimas dé- cadas do Império, apesar de restrito a alguns poucos setores e em pequena escala. Esse processo inicial de substituição de importações surgiu como conse- qüência natural da riqueza gerada pelo então dinâmico setor agroexportador brasileiro e como decorrência do surgimento das classes trabalhadoras assa- lariadas e da classe média urbana nos grandes centros. Esses grupos sociais passaram a demandar produtos em maior quantidade, e substitutos aos já tradicionais produtos importados, incentivando com isso o investimento em produção por parte de alguns capitalistas. Com foco inicialmente nas indústrias alimentícia, têxtil e de vestuá- rio, esses industriais brasileiros viram-se, portanto, diante de um enorme mercado consumidor inexplorado e pronto para absorver praticamente tudo o que era ofertado a um preço e quantidades razoáveis. No entanto, por outro lado, apesar do mercado dinâmico e espontâneo – sem contar com qualquer tipo de incentivo, política ou planejamento central –, eles encontravam diversos obstáculos ao seu desenvolvimento, apesar de ge- rarem renda, empregos e impostos para o governo. Obstáculos esses que os impedirão de se desenvolver significativamente – e em maior veloci- dade – nas décadas seguintes, como poderia ser esperado. 1 A industrialização indu- zida pelas exportações, ou export-led growth, conforme descrito por Bulmer-Thomas (1994), é um modelo adota- do pelas diversas economias latino-americanas no final do século XIX e início do século XX, que realmente possibilita o nascimento de uma indus- trialização voltada, a princí- pio, ao mercado local. 2 Como exemplo de proces- so bem-sucedido de indus- trialização induzida pelas ex- portações na América Latina, poderíamos tomar como exemplo o caso da Argentina a partir da década de 1870. Nesse período, o eficiente processo de produção e ex- portação de carne daquele país passou a agregar valor por meio da industrialização local prévia à sua exportação. Com a venda de produtos com maior valor agregado, o que era antes exportado in natura ganhou status de “semi-industrializado” ou “in- dustrializado”. Os industriais argentinos não apenas ga- nharam enorme mercado consumidor local e interna- cional, mas também enorme lucratividade nesse processo de maior valor agregado. A crise dos anos 30 e o processo de industrialização 27 A outra visão do processo de substituição de importações refere-se à teoria dos choques adversos3, que afirma que somente durante as crises externas (como foi o cenário dos anos 1930) é que economias tradicionalmente agroex- portadoras como a brasileira se voltam para o mercado interno, sob a liderança do setor industrial local. De acordo com essa teoria, esse retorno à economia local seria movido por três razões principais, explicadas a seguir. A crise na balança de pagamentos Com a dificuldade de exportações, o governo age para desvalorizar a moeda local a fim de baratear seus produtos exportáveis. Menor receita com exportações reduz a capacidade de endividamento dos governos centrais no exterior. Esse movimento de desvalorização do câmbio causa o conseqüente enca- recimento dos produtos tradicionalmente importados pelos brasileiros, ge- rando mercado interno para produtos locais mais acessíveis. Veja no quadro abaixo o grau de desvalorização sofrido pela moeda brasileira (mil-réis) entre 1913 e 1928, na véspera da Crise de 1929. Taxa de câmbio Moeda Ano 1913 Ano 1918 Ano 1923 Ano 1928 Pa n- A m er ic an U ni on (a pud BU LM ER -T H O - M A S, 1 99 4) . Brasil mil-réis 3,09 4,00 10,00 8,30 Crise na arrecadação de impostos O governo opta por uma política de expansão de gastos e de corte de im- postos, a fim de fomentar o desenvolvimento da economia doméstica. Com isso, a queda dos juros no mercado interno fomenta as vendas e incentiva a produção doméstica. A crise força o aumento dos impostos dos produtos importados Como cai o volume de produtos importados, o governo majora as tarifas de importação para compensar as perdas, incentivando ainda mais o consu- mo dos produtos fabricados internamente. 3 Expressão cunhada pelos economistas Celso Furtado e Raúl Prebisch, ambos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). 28 Economia Brasileira Contemporânea No quadro abaixo, fica bastante claro o impacto da mudança da política adotada pelo governo no caso brasileiro, que resultou em significativa alte- ração do perfil das exportações do país. É notável, também, a queda da parti- cipação do comércio exterior do país (importações mais exportações) sobre o valor total do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil entre 1928 e 1938. Comércio exterior Exportações / PIB (Imp. + Exp.) PIB (C EP A L 19 76 , 1 97 8) (a pu d BU LM ER - TH O M A S, 1 99 4) . 1928 1938 1928 1938 Brasil 17,0% 21,2% 38,8% 33,3% Entretanto, apesar de se mostrarem diferentes em seus princípios, tanto o processo de industrialização embrionário ocorrido no final do século XIX – explicado pela teoria da industrialização induzida pelas exportações – quanto a política econômica descrita na teoria dos choques adversos expli- cam o processo de substituição de importações do Brasil a partir de 1930. Somado a isso, apesar das crises no modelo agroexportador já virem de algumas décadas, a gota d’água foi exatamente a crise norte-americana da década de 1930. A fim de justificar a teoria dos choques adversos como a grande responsável pelas transformações ocorridas nos países latino-ameri- canos, Raúl Prebisch (1964, p. 86) escreveu: A grande depressão mundial marca definitivamente o fim desta forma de desenvolvimento. [...] Ante a impossibilidade de manter o ritmo anterior de crescimento das exportações tradicionais, ou de o acelerar, impõe-se então a substituição de importações – principalmente das indústrias. Para contrabalançar estas disparidades, inicia-se assim o desenvolvimento para dentro dos países latino-americanos. Concluindo nossa análise, podemos então somar todos os componentes que contribuíram definitivamente para o crescimento da produção local em substituição às importações após a década de 1930. Em primeiro lugar a moeda local desvalorizada, em segundo as tarifas impostas pelo governo sobre os produtos importados, e finalmente os controles impostos pelo governo sobre as transações cambiais que restringiram significativamente as importações. Estoques de bens de capital Controles cambiais Desvalorização da moeda Tarifas de importação Substituição de importação A crise dos anos 30 e o processo de industrialização 29 Somado a esses aspectos, os industriais brasileiros haviam aproveitado o bom cenário da década de 1920 para importarem bens de capital, como máquinas e equipamentos da Europa. Esses fatores, em conjunto, possibili- taram às empresas locais expandirem a produção tanto de bens de consumo tradicionais (alimentos e bebidas), dos setores tradicionalmente supridos por produtos importados, (como era o caso da indústria de chapéus, de sa- patos, têxteis e de confecção), quanto de alguns bens intermediários (aço e cimento) e duráveis (eletrodomésticos). Outras razões para justificar o processo de substituição das importações Diferentes em cada período de tempo, e refletindo as políticas de cada governante no Brasil nessas cinco décadas, o processo de substituição de importações durante o governo Vargas ganhou uma vertente muito pecu- liar e típica. Durante os anos de seu governo, a substituição de importações veio combinada com propagandas de cunho nacionalista e de valorização da produção local. Essa forma de fazer uso político e nacionalista da pro- dução de bens locais tornou-se preponderante no Brasil, mesmo após a Era Vargas, propiciando como resultado enormes ganhos políticos e eleitorais aos governantes. Outro aspecto de viés eleitoral e populista foi a instituição de políticas voltadas à substituição de importações como resposta a questões estratégi- cas e de segurança nacional. Os diversos governos brasileiros enxergavam, e com razão, a questão da produção de bens localmente como necessária para o desenvolvimento do parque industrial local, para o desenvolvimento econômico do país e para a manutenção da segurança do fornecimento de determinados bens, antes supridos unicamente por produtos importados. Nesse sentido, são importantes as iniciativas de criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Petrobras nas décadas seguintes (1940 e 1950), como típicos exemplos de ações governamentais voltadas à produ- ção de aço e petróleo localmente, bem como a valorização dessas ações con- sideradas essencialmente nacionais. Esse viés político foi bastante explorado pelo programa de governo nos anos Vargas, e também muitas vezes copiado nos governos posteriores. 30 Economia Brasileira Contemporânea Dinâmica, desequilíbrios e crises do modelo Dinâmica O processo de substituição de importações normalmente se inicia com a produção de gêneros de primeira necessidade, e cuja demanda reprimida é suficientemente grande para atrair a atenção dos setores industriais. Outro fator importante é a exigência de investimento de capital; assim, certamen- te que o industrial optará por produzir itens que exijam investimentos mais acessíveis em um primeiro momento, mas isso não é regra. Desequilíbrios A partir dos anos 1930, a indústria realmente encontrou uma oportuni- dade para se consolidar no Brasil, mas trabalhou por muitas décadas ainda com os problemas decorrentes da baixa produtividade, de racionamentos energéticos, da falta de pessoal capacitado, do acesso restrito ao crédito e da utilização de maquinário defasado. Esse processo, aliás, estendeu-se pelos anos seguintes até a década de 1970, com a conclusão dos investimentos do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), durante o governo Geisel.4 Crises do modelo É importante lembrar que todo tipo de importação exige divisas, o que compromete as reservas externas dos países importadores e que, no caso específico do Brasil, não eram compensadas pelas divisas geradas principal- mente pelas exportações de bens primários. Nos anos 1950, as multinacionais (principalmente dos Estados Unidos e de alguns países europeus) auxiliarão o Brasil a implementar mais efetivamente essa política de substituição de im- portações, viabilizando a produção em território nacional de diversos bens de alto valor agregado, antes importados de suas matrizes no exterior. Esse é o caso, por exemplo, da indústria automotiva a partir do governo de Jusce- lino Kubitschek, que atenderá a uma enorme demanda reprimida no Brasil por automóveis e um antigo anseio político de desenvolver localmente um parque fabril automobilístico. 4 Classificação do período completo do processo de substituição de importações de acordo com Pedro C. D. Fonseca (2003, p. 249). A crise dos anos 30 e o processo de industrialização 31 Crítica à política de substituição de importações É importante destacar também que, como o Brasil não detém as tecno- logias utilizadas em larga escala para o desenvolvimento de sua indústria local, o país depende quase sempre da importação dessas tecnologias a fim de possibilitar sua produção de bens. Essa dependência tecnológica podegerar, por outro lado, dificuldades e desequilíbrios, inviabilizando muitas vezes a produção local de todo tipo de bens. A solução, portanto, deve passar necessariamente pelo desenvolvimento tecnológico próprio brasilei- ro, possibilitando assim a substituição de importações com maior grau de sustentabilidade. Ao produzir localmente todos os produtos, e ao fazer uso de tecnologia importada dos países industrializados, o Brasil criou uma indústria de substi- tuição de importações sem o importante componente tecnológico. Acabou por produzir bens com o mercado (demanda) local, mas sem mercado no ex- terior. Isso acabou por criar uma indústria muito focalizada no atendimento do mercado interno, e pouco capaz de produzir bens aceitos nos mercados externos. Por muitos anos o Brasil vem adotando políticas nesse sentido, focando suas exportações de bens primários e importando tecnologia para o atendi- mento da demanda por produção de bens localmente, o que gera desequilí- brio a longo prazo nas contas externas. O governo de Getulio Vargas: consolidação das políticas industriais e conseqüências A fim de concluirmos o nosso estudo a respeito desse complexo processo de substituição de importações, vamos tratar brevemente dos aspectos polí- ticos e sociais que marcaram os anos dos governos Getulio Vargas. Como chefe do Governo Provisório (1930-1934), Vargas percebeu que o Brasil já se encontrava mergulhado em uma profunda crise econômica. E como já descrevemos anteriormente, a economia do país estava quase que totalmente dependente das exportações de bens primários e das exporta- ções de café. Dados disponíveis sobre os números econômicos da época 32 Economia Brasileira Contemporânea mostram que o total das exportações brasileiras no período de 1931 a 1932 havia perdido dois terços de seu valor, além de metade de seu volume, isso quando comparado com 1928 (ABREU, 1989, p. 74). As políticas do governo tiveram que ser, portanto, alinhadas com o mo- delo de ação defendido pela teoria dos choques adversos, com foco na des- valorização da moeda local, no controle de divisas, na moratória das dívidas externas e nos controles mais efetivos das transações comerciais externas. Paralelamente a isso, havia a problemática dos estoques gigantescos de café que passariam a ser controlados pelo recém-criado Departamento Nacional do Café, sob forte controle do Estado. Dentre as principais políticas adotadas pelo governo federal nessa pri- meira fase de Getulio Vargas, e que marcariam a economia nacional ainda por muitas décadas, podemos destacar: a reforma tributária de 1934, voltada ao fortalecimento dos cofres do governo; a proibição da importação de algumas máquinas e equipamentos, vi- sando proteger empresários já instalados localmente; a criação e a distribuição de linhas de crédito ao empresariado; o aparelhamento do Estado e a criação de diversos órgãos e autarquias, aumentando a presença e o controle estatal na economia nacional; o desenho de uma nova legislação trabalhista, visando garantir direi- tos e deveres de patrões e empregados, com o aumento dos movi- mentos migratórios do campo para as cidades em busca de emprego na indústria, no comércio e nos serviços. O governo Vargas entrou na fase final de seu período transitório em 1934 elaborando uma nova Constituição. Essa Carta Magna atendia às reivindica- ções de oligarquias paulistas e, ao mesmo tempo, consagrava o intervencio- nismo estatal na sociedade e na economia brasileiras como nunca se havia presenciado no país. Nesse momento, o Estado passou a ser o motor das políticas públicas e industriais do Brasil, consolidando a visão centralizadora e transformadora da Era Vargas. A crise dos anos 30 e o processo de industrialização 33 Ampliando seus conhecimentos Diretrizes do Estado Novo (1937-1945) – estado e economia (FGV/CPDOC, 2008) Missão Aranha Nos últimos anos da década de 1930, uma das principais preocupações dos Estados Unidos no campo das relações internacionais era o crescimento das relações comerciais entre Brasil e Alemanha, cuja base residia nos acordos de comércio compensado estabelecidos entre os dois países. Por outro lado, o governo norte-americano, pressionado internamente, era forçado a reivindi- car do governo brasileiro o pagamento dos juros da dívida externa e dos atra- sados comerciais, que havia sido suspenso em 1937 devido às dificuldades que o Brasil enfrentava em seu balanço de pagamentos. Isso acrescentava à preocupação de Washington com seus interesses comerciais prejudicados um outro temor, dessa vez de cunho político: o de que a instabilidade econômico- financeira do Brasil pudesse favorecer uma maior aproximação não só econô- mica, mas militar e político-ideológica com a Alemanha. Convencido de que a guerra era inevitável, e além disso se alastraria para fora da Europa, o governo norte-americano elaborou um plano para assegu- rar o apoio político e ideológico dos governos latino-americanos. Foi nesse contexto que os Estados Unidos empreenderam uma forte campanha de pe- netração cultural na América Latina, e que, ainda no início de 1939, atendendo a convite pessoal do presidente Roosevelt, foi enviada a Washington a Missão Aranha. Chefiada pelo ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, e contando ainda com a participação do diretor do DASP, Luís Simões Lopes, do diretor do Banco do Brasil, Marcos de Sousa Dantas, e dos diplomatas Carlos Muniz e Sérgio de Lima e Silva, a missão manteve diversas conversações com autoridades norte-americanas entre os meses de janeiro e março. Como resultado, Brasil e Estados Unidos assinaram uma série de cinco acor- dos que estabeleciam a concessão de um crédito de US$50 milhões para auxi- 34 Economia Brasileira Contemporânea liar a criação de um Banco Central brasileiro; a concessão de um empréstimo de US$19,2 milhões do Eximbank para a liquidação de atrasados comerciais e a reativação do intercâmbio comercial entre os dois países; o compromisso desse mesmo banco de financiar vendas norte-americanas para o Brasil com prazos de pagamento e juros favorecidos, e a promessa do governo Roose- velt de facilitar a formação de companhias de desenvolvimento, com capitais americanos e brasileiros, destinadas à industrialização de matérias-primas brasileiras. Em contrapartida, o governo brasileiro assumiu o compromisso de liberar o mercado de câmbio para as transações comerciais, facilitar a trans- ferência de lucros de capitais norte-americanos aplicados no Brasil e retomar o pagamento da dívida externa. A Missão Aranha acertou também a troca de visitas dos chefes de Estado-Maior dos Exércitos americano e brasileiro, respectivamente o general Marshall e o general Góes Monteiro, iniciativa de significado mais político do que militar, visando ao início de uma colaboração que barrasse o aumento da influência militar alemã. Os resultados econômicos da Missão Aranha não encontraram boa recep- tividade em alguns setores do governo brasileiro, o que tornou problemáti- ca a implementação dos acordos assinados. Embora alguns compromissos tenham sido honrados – como a liberação do mercado de câmbio e a retoma- da do pagamento da dívida –, não houve uma mudança radical no perfil das relações econômicas entre Brasil e Estados Unidos, que só seria alterado dras- ticamente com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, pode-se afirmar que os acordos resultantes da Missão Aranha foram um marco inicial no movimento de aproximação política entre Brasil e Estados Unidos, que iria se aprofundar nos anos seguintes. Criação da Companhia Siderúrgica Nacional (FGV/CPDOC, 2008) Já por ocasião da Revolução de 1930, a criação de uma grande indústria side- rúrgica nacional havia sido fixada como um dos objetivos do governo, visando a atender às necessidades nãosó do desenvolvimento econômico, mas da pró- pria soberania nacional. Foi exatamente a preocupação com a defesa nacional que fez com que, a partir de meados da década, os militares passassem a de- sempenhar um papel chave na luta em prol da indústria siderúrgica brasileira. A crise dos anos 30 e o processo de industrialização 35 Em junho de 1939, durante visita aos Estados Unidos do chefe do Estado- Maior do Exército brasileiro, general Góes Monteiro, o governo norte-ame- ricano manifestou sua disposição de cooperar no reequipamento econômi- co e militar brasileiro em troca de nossa colaboração nos planos de defesa continental traçados por Washington. Na ocasião foi enviado ao Brasil um grupo de técnicos da United States Steel e, como resultado das conclusões favoráveis de seus estudos, foi instalada a Comissão Preparatória do Plano Si- derúrgico. Contudo, em janeiro de 1940 o governo brasileiro foi informado da decisão daquela empresa de que não iria mais participar da construção da usina no Brasil. Embora os motivos dessa desistência nunca tenham ficado claros, é possível que estivessem ligados aos estudos que se faziam na época em torno da criação de um novo Código de Minas que proibiria a participação estrangeira na atividade metalúrgica. Em vista da decisão da empresa norte- americana, o governo brasileiro decidiu levar adiante o empreendimento por meio da constituição de uma empresa nacional, com a ajuda de empréstimos estrangeiros. Ainda em 1940 foi criada a Comissão Executiva do Plano Siderúr- gico Nacional, que estabeleceu metas de produção e financiamento e decidiu pela localização da usina em Volta Redonda (RJ). A embaixada brasileira em Washington foi então autorizada a solicitar ao Eximbank um crédito de US$17 milhões para a aquisição de maquinaria. O go- verno norte-americano, entretanto, retardava qualquer definição e chegou a favorecer o reatamento das negociações entre o Brasil e a United States Steel, solução que, àquela altura, não era mais desejada pelo governo brasileiro. O lance decisivo viria, por fim, com o discurso pronunciado por Vargas a bordo do encouraçado Minas Gerais em 11 de junho de 1940. Contendo alu- sões simpáticas ao Eixo, o discurso pode ser interpretado como manobra para forçar os Estados Unidos a uma definição favorável à implantação da siderur- gia no Brasil. Logo a seguir, uma comissão integrada por Edmundo de Macedo Soares, Guilherme Guinle e Ari Torres foi aos Estados Unidos para negociar o financiamento junto ao Eximbank e obteve um empréstimo de US$20 mi- lhões. Paralelamente aos trabalhos da comissão, prosseguiam as negociações entre os governos norte-americano e brasileiro quanto às bases e ao alcance da cooperação econômica e militar entre os dois países, que só se completa- riam em 1942. Isso não impediu que já em 7 de abril de 1941 fosse criada a Companhia Siderúrgica Nacional, sociedade anônima de economia mista cujo primeiro presidente, nomeado também naquela data, foi Guilherme Guinle. 36 Economia Brasileira Contemporânea Atividades de aplicação 1. O texto afirma que “o mercado internacional não tinha interesse, nem capacidade, de absorver grande parte das tradicionais exportações do agronegócio brasileiro.” Assinale a alternativa correta. a) O texto se refere ao café produzido em larga escala no Brasil, que era líder mundial na produção e comercialização dessa commodity. b) O texto se refere à produção de grãos como soja e milho, fortes itens de exportação do Brasil nos anos 1930. c) O texto se refere ao café produzido em pequena escala no Brasil, que era vice-líder mundial na produção e comercialização dessa commodity. d) O texto se refere à produção de ouro e pedras preciosas, fortes itens de exportação do Brasil nos anos 1930. 2. A inexistência, no Brasil, de uma política governamental de longo pra- zo nos anos 1920 abriu espaço para o governo Vargas implementar suas políticas públicas após a revolução de 1930. Essa afirmativa é ver- dadeira, pois: a) reflete uma vontade das oligarquias paulistas em enfraquecerem o governo federal. b) reflete um interesse centralizador de Vargas, que aproveitou esse vácuo político para se consolidar no poder por várias décadas. c) reflete uma característica pouco comum no Brasil, pois sempre houve políticas governamentais de longo prazo no país, especial- mente industriais. d) reflete anos de colonização de políticas de desenvolvimento ade- quadas para o desenvolvimento econômico no Brasil. 3. O texto menciona: “Como cai o volume de produtos importados, o governo majora as tarifas de importação para compensar as perdas, incentivando ainda mais o consumo dos produtos fabricados interna- mente.” Essa política está: A crise dos anos 30 e o processo de industrialização 37 a) correta, pois quanto maiores as tarifas de importação, maior o con- sumo de bens importados. b) errada, pois o aumento de tarifas de produtos importados não gera receitas aos governos. c) errada, pois o governo nunca deve aumentar as tarifas de impor- tação. d) correta, pois o governo precisa ver aumentada sua arrecadação fis- cal, uma vez que os gastos correntes continuam a crescer. 39 Do Estado Novo à crise do endividamento O objetivo desta aula é estudar a consolidação do modelo econômico iniciado na Era Vargas, e que propiciou a formatação do que hoje é conheci- do como a política de substituição de importações. Em seguida, continuare- mos o raciocínio para entender a importância dessas transformações e suas conseqüências, que culminaram nas ações desenvolvimentistas ocorridas durante o governo de Juscelino Kubitschek e nos subseqüentes ciclos de desenvolvimento durante o chamado “período do milagre econômico” dos anos 1960 e 1970. A consolidação das estratégias dos governos Vargas até o período de 1951-1954 Do Estado Novo ao fim da Segunda Guerra Mundial A partir de 1937, com um golpe auxiliado pelos militares e apoiado pela classe média, burguesia e oligarquias, Getulio Vargas iniciou um momento de forte ação intervencionista na economia e na sociedade brasileira, em um período conhecido como Estado Novo e que perdurou até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. O Brasil viveu nessa fase um período de ditadu- ra, no qual Getulio Vargas fechou as casas legislativas, passou a nomear in- terventores nos Estados e outorgou uma nova Constituição. O Estado Novo possibilitou transformações de caráter autoritário, permitindo ao chefe do governo atingir seus objetivos centralizadores.1 Do lado econômico, esse período de nossa história caracterizou-se pelo aprofundamento das políticas transformadoras e de industrialização – por meio da já difundida política de substituição de importações –, combinadas com um esforço significativo em prol das exportações. Isso sempre de forma que o Estado Novo conseguisse efetivamente, em razão de seu modelo cen- tralizador, intervir com mão forte na economia e na sociedade, ditando as suas regras, diretrizes e objetivos. 1 Não nos cabe neste estudo o aprofundamento das ques- tões políticas e sociais que deram justificativas do gover- no para promover tais trans- formações; entretanto, Fonse- ca (in: REGO; MARQUES, 2003, p. 272) enumera uma série das questões que deram com- bustível às ações do governo federal na constituição do pe- ríodo autoritário e intervencio- nista do Estado Novo, como: a polarização política no país entre os chamados integralis- tas e comunistas; o interesse em implementar as novas leis trabalhistas; a ameaça da Segunda Guerra Mundial e a conseqüente bipolarização e acirramento do jogo político na esfera internacional; a apro- ximação de Getulio Vargas com o fascismo; e o interesse do governo em erradicar o “marasmo rural das oligar- quias”, a fim de viabilizar suas reformas modernizadoras.40 Economia Brasileira Contemporânea Uma das formas de intervenção adotada foi o aumento da estrutura ad- ministrativa do Estado e o seu aparelhamento com funcionários alinhados às políticas de Vargas, de forma que, a partir dessa época, o governo passou a investir sistematicamente no aumento do quadro de funcionários públicos. Para tanto, determinou-se a abertura de uma série de oportunidades por meio de novos concursos públicos, equipando a já complexa máquina esta- tal com conselhos, comissões e institutos, entre outros órgãos com forte pre- sença no dia-a-dia da economia e da vida dos brasileiros.2 Entretanto, se por um lado esse aparelhamento do Estado, somado às ações do governo, viabi- lizou a transformação do Brasil em um país mais moderno e industrializado – e muito pouco semelhante ao país agroexportador da República Velha –, por outro, não viabilizou crescimentos econômicos significativos. É importante destacar que o aumento da máquina estatal elevou enormemente os gastos públicos com salários, benefícios, aposentadorias e pensões, engessando a máquina pública e acabando por burocratizar em excesso o funcionamento das ações públicas. Por meio de uma análise primária das ações do governo nesse período, podemos afirmar que a urbanização, a sindicalização do operariado e a pu- blicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) atendiam ao claro obje- tivo de controle das massas sociais.3 Enquanto isso, a industrialização e as metas das exportações vinham realmente de encontro às necessidades de promoção do ajuste das contas públicas internas e externas (por meio do reforço das reservas cambiais), fortalecendo o saldo positivo das transações correntes. Entretanto, devido ao desenrolar da Segunda Guerra Mundial e ao ce- nário internacional adverso, o acesso do Brasil aos mecanismos de finan- ciamento externo foi reduzido, diminuindo significativamente as reservas de moedas fortes. Nesse cenário, o governo foi forçado a agir de maneira impopular dentro e fora do país: primeiro, coibindo as importações de má- quinas e equipamentos por parte dos empresários locais e, segundo, inter- rompendo por diversas vezes os pagamentos dos serviços da dívida externa, o que acabou por minar o apoio à ditadura de Vargas. Somado a isso, entre os anos de 1939 e 1942, as médias de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ficaram próximas a 1% ao ano (a.a.), muito abaixo de um crescimento econômico considerado satisfatório, e muito longe das metas alardeadas e defendidas pelo governo. 2 Como exemplos, temos o Conselho Nacional do Petró- leo, o Conselho de Águas e Energia, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), os Institutos Nacio- nais do Mate e do Pinho, o Instituto Brasileiro de Ge- ografia e Estatística (IBGE), entre diversos outros que existem até os dias de hoje no país. 3 Neste momento, é impor- tante observarmos o papel fundamental desempenha- do pela aprovação da CLT, pelo Decreto-Lei 5.452, de 1.º de maio de 1943, que repre- sentou a reunião e a siste- matização de toda a legis- lação trabalhista produzida no país após a Revolução de 1930, e o papel importante e coordenado dos sindicatos na estratégia do governo de controle sobre as massas de trabalhadores. Do Estado Novo à crise do endividamento 41 Paralelamente, a partir de meados dos anos 1940, o esgotamento das po- líticas populistas e protecionistas do Estado Novo começou a se refletir no ambiente econômico do país. Além disso, e conforme destacado no gráfi- co abaixo, o fantasma da inflação também se tornou presença constante no Brasil, apesar dos esforços do governo em conter sua elevação. No período em questão, os aumentos sistemáticos de preços minaram a popularidade de Vargas e reduziram o apoio das classes empresariais às políticas e às estra- tégias governamentais adotadas. Com três fases distintas, o comportamento da inflação nos governos Vargas pode ser assim caracterizado: Primeira fase (entre 1930 e 1936) – quando o Brasil viveu um perío- do de crescimento sistemático dos índices de preços, partindo de uma deflação de – 9,2% a.a. em 1930 para atingir níveis próximos de 14,6% a.a. em 1936. Segunda fase (entre 1936 e 1939) – quando o país conseguiu reduzir sistematicamente a inflação, com quedas seguidas e significativas nos índices de preços, até estes atingirem os níveis de 2,0% a.a. no início da Segunda Guerra Mundial. Terceira fase (entre 1940 e 1945) – durante o período da Segunda Guerra Mundial, quando a inflação brasileira apresentou um cresci- mento acelerado, chegando a atingir 27,3% a.a. em 1944. Brasil: Inflação – Índice do custo de vida durante o governo Vargas 25,0% 5,0% –5,0% 20,0% –10,0% 15,0% 10,0% 0,0% –15,0% (A N D IM A , 1 99 4) 1931 1935 1937 1940 194319341932 1936 1938 1941 1944 19451933 1939 1942 No último ano do Estado Novo, e como reação à instabilidade política e eco- nômica, Vargas criou a Superintendência de Moeda e Crédito (Sumoc), com o fim de aumentar a fiscalização das operações de câmbio e a remessa de lucros de multinacionais instaladas no Brasil. Nesse momento, é importante destacar que esse tipo de política se tornou característica do modo de agir do governo, ou 42 Economia Brasileira Contemporânea seja, com o intuito de colocar em prática suas políticas nos campos econômico e social, a solução vinha quase sempre acompanhada de novas contratações de funcionários públicos, com a criação de novas superintendências, autarquias ou institutos, e o conseqüente aumento da Administração e dos gastos públicos. Os Estados Unidos emergem como potência mundial O ano de 1945 é lembrado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, com o estabelecimento da hegemonia norte-americana, e pela mudança do jogo de poder econômico e político no mundo. Desde 1944, com a Reunião de Bretton Woods4, os EUA tornaram-se o país mais influente econômica e poli- ticamente, mudando radicalmente a dinâmica das operações e as regras do comércio e das transações financeiras mundiais. É importante destacar que o fim da Segunda Guerra Mundial foi um divisor de águas para as tradicionais nações européias, acostumadas a ditarem as regras e as transações de forma global. Para o Brasil, o impacto no plano político foi significativo, conside- rando-se que o período do pós-guerra no mundo passou a não admitir um modelo ditatorial nos moldes do Estado Novo e, muito menos, permitir a continuidade de políticas econômicas que não estivessem alinhadas a maior liberdade comercial e financeira. Com o fim da Guerra, e o total esgotamento do modelo político presente no Brasil desde 1930, foram conclamadas eleições presidenciais para dezembro de 1945. O vencedor foi o general Eurico Gaspar Dutra, candidato do recém-criado partido da União Democrática Nacional (UDN), que se apresentou aos brasilei- ros com um discurso um pouco mais liberal e democrático que o de seu ante- cessor. Entretanto, na realidade, o país iniciou um período de poucas reformas e de transformações relativamente lentas, sem modificar os principais pilares desenvolvimentistas de Vargas. O governo Dutra, como não poderia ser diferen- te, caracterizou-se por uma maior aproximação do Brasil com o governo norte- americano, em um claro movimento de adaptação à nova realidade mundial. Outra medida importante tomada por Dutra foi a manutenção da valori- zação da moeda brasileira (cruzeiro), que já se encontrava com uma parida- de fixa de Cr$18,50 por dólar desde a reunião de Bretton Woods, o que possi- bilitou uma febre de importações no Brasil com importantes conseqüências. Vale a pena lembrar que o Brasil acumulou grandes reservas de moeda forte durante a Segunda Guerra, exportando bens e matérias-primas para os alia- 4 Em 1944, no estado norte- americano de New Hampshi- re, representantes,ministros das finanças e delegados de diversos países se en- contraram sob a tutela dos EUA para traçarem as novas linhas e diretrizes das forças econômicas que conduzi- riam os destinos das eco- nomias mundiais do pós- guerra. Na ocasião, dentre diversos acordos assinados e resoluções tomadas pelos líderes das forças aliadas, a moeda norte-americana, o dólar (US$), passou a ser a moeda de referência mundial, ou seja, todas as conversões e paridades internacionais passaram a ser fixas (feitas com base no dólar). Nesse momento, abandona-se o pa- drão-ouro que prevaleceu por décadas, e instaura-se uma nova dinâmica nas transações financeiras e comerciais mun- diais, sob a clara liderança e influência dos EUA. Do Estado Novo à crise do endividamento 43 dos no período de 1942 a 1945, o que permitiu ao governo Dutra herdar uma situação muito confortável em termos de reservas externas a partir de 1946. A primeira conseqüência dessa realidade foi o enorme apelo consumista durante o período Dutra, que permitiu aos brasileiros adquirirem diversos bens de consumo em enorme quantidade e a preços competitivos. Soman- do-se a esse movimento, os industriais locais também se aproveitaram da liberação, por parte do governo, do excelente nível de reservas do Brasil, e dos preços competitivos de máquinas e equipamentos no mercado interna- cional para comprar e modernizar seu parque industrial. Assim, o que a prin- cípio parecia ser uma febre de gastos em excesso – uma verdade no caso de alguns setores de bens de consumo não-duráveis –, acabou por fomentar a modernização de diversos parques industriais e atualizar a indústria nacional, além de permitir um maior intercâmbio com a economia norte-americana. Portanto, foi exatamente essa abertura comercial – que tomará um ca- ráter modernizador durante o governo Dutra até 1951 – que deu a primeira base de sustentação ao período desenvolvimentista liderado pelo presiden- te JK, poucos anos depois. Isso tudo, obviamente, após o conturbado inter- valo compreendido entre o suicídio de Vargas, em agosto de 1954, e os três breves governos provisórios, até janeiro de 1956.5 Nacionalismo econômico e o último governo Vargas Quando, em janeiro de 1951, Vargas tomou posse como presidente eleito democraticamente, encontrou um Brasil muito diferente daquele país atra- sado político, social e economicamente dos períodos anteriores à Revolução de 1930, e também significativamente diferente do Brasil de 1945. Na verda- de, Vargas herdou um país cujas bases de seu projeto de industrialização e de modernização encontravam-se definitivamente consolidadas, uma economia bem mais aberta ao exterior, e uma sociedade civil que almejava mudanças e novidades – e será exatamente nesse aspecto que o velho presidente pouco teria a oferecer à nação. Para dificultar ainda mais o cenário para Vargas, o mundo sofria profundas transformações com o início da Guerra Fria6, além do que o cenário internacional mostrava-se muito pouco receptivo ao popu- lismo e ao nacionalismo do passado. Some-se a isso o retorno ao poder após um governo modernizador e de abertura como o de Dutra, o que colocava Vargas em uma situação ainda mais complexa. 5 Último governo Vargas: de 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954; governo Café Filho: de 24 de agosto de 1954 a 8 de novembro de 1955; governo Carlos Luz de 8 a 11 de novembro de 1955; e governo Nereu Ramos: de 11 de novembro de 1955 a 31 de janeiro de 1956. 6 A Guerra Fria foi a designação atribuída ao conflito político- ideológico entre os EUA (ca- pitalistas) e a União Soviética (socialista) durante o período compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e a Queda do Muro de Berlim, em 1989. No perío- do, os norte-americanos e soviéticos travaram uma luta ideológica, política e econômi- ca pela hegemonia no mundo. Mundo esse que acabou por “dividir-se” nessas duas zonas de influência, causando uma verdadeira reorganização das forças e das potências mun- diais no pós-guerra. 44 Economia Brasileira Contemporânea Por ter sido eleito por voto popular, Vargas achava que precisava agradar a grande massa da população, os sindicalistas e os trabalhadores tradicional- mente mobilizados, com suas políticas populistas e nacionalistas. Por outro lado, lutava contra as pressões contrárias das classes mais conservadoras, oligarquias, políticos, jornalistas e a própria classe média, alinhadas com um pensamento mais liberal e – até certo ponto – mais internacionalizado. Impossibilitado de dar rumo a esse novo país que exigia modernizações mais profundas e fortes transformações em seu modelo de desenvolvimento, e sem conseguir promover um desempenho econômico satisfatório, Vargas começou a sofrer duras críticas e pressões de diversos setores da socieda- de e de seus tradicionais opositores. Inflação crônica, falta de apoio político, desemprego e instabilidade social complicaram a situação da presidência. Como reflexo dessa convulsão social, em março de 1953 estourou, em São Paulo, a maior greve então ocorrida no Brasil, a “Greve dos 300 mil”, que se expandiu para diversas outras regiões metropolitanas do país. Incapaz de resolver os diversos conflitos e de atender a todos os setores da sociedade, utilizando-se de suas velhas e tradicionais fórmulas de gover- no, Vargas suicidou-se em agosto de 1954, desencadeando uma enorme crise política no país. Esse fato trágico colocou o Brasil, mais uma vez, em compasso de espera para o desenvolvimento e crescimento econômico sus- tentado e de longo prazo. Brasil: Inflação – Índice do custo de vida Governo Vargas (1951-1954) 1951 1952 19531950 15,0% 25,0% 5,0% 20,0% 0,0% 1954 (A N D IM A , 1 99 4) O governo de JK: as políticas de modernização e o plano de metas O grande feito de Juscelino Kubitschek foi, na verdade, conseguir mobili- zar de pronto a população e as instituições em prol de seu plano de moderni- Do Estado Novo à crise do endividamento 45 zação e desenvolvimento do país. JK foi um dos grandes políticos do século XX no Brasil, exatamente por conseguir conciliar posições tradicionalmente contrárias – e em curtíssimo espaço de tempo – a fim de poder concluir seu plano de desenvolvimento. Percebendo claramente os erros de Vargas, e certo de que o Brasil era composto por uma ampla e complexa rede de seto- res muitas vezes antagônicos, tratou prontamente de conciliá-los. Sabendo, como poucos presidentes, utilizar a força política do seu cargo, logrou obter significativo sucesso no planejamento e execução do seu Plano de Metas. Sem fugir muito das grandes linhas de pensamento de seus predecesso- res, JK baseou seu Plano de Metas – o famoso “50 anos em 5” – na importância de aprofundar a política de substituição de importações com foco nos bens de capital e nos bens de consumo duráveis. Ao focalizar suas ações nesses dois setores, o governo estava na verdade movimentando todo o Brasil no rumo do desenvolvimento; pois são exatamente esses dois focos de ação (bens de capital e bens de consumo duráveis) que mais exigem integração entre os di- versos setores produtivos da economia nacional. Um exemplo desse esforço foi o de incentivar – e efetivamente trazer para o Brasil – a indústria automo- bilística. O setor automobilístico em um país das dimensões do Brasil, onde até então todos os veículos eram importados, proporcionou de imediato enorme interesse de investidores locais e de determinadas multinacionais, atentos ao grande potencial do mercado nacional. Quando pensamos em indústria automobilística, temos que pensar em uma gama de fornecedores de peças e equipamentos, em desenvolvimento tecnológico local, em investimento de capital de longo prazo – que são exa- tamente os fortes motores
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