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Texto 004 Principio da Legalidade L Palsen

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24. Os diversos tipos de normas: princípios, regras e normas de colisão
As normas jurídicas podem consistir em regras ou em princípios, conforme a sua estrutura normativa.
São regras quando estabelecem simples normas de conduta, determinando ou proibindo que se faça algo concreto, de modo que serão observadas ou infringidas, não havendo meio-termo. 
Como exemplos, temos a norma que atribui à União a competência para instituir imposto sobre a renda (art. 153, III, da CF) e a norma que proíbe os entes políticos de instituírem impostos sobre o patrimônio, renda e serviços uns dos outros (art. 150, VI, a, da CF). 
Também são regras o dispositivo legal que estabelece o vencimento dos tributos em 30 dias contados da notificação do lançamento no caso de a legislação não fixar o tempo do pagamento (art. 160 do CTN), e aquele que estabelece multa moratória para o caso de pagamento em atraso (art. 61 da Lei n. 9.430/96).
Em eventual conflito de regras, verifica-se a validade de cada qual e sua aplicação ao caso pelos critérios cronológico (lei posterior revoga lei anterior) e de especialidade (norma especial prefere à norma geral), definindo-se qual delas incidirá.
São princípios quando indicam valores a serem promovidos, de modo que impõem a identificação da conduta devida em cada caso concreto, conforme suas circunstâncias peculiares. Como exemplos, temos a determinação de que os impostos, sempre que possível, sejam pessoais e graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1o, da CF) e a vedação à instituição de tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente (art. 150, II, da CF). Em face de um princípio, teremos de construir a regra para o caso concreto.
Ocorrendo colisão de princípios, trabalha-se de modo a construir uma solução que contemple os diversos valores colidentes, ponderando-os de modo a fazer com que prevaleça, na medida do necessário, aquele que tenha mais peso em face das circunstâncias específicas sob apreciação117. e cujo afastamento seria menos aceitável perante o sistema como um todo.
As regras, pois, caracterizam-se como sendo razões definitivas, prescrições que impõem determinada conduta, enquanto os princípios são razões prima facie, prescrições de otimização.
Mas há ainda normas com características específicas que podem ser destacadas das demais e que costumam ser consideradas, também elas, princípios ou ser designadas normas de colisão.
São aquelas que orientam o aplicador do direito quando da análise das normas-regra e das normas-princípio pertinentes ao caso, habilitando-o a verificar sua consistência normativa, sua validade e sua aplicabilidade. Conforme Humberto Ávila, cuida-se de metanormas que estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas. São elas a razoabilidade, a proporcionalidade e a vedação do excesso, caracterizando-se como postulados normativos aplicativos, ou simplesmente postulados. Situam-se num plano distinto daquele das normas cuja aplicação estruturam, sendo que as exigências decorrentes dos postulados vertem sobre outras normas, não para lhes atribuir sentido, mas para estruturar racionalmente a sua aplicação, de modo que “sempre há uma outra norma por trás da aplicação da razoabilidade, da proporcionalidade e da excessividade”, de forma que “só elipticamente é que se pode afirmar que são violados os postulados”, pois, “a rigor, violadas são as normas — princípio e regras — que deixaram de ser devidamente aplicadas”118. 119..
25. A relação entre os princípios e as limitações constitucionais ao poder de tributar
Costuma-se tomar as limitações constitucionais ao poder de tributar como princípios constitucionais tributários, mas esse critério não é tecnicamente correto. O rol de limitações, constante do art. 150 da CF, traz princípios e regras, conforme a estrutura normativa de cada qual, além do que há outros princípios que podem ser extraídos do sistema.
No art. 150 há garantias que constituem inequivocamente regras, como é o caso da anterioridade tributária, norma de conduta a ser simplesmente cumprida pelo legislador tal como posta. Mas também há princípios expressos, como o da isonomia, a ser considerado e ponderado nas mais diversas situações, conforme as circunstâncias e os interesses em questão.
De outro lado, há princípios que não constam expressamente do art. 150, como o da segurança jurídica em matéria tributária, o qual tem de ser construído por dedução do princípio do Estado de direito e por indução a partir das regras de legalidade, de irretroatividade e de anterioridade, bem como, dentre outros elementos, das referências à decadência e à prescrição. Outros princípios não constam do art. 150, mas têm suporte expresso em outro dispositivo, como é o caso do princípio da capacidade contributiva, estampado no art. 145, § 1o, da Constituição Federal.
26. Princípios gerais de direito tributário120.
A Constituição Federal não traz um rol de princípios em matéria tributária. É preciso pinçá-los aqui e acolá no texto constitucional.
Podemos arrolar os seguintes princípios gerais de direito tributário: princípios da capacidade contributiva (graduação dos tributos conforme as possibilidades de cada um, sem incorrer na tributação
do mínimo vital, de um lado, tampouco em confisco, de outro), da capacidade de colaboração (a instituição de deveres de colaboração ao contribuinte e a terceiros conforme esteja ao seu alcance), da isonomia (não estabelecimento de diferenças em matéria tributária sem razão suficiente embasada no critério da capacidade contributiva ou na efetiva e justificável utilização extrafiscal do tributo), da segurança jurídica (principalmente como garantia de certeza do direito, servido pelas regras da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade) e da praticabilidade da tributação.
27. Princípio da capacidade contributiva
A capacidade contributiva não constitui apenas um critério de justiça fiscal capaz de fundamentar tratamento tributário diferenciado de modo que seja considerado como promotor e não como violador da isonomia. Configura verdadeiro princípio a orientar toda a tributação, inspirando o legislador e orientando os aplicadores das normas tributárias.
A maior parte da doutrina diz tratar-se de um princípio de sobredireito ou metajurídico, que deve orientar o exercício da tributação independentemente de constar expressamente da Constituição.
De qualquer modo, a previsão de graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, expressa no art. 145, parágrafo único, da CF, constitui positivação do princípio da capacidade contributiva, suscitando inúmeros questionamentos, principalmente quanto à sua extensão.
Embora o texto constitucional positive o princípio da capacidade contributiva em dispositivo no qual são referidos apenas os impostos — que devem, sempre que possível, ser pessoais e graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, parágrafo único, da CF) —, cuida-se de princípio fundamental de tributação aplicável a todas as espécies tributárias, ainda que de modo distinto conforme as características de cada qual.
Decorre desse princípio, basicamente, que o Estado deve exigir das pessoas que contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade econômica, de modo que os mais ricos contribuam progressivamente mais em comparação aos menos providos de riqueza121. 122.. KLAUS TIPKE destaca que o “princípio da capacidade contributiva não pergunta o que o Estado fez para o cidadão individual, mas o que este pode fazer para o Estado. Isto se harmoniza com o princípio do Estado social”123..
PRINCIPIO DA LEGALIDADE
52. Legalidade tributária
Impende distinguirmos a legalidade geral, de um lado, da legalidade tributária, de outro.
A legalidade geral é a referida no art. 5o, II, da CF, que se limita a prescrever que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 273.. Tal nem sequer precisaria estar expressono texto constitucional, porquanto resulta do próprio princípio do Estado de direito274..
MANUEL AFONSO VAZ refere, inclusive, que a própria expressão “reserva da lei” já não se mostra tecnicamente significativa275., pois, em um Estado de direito democrático, não se circunscreve a nenhuma matéria especificamente, constituindo garantia geral. 
A legalidade tributária, por sua vez, agrega à garantia geral da legalidade um conteúdo adicional, qualificando-a em matéria de instituição e de majoração de tributos.
Vejamos o enunciado da legalidade tributária constante do art. 150, I, da CRFB: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I — exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. A referência não apenas a “exigir”, mas especificamente a “aumentar”, torna inequívoco que inclusive o aspecto quantitativo do tributo precisa estar definido em lei, seja mediante o estabelecimento de um valor fixo, da definição de uma base de cálculo e de uma alíquota, do estabelecimento de uma tabela, ou por qualquer outra forma suficiente que proveja critérios para a apuração do montante devido. A lei é que estabelece o quantum debeatur e somente a lei pode aumentá-lo, redefinindo seu valor, modificando a base de cálculo, majorando a alíquota. 
Violaria frontalmente a legalidade tributária uma cláusula geral de tributação que permitisse ao Executivo instituir tributo276.. Seria o caso da lei que autorizasse o ente político, por exemplo, a cobrar taxas pelos serviços que prestasse ou contribuições de melhoria pelas obras que realizasse, estabelecendo apenas critérios gerais e deixando ao Executivo a especificação, para cada serviço ou obra, da sua hipótese de incidência, do contribuinte e do valor. 
Aliás, não há a possibilidade de nenhuma delegação de competência legislativa ao Executivo para que institua tributo, tampouco para que integre a norma tributária impositiva, ressalvadas apenas as atenuações constitucionais que se limitam a permitir, relativamente a alguns poucos tributos expressamente indicados, a graduação de alíquotas nas condições e limites de lei (art. 153, § 1o) 277. ou, simplesmente, sua redução ou restabelecimento (art. 177, § 4o, b) 278.. Essas hipóteses reforçam o entendimento de que, em todos os demais casos, nem sequer atenuação será possível, restando vedada a integração da norma tributária impositiva pelo Executivo, que deve se limitar a editar os regulamentos para a fiel execução da lei 279..
Como se vê, a legalidade tributária exige que os tributos sejam instituídos não apenas com base em lei ou por autorização legal, mas pela própria lei. Só à lei é permitido dispor sobre os aspectos da norma tributária impositiva: material, espacial e temporal, pessoal e quantitativo. A legalidade tributária implica, pois, reserva absoluta de lei, também designada de legalidade estrita.
A análise do atendimento ou não, por uma lei, à reserva absoluta faz-se, pois, pela verificação da determinabilidade da relação jurídico-tributária mediante o critério da suficiência. A lei deve necessariamente conter todas as referências necessárias, em quantidade e densidade, para garantir a certeza do direito. Deve poder ser possível determinar, com suporte na própria lei, os aspectos da norma tributária impositiva, de modo que o contribuinte conheça os efeitos tributários dos atos que praticar ou posições jurídicas que assumir, independentemente de complementação de cunho normativo por parte do Executivo, ainda que a título de regulamentos intra legem.
Isso não significa, contudo, que todos os cinco aspectos da norma tributária impositiva (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo) devam constar na lei de modo expresso. Há situações em que, embora a lei não ostente formalmente todos os aspectos de modo claro e didático, é possível deduzi-los implicitamente ou à luz da respectiva norma de competência. A falta de referência ao sujeito ativo do IPTU, por exemplo, deve ser interpretada como simples ausência de delegação de tal posição a nenhum ente, mantendo-a o próprio Município. A ausência de indicação do aspecto temporal da norma em tributo com fato gerador instantâneo faz com que se considere ocorrido no momento mesmo em que a situação se configura no plano fático. Outro exemplo importante é o que decorre da aplicação do art. 22, I, a, da Lei n. 8.212/91, que não especifica claramente o fato gerador, mas que permite que seja identificado como a realização do pagamento ou creditamento cujo montante constitui sua base de cálculo.
A conclusão sobre a completude da norma tributária impositiva depende, portanto, não de uma análise simplesmente literal da lei, mas, isto sim, da possibilidade de determinar os seus diversos aspectos ainda que mediante análise mais cuidadosa do seu texto e da consideração do tipo de fato gerador, da competência do ente tributante e dos demais elementos de que se disponha em lei, desde que seja desnecessário recorrer a atos normativos infralegais.
O STF considera inconstitucional, por violação ao princípio da legalidade, a Taxa de Serviços Administrativos da Suframa, pois a Lei n. 9.960/2000 não fixou os critérios da hipótese de incidência tributária 280.. E, cuidando das anuidades dos conselhos de fiscalização profissional, disse da inconstitucionalidade do art. 2o da Lei n. 11.000/04, que deixava de estabelecer o montante devido, tampouco definia valores máximos, e, em vez disso, deixava às respectivas Diretorias a livre fixação, por ato infralegal, da anuidade devida 281.. Questão semelhante diz respeito à “matéria alusiva à validade da exigência da taxa para expedição da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), baseada na Lei n. 6.994/82, a qual estabeleceu limites máximos para a ART, até o valor de 5 MVR”, mas, nesse caso, o STF entendeu que, por se tratar de taxa, a delegação era válida 282..
Não há impedimento à utilização de tipos abertos e de conceitos jurídicos indeterminados, até porque todos os conceitos são mais ou menos indeterminados, desde que tal não viole a exigência de determinabilidade quanto ao surgimento, sujeitos e conteúdo da relação jurídico-tributária, não se admitindo que a sua utilização implique delegação indevida de competência normativa ao Executivo.
Também não é vedada a utilização de norma tributária em branco que exija a consideração de simples dados fáticos ou técnicos necessários à sua aplicação. Assim, entendeu o STF que a contribuição ao SAT, de 1% a 3%, conforme o grau de risco da atividade preponderante, determinado por força de estatísticas do Ministério do Trabalho (art. 22, III, e § 3o, da Lei n. 8.212/91), é válida 283.. Inadmissível é a norma tributária em branco que exija integração normativa pelo Executivo.
A definição em abstrato dos aspectos da norma tributária impositiva está sob reserva legal. A definição “em concreto” diz respeito a momento posterior, de aplicação da lei. Cabe ao legislador, ao instituir um tributo, definir o antecedente e o consequente da norma. A lei, por definição, tem o atributo da generalidade. A previsão legal identifica, e.g., qual o aspecto quantitativo, indicando a base de cálculo e a alíquota. O montante exato da base de cálculo será verificado em concreto, por ocasião da aplicação da lei. Assim é que a base de cálculo do IR é o montante da renda ou dos proventos, sendo que, por ocasião da sua aplicação, verifica-se o que corresponde a cada contribuinte. Idêntica é a situação relativamente ao ITR, para o qual a base de cálculo prevista em lei é o valor venal do imóvel, assim considerado o valor da terra nua tributável. É claro que a lei não poderia dizer quanto custa um hectare de terra em cada ponto do país; tal já não é mais atribuição do legislador. Ao legislador cabe dizer que a base de cálculo é o valor venal e qual a alíquota; ao aplicador, apurar e calcular o tributo em concreto.
Nenhum impedimento haveria, pois, relativamente ao IPTU, que a lei dissesseque a base de cálculo é o valor venal do imóvel e que, por ato infralegal, se estabelecesse a chamada planta fiscal de valores, que é a referência com o valor do metro quadrado por tipo de construção e localização. A planta fiscal de valores é simples subsídio para a autoridade fiscal promover o lançamento do IPTU; não está no plano da instituição do tributo, da definição abstrata dos aspectos da norma tributária impositiva, mas da sua aplicação. É matéria para atos infralegais. Aliás, Geraldo Ataliba já destacava que a planta de valores se insere na categoria de atos administrativos que incumbem ao Executivo, para instrumentar a ação dos agentes, viabilizando a fiel execução da lei. Entretanto, os precedentes do STF são no sentido de que a planta fiscal de valores deve constar em lei, o que também é frisado na Súmula 13 do Tasp
O estabelecimento de regimes tributários de apuração e recolhimento, com a definição dos períodos de apuração do IPI e do ICMS, por exemplo, ou do seu pagamento por estimativa, também depende de lei 284..
A publicação da lei é requisito indispensável, pois aperfeiçoa o processo legislativo. Sem publicação, não há lei.
As medidas provisórias, tendo força de lei, são aptas a instituição ou majoração dos tributos para os quais se faça necessária lei ordinária 285.. Ainda que, após a EC 32, haja limitações temáticas à edição de medidas provisórias (art. 62, § 1o, da CF), tal como ocorria com o antigo Decreto-Lei, tais limitações não atingem a área tributária. Dever-se-ão observar apenas as restrições impostas pelo art. 246 da CF 286. e a impossibilidade de tratar de matéria reservada à lei complementar (art. 62, § 1o, III).
A jurisprudência aponta alguns temas que não exigem lei em sentido estrito. Quando a lei prevê que haja correção monetária da base de cálculo ou mesmo do montante devido a título de determinado tributo, pode o Executivo definir o indexador e promover a atualização das tabelas indicativas para apuração da base de cálculo do IPTU, por exemplo287.. Efetivamente, dispõe o CTN: “Art. 97 [...] § 2º “Não constitui majoração de tributo [...] a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”.
É válida, portanto, a definição, pelos conselhos de fiscalização profissional, do valor exato das anuidades que lhes são devidas, mediante simples aplicação do INPC sobre os valores estabelecidos pela Lei n. 12.514/11, que determina expressamente tal atualização.
Assim, a atualização monetária depende de previsão legal, mas tal reserva de lei não é absoluta, na medida em que a atualização não implica instituição ou majoração de tributo, mas, pelo contrário, a manutenção do seu conteúdo econômico. Entretanto, se, a pretexto de atualizar monetariamente a base de cálculo, o poder público determinar a aplicação de índice que supera a inflação real, estará majorando indiretamente o tributo, o que não poderá ser admitido, conforme já restou, inclusive, sumulado pelo STJ:
“É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária” (Súmula 160 do STJ).
O prazo para recolhimento do tributo não constitui elemento da hipótese de incidência. Trata-se de simples disposição sobre a operacionalização de pagamento relativo à obrigação principal estabelecida por lei, não acrescendo nenhuma obrigação ou dever. Pode, assim, ser estabelecido por simples ato administrativo infralegal 288.. Mas, se o legislador ordinário tratar da matéria, estabelecendo o prazo de vencimento a ser observado, vinculará o Fisco, de modo que não poderá haver alteração por Portaria289..
Quanto às obrigações acessórias, a matéria é bastante delicada. É certo que o art. 150, I, da CF diz respeito tão somente à obrigação tributária principal, não alcançando as obrigações acessórias. Também não há dúvida de que o CTN leva ao entendimento de que poderiam ser instituídas pela legislação tributária em sentido amplo, incluindo os atos normativos infralegais, como decorre de interpretação combinada dos seus arts. 96, 100, 113, § 2o, e 115. Também não se pode negar que é prerrogativa do sujeito ativo da relação jurídico-tributária regulamentar as questões operacionais relativas ao tributo de que é credor.
Contudo — e apesar da doutrina em contrário a que durante longo tempo aderimos —, não há como afastar, relativamente às obrigações tributárias acessórias, a garantia geral de legalidade estampada no art. 5o, II, da CF. Devem, pois, ao menos ser instituídas em lei, sem prejuízo de que esta permita ao Executivo a especificação dos seus detalhes, já que o art. 5o, II, constitui garantia de legalidade relativa, e não de legalidade absoluta.
Efetivamente, a Constituição enuncia como garantia individual que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão por força de lei, mesmo que a obrigação ou dever não tenha conteúdo econômico direto. Ademais, os chamados deveres formais constituem, sim, ônus gravosos aos contribuintes, os quais têm de despender tempo e dinheiro para o seu cumprimento.
Soma-se a isso tudo a constatação de que os deveres formais como os de prestar declaração não configuram mera operacionalização do pagamento dos tributos. Lembre-se que as obrigações tributárias ditas acessórias têm autonomia relativamente às obrigações principais, tanto que devem ser cumpridas mesmo por entes imunes e por contribuintes isentos (art. 175, parágrafo único, do CTN).
Por fim, não há consistência na afirmação de que apenas a aplicação de multa pelo descumprimento da obrigação acessória é que dependeria de previsão legal específica. Se o consequente da norma punitiva depende de previsão legal, por certo que seu ante cedente deve ser definido pela mesma via legislativa.
Exigir lei para estabelecer que ao descumprimento de obrigação acessória corresponde determinada multa e deixar ao Executivo dispor sobre o pressuposto de fato da norma, ou seja, sobre os deveres formais cuja infração implica sanção, é um contrassenso que viola tanto o art. 5o da CF, como o art. 97, V, do CTN. Note-se que este diz que somente a lei pode estabelecer a cominação de penalidades “para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas”, exigindo, pois, que o pressuposto de fato da sanção seja também disciplinado por lei.

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