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8º CIAM: O CENTRO CÍVICO Ângela Martins Napoleão Braz e Silva, Prof. Dr. do Curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Piauí. INTRODUÇÃO Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – os “CIAMs”i foram criados para discutir o rumo da arquitetura e do urbanismo modernos em meio as rápidas mudanças que ocorriam no mundo. Pretendiam revolucionar e internacionalizar a arquitetura para servir aos interesses da sociedade criando doutrinas sobre como dar forma ao ambiente urbano. De acordo com José Luís Sert ii (1955), os CIAMs eram grupos de trabalho, sem nacionalidade, cujas reuniões tinham como objetivo criar uma sistematização teórica comum no âmbito da arquitetura e do urbanismo. Em seus congressos discutiam propostas preparadas previamente sobre determinado tema e suas resoluções eram publicadas posteriormente como diretrizes para futuros trabalhos. O primeiro congresso ocorreu em 1928 no Castelo de La Sarraz, na Suíça e registrou a fundação dos CIAMs e os seus propósitos: formalizar os princípios da arquitetura moderna e utilizar a arquitetura como uma ferramenta econômica e política aplicada ao desenho de edifícios e cidades segundo a lógica do pensamento humanista. Desde então as questões fundamentais da arquitetura moderna estiveram ligadas aos problemas da urbanística (Munford, 2002). O segundo CIAM ocorreu em 1929, na cidade de Frankfurt, Alemanha. Nele se tratou da unidade mínima da habitação. O terceiro congresso foi realizado em 1930, na cidade de Bruxelas, na Bélgica e teve como tema o aproveitamento racional do lote. O quarto CIAM ocorreu em 1933, em Atenas, na Grécia. O tema deste congresso foram os problemas que as cidades enfrentavam e para solucioná-los foram criadas as regras da segregação funcional, publicadas posteriormente por Le Corbusier na Carta de Atenas (Munford, 2002). O quinto CIAM ocorreu em Paris, na França em 1937 e tratou da moradia e da recreação. O sexto congresso foi uma reafirmação dos objetivos do CIAM, pois teve como tema a reconstrução das cidades europeias destruídas pela guerra. Ocorreu na cidade inglesa de Bridgwater em 1947. O sétimo congresso, realizado em Bergamo na Itália em 1949, tratou da cultura arquitetônica. O oitavo CIAM, realizado na cidade inglesa de Hoddesdon em 1951 apresentou o “coração da cidade”, tema deste artigo. O nono congresso foi em 1953, em Aix-en-Provence, Francia e de sua discussão resultou a publicação da “Carta da Habitação”. O décimo congresso realizado em 1956 na cidade de Dubrovnik, na Yugoslavia, discutiu sobre o habitat, mas se notabilizou por demonstrar a fragilidade do discurso unitário do CIAM. Finalmente em 1959, o CIAM se dissolveu como grupo de trabalho por causa da postura divergente de seus membros (Munford, 2002). Este artigo trata do 8º CIAM porque de sua discussão sobre o espaço público e a monumentalidade resultou a introdução de novos elementos a serem considerados na produção do espaço na cidade e implicou em modificações no papel do urbanista. A partir destas considerações, buscou-se esclarecer alguns pontos: Em que contexto ocorreu o 8º CIAM? O que se discutia? Quais seriam os problemas que suscitaram suas discussões? Como e de onde surgiram suas ideias? Como foram assimiladas? Quais as experimentações e especulações teóricas apresentadas? Que reações despertaram? Quais suas consequências em termos de construção da forma e do saber urbano? Acredita-se que responder a estas questões significa: a. Verificar como as cidades reagiram à aplicação das idéias veiculadas no 8º CIAM sobre a composição da forma urbana. b. Verificar qual o reflexo de sua aplicação na construção do campo do urbanismo. Neste sentido este artigo apresenta o método para intervir nas cidades que o 8º CIAM propõe, procura explicitar o conceito no qual o método se baseia, busca identificar suas influências, analisa algumas concepções espaciais construídas segundo o método proposto, questiona as consequências espaciais do método proposto, e infere a atualidade de sua prática urbanística na construção do campo. Como conclusão, o artigo identifica o confronto entre teoria e prática como sendo a essência da prática urbanística e neste sentido tece considerações sobre o papel do urbanista. Quanto ao material e método utilizados, adotou-se o livro “El corazón de la ciudad” iii como bibliografia básica visto que se constitui em um conjunto de textos que além de revidar as críticas que o movimento vinha recebendo desde o final da IIª Guerra Mundial (inclusive dos próprios membros do CIAM), também apresenta algumas concepções espaciais baseadas em um novo conceito. Um e outro permitem identificar a proposição de um modelo de planejamento. Sua autoria é atribuída a Sert, Ernest Rogers iv e Jacqueline Tyrwhitt. Também recorremos à leitura dos textos de Gomes (2007), Giedión (1958), Gutiérrez (2007), Sert (1942), Munford (2002) Meneguello (2001 e 2007), Sampaio (2001), Meyer (2007) e Rego (2001) para identificar a origem do discurso do 8º CIAM, para explicitar o conceito de “centro cívico” e para avaliar as conseqüências da aplicação do método proposto. Quanto ao método, além da pesquisa bibliográfica, aplicamos a análise morfológica nos centros cívicos apresentados como sendo a obra do 8º CIAM. Em termos de resultado, o trabalho: a) Aponta o método de planejamento das cidades proposto no 8ª CIAM como tentativa de resposta às críticas contra o discurso modernista e como responsável em parte, pela inadequação do uso de algumas áreas da cidade contemporânea. b) Questiona as consequências espaciais do método proposto e infere a atualidade de sua prática urbanística na construção do campo. c) Permite compreender o diálogo entre a teoria urbanística do pós-guerra e sua prática. 1. INQUIETAÇÕES A pergunta que se impõe é: - o que suscitou a realização do 8º CIAM? Sabe-se que a modernidade pretendeu se apresentar como um projeto cultural capaz de articular um discurso único e abarcante (Gutiérrez, 2007). No âmbito da arquitetura e do urbanismo os mestres do Movimento Moderno lutaram por esta unidade. Desde a fundação dos CIAMs que seus membros tinham a tarefa de chegar a uma sistematização teórica comum que se concentrava na “Declaração de Sarraz” (1928) e na “Carta de Atenas” (1933). Neste contexto, com diferentes acentos, Corbusier, Giedión e Sert internacionalizaram aquilo que haveria de se converter em “receita” de uma modernidade arquitetônica e urbanística: - um racionalismo de cunho funcionalista (Gutiérrez, 2007). Nas primeiras décadas do século XX a gestão urbana se consolida como questão importante. Neste processo os congressos têm papel importante como fórum de discussão. Dentre eles o CIAM foi o principal instrumentov utilizado para propagar as ideias do avant-garde na arquitetura e no planejamento da cidade durante os períodos de 1930 a 1934 e depois da IIª Guerra Mundial, de 1950 a 1955. No período posterior a IIª Guerra questões estéticas começaram a aflorar e surgiram críticas acerca da prática preconizada pelos CIAM‟s. Dizia-se que os primeiros congressos levaram as cidades a um zoneamento funcional rígido e a um único tipo de estrutura urbana. Em paralelo, a guerra tinha dificultado o trabalho dos CIAM‟s na Europa. Por outro lado com a entrada dos Estados Unidos na IIª Guerra, o país vivia em clima de mobilização cívica. Dele decorria a atitude do governo em priorizar as tarefas e interesses coletivos. O momento parecia oportuno à penetração do CIAM nos Estados Unidos visto que havia um mercado de trabalho em aberto (Munford, 2002) ao contrario ao que acontecia no continente europeu destruído pela guerra.Por encargo do Conselho Diretor dos CIAM, Sert escreveu um texto que publicado sob a forma de livro com o título “Can our cities survive?” (1942), pretendia divulgar nos Estados Unidos as experiências e doutrinas arquitetônicas e urbanísticas do CIAM então desenvolvidas na Europa. JOSÉ LUÍS SERT, AUTOR DO LIVRO “CANT OUR CITIES SURVIVE?” E PRESIDENTE DO 8º CIAM (ACERVO PÚBLICO DISPONÍVEL NA INTERNET). O livro de Sert deveria oferecer aos americanos uma impressão de que o CIAM estava de algum modo em posição de dirigir o desenvolvimento urbano no país em torno de linhas já estabelecidas. No entanto “Can Our Cities Survive?” é um informativo meio tardio dos métodos de tomadas de decisões e das soluções do CIAM acerca da cidade funcional propostas na Carta de Atenas vi . No livro Sert trata da aplicação da Carta de Atenas às cidades norte-americanas e ao final publica sua versão da Carta de Atenas muito embora tenha usado outro título. Nele faz análises da situação contemporânea das funções urbanas preconizadas na Carta de Atenas: moradia, lazer, trabalho e transportes. Apesar do discurso bem estruturado através de imagens dos resultados das experiências do CIAM, o texto de Sert difere de sua versão francesa escrita por Le Corbusier que apesar de apenas reunir os materiais discutidos no CIAM, apresenta-se com um discurso mais contundente, prescritivo e dogmático (Sampaio, 2001). Além de menos exuberante, a abordagem de Sert quanto ao planejamento de uma cidade não foi feliz. Segundo Munford (2002), como primeiro esforço, a indiferença com que “Cant our city survive?” trata o plano de desenvolvimento urbano “New Deal” não condiz com o papel que o próprio CIAM definiu para si (Munford, 2002). Ao reexaminar as quatro funções formuladas na Carta de Atenas, Sert demonstra que estas funções perderam o equilíbrio em suas inter-relações. De certa forma aponta uma fragilidade do discurso modernista, mas ao mesmo tempo denota a capacidade do CIAM de se avaliar – se considerarmos que Sert à época, junto a Corbusier e Giedión, era o próprio CIAM. Outro ponto muito criticado é o fato de "Can our cities survive?" não fazer referência às funções políticas, educacionais e culturais em suas considerações para justificar o planejamento urbano. Sofreu duras críticas de Lewis Munford (Munford vii , 2002), por exemplo. Para Lewis Munford a vida da cidade não se resumia apenas em moradia, circulação e indústria como queriam os modernistas. Achava que se devia considerar uma quinta função da cidade: seu papel cultural e cívico - aspecto esse ao qual o CIAM só se dedicaria na próxima década e quem veio a ser o tema do 8º CIAM. Em suma, “Can Our Cities Survive?” não apresenta informações suficientes para confirmar e consolidar a intenção do CIAM em se promover como uma agência urbanística nos Estados Unidos. De sua leitura se depreende que o autor em detrimento da construção de um mercado de trabalho nos Estados Unidos para todo o CIAM, aparentemente se dedica mais à propaganda de sua própria competência em relação ao planejamento das cidades. Seu objetivo era óbvio: tinha o intuito de se estabelecer profissionalmente nos USA como de fato o fez viii. Entretanto “Can Our Cities Survive?” aparentemente se tornou o estopim para a disseminação das inquietações contra o discurso modernista acerca da cidade funcional que se intensificam vinculadas ao clima cultural do pós-guerra fortemente influenciado por pressupostos do pensamento existencialista. De certa forma se imputava responsabilidade à arquitetura modernista pelo caos urbano das cidades à época. O 6º CIAM realizado na cidade de Bridgwater / Inglaterra (1947) foi notório palco para a discussão destas inquietações e para aplacá-las propôs uma revisão acurada do funcionalismo então utilizado (Munford, 2002). Como tal, este congresso pode representar o momento inicial de uma postura crítica dos modernistas acerca de seus próprios métodos de intervenção urbana, O principal ponto discutido no Congresso de Bridgwater foi o fato do CIAM desconsiderar as pré-existências nas concepções espaciais. Como solução para este problema o Grupo Marx ix elaborou uma planilha que pretendia organizar tanto a apreensão de informações/problemas quanto às propostas de soluções/planos das cidades. FIGURA 2: PLANILHA MARS (FONTE: SERT, 1955). De acordo com a Planilha Marx, a concepção e o prognóstico de uso de um território deveriam considerar os problemas urbanos classificados em seis grupos, os quais abordariam respectivamente: a) os problemas ambientais em termos de geografia física, humana e histórica; b) os problemas decorrentes do terreno que deveria ser visto como território único (cidade e campo); c) a planificação em termos de dimensões (zoneamento, planos e volume construído), observando-se sua interface com diversos aspectos urbanos, tais como educação, saúde, administração, etc.; d) os problemas estéticos relacionados ao sistema formado pela região e volume construído; e) as possibilidades de uso e f) aspectos do passado, presente e futuro de cada lugar utilizando como interface seus aspectos econômicos, sociais e legislativos, além das “reações da opinião pública” em seu aspecto racional e sentimental. A planilha foi uma proposta inovadora em relação a dois aspectos: a intenção de organizar uma metodologia e a introdução da opinião pública como elemento de projeto. Para Corbusier, com esta planilha “[...] se constrói uma arquitetura intelectual em meio ao caos” (In: Sert, 1955, p172). Ou seja, atribuía-se à planilha uma metodologia que permitira ao CIAM se organizar e se capacitar para intervir nas cidades. No entanto a planilha não se mostrou suficiente para aplacar as críticas quanto às questões estéticas, históricas e de historicidade. As contestações ao discurso funcionalista prosseguiam e no congresso seguinte, o 7º CIAM realizado em Bergamo / Itália (1949), o alvo das reclamações foi o rechaço à história das cidades que se dizia era praticado pelo CIAM. Na ocasião foi demonstrada a necessidade da cultura arquitetônica repensar o sentido da história para convertê-la em material de trabalho (Munford, 2002; Gutiérrez, 2007). Deste breve resumo sobre os acontecimentos anteriores ao 8º CIAM se depreende que os CIAMs do pós-guerra são os principais lugares de contestação à cidade funcional. Mas as ideias em contraponto à sua lógica funcionalista e racional também se fizeram presentes em livros, artigos e projetos da época. Muito deles inclusive publicados por integrantes do CIAM. Em 1943, por exemplo, três modernistas com formação diferente entre si e importantes membros do CIAM: o arquiteto José Luís Sert, o historiador suíço Sigfried Gideón e o pintor francês Fernando Léger x escreveram um manifesto contra a monumentalidade descrita na Carta de Atenas, denominado “Nine Points on Monumentality”xi (Giedión, 1958, p42-45). Segundo os autores, a nova monumentalidade deveria ter [...] um caráter relacionado à eternização das edificações pela grandeza de suas características formais e do desejo do homem em criar símbolos que reflitam suas ações e alimentem suas convicções religiosas e sociais (Giedión, 1958, p.33). SIEGFRIED GIEDION (ACERVO PÚBLICO DISPONÍVEL NA INTERNET). Para Giedión, Sert e Léger, a monumentalidade modernista só tinha a intenção de ser solene. Faltava-lhe a simbologia referente à contemporaneidade. Era incapaz de dar forma à imagem da sociedade ou de se colocar a serviço do desenvolvimento de valores humanos que não podem crescer no isolamento. Segundo os autores, a arquitetura modernista carecia de elementos formaistão significativos para a sociedade contemporânea quanto as ordens da acrópole foram para os gregos ou a fantasia geométrica das igrejas renascentistas foi para os romanos. No manifesto os autores defendem a criação de monumentos modernos, orientada mais pelas qualidades formais e estéticas do que por sua dimensão. Para eles, mais do que elementos de uma narrativa histórica e socialmente determinada, os monumentos deveriam ser vistos como "marcas humanas no território" e "expressão das mais elevadas necessidades culturais humanas" (Sert, 1955, p 117). Siegfried Giedión, um dos fundadores do CIAM e seu secretario geral desde o início, criticou alguns dos princípios do CIAM em várias oportunidades desde a década de trinta xii . È possível que certas causas externas nos tenham forçado a esta discussão, mas eu creio que são muito mais nossas próprias exigências interiores que nos impelem [...] (Sert, 1955, p17) xiii . Além de criticar os arquitetos que sacrificavam os símbolos históricos, que esqueciam a satisfação do desejo de monumentalidade da sociedade e de dar forma à imagem que ela fazia de si própria, Giedión também criticava a falta de contato entre arquiteto, escultor e pintor. Afirmava que o Movimento Modernista produzia espaços onde não se percebia o sentido da integração artística entre eles, do seu trabalho em comum. Para o historiador, os modernistas estavam apenas induzindo a proliferação irracional de edifícios, propiciando trivialidades arquitetônicas nas zonas de intervenção e subtraindo a ordem estética, social, biológica e econômica necessárias à vida em comunidade. Giedión sugere que para superar a falta de forma das cidades, a prática urbanística deve partir da compreensão de suas formas históricas (Giedión, 1956). Giedión também ressaltou a importância de uma quinta função na cidade. Para ele esta função estaria relacionada às atividades de ordem cultural e cívica. Refere-se à mesma função já mencionada por Lewis Munford na crítica a “Cant our cities survive?” de Sert. Giedión resolve conduzir uma discussão acerca do assunto. Neste sentido realizou vários seminários de estudo sobre centros cívicos e vida social. O primeiro destes seminários ocorreu em 1942 em Yale, Estados Unidos. O seguinte foi em Zurich, Suíça, neste mesmo ano. O terceiro seminário ocorreu em 1950 no Massachussetts Intitute of Technology, Estados Unidos. O objetivo de Giedión nestes seminários era determinar a proporção entre espaços abertos destinados ao público e espaços destinados à habitação, ou seja, ele pretendia demonstrar a relação existente entre a estrutura física da cidade e sua estrutura social. De certa forma além de ter antecipado aspectos que foram alvo de reclamações no 7º CIAM (Bergamo, 1949), Giedión contribuíu para construir a temática do 8º CIAM e principalmente por sua posição e prestígio dentro do CIAM, demonstrou a existência de um autoexame de consciência entre membros do grupo. Após a publicação de “Can Our Cities Survive?” em 1942, Giedión, Sert e outros, envidaram esforços para construir um novo grupo de trabalho, um novo CIAM (Munford, 2002). Perceberam que as cidades tinham se transformado e que se impunha uma nova ordem. Neste sentido direcionaram as prioridades do novo CIAM para a reconstrução da Europa pós-guerra. Consideraram que os inúmeros bombardeios da Alemanha abriram largo campo de ação para os membros do CIAM. No entanto quando o novo grupo do CIAM se reuniu nos primeiros dias após o dia “D”, 20 de maio de 1944, não houve possibilidade de se chegar a qualquer consenso. A sensação de que o CIAM não estava preparado para lidar com os novos problemas fez com que muitos de seus jovens integrantes questionassem se deviam continuar fazendo parte do grupo de trabalho. Eles nunca antes haviam tido locais urbanos “extintos” por ação da guerra. Estes lugares deveriam ser reconstruídos e reconstruir significava problemas nunca antes pensados, tais como lidar simultaneamente com tecidos urbanos historicamente densos e com a necessidade de criar novos espaços de moradia e convivência (Gomes, 2007a). Por outro lado e a par dos problemas na Europa, as cidades nos Estados Unidos já conheciam a “descentralização” provocada pelo crescimento dos subúrbios e surgimento dos shopping centers, dos malls, etc. Significa dizer que enquanto as áreas de subúrbio americanas estavam em franca expansão espacial, as áreas centrais das cidades europeias se esvaiam sem movimento permitindo o abandono de seus valores tradicionais. Aparentemente o CIAM não estava preparado para lidar com os novos problemas urbanos. A partir desse momento tem início um novo “capítulo” de atividades do CIAM (Munford, 2002) onde buscar uma condição de vida mais humana significava combater alguns aspectos de sua própria prática. A ocorrência conjunta destes aspectos incorria em uma desconstrução da sociabilidade urbana. A arquitetura e o urbanismo praticados pelo CIAM estavam levando o indivíduo ao isolamento e sua concepção urbana não identificava a uma estrutura social correspondente. Portanto alguns destes aspectos foram revistos no 8º CIAM. Dentre eles: 1. O estruturalismo funcional que incorria na geometrização das cidades e na dificuldade de promover sua legibilidade; 2. A arquitetura restrita aos edifícios de caráter utilitário que não permitia refletir sobre sua aplicação a edifícios públicos; 3. O distanciamento entre arquitetura, pintura e escultura que resultava em experiências arquitetônicas com valor plástico não representativo da sociedade contemporânea. 4. O aspecto monumental de suas experiências que gerava uma relação invariável e apática entre forma construída, espaço e sociedade. 5. A dispersão urbana provocada por uma visão tecnicista que, ao privilegiar o fluxo do automóvel na estrutura urbana, implicava na expansão territorial (suburbanização) das cidades. 6. A opção pela pré-fabricação que incorria na repetição e aparente monotonia da paisagem. A partir das consequências da aplicação da Carta de Atenas, repensando seu modo de intervir nas cidades, o CIAM se propôs buscar a harmonia entre a estrutura social urbana e sua estrutura espacial. Daí em diante nas intervenções urbanísticas, a luta do CIAM seria pelo retorno das relações sociais como condição principal de projeto. Esta luta demonstra a tendência conflitante do CIAM. Dela resultou a criação de um método de intervenção urbana que será tema da próxima seção deste trabalho. 2. A PROPOSTA Do esforço em revidar as críticas que vinha recebendo, o 8º CIAM acabou por criar um método para intervir nas cidades. Consistia na produção de um espaço urbano especial e na definição de regras para sua concepção espacial. Este espaço, segundo Corbusier, seria “uma síntese física da vida social dando a cada aglomerado urbano os elementos fundamentais de sua economia” (In Sert, 1955, p39). Significa dizer que a aplicação do método deveria gerar um espaço onde a comunidade – seja do bairro ou da cidade – pudesse desenvolver uma rede de relacionamentos e através dela articular a vida urbana. Ou seja, o lugar deveria funcionar como sendo um centro cívico. A concepção deste espaço deveria partir de alguns princípios muito particulares, em número de cinco, que são descritos a seguir. O primeiro deles era de ordem conceitual. Dizia respeito à ideia geral acerca da concepção do lugar. Deveria ser um espaço onde as pessoas pudessem se reunir e se manifestar livremente e, independente de sua localização e conteúdo, deveria dar ideia de espontaneidade, de liberdade de movimento. Do ponto de vista perceptivo deveria ser a expressão cultural da sociedade,ou seja, deveria incorporar as marcas de seu passado e as dos dias atuais. Esperava-se desta forma possibilitar maior contato social entre os habitantes da cidade. O urbanista deveria criar uma atmosfera de descanso e estabelecer uma consciência cívica através da estrutura arquitetônica. Daí o lugar ter sido denominado centro cívico. Estes pressupostos conceituais exigem uma reflexão e constituirão tema de quarta seção deste paper. O segundo princípio era de ordem funcional. Dizia respeito ao fato de que o lugar deveria ser concebido e executado para ter maior eficácia nas funções que são próprias da cidade. Isto é, deveria conter a sede das principais atividades de uma comunidade: serviços, diversões, contemplação e ócio. Esperava-se desta forma atrair os habitantes residentes em seu entorno além de incrementar a animação urbana. Neste sentido sua estrutura arquitetônica (espaço, mobiliário e decoração) deveria possibilitar a geração de atividades espontâneas, além de abrigar ou simbolizar as atividades da comunidade do ponto de vista social, administrativo e espiritual. Compreendida a importância do princípio funcional que deveria caracterizar o centro cívico, é possível entender título conferido ao 8º CIAM: “El corazón de la ciudad”. Suas qualidades espaciais, a atratividade e vitalidade urbana, permitiriam ao lugar funcionar como órgão vital ao território. Em analogia à característica funcional do órgão humano, o centro cívico também ficou conhecido como sendo o “coração” do território. O terceiro princípio, de ordem dimensional, dependia da grandeza física do território e de seu povoamento. A quantidade e as dimensões do centro cívico deveriam ser regidas pela proporção numérica da população e pela densidade populacional do território. Em termos de quantidade a inserção do número de centros cívicos poderia variar. Neste sentido a forma urbana poderia ser monocêntrica ou policêntrica. Em relação a densidade ela poderia se classificaria como unidade social do tipo A (rural com 500 habitantes), B (rural ou bairro residencial com 1500 a 3000 habitantes), C (unidade autosuficiente economicamente com 50.000 a 100.00 habitantes), D (unidade com 250.000 a 1.000.000 de habitantes) ou E (unidade com milhões de habitantes). Além disto, a função do número de centros em proporção à densidade obedecia a certas regras. Um único centro só poderia aparecer nas unidades sociais Tipo A, Tipo B e Tipo C. Vários centros só apareceriam nas unidades sociais do Tipo D ou Tipo E. O quarto princípio de ordem relacional e provavelmente era resultado do esforço conjunto de Sert, Giedión e Léger em “Nine Points on Monumentality” (Giedión, 1958). Determinava-se que além de promover a relação social, a estrutura arquitetônica do centro cívico deveria buscar a relação entre monumento e passado e, entre a arquitetura e as artes. Esperava-se com isto obter uma relação flexível, adaptável e ativa entre forma construída, espaço e sociedade. O quinto princípio era referente à estrutura formal e se refere à linguagem a ser utilizada na construção do centro cívico. A regra geral era que o novo espaço pudesse continuamente atender às novas exigências da população (costumes, por exemplo). Para tanto era necessário utilizar o ser humano como módulo e sempre se referir a ele. Tal exigência incorreria em classes diferentes de espaço, tais como espaços abertos ou fechados e em composições com forma geométrica ou livre. O objetivo era obter uma relação harmônica entre a massa edificada e o espaço livre entre elas para desta forma evitar a monumentalidade tão criticada por Giedión (1956) e outros. Em suma, o método previa a criação de um lugar cuja concepção espacial deveria apresentar três características básicas: 1. Um núcleo espacialxiv como local propício à prática social, 2. Uma monumentalidade como representação da identidade, da imagem e história da estrutura social, e 3. Uma interação da arquitetura com as artes para refletir os valores e desejos da sociedade contemporânea. Da análise do exposto se depreende o centro cívico como um método caracterizadamente funcional cuja aplicação busca transformar o indivíduo passivo em indivíduo ativo na vida social. Mas ele seria uma proposição universal ao CIAM? Neste caso convém conhecer o processo de sua construção e as ideias que o influenciaram. 3. A DISCUSSÃO NA CONSTRUÇÃO DO MÉTODO Apesar de a universalidade ser a tônica do discurso modernista, o método de intervenção nas cidades proposto no 8º CIAM não foi aceito de forma homogênea por seus integrantes. Seus princípios e características foram questionados, discutidos. Propuseram-lhe complementações e modificações. Tal discussão é demonstrada ao longo da leitura de “El corazón de la ciudad”. Gregor Paulsson, de Upsala, por exemplo, contestou Sert e Giedión quanto a considerar apenas os precedentes na criação do núcleo por entender que a história da cidade, apenas enquanto história da forma era insuficiente para complementar a visão do urbanista. Paulsson, sugeriu que se introduzissem outros aspectos como o estudo das estruturas ecológicas, demográficas, econômicas, social e política de cada cidade. Seu argumento se baseava no fato de que estas estruturas alimentam o crescimento urbano e criam condições de haver diversidade individual. Já J. M. Richards por entender que os precedentes são representados por signos diferentes da origem e da história de cada cidade propunha que eles estivessem presentes em cada centro cívico para expressar a personalidade de cada cidade distinguindo-a de outra. Para ele o núcleo também deveria conter a possibilidade de se transformar e neste caso, os problemas do arquiteto seriam: a) definir até que ponto tal transformação estaria sob seu controle e b) garantir a manutenção da personalidade da cidade que segundo o urbanista, poderia ser obtida harmonizando a relação entre novos e velhos elementos, evitando a monotonia da paisagem e preservando a tradição da comunidade. Além dos elementos principais da proposta e a par da consideração ou não pelo precedente histórico de cada cidade, também foram alvo das discussões neste CIAM: 1. O papel do arquiteto na criação do centro cívico 2. A escolha da localização do centro cívico em cada cidade, 3. Quais elementos arquitetônicos inserir neste lugar, 4. Sua sobrevivência, 5. Sua clientela dominante O papel do arquiteto em relação à projetação do centro cívico e a seleção do lugar para sua implantação gerou vários grupos com opiniões diferentes. Um, do qual faziam parte Van Eesteren, Emery, Corbusier e Tyrwhitt, entendia que a criação e utilização do centro cívico seriam de forma espontânea. Por isto em geral eles se localizariam próximo a atividades comerciais, culturais e administrativas. O papel do arquiteto neste caso deveria se limitar a decidir o que fazer para garantir sua utilização de forma mais humana. DA ESQUERDA PARA A DIREITA; CORBUSIER, ALAURANT, VAN EESTEREN, SERT, EMETERY E DE COSTAS, PERESSUTTI (FONTE: SERT, 1951) Um segundo grupo liderado por Sert e do qual J. J. Honnegger (Suíça) fazia parte, defendia a manutenção de um centro cívico principal e a construção de vários outros espalhados na cidade. Concordava com o grupo de Corbusier quanto ao fato de que o núcleo central deveria ser aquele consagrado pelo uso, mas discordava quanto ao papel do arquiteto. Ambos os grupos, de Sert e de Corbusier, achavam que os centros cívicos deveriam ser implantados segundo um escalonamento territorial (bairro, distrito, etc.) e segundo uma categoria de espaços (abertos e fechados, por exemplo). No entanto o grupo de Sert entendia que a localizaçãodo centro deveria ser conseqüência espontânea das formas de acessibilidade e que o papel do arquiteto se resumiria em contribuir para que todos pudessem utilizá-los. Corbusier e seu grupo entendiam que o papel do arquiteto deveria ser o de interpretar as necessidades contemporâneas da população e que a localização do centro cívico seria conseqüência destas necessidades. Para o grupo liderado por Corbusier, o trabalho do arquiteto deveria ser o de criar uma síntese da vida social e dar a cada lugar os elementos fundamentais de sua economia para preservar sua sobrevivência. Também pedia cuidado quanto à localização dos núcleos secundários porque sua construção implicava em alterar a estrutura da cidade. Tal observação se justificava porque um quarto grupo, formado por Reay, Giedión, Mayekawa e A. Roth entre outros, entendia que os centros cívicos secundários poderiam ser criados e implantados em quaisquer lugares desde que se considerasse o clima e os costumes locais. Para este grupo, caberia ao arquiteto criar tais centros como reflexos regionais do centro principal. Em relação à sobrevivência do centro cívico, o grupo de Walter Gropius afirmava que ela dependeria da concordância entre o espaço e a medida humana. Para ele o lugar deveria ser um espaço livre com base em relações volumétricas e na diversidade de funções. Portanto caberia ao arquiteto compreender tal espaço através da relação existente entre as massas edificadas e o espaço livre entre elas. Tal feito garantiria uma utilização aprazível do espaço. Outro grande motivo de divergência entre os integrantes do CIAM foi definir quais elementos deveriam ser incluídos nos centros cívicos. Mas o que estava por traz desta discussão era a forma a ser utilizada para promover a interação entre arquitetura e as outras expressões de artes. O grupo de Corbusier propunha que os espaços deveriam ser abertos e os edifícios deveriam ser uma espécie de laboratórios da concepção. Neles seriam investigadas as idéias sobre facilitação da convivência social. Citava como exemplo os clubes e escolas onde a temporalidade seria característica experimental no que se referia à edificação. Corbusier alegava que o transitório corresponde à realidade moderna dos acontecimentos, mas seria possível eternizar o “intermédio” nos edifícios? O que daria temporalidade ao centro cívico? Ele precisava ser expressão da vida humana. Como tal, deveria estar sempre em construção. A resposta parecia estar na arte, na pintura e escultura. O grupo de Sert discordava do caráter provisório em relação aos edifícios, mas entendia que tal aspecto seria interessante apenas para a inclusão de elementos artísticos. Justificava sua posição alegando que a rotatividade de exposições e manifestações artísticas contribuiria para ampliar a educação da população, além de imprimir temporalidade ao centro. Outro grupo, o de Giedión e Mayekawa, condenava os elementos móveis ou temporários e considerava que o invariável deveria ser apenas o objetivo, ou seja, a promoção da relação social. Aceitava a interação das artes e defendia a criação de monumentos com simbologia referente à contemporaneidade, mas defendia um centro cívico de caráter estático. Aceitava a idéia corbusiana para inclusão de atividades recreativas e culturais, mas defendia a permanência do edifício. A definição da clientela também rendeu muita discussão e dois grupos com posturas diferentes. Um deles, liderado por Corbusier, entendia que o visitante também deveria ser visto como categoria importante de usuário no processo de criação do centro cívico. No entanto o outro grupo, liderado por Sert, discordava. Defendia que apenas os moradores deveriam ser considerados e neste caso se as decisões fossem boas também para os turistas, ótimo. Como se vê através desta pequena amostra de opiniões, a definição dos princípios do centro cívico não foi um processo concorde. O CIAM se utilizava da discussão das ideias para buscar as melhores soluções no intuito de dar condições à cidade de efetivamente proporcionar uma vida mais humana aos seus cidadãos e, portanto com mais qualidade. O Relatório do 8º CIAM, “El corazón de la ciudad” (Sert, 1955), demonstra a visão crítica do CIAM acerca das consequências espaciais que suas posturas imprimiram à cidade e mostra que a construção do método foi um processo conciliatório que permitiu a reunião de tendências onde conviviam orientações diversas sobre a forma de repensar a cidade. Mas principalmente “El corazón de la ciudad” demonstra que o Movimento Moderno na arquitetura e urbanismo foi marcado por duas características: universalidade e diversidade que aparentemente paradoxais, sugerem uma reflexão sobre como a diversidade formal do CIAM conseguiu se transformar em linguagem de um discurso pretensamente universal. Que elementos linguísticos caracterizam este discurso? Onde o CIAM foi buscar estes elementos? Acredita-se que o exame das bases conceituais do método proposto possa esclarecer tais questões. 4. O CONCEITO (NEM TÃO NOVO ASSIM!) Vimos na primeira seção deste texto os motivos que levaram o 8º CIAM a dirigir o foco de suas discussões para a construção de um método para intervir nas cidades. Vimos também que o CIAM apresenta uma diferença de foco nos períodos antes e depois da II Guerra Mundial. Nosso interesse agora é verificar onde o CIAM foi buscar as idéias que inspiraram o método proposto. Ao desprezar as matérias já regulamentadas a busca do CIAM se encaminhou para um processo de humanização do ambiente com o retorno da medida humana e a afirmação dos direitos do indivíduo. Dentre os princípios estruturais do crescimento urbano, buscou-se uma unidade espacial que fosse significativa para a cidade em termos de convivência social. Sert, Giedión e outros integrantes do CIAM recorreram à história para pesquisar formas urbanas onde a vida fora aprazível e as encontraram em cidades antigas. A ÁGORA DE PRIENE, À ESQUERDA, TEM TRAÇADO RETICULADO, GALERIA DE COLUNATAS, EDIFÍCIOS PÚBLICOS NO ENTORNO DE ESPAÇO ABERTO (SEM ACESSO DIRETO), AUSÊNCIA DE TRÁFEGO E FUNÇÕES DELIMITADAS. O LUGAR DE REUNIÕES É O CENTRO DA COMPOSIÇÃO. O FORO ROMANO, À DIREITA, DIFERE DA ÁGORA GREGA PORQUE APRESENTA DESORDEM FUNCIONAL, SEUS EDIFÍCIOS PÚBLICOS TÊM ACESSO PARA O ESPAÇO ABERTO E TEM O TEMPLO COMO CENTRO DA COMPOSIÇÃO (FONTE: SERT, 1955). No passado muitas cidades tinham formas e estruturas definidas e estavam construídas em torno de um núcleo central que, amiúde, era o fator determinante daquelas formas. Eram as cidades que faziam seus núcleos, porém estes à sua vez faziam da cidade uma verdadeira cidade e não simplesmente um aglomerado de pessoas. O núcleo ou centro, que aqui chamamos El Corazón, é o elemento essencial de todo verdadeiro organismo xv (Sert, 2007, p.6). As áreas centrais das cidades antigas foram vistas como sendo espaços significativos que além de determinar a forma urbana também eram impregnados de um sentido de comunidade fortemente percebido em sua apropriação. Segundo Sert (1955), estes lugares foram exemplo de beleza e de facilitação de encontros sociais, portanto merecedores do interesse dos modernistas em utilizá-los como base conceitual do novo método de intervenção nas cidades. Com estes argumentos se introduziu o sentido de comunidade como idéia norteadora na consideração de uma nova zona na organização das distintas funções urbanas ou para criar um novo setor urbano - o centro cívico, lugar que no debate do desenho das cidades significa sua centralidade simbólica ou como diziam os modernistas, o “coração” de sua estrutura urbana. [...] um centro pluriformee de máximo alcance social [...] lugar físico no qual encontram assento os sentimentos humanos mais elevados e mais necessários para a plenitude de uma arquitetura em busca de um novo humanismo xvi (Giedión In Sert, 1955, p.162). “[...] O CENTRO CÍVICO DEVE PERMITIR QUE AS PESSOAS POSSAM SE REUNIR EM TORNO DE QUALQUER ORADOR ESPONTÂNEO [...]” (SERT, 1951, P 7). É oportuno ressalvar que o termo “coração” é discutível para aqueles que veem a cidade como uma estrutura de relações espaciais e não um “ser vivo” como queriam os modernistas. Aqueles veem a cidade como sendo o resultado da relação entre a variedade de espaços, a variedade de movimentos gerados por seus usuários e a diversidade de características configuracionais, tipológicas e morfológicas. Neste sentido a centralidade do espaço idealizado no 8º CIAM é vista como função da animação urbana proporcionada pela estrutura de relações espaciais e não como resultado do “assentamento de sentimentos humanos” (Giedión, 1958). Tem-se que é a organicidade e flexibilidade da estrutura urbana que determinam a convergência de movimentos para determinada área, conferindo-lhe centralidade metafórica ou geométrica. Por esta razão e devido à similitude de significado com sua base conceitual, acredita-se que o termo “centro cívico” seja mais adequado para nominar o método criado no 8º CIAM. O sentido de comunidade, base conceitual da proposta, se revelaria no padrão de convivência de cada centro proporcionado pela realização de atividades que sempre deveriam estar relacionadas às oportunidades de negócio, serviços públicos, educação, lazer, cultura e interação social (Sert, 1955). E independentemente de sua situação geográfica e topográfica, o centro cívico deveria apresentar certas características relacionadas à apropriação que em última instância também definiria seu aspecto formal. Refiro-me entre outras a obrigatoriedade da implantação dos edifícios públicos, da separação absoluta entre pedestre e veículos, da utilização de distâncias facilmente percorridas a pé, da harmonia ambiental com a tipologia do entorno xvii , de lugares e circulações protegidos das intempéries e dimensões calculadas em função das atividades que oferecia. Dada a importância que lhe foi atribuída pelos modernistas, faz-se necessário obter maiores informações sobre a procedência da ideia de “vida em comunidade”. Qual sua origem na arquitetura e no urbanismo? A leitura de Giedión, principalmente em Arquitectura y comunidad (1958), permite identificar algumas ideias sobre convivência social, exploradas anteriormente. Há registros que desde 1857 os arquitetos já utilizavam artifícios que incluíam de certa forma o sentido de comunidade. Frederick Law Olmsted, por exemplo, utilizou a separação do fluxo de pedestres do trânsito de veículos através de passagens subterrâneas no Projeto do Central Park em Nova York (Giedión, 1958, p.143). Foi a primeira vez que se utilizou tal artifício com o objetivo de contribuir para a facilitação da convivência social. Observe-se que a preservação da acessibilidade do pedestre é um dos fundamentos próprios do Urbanismo Moderno. Ebenezer Howard no seu movimento em prol das cidades jardins também utilizou artifícios como fluxos separados no intuito de preservar a acessibilidade do pedestre e assim facilitar os encontros sociais. Ao longo da história do Urbanismo se observa a manifestação de elementos inerentes à convivência social e que compõem o método proposto pelo CIAM. Cerdá em seu Plano de Barcelona, por exemplo, relaciona o centro histórico com o território do entorno demonstrando consideração quanto às pré-existências. Patrick Giddes em Cidades em evolução, além de relacionar a cidade ao meio físico, também a considera face à história. Corbusier ao projetar a Ville Radieuse propôs um novo plano de grande cidade com muitas idéias novas, mas sem destruir as pré-existências. Isto nada mais é do que uma manifestação da principal característica do centro cívico, ou seja, a história da sociedade deveria ser preservada através da manutenção de elementos construídos que fossem significativos para a sua identidade e imagem. A preocupação em preservar e estimular a convivência social também aparece em artigos de Giedión anteriores a realização do 8º CIAM. Entre eles “Necessitamos de artistas?” xviii, “A arte como chave da realidade” xix, “Sobre uma nova monumentalidade” xx. Em 1945 esta mesma idéia também aparece em artigo de Walter Gropius sobre a reconstrução das cidades e no projeto de Corbusier para o centro comunal de St. Dié (Sert, 1955). Aparentemente o centro cívico também pode ter sido uma espécie de interpretação do trabalho de Poete e Giovannoni xxi . Tal assertiva é construída a partir de elementos fornecidos por Marco Aurélio Gomes em “Arte Urbana e urbanismo: heranças e reinterpretações na constituição do campo disciplinar” (2007a) e da leitura de Françoise Choay em ensaio escrito como prefácio do catálogo de uma exposição do Centro Pompidour (Choay, 1996). Pöete, historiador francês, desenvolveu um método de estudo da cidade onde procurava relacionar sua história à sua imagem e suas ligações com o sítio. E Giovannoni afirmava que a história deveria dialogar com a cidade contemporânea e que seus valores culturais deveriam se relacionar com a modernização (Sette, 2005). Com estes argumentos, o italiano desenvolveu uma tese segundo a qual (...) o estudo dos centros históricos revela uma escala de proximidade que pode servir de princípio gerador e regulador na concepção de novos tipos de assentamentos; o patrimônio antigo urbano não deve ser relegado a funções museológicas (...) nos planos de urbanismo e ordenamento, desde que sua nova destinação seja compatível com sua morfologia. (Choay, 1996). Giavannoni e Pöete entendiam que a intervenção na cidade contemporânea deveria considerar o conjunto do patrimônio urbano de forma fragmentada e sob um tratamento conveniente. Trata-se de perceber a história como sendo um repositório da forma urbana. Ou seja, o espaço vivido é manifestação concreta da história e pode ser vista de duas formas diferentes. Vista como memória a história é responsável pela construção da cultura. Vista como método de pensar a história esclarece as inquietações do presente. No método do CIAM xxii a história é utilizada tanto como matéria cultural (repositório da forma urbana) quanto método de trabalho xxiii (contextualização da problemática urbana com base em informações do passado). Giovannoni foi o primeiro a tratar o planejamento urbano sob uma ótica fracionada em local e territorial (Gomes, 2007a, Sette, 2005) Esta forma de ver a ordenação espacial aparentemente poderia ser base da visão que os modernistas têm da cidade. A similaridade se apresenta quando o método de planejamento do CIAM refere à possibilidade de algumas unidades sociais terem mais de um centro cívico. Entre outras prescrições xxiv , determinava-se que os centros poderiam se localizar tanto em uma zona rural, como em um bairro, distrito ou região contanto que seu papel fosse o de vincular socialmente o território a uma cidade ou metrópole. Isto é ou não uma visão da cidade fragmentada em sua ordenação espacial? Quando trata da ocupação do centro cívico o método parece buscar inspiração em Sitte e Unwin. As características de apropriação além de demonstrarem que a aplicação do método exigia a compatibilização do espaço proposto – o centro - em uma escala diferente daquela usada até então pelos modernistas, também implicavam em requisitos formais que não eram exatamente uma novidade. Por exemplo: A necessidade em apresentaro centro cívico como um centro de artes envolve algumas preocupações estéticas que remetem a Camillo Sitte. Curiosamente Sitte tem seu livro traduzido para o inglês e publicado nos Estados Unidos em 1945 xxv , data anterior a realização do 8º CIAM. Ademais tanto a semelhança do centro cívico com as praças das cidades jardins como a ideia de vida em comunidade e o processo de centralização indicam uma aproximação dos modernistas com o pensamento de Raymond Unwin. Unwin xxvi construiu uma proposta padrão de organização espacial da sociedade do ponto de vista do território a partir de uma reinterpretação da cidade jardim de Ebenezer Howard. Sua proposta era baseada na relação campo-cidade, na morfologia e na pequena escala e apresentava uma hierarquização das partes do desenho da cidade enfatizando algumas delas e subordinando outras. Unwin conseguiu esta hierarquização através da inclusão de centros bem definidos na forma urbana. Esta proposta de organização espacial foi utilizada por Unwin e seu sócio, Barry Parker nas cidades-jardins de Letchworth e Hampstead xxvii . Sua experiência foi publicada – “Town planning in practice” (1909) xxviii como um manual de desenho urbano pródigo em soluções formais e sugestões de procedimentos para o desenho da cidade. Entre elas: a proposição de vida em comunidade e em cooperativa; o desenho informal de ruas; configurações geométricas menos rígidas; convívio com a natureza; ambiente acolhedor e pitoresco; o homem como unidade de medida da escala projetual; a definição formal da praça; a relação centro da cidade/praça/estação ferroviária; o modo de agrupar os edifícios públicos e sua posição em relação à praça central; a determinação do centro principal e a escolha dos centros secundários em correta proporção e relação com ele; a organização da rede principal de ruas em relação e proporção adequada com os centros principais e secundários que dividem a cidade em diversas zonas; a definição das principais linhas de comunicação entre cada centro, entre o centro principal e o subúrbio que o rodeia, entre as áreas residenciais e os núcleos de comércio ou emprego; o ajardinamento diferenciado das vias; os cruzamentos de vias e certas dimensões recomendadas para as quadras e os lotes (Rêgo, 2001). Muitas destas soluções formais estão em “El corazón de La ciudad”. Suas presenças significam que Sert, Rogers e os demais integrantes do CIAM utilizaram algumas idéias de Sitte e de Unwin xxix ? Investigando se de fato ocorreu tal aproximação, encontramos informações sobre várias viagens xxx que Unwin teria feito aos Estados Unidos depois da publicação de Town planning in practice em 1909. Teria sido para divulgar suas ideias? Provavelmente sim. A cidade alvo das atividades de Unwin e onde suas idéias circulavam de viva voz era Nova York. Muitos dos integrantes do CIAM eram naturais desta cidade e lá viviam e trabalhavam. Entre eles encontramos: J. Paul Wierner, Lomberg Holm e Philip Johnson. Outro dado importante pode vincular as ideias do arquiteto inglês ao método modernista de pensar a cidade. Em 1939, época em que Unwin foi professor visitante da Universidade de Columbia, Sert emigrou para os Estados Unidos e se estabeleceu em New York. Provavelmente a ponte entre Sert, a cúpula do CIAM e Unwin, foi Walter Gropius – membro da vanguarda modernista e integrante do Conselho Diretor do 8º CIAM, que foi Professor na Graduate School of Design e Diretor do Department of Arquitecture de Harvard1 em época contemporânea a premiação de Unwin e ao período em que Sert também foi professor xxxi . Por esta época o exponencial do modernismo do pós-guerra tinha se deslocado para os Estados Unidos. Além de Sert e Gropius, outros arquitetos europeus integrantes do CIAM também viviam e/ou trabalhavam nos USA. Entre os visitantes, Corbusier e Giedión. Entre os residentes: Chermayeff em Middle-West, e Richard Neutra na California (Munford, 2002). Diante destes fatos é possível imaginar que estes personagens tenham de fato se encontrado e que tenha havido incorporação, absorção ou troca de ideias entre eles e os modernistas do 8º CIAM. Mas sendo ou não resultado de uma provável convivência, as idéias que constituíram o “centro cívico” demonstram comunhão com o pensamento de Unwin e se aproximam da cidade-jardim, principalmente no que se refere a consideração das preexistências como base para o projeto, ao traçado consoante com as características naturais do terreno, a presença maciça do verde como elemento de composição do espaço urbano, ao caráter artístico da malha urbana (em especial o efeito do traçado regular da área central), a forma das praças, a composição bucólica de edifícios e espaços públicos fechados, a estrutura de bairros e centros, as vias e sua caracterização, e a valorização da individualidade urbana a partir das particularidades de cada contexto. Em suma, parece-nos que o método de planejamento proposto no 8º CIAM tem caráter diacrônico. Sua base conceitual, o padrão de vida comunitária, não é sua propriedade, pois Sitte, Unwin, Ebenezer, e outros já o haviam utilizado no passado. A ideia de “centro urbano” não é uma novidade, pois se refere a espaços comuns às cidades desde a antiguidade (ágora grega, praças, parques ou espaços como aqueles então existentes nas grandes cidades como os cafés em Paris, Las Ramblas em Barcelona, Picadille Circus em Londres, Praça Colonna em Roma, etc.). Mas em que pese o diacronismo, há um aspecto inovador no método do CIAM. Trata-se de seu instrumental racional de projetação que contribuiu para universalizar uma prática urbanística. 1 Gropius foi Professor em Harvard no período entre 1937 a 1952. 5. AS CONCEPÇÕES MODERNISTAS DO PÓS-GUERRA No entanto algumas críticas se fazem necessárias. Os projetos apresentados em “El corazón de La ciudad” apresentam a inserção do centro cívico e / ou centros secundários com características semelhantes apesar de, isoladamente, terem forma, atividades, densidade, clima e situação geográfica diferentes. Os planos urbanísticos de Sert e Wiener para a América do Sul representaram os primeiros exemplos de aplicação do método de reorganização e crescimento das cidades proposto pelo CIAM. Seu trabalho realizado entre 1948 e 1953, contou com a colaboração de profissionais locais. Os planos de Calli e Medellín são importantes porque marcaram o início para a planificação das cidades na Colômbia (Giedión 1958), mas o projeto para a construção da cidade industrial de Chimbote no Peru é mais significativo para este trabalho porque contém todas as orientações relacionadas ao centro cívico e é considerado, junto com o projeto de Corbusier para St. Dié, como principais obras do CIAM neste período (Sert, 1955). SEGUNDO A PROPOSTA DE SERT, TODOS OS CENTROS DEVERIAM APRESENTAR ZONEAMENTO FUNCIONAL, USO DO MÓDULO HUMANO E CONSTITUIR UMA REDE URBANA. (SERT, 1951). No projeto para o Chimbote Sert e Wiener trabalharam com uma densidade de 40.000 mil habitantes que colocava a cidade como uma unidade social do tipo “C”onde em geral predominavam os serviços técnicos. Propuseram uma forma urbana monocêntrica constituída de dez (10) distritos ou zonas residenciais de inspiração colonial de acordo com o costume local. Neste sentido criaram a praça como um espaço livre para diversões e lazer. Este centro cívico, significante para o território, se constituía de: edifício administrativo, biblioteca, museu, hotel, igreja, edifício de escritórios, lojas em dois pavimentos e arena para touros – este aparentemente seria o monumento a relacionar o espaçocom a história do lugar. Do ponto de vista formal, trata-se de uma composição geométrica e fechada visto que o espaço livre se relacionava com edifícios agrupados ao seu redor tal qual a ágora grega. Seus edifícios não tinham acesso direto ao local de reuniões que era o centro da composição formal. Suas funções estavam delimitadas e o tráfego era exclusivo dos pedestres. DESENHO PARCIAL DE QUATRO DISTRITOS E DO CENTRO PRINCIPAL DE CHIMBOTE, NO PERU (FONTE: SERT, 1955). No projeto para Medellín, cidade industrial na Colômbia, Sert e Wiener trabalharam com uma unidade social cuja população à época era cerca de 700 mil habitantes. Esta densidade a classificava como sendo do tipo D e dava à sua forma urbana a possibilidade de ser monocêntrica ou policêntrica. O objetivo do projeto era a recuperação da área central que se encontrava muito congestionada. Seu ponto de partida foi a remoção de dois obstáculos físicos – o mercado central e a estação ferroviária que permitiu criar uma área para estacionamento e lotes destinados à comercialização onde foram implantados edifícios administrativos e de escritórios. O centro cívico proposto por Sert e Wiener é uma composição aberta onde a paisagem é importante elemento compositivo e os espaços livres devem ser visto como uno, no entanto seus edifícios estão colocados formando um esquema geométrico. Ele se conecta a outros centros já existentes na zona central do Plano de Medellín. A integração entre eles se deu através de várias praças tratadas como locais de reunião e que foram interligadas através de áreas restritas aos pedestres. NO PLANO DA CIDADE DE MEDELLIN JÁ EXISTIA UMA REDE DE CENTROS (REPRESENTADOS COMO MANCHAS ESCURAS NO DETALHE À ESQUERDA). A PROPOSTA DE SERT E WIENER ERA DIRIGIDA A ÁREA TRIANGULAR (DESTAQUE AZUL A ESQUERDA) E CONSISTIA EM INTEGRAR O NOVO CENTRO AOS JÁ EXISTENTES ATRAVÉS DE UM REORDENAMENTO ESPACIAL (FONTE: SERT, 1955, P149). Outro exemplo importante na obra do 8º CIAM é o projeto de Le Corbusier para a reconstrução de St. Dié que embora não tenha sido executado, indiscutivelmente teria sido sua melhor solução (Sert, 1955). PLANO DE CORBUSIER PARA RECONSTRUÇÃO DE ÁREA EM ST. DIÉ, FRANÇA. À DIREITA, OS CÍRCULOS AZUIS SÃO PRAÇAS E O RETÂNGULO EM VERMELHO REALÇA A LOCALIZAÇÃO DO CENTRO QUE PODE SER OBSERVADO EM DETALHE À ESQUERDA. (FONTE: SERT, 1955, P126). A proposta de Corbusier consistia em oito blocos de apartamentos, cada um deles equipado com serviços comuns. Corbusier trabalhou com uma densidade de 20.000 mil habitantes e, portanto a unidade social em questão era do tipo “C”: monocêntrica e com certa variedade de ocupações industriais, de negócios e de atrações recreativas. O centro proposto se constituía de um alto edifício administrativo, um centro turístico, a sede dos sindicatos, lojas e cafés, um museu. Ao sul destes edifícios se localizava uma área livre reservada para a indústria e a escola de artes. Ao norte: um hotel, grandes armazéns e a antiga catedral. Esta última e os armazéns foram transformados em mercado público. Referenciavam o passado da cidade que assim se integrava aos novos edifícios. Observando-se o desenho proposto por Corbusier se verifica que os edifícios foram implantados livremente de forma a aparentar serem unidades independentes. Isto porque a relação mais importante não é entre eles e sim com a paisagem. Os espaços abertos dominam o plano e assumem o valor de um grande e único espaço em seu aspecto visual. Trata-se de uma composição livre e aberta. Este mesmo princípio de integração visual aparece em outro projeto de Corbusier, Fry e Drew. Trata-se do plano de Chandigarh, nova capital de Punab na Índia. Diferentemente de St. Dié, em Chandigarh os urbanistas trabalharam uma cidade de 150 mil habitantes para que ao término pudesse abrigar 500 mil habitantes. Portanto a densidade prevista caracterizava esta nova capital como unidade social do tipo D – que admite vários centros cívicos. Cabe salientar que este projeto se particulariza porque aqui se aplicou pela primeira vez a “teoria das Sete rotas” de Corbusierxxxii em cujo sistema de circulação há uma clara separação dos fluxos automobilísticos e de pedestres. Em função das atividades predominantes. Chandigarh tem vários centros: intelectual, cultural, administração pública, de serviços, comercial, esportes, industrial. Todos deveriam se interligar através do vale central onde há um parque concebido como área destinada à contemplação e ócio. Mas apesar da regularidade da topografia e da malha proposta, este parque se constitui em obstáculo às vias de tráfego automobilístico em determinada direção. Ele se apresenta como uma descontinuidade da malha urbana que aparentemente divide a unidade social em dois setores isolados e dificulta a integração do território como um todo, pois impede que os centros localizados em cada um dos seus lados sejam assimilados globalmente pela cidade. Quanto aos edifícios, mantém uma estreita relação entre si dando a impressão de conjunto e caracterizando a composição espacial do projeto como sendo geométrica. Em paralelo e contrapondo o problema de integração espacial, o projeto de Chandigarh denota a preocupação em integrar a paisagem às atividades urbanas. Os espaços abertos aparecem dominando as massas edificadas. 6. AS CRÍTICAS Algumas críticas se fazem necessárias a obra do CIAM registrada em “El corazón de La ciudad”. O método de planejamento prevê que as possibilidades de uso do centro cívico devem ser pensadas em termos globais deixando sua sobrevivência a cargo da monumentalidade e da interação com as artes (Sert, 1955; Giedion 1958). Isto denota certo esquecimento da habitação que até então alvo da preocupação dos modernistas. À exceção da proposta feita para Oslo na Noruega, não se vê quaisquer referências às prescrições do CIAM quanto à habitação. Tal esquecimento tem uma faceta negativa. Como não há uma vinculação do centro cívico à habitação, sua condição de espaço “atrator” de pessoas e movimento parece ser fruto apenas das atividades que oferece. Percebe-se, portanto que há uma dissociação entre o centro cívico e sua área de entorno, desconsiderando que ela também produz movimento suficiente para garantir sua sobrevivência, caso de uma zona residencial, por exemplo. Em que pese o objetivo de promover a integração social, não buscar uma relação com a estrutura habitacional pode parecer um ato falho e pode ser a causa do esvaziamento de alguns centros contemporâneos construídos nos moldes do método modernista. Também pode explicar as razões pela quais, do ponto de vista de influência no traçado da forma urbana, o centro aparenta não ter tanto significado como a materialização física das unidades de vizinhança. Estas sim acabaram influindo de forma determinante no traçado e expansão urbana nas cidades e de maneira concreta na habitação de interesse social (Giedión, 1958). Outra crítica se refere à Planilha Mars 2 . Aparentemente utilizada em toda a obra do 8º CIAM, este instrumento não permitia abordar a complexidade da problemática urbana, visto que priorizava os aspectos cívicos e culturais da quinta função da cidade em detrimento das quatro funções da Carta de Atenas que passam a ser consideradas apenas como um aspecto na ocupação do terreno para a resolução de zoneamento e de planos 3 . No entanto tal fato é aceitável na medida em que a Planilha Mars é compreendida apenas como um instrumento e como tal é limitada. Sobre ela, Corbusier afirmava: [...] um instrumento não pode realizar bons projetos, ainda que possa simplificar sua elaboração. Pode ajudara expressar as ideias com maior rapidez ou com maior precisão, porém jamais conseguirá transformar os tontos em pessoas inteligentes (In Sert, 1955, p.172). Apesar da criatividade de cada arquiteto, das particularidades locais e das diversas tendências e orientações que constituíam o CIAM, o aspecto formal resultante da aplicação do método também é alvo de crítica. Percebe-se que a utilização do instrumental conceitual para expressar o “sentido de comunidade” além de incorrer em prática urbanística universal, também originou a constância de elementos formais e funcionais, apesar da adequabilidade de alguns ao fim que se propunha. Este fato pode ser constatado nas obras do 8º CIAM através da proliferação de alguns aspectos compositivos. Entre eles: geometria do zoneamento, classificações racionais, coercitividade institucional, tendência de unificar o aspecto das cidades sob a influência da estandardização dos elementos construtivos e certa repetição das soluções urbanísticas, o desenho com configurações geométricas menos rígidas; a utilização de uma escala em que o homem era o módulo, a definição formal da praça em geral retangular; a relação obrigatória entre centro da cidade, praça e monumentos; certo modo de agrupar os edifícios públicos e sua posição em relação ao espaço livre; a determinação do centro principal e escolha dos centros secundários em correta proporção e relação com ele; o ordenamento das vias de circulação em relação e proporção adequada com o centro; a presença do verde e o ajardinamento nos espaços livres destinados aos pedestres como elemento de composição do espaço urbano; o traçado consoante com as características naturais do terreno; o caráter regular do traçado na área de entorno ao centro. No entanto à parte de seu caráter uniforme, a obra do 8º CIAM deve ser vista positivamente na medida em que o método de planejamento utilizado para criá-la oferece subsídios a prática urbanista em qualquer lugar do mundo, inclusive na cidade contemporânea. Mas qual o significado deste método em termos de construção da forma urbana? Qual sua importância na constituição do saber urbano? 2 Em consequência do 6º CIAM realizado em Bridgwater / Inglaterra, em 1947, o grupo inglês Mars do CIAM de Londres 2, a pedido do grupo francês ASCORAL, desenvolveu um trabalho que pretendia rebater as críticas sobre a desconsideração às pré-existências nas concepções espaciais modernistas, pelo menos do ponto de vista da desordem metodológica praticada pelo CIAM. (Munford, 2002). Tratava-se de uma planilha cujo objetivo era apreender toda uma gama de informações que analisadas em conjunto, deveria representar a complexa problemática urbana (Corbusier In: Sert, 1955). 3 As cidades tinham se transformado e havia necessidade de se criar novos espaços de moradia e convivência. Na Europa, tecidos urbanos historicamente densos haviam sido destruídos pela Guerra. Nos Estados Unidos as áreas dos subúrbios estavam se expandindo espacialmente. 7. AS REAÇÕES: CONSEQUÊNCIAS ESPACIAIS E SIGNIFICADO NA CONSTRUÇÃO DO CAMPO O historiador Eric Munford (2002) aponta os esforços do CIAM em sua terceira fase xxxiii para encontrar nova base para uma arquitetura social. “El corazón de La ciudad” demonstra que tentativas e esforços neste sentido foram realizadas através da busca por um novo mercado de trabalho e da reflexão crítica referente às conseqüências urbanas da aplicação das ideias modernistas. Depois da IIª Guerra o Modernismo tinha encontrado nos Estados Unidos um campo fértil para suas realizações profissionais xxxiv , mas para se adequar ao novo mercado de trabalho assimilou algumas características do planejamento americano xxxv que de certa forma influenciou a temática do 8º CIAM e contribuiu para a mudança de foco em relação aos anteriores. Os espaços de ninguém xxxvi foram deixados de lado para explorar os espaços com função social, a habitação mínima foi esquecida em prol da preocupação com o macroespaço coletivo e todas as discussões tiveram como objetivo dar mais qualidade à vida em comunidade (Sert, 1955). Interessantemente a reflexão crítica do 8º CIAM foi calcada sobre as obras dos seus membros mais expressivos como Corbusier, Sert, Giedión, Walter Gropius e Neutra. Este fato aliado à mudança de temática prenunciava que experiências profissionais poderiam constituir base sólida para o estudo da percepção e conceituação dos espaços no urbanismo xxxvii . Aparentemente esta reflexão permitiu ao 8º CIAM produzir elementos cuja aplicação resultasse em mais qualidade à vida em comunidade. Utilizando um método de planejamento baseado na reconstituição da área central da cidade e na criação de novos centros (Sert, 1955), produziu uma arquitetura que se pretendia símbolo da identidade urbana e marco da vida social, política e econômica de cada comunidade. Mas a solução desta (re) centralização deve ser observada em várias instâncias. A primeira delas é que o método propõe o centro cívico como marco arquitetônico representativo de uma sociedade. Como tal traz subtendida a ideia de que os centros também deveriam contribuir para consolidar a economia e os regimes de governo de cada lugar. Portanto a responsabilidade por sua execução e manutenção caberia ao governo existente. Esta relação entre espaço e governo revela uma faceta da proposta bastante discutível porque a organização da arquitetura por certo poder e sua utilização como meio de propaganda pode representar um problema de ordem social e espacial principalmente se for considerado o possível conflito de seus propósitos com os interesses de certos regimes, caso do capitalismo, por exemplo. Diante desta consideração, cabe a pergunta: Como se comporta uma área criada segundo os princípios modernistas em regimes de governo capitalista? Como é a sobrevivência de suas particularidades formais e funcionais? Apesar de recorrentes na literatura contemporânea, a avaliação pós-ocupação na área da habitação popular pode esclarecer tais questões. Parte significativa da produção habitacional de interesse social promovida pelo Estado Brasileiro, sob a tutela do Banco Nacional de Desenvolvimento – BNH, por exemplo, é resultado da aplicação das idéias modernistas. Presente na maioria das cidades brasileiras, seus conjuntos populares foram responsáveis por modificações importantes na forma destas cidades e em sua estrutura social, política e administrativa. Além deste feito, cabe ressaltar que também contribuíram para divulgar a ideologia do governo dominante – no caso brasileiro, principalmente a ditadura militar (Braz, 2004). Em geral estes conjuntos apresentam áreas de convivência social, aparentemente planejadas ao modo do centro cívico, que por sua centralidade ou funções teriam um importante papel integrador. Têm-se como regra geral que estas áreas se transformam, perdem certas particularidades formais e funcionais e adquirem outras (Braz, 2004). A segunda instância é que o método propõe o centro cívico como sendo “o lugar” para o qual todas as pessoas devem convergir. Deste princípio se subtende que a massa social era responsável por garantir a sobrevivência do lugar. No entanto para prescrever suas atividades se desprezava a influência da área do entorno quanto à sua capacidade de também produzir movimentos. E esta pode ser a explicação para o esvaziamento contemporâneo destas áreas. Visto que a mudança das necessidades sociais é um processo urbano intermitente, o centro cívico não poderia ser impermeável ao entorno porque caso suas atividades perdessem atratibilidade, ajustes funcionais estimulariammovimentos advindos dos setores urbanos localizados no entorno e garantiriam sua subsistência. Outras instâncias dizem respeito ao fato de, aparentemente, o método proposto apresentar alguns desvios. Percebe-se que em geral os centros cívicos são espaços simplistas, que tentam manter características corbusianas como o racionalismo funcional, o determinismo e certo sentimentalismo “Sittesque xxxviii (Frampton, 2003) também comum à Unwin. Em consequência e apesar dos bons propósitos, o método não conferiu vitalidade urbana aos centros cívicos e tão pouco resolveu a expansão e dispersão urbanas para o qual foi criado. E esta pode ser outra causa para a atual perda de significado destas áreas. A ausência de vitalidade pode ser consequência de não se contemplar a apropriação espontânea inerente às atividades autônomas, tais como o comércio ambulante, o comércio em quiosques (bancas de jornal, por exemplo) ou o costume de prolongar o comércio até a rua (balcões e mostruários nas calçadas). No segundo caso, talvez o insucesso se deva ao fato de que a aplicação do método demandava um redesenho da cidade que em geral colaborava para sua extensão territorial, haja vista que a implantação do centro preferencialmente ocorria em terrenos livres ou com ocupação rarefeita. O que é isto senão a comprovação de que os modernistas continuavam a promover a expansão das cidades? Hoje, decorridos mais de cinquenta anos da realização do 8º CIAM, ainda se pode observar a suburbanização acontecer em nossas cidades. Muitos bairros populares das cidades contemporâneas são oriundos de grandes conjuntos habitacionais planejados segundo os preceitos dos modernistas. A construção destes conjuntos habitacionais resultou da necessidade de promover a inclusão social de certa população da cidade através da valorização urbanística – aqui vista como o provimento de condições urbanas para se viver com qualidade na cidade. Trata-se de um processo construído sobre certos princípios, segundo os quais os valores da cidade são baseados em noções de eficácia, higiene, saúde, espaços abertos, áreas verdes, etc. Do que estamos falando? Dos mesmos princípios da Carta de Atenas. Em geral estes bairros populares dispõem de equipamentos comunitários implantados de forma concentrada em torno de (ou em) uma praça onde se percebe claramente muitas das características formais do centro cívico. Em relação à sua projetação, certamente em um primeiro momento seus projetistas tinham a intenção de proporcionar um espaço para as pessoas interagirem socialmente. Em tese a praça deveria ser lugar de manifestações esportivas, festivas, comemorativas e políticas. Mas em um segundo momento xxxix o determinismo arquitetônico e o racionalismo funcional criaram condições para que a praça se tornasse um espaço marginal xl . Hoje os centros cívicos destes conjuntos habitacionais, muitos transformados em bairros populares, tornaram-se áreas segregadas e deterioradas. Têm problemas de manutenção porque o estado tem dificuldades em provê-la, seja por deficiência de quadro funcional, seja por dificuldade em obter verbas necessárias, seja por dificuldade em tratar com lisura a coisa pública. Sua degradação dificulta a animação urbana e às vezes a impede. A par de suas manifestações nos subúrbios contemporâneos, a aplicação de princípios do método também se manifesta em áreas centrais das cidades. No caso brasileiro, por exemplo, se manifesta através do projeto MONUMENTA xli em cujo resultado concreto se observa certo insucesso em termos de uso – principalmente no caso da praça localizada em áreas históricas centrais cujo entorno tem funções predominantemente comerciais e de serviços. Nos últimos tempos muito se tem falado sobre a questão da revitalização dos centros históricos em uma discussão que se polariza entre opostos. De um lado é vista como estratégia de preservação e revalorização de tecidos degradados das cidades e de outro, como processos de gentrificação, com a expulsão dos habitantes historicamente enraizados e a transformação de centros históricos em simulacros da vida tradicional voltados aos turistas. Estas áreas invariavelmente se transformaram em cenários de um passado subjetivado, reinterpretado distante da realidade contemporânea. Cite-se, por exemplo, alguns casos brasileiros: os centros históricos do Recife (Bairro Bom Jesus), São Luís e Salvador (Pelourinho) ou ainda os conjuntos urbanos que envolvem praças e edifícios como a Praça Pedro II, o Teatro 4 de Setembro e o Clube dos Diários em Teresina, a Praça da Sé e a Estação da Luz em São Paulo, ou a Praça XV e a Estação das Barcas no Rio de Janeiro. Quando a reconstrução intenta a reabilitação – caso de praças localizadas de forma pulverizada na cidade – não se consegue evitar o esvaziamento destas áreas que se mantém agravado pelo enclausuramento do espaço ou pela mudança de objetivo. O enclausuramento se justifica por que as autoridades precisam proteger o patrimônio público da ação de marginais e a mudança de objetivos decorre da adequação a novas necessidades. Ambas diminuem a qualidade da vida em comunidade. Muitas praças se transformam, por exemplo, em áreas para estacionamentos de veículos e depois se constata que a reconstrução não resolve o problema de apropriação. É notório que estas áreas das cidades, centros históricos ou praças pulverizadas, desprovidas do “olhar das ruas” em certos momentos do dia, apresentam altos índices de criminalidade que dificultam ou inviabilizam sua apropriação depois de reconstruídas. Trata-se de um paradoxo: embora valorizadas urbanisticamente elas não se valorizam do ponto de vista do uso. Sem animação urbana, não retratam o modo de vida procurado pelos modernistas no período posterior a segunda guerra. Hoje a praça é até vista como um problema. São apenas planos abertos no jogo dos cheios e vazios da cidade. São meros instrumentos de ventilação urbana e de modo geral têm atividades incompatíveis com as necessidades do entorno. No entanto acreditamos que o CIAM não pode sozinho levar a culpa por tudo que se produziu de ruim em matéria de arquitetura nos últimos cinqüenta anos. Há de se considerar que os desvios de sua arquitetura também devem ser creditados àqueles – autoridades públicas e especuladores – que ao se apropriaram de forma indevida dos princípios modernistas acabaram por gerar espaços inadequados do ponto de vista artístico/plástico e funcional/de uso. Hoje do ponto de vista urbanístico, parece que alguns destes lugares já não têm solução na cidade contemporânea. O que fazer com eles? Este é um problema cuja solução exige a valorização destas áreas em uma perspectiva de novas formas de organização social e de desenho. Mas “o que fazer?” nos remete à essência do mesmo problema com que se deparou o CIAM nos anos pós-guerra. Giedión que em 1940 ao publicar “Espaço, tempo, arquitetura” já se indagava: "Quais são as exigências que um urbanista deve atender hoje? Quais são seus objetivos? Qual será sua atitude em face de seu trabalho?" (Giedion, 1961, p742) Estas perguntas estão presentes todas as vezes que o urbanista é chamado a desempenhar uma atividade de projeto. São questões que encaminham a proposta. São perguntas que revelam as dificuldades nas relações entre o urbanismo e a cidade, entre o urbanismo e a sociedade e enfaticamente entre o urbanista e seu objeto de trabalho (Meyer). Passados mais de cinquenta anos, as perguntas de Giedión, apesar de inúmeras tentativas, permanecem sem resposta. No entanto são as tentativas que constroem o saber urbano. É o caso do 8º CIAM cujas discussões e obra possibilitam falar na sua contribuição para aconstrução do campo do urbanismo. Ao colocar em discussão suas proposições dogmáticas através de sua obra, os modernistas fizeram um “mea culpa” e construíram um instrumental que pudesse reparar os desvios de sua arquitetura, tais como: a monotonia da paisagem, a quantificação exagerada das necessidades humanistas, a criação dos espaços de ninguém, a monumentalidade dimensional, o conflito entre o “bem estar social” mediado pelo estado e a sociedade capitalista, o descaso com os centros históricos, a desconsideração da importância da historia, a forma urbana fechada e utópica, a dispersão social, a estética excludente e a ausência da subjetividade dos arquitetos e urbanistas. Trata-se de um “mea culpa” com aspectos que o tornam inusitado. Aponta o seio do Movimento Moderno como local das primeiras críticas ao seu discurso e revela o caráter heterogêneo de seu pensamento. De todo este processo autocrítico, além de assinalar seu principal erro: - acreditar no desenho e desprezar a substância eminentemente social da construção da cidade, se pode constatar que o CIAM também abriu um caminho na construção do campo urbanístico baseado na reafirmação da importância dos aspectos sociais e simbólicos do ambiente construído. Ao acreditar que era possível reconstituir as relações entre a sociedade e a cidade e ao promover uma renovação teórica para superar os problemas urbanos, o 8º CIAM alçou o urbanismo à condição de disciplina, portadora de uma prática e de uma teoria. Como à época do 8º CIAM hoje a problemática urbana ainda constrange a vida das pessoas. O desafio ainda é o mesmo – criar condições de oferecer uma vida mais humana aos cidadãos. Porém na atualidade este objetivo tem um complicador a mais: - o crescimento das redes globalizadas de comunicação que em razão do avanço tecnológico afasta as pessoas do contato real e as insere em uma cidade virtual. Como interferir nesta nova cidade? Hoje diante de tais dificuldades, como à época do CIAM, fica claro que o modo de construir a cidade também precisa ser revisto contanto que se reconheça como elemento fundamental da atividade urbanística a necessidade de “ter uma concepção da vida tal como transcorre em nosso tempo” (Giedión, 1961, p.744). Significa dizer que o principal ao planejar uma cidade é procurar conhecer as exigências de sua sociedade, reencontrar seus objetivos e estabelecer novos procedimentos em face de um novo desempenho. Estas são ações legitimas do urbanismo no tratamento dos assuntos urbanos. Questionar a forma como são executadas e sempre rever seus resultados constituem o caminho que conduz ao aperfeiçoamento do saber urbano. Como em 1951, hoje também prevalece a consciência de que o papel do urbanista é dar forma a síntese dialética do complexo campo cultural de que somos parte, é criar um ambiente que expresse a realidade e os problemas de nossos dias (Ernesto Rogers In: Sert, 1955, p71). Para tanto o meio utilizado àquela época ainda permanece eficaz: - manter um estreito diálogo entre a teoria e a prática. Ao promover a revisão do seu procedimento, o CIAM revelou o que deve ser a essência da atividade do urbanista: Confrontar sua teoria com a realidade urbana! Este é o seu legado e por tal feito, o 8º CIAM e seu método de planejamento deveriam ser alçados ao mesmo patamar de importância histórica no qual se encontram o 4º CIAM e a Carta de Atenas. BIBLIOGRAFIA BRAZ, Ângela. Do projeto a realidade. Dissertação de Mestrado defendida junto a Universidade Federal de Pernambuco em julho de 2004. CHOAY, Françoise. Destinos da cidade européia: séculos XIX e XX. In: Cidades: desenhos, desejos e destinos. 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Exilou-se nos USA em 1939 onde exerceu atividades como projetista. Fezprojetos para a Europa, USA e América do Sul (Fonte: www.cc.columbia.edu/cu/cup acesso em 11 de maio/2007). iii “El corazón de la ciudad” é a versão espanhola do Relatório do 8º CIAM traduzida por Jayme Esteve (arquiteto) e J.J. Permayer. Foi publicada em 1955 e está dividida em quatro partes. A primeira apresenta os trabalhos preparados previamente à realização do congresso que se destinavam a fundamentar suas discussões. A segunda parte se constitui de projetos e propostas gráficas apresentadas como “a obra” deste CIAM. A terceira parte condensa de forma resumida por Giedión todas as resoluções do congresso que doravante deverão ser encaradas como diretrizes para a atuação profissional. E a quarta parte consiste em um texto de Corbusier sobre a metodologia das propostas feitas para o 7º CIAM. A versão original do Relatório do 8º CIAM foi publicada originalmente em inglês no ano 1952 com o título “The Heart of the City”. iv Ernesto Nathan Rogers, arquiteto milanês, membro dos CIAM desde 1933 e diretor da Revista Casabella. v Outros motivos foram: expatriações de arquitetos europeus, publicações (livros, revistas, etc) e as viagens realizadas por membros do movimento em busca de mercados de trabalho. Le Corbusier, Sert e F.L.Whrigth, por exemplo, fazem viagens à América do Sul e dão início neste continente à formação das redes em torno das artes. Le Corbusier em 1929 vai à Argentina, Paraguai e Brasil e posteriormente descreve esta viagem em “Precisões”. Depois retorna em 1936 (Rio de Janeiro), 1947 (Bogotá e Rio de Janeiro) e 1966 (Brasília). vi Resolução do 4º CIAM ocorrido em Atenas na Grécia, em 1933. vii O autor, Eric Paul Munford não é parente de Lewis Munford. viii Depois de trabalhar em 1931 com Le Corbusier na França e após a guerra espanhola, Sert em 1930 deixou o continente europeu e se exilou em New York. Á época do 8º CIAM quando foi seu Presidente, o arquiteto catalão já estava radicado nos Estados Unidos. ix Grupo inglês do CIAM. x Por causa da guerra, àquela época todos estavam residindo e trabalhando nos Estados Unidos. xi Defendia uma estética urbana e regional com base no novo monumento que deveria ser a “expressão das mais altas aspirações culturais do homem”, para “satisfazer a eterna demanda do povo para traduzir seu esforço coletivo em símbolos”. (Meneguello, 2007). xii Seu pensamento é condensado e publicado sob a forma de livro em “Espaço, tempo e Arquitetura” (edição inglesa publicada em 1941), depois em El corazon de La ciudad (8º CIAM, 1951) e posteriormente em “Arquitetura e comunidade” cuja primeira edição, alemã, data de 1956. xiii Tradução da autora. xiv O centro cívico contém dois princípios básicos relacionados à sua centralidade: um geométrico relacionado ao desenho urbanístico e outro funcional – relacionado ao uso que se faz dele. Às vezes eles coincidem em outras não. A não coincidência pode ser um reflexo das condições topográficas particulares ou de certos fatores sociológicos e históricos. xv Tradução da autora. xvi Tradução da autora. xvii A poluição ambiental deveria ser subtraída ao tempo em que o paisagismo deveria harmonizar com os edifícios em termos de formas arquitetônicas, materiais e cores utilizadas. xviii Publicado em Plastique, editado por Sophie Tauber-Arp, Nº 1, Paris 1937. xix Prefácio para o escultor Bem Nicholson, Londres, 1937. xx Publicado in: Paul Zucker, New Architecture and Citty Planning, Nova York, 1944. xxi Historiador, crítico, urbanista, arquiteto e engenheiro italiano falecido em 1930. Criador da “Teoria da Restauração” xxii Observe-se que o discurso do CIAM em prol da utilização do centro cívico se faz na direção de uma informação histórica – a área central das cidades antigas. xxiii Em relação ao urbanismo, convém abrir um parêntesis para ressaltar certas nuances de se construir em um contexto atual com base em informações apreendidas no passado (Huyssen, 2000). Neste caso a construção de um espaço é sempre uma reconstrução com base no contexto de uma época e, portanto se corre o risco de construir um cenário com apropriação limitada. Na verdade, a história como método de pensar consiste em uma leitura ou interpretação e, portanto nunca será absolutamente neutra. Significa dizer que sua utilização aplicada na construção da cidade, exigirá do arquiteto uma interpretação contemporânea. Ele deverá evitar a prática cenográfica (edifícios novos em estilos antigos, por exemplo). xxiv O método também determinava que os diversos centros devessem ser espalhados na cidade graduados segundo um padrão de convivência desde que interligados a um centro principal e que poderiam assumir formas diferentes como funções de sua posição na estrutura espacial. xxv Referência a Sitte feita pela Prof. Ana Beatriz Galvão em palestra intitulada “Pensamento Urbanístico Moderno Brasileiro” realizada em 29/agosto/2007 na Disciplina Seminários Avançados II do PPGAU/UFBA. xxvi (1863 – 1940) xxvii Hampstead, localizada ao norte de Londres, foi imaginada inicialmente como uma comunidade. Não era prevista como autônoma, configurava-se apenas como um subúrbio da capital inglesa. xxviii Unwin também escreveu “Nothing by overcrowding” (1912). Trata-se de uma reflexão histórica sobre a forma urbana face ao empobrecimento estético e qualitativo e à uniformização observada na produção recente (á época) de cidades e bairros. xxix E em última instância, em Camillo Site. Isto se considerarmos que as sugestões de Unwin para o desenho e a conformação das praças de sua cidade-jardim estão respaldadas no estudo de Camillo Sitte, que dedica grande parte da „Construção de cidades segundo princípios artísticos‟ ao exame das praças e a distinguir os princípios que regulamentam seu desenho, recorrendo sobremaneira aos exemplos deixados pela Idade Média (Rêgo, 2001). xxx Há vários registros da passagem de Unwin nos Estados Unidos em várias datas. Cita-se, por exemplo, 1922 quando foi ao país atuar como consultor no planejamento regional de New York; 1925 quando participou do Congresso Internacional de Planejamento Regional e das Cidades Jardins promovido pelo Instituto Americano de Arquitetos de New York; e em 1934 quando foi visitar as maiores cidades americanas a convite do governo. Em 1937 recebeu o título de “Doctorate Honorary” da Universidade de Harvard e entre 1936 e 1940 foi professor visitante da Universidade de Colúmbia. Unwin faleceu em 1940 na casa de sua filha em Connecticut, Estados Unidos (Jackson, 1985). xxxi Sert foi Professor em Harvard a partir de 1942, tendo substituído Gropius, como diretor, a partir de 1953. Encerrou suas atividades em Harvard no ano 1969. xxxii Proposta de hierarquização de tráfego onde o sistema de circulação é composto por sete tipos de vias: autopistas, avenidas urbanas para tráfego monumental, ruas de tráfego veloz, ruas com lojas, ruas de penetração às zonas residenciais, ruas de serviço nas zonas residenciais e passeios para pedestres com arborização. xxxiii A primeira fase do CIAM foi de influencia da Bauhaus e se desenvolveu predominantemente na Europa. A segunda fase foi centrada em Le Corbusier, arquiteto francês que difundiu suas idéias além das fronteiras francesas e européias. A terceira fase consiste em período posterior a segunda guerra mundial. xxxiv O país atraia urbanistas europeus fugidos da guerra ou em constantes visitas, seja como técnicos contratados ou para participar de eventos da categoria. Além do mais, o Conselho Diretor do 8º CIAM era composto por grande número de arquitetos naturais ou europeus radicados nos Estados Unidos. Entre os primeiros encontramos:Paul L. Wiener, Lomberg Holm, S. Chermayeff, Richard Neutra, Walter Gropius, etc. Entre os segundos estão: Giediónxxxiv, Sert, Mies Van de Rohexxxiv, dentre outros (Gomes, 2007a). xxxv O planejamento nos Estados Unidos era fundamentado no capitalismo e tinha pouca ou nenhuma carga utópica. Sua arquitetura era desvinculada do contexto físico e histórico (Venturini, 2003). xxxvi Referência que se faz à indefinição entre o espaço público e o espaço privado. xxxvii Outra forma de perceber e conceituar espaços consiste em fazer estudos analíticos e descritivos do comportamento dos usuários em seu cotidiano. xxxviii Ao estilo de Camilo Sitte. xL Este segundo momento acontece quando da assimilação do conjunto habitacional como parte da cidade. Trata-se de processo que de certa forma, apesar do tempo de apropriação, ainda não aconteceu na maioria dos casos. xl A conclusão se deve a minha experiência como Chefe do Setor de Atendimento ao Mutuário, departamento responsável por elaborar projetos de reformas de habitações e áreas livres dos conjuntos construídos pela COHAB-PI. xli Programa do Governo Federal Brasileiro para conservação de áreas urbanas históricas.