Prévia do material em texto
Pedagogia PONTA GROSSA - PARANÁ 2012 LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Paola Andressa Scortegagna Rita de Cássia da Silva Oliveira Flávia da Silva Oliveira FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS CRÉDITOS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância - NUTEAD Av. Gal. Carlos Cavalcanti, 4748 - CEP 84030-900 - Ponta Grossa - PR Tel.: (42) 3220 3163 www.nutead.org 2012 Todos os direitos reservados ao Ministério d Educação Sistema Universidade Aberta do Brasil Colaboradores em Informática Carlos Alberto Volpi Carmen Silvia Simão Carneiro Adilson de Oliveira Pimenta Júnior Projeto Gráfico Anselmo Rodrigues de Andrade júnior Colaboradores em EAD Dênia Falcão de Bittencourt Jucimara Roesler Colaboradores de Publicação Rosecler Pistum Pasqualini– Revisão Vera Marilha Florenzano – Revisão Paulo Henrique de Ramos – Ilustração Vilmar Wrobel – Diagramação Colaboradores Operacionais Carlos Alex Cavalcante Edson Luis Marchinski Thiago Barboza Taques João Carlos Gomes Reitor Carlos Luciano Sant’ana Vargas Vice-Reitor Ficha catalográfica elaborada pelo Setor Tratamento da Informação BICEN/UEPG. Pró-Reitoria de Assuntos Administrativos Ariangelo Hauer Dias – Pró-Reitor Pró-Reitoria de Graduação Graciete Tozetto Góes – Pró-Reitor Divisão de Educação a Distância e de Programas Especiais Maria Etelvina Madalozzo Ramos – Chefe Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância Leide Mara Schmidt – Coordenadora Geral Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Pedagógica Sistema Universidade Aberta do Brasil Hermínia Regina Bugeste Marinho – Coordenadora Geral Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Adjunta Elenice Parise Foltran – Coordenadora de Curso Clícia Bührer Martins – Coordenadora de Tutoria Colaborador Financeiro Luiz Antonio Martins Wosiack Colaboradora de Planejamento Silviane Buss Tupich Scortegagna, Paola andreSSa S423f fundamentoS teóricoS e metodológicoS na educação de JovenS e adultoS / Paola andreSSa Scortegagna e rita de cáSSia da Silva oliveira. Ponta groSSa, uePg/nutead, 2011 122P.il licenciatura em Pedagogia - enSino a diStância. 1. educação de JovenS e adultoS. 2. PolíticaS PúblicaS. 3. ProfeSSoreS da eJa. 4. currículo e a avaliação da eJa. i. oliveira, rita de cáSSia da Silva. ii. t. cdd: 372.414 APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL A Universidade Estadual de Ponta Grossa é uma instituição de ensino superior estadual, democrática, pública e gratuita, que tem por missão responder aos desafios contemporâneos, articulando o global com o local, a qualidade científica e tecnológica com a qualidade social e cumprindo, assim, o seu compromisso com a produção e difusão do conhecimento, com a educação dos cidadãos e com o progresso da coletividade. No contexto do ensino superior brasileiro, a UEPG se destaca tanto nas atividades de ensino, como na pesquisa e na extensão Seus cursos de graduação presenciais primam pela qualidade, como comprovam os resultados do ENADE, exame nacional que avalia o desempenho dos acadêmicos e a situa entre as melhores instituições do país. A trajetória de sucesso, iniciada há mais de 40 anos, permitiu que a UEPG se aventurasse também na educação a distância, modalidade implantada na instituição no ano de 2000 e que, crescendo rapidamente, vem conquistando uma posição de destaque no cenário nacional. Atualmente, a UEPG é parceira do MEC/CAPES/FNED na execução do programas Pró-Licenciatura e do Sistema Universidade Aberta do Brasil e atua em 40 polos de apoio presencial, ofertando, diversos cursos de graduação, extensão e pós-graduação a distância nos estados do Paraná, Santa Cantarina e São Paulo. Desse modo, a UEPG se coloca numa posição de vanguarda, assumindo uma proposta educacional democratizante e qualitativamente diferenciada e se afirmando definitivamente no domínio e disseminação das tecnologias da informação e da comunicação. Os nossos cursos e programas a distância apresentam a mesma carga horária e o mesmo currículo dos cursos presenciais, mas se utilizam de metodologias, mídias e materiais próprios da EaD que, além de serem mais flexíveis e facilitarem o aprendizado, permitem constante interação entre alunos, tutores, professores e coordenação. Esperamos que você aproveite todos os recursos que oferecemos para promover a sua aprendizagem e que tenha muito sucesso no curso que está realizando. A Coordenação ■ PALAVRAS DOS PROFESSORES 7 ■ OBJETIVOS E EMENTA 9 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA MODALIDADE NO BRASIL 11 ■ SEÇÃO 1- OS PRIMÓRDIOS DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL 13 ■ SEÇÃO 2- EDUCAÇÃO DE ADULTOS NA REPÚBLICA 15 ■ SEÇÃO 3- EDUCAÇÃO DE ADULTOS APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 19 ■ SEÇÃO 4- EDUCAÇÃO DE ADULTOS E DITADURA MILITAR 23 ■ SEÇÃO 5- A EJA NAS DÉCADAS DE 1990 E 2000 27 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 35 ■ SEÇÃO 1- EDUCAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM DEBATE NECESSÁRIO 37 ■ SEÇÃO 2- EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E O CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 39 ■ SEÇÃO 3- INICIATIVAS EM FAVOR DA EJA 48 ■ SEÇÃO 4- POLÍTICAS EDUCACIONAIS E A EJA 53 OS PROFESSORES DA EJA: PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 65 ■ SEÇÃO 1- OS PROFESSORES DA EJA: DESVELANDO A FORMAÇÃO 67 ■ SEÇÃO 2- A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DA EJA: ENTRE O REAL E O IDEAL 72 ■ SEÇÃO 3- A FORMAÇÃO DO PROFESSOR REFLEXIVO 79 O CURRÍCULO E A AVALIÇÃO DA EJA: FUNDAMENTOS TEÓRICO-PRÁTICOS 87 ■ SEÇÃO 1- CONSIDERAÇÕES SOBRE A ELABORAÇÃO DO CURRÍCULO PARA A EJA 89 ■ SEÇÃO 2- CURRÍCULO E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 95 ■ SEÇÃO 3- AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 100 ■ PALAVRAS FINAIS 113 ■ REFERÊNCIAS 114 ■ NOTAS SOBRE OS AUTORES 121 SUMÁRIO PALAVRAS DO PROFESSOR Caro(a) aluno(a) Você está iniciando uma nova etapa de sua formação. Este livro foi organizado com o objetivo de oferecer subsídios relevantes da área da Educação de Jovens e Adultos (EJA), para que você, futuro(a) pedagogo(a), possa conhecer e compreender os principais fundamentos teóricos desta importante modalidade de ensino. Por muitos anos, a Educação de Jovens e Adultos foi considerada como compensatória, destinada a pessoas com poucas condições financeiras, num sentido discriminatório e marginalizante. Hoje, esta modalidade é mais valorizada e possibilita que muitas pessoas que não tiveram acesso ao ensino regular ou que o deixaram por diversos motivos, tenham acessibilidade à educação e permaneçam na escola. Entretanto, é preciso ter em mente que o presente estudo não esgota todas as possibilidades de interpretação e aprofundamento teórico referentes à Educação de Jovens e Adultos. Logo, você poderá complementar seus estudos por meio de outras leituras sobre a modalidade. Este livro é organizado em quatro unidades, permitindo uma melhor compreensão e reflexão dos temas. Na Unidade I, você terá a oportunidade de conhecer o histórico da EJA, no contexto brasileiro, entender como esta modalidade foi se estruturando e assumindo relevância em nosso país, com o objetivo primeiro da erradicação do analfabetismo. Serão abordadas, na Unidade II, as políticas públicas em prol da EJA desde sua criação e implementação. Focalizam-se as diferentes iniciativas para garantir o direito de todos à educação, conforme prescreve a Constituição Federal. Você irá refletir, na Unidade III, sobre as perspectivas da formação inicial e contínua doprofessor da EJA. Tal formação precisa estar ancorada em sólidos conhecimentos sobre a realidade social, para que se possa ter maior clareza de propósitos e dar um direcionamento às ações, mesmo reconhecendo os condicionantes históricos, sociais e culturais que interferem no trabalho docente. Na última unidade, você poderá ampliar seus conhecimentos sobre o currículo e a avaliação da Educação de Jovens e Adultos. Na perspectiva apresentada, você irá refletir sobre a importância da proposta pedagógica para a EJA, na qual se articulam tanto a proposta curricular como a avaliação. A partir das unidades apresentadas, será possível entender como esta modalidade está estruturada atualmente e percebê-la como mais um possível espaço de atuação após sua formação, seja enquanto docente nas séries iniciais ou como gestor de escola que oferte a modalidade. A EJA representa atualmente um rico e amplo espaço de trabalho e pesquisa, no qual você pode se inserir. Boas leituras e ótimo trabalho! ObjetivOs Objetivos: · Compreender a educação como um processo histórico, vinculado a uma determinada visão de homem e de sociedade. · Analisar as principais políticas públicas relacionadas à Educação de Jo- vens e Adultos no contexto histórico brasileiro. · Ampliar a compreensão das dificuldades e perspectivas concernentes à Educação de Jovens e Adultos, a partir da análise da realidade social e educacional brasileira. · Compreender a Educação de Jovens e Adultos como processo funda- mental na construção de uma sociedade democrática. · Refletir sobre a necessidade de formação específica do professor de Educação de Jovens e Adultos. · Identificar a relevância do currículo enquanto norteador das atividades da EJA. · Reconhecer os diferentes tipos de avaliação e sua aplicação na EJA. ementa Trajetória da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. Legislação educa- cional e EJA. Sociedade civil e Estado: debate sobre a EJA nos últimos anos. Tendências teóricas e práticas da EJA. Formação e prática do educador de EJA. Experiências com a EJA no Brasil. OBJETIVOS E EMENTA U N ID A D E IEDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA MODALIDADE NO BRASIL ObjetivOs De aPRenDiZaGem Reconhecer o caráter histórico-social da educação. Conhecer as primeiras ações educacionais para adultos no Brasil, no período imperial. Identificar a educação de adultos na República. Entender a interferência da estrutura do Estado no período pós-guerra, na educação de adultos no Brasil. Identificar as principais ações e programas para a Educação de Jovens e Adultos durante a Ditadura Militar e os anos subsequentes até os dias atuais. ROteiRO De estUDOs SEÇÃO 1 – Os primórdios da Educação de Adultos no Brasil SEÇÃO 2 – Educação de Adultos na República SEÇÃO 3 – Educação de Adultos após a Segunda Guerra Mundial SEÇÃO 4 – Educação de Adultos e Ditadura Militar SEÇÃO 5 – A EJA nas décadas de 1990 e 2000 U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 12 UNIDADE I PARA INÍCIO DE CONVERSA Você com certeza já deve ter se perguntado sobre o que é a Educação de Jovens e Adultos (EJA), se ela sempre existiu, como é organizada e a quem realmente atende. São as respostas a estas perguntas e a muitas outras que este livro pretende apresentar ou, pelo menos, contribuir para suas reflexões sobre a EJA. Precisamos conhecer a história desta modalidade de ensino brasileiro que, inicialmente, era destinada apenas aos excluídos e, por muito tempo, foi considerada uma educação de pouca qualidade. Desde suas primeiras organizações até hoje, a EJA sofreu grandes mudanças, assegurando-lhe uma nova percepção, pois passou de educação compensatória para uma educação que atende a todos aqueles que não tiveram acesso ou que, pelos mais variados motivos, abandonaram o ensino regular. Vamos conhecer a EJA? Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 13 UNIDADE I SEÇÃO 1 OS PRIMÓRDIOS DA EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO BRASIL Para podermos entender a Educação de Jovens e Adultos, é preciso mergulhar na história do Brasil e da educação brasileira, e refletir sobre como este tipo de educação começou a ser pensada. As primeiras iniciativas aconteceram no período jesuítico, não tendo como objetivos a escolarização ou difusão de conhecimentos, mas sim o processo de “domesticação” dos índios, pautada em valores religiosos da igreja católica. (Ver seu livro de História da Educação Brasileira). No decorrer dos anos seguintes, desde a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal (século XVIII) até a chegada da família imperial ao Brasil (1808), a educação brasileira estava desorganizada, com muitas rupturas e descontinuidade. Com o início do Império, a educação começou a ser reorganizada, logo a educação de adultos também, por meio das escolas noturnas para estas pessoas. A primeira Constituição (1824) garantia uma instrução primária e gratuita para todos os cidadãos. Apesar desta garantia, a instrução primária não se concretizou, pois não era destinada a todas as pessoas e a responsabilidade da oferta da educação primária foi transferida às Províncias (Ato Adicional de 1834) que por possuírem poucos recursos, não cumpriam a lei. Assim, o ensino permanecia sendo responsabilidade do governo federal, mas de maneira desigual e descontínua. A elite imperial, influenciada por um pensamento moderno e liberal, acreditava que ao oferecer instrução para todas as pessoas, a educação U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 14 UNIDADE I possibilitaria amenizar ou impedir as ilusões do entusiasmo destes sujeitos, o que impediria toda e qualquer desordem, facilitando assim a ação do governo. Por todo período imperial aconteceram reformas educacionais, sendo que algumas preconizavam classes noturnas para o ensino de adultos analfabetos. Em um relatório apresentado em 1876, pelo então ministro Cunha Figueiredo, havia 200 mil alunos frequentando escolas, o que evidenciava o ensino noturno para adultos. Quando falamos de educação para todos até o período imperial, considera- se apenas os chamados cidadãos, ou seja, homens que faziam parte da sociedade, não considerando escravos, estrangeiros ou analfabetos. O Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, criou a Regência Una e alterou a organização política e administrativa do Império, conferindo maior autonomia às províncias. Dentre as mudanças e adições, no que diz respeito à educação, coube a cada província: Art. 10 - Compete às mesmas Assembleias legislar: § 2 - Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que, para o futuro, forem criados por lei geral. Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 15 UNIDADE I Tropas republicanas festejam o fim da Monarquia, no final da madrugada, em Campo de Santana, no Rio de Janeiro, em detalhe de quadro de Benedito Calixto, conservado na Prefeitura de São Paulo Imagem: 100 Anos de República, vol. I (1889-1903), ed. Nova Cultural: São Paulo/SP, p.13. Para poder entender como a educação de adultos se deu no período republicano é preciso refletir sobre a educaçãode modo geral neste momento histórico brasileiro. A herança do Império oferece um quadro melancólico do ensino no Brasil. Logo após a proclamação da República, a Constituição de 1891 reafirmara o processo de descentralização do ensino, atribuindo à União a incumbência da educação superior e secundária e, aos estados, a elementar e a profissional (ARANHA, 1989, p. 242). Neste momento inicial da República brasileira foram iniciadas muitas campanhas educativas, porém, geralmente, eram ações de curta duração, sem continuidade, não havia sistematização do ensino. Todas estas campanhas buscavam o apoio e a parceria de diferentes instâncias SEÇÃO 2 EDUCAÇÃO DE ADULTOS NA REPÚBLICA U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 16 UNIDADE I da sociedade civil. Essa situação reflete como a falta de compromisso do poder público impossibilitou uma política de educação institucional para adultos, não ocorrendo o desenvolvimento de nenhum tipo de atividade sistemática como da rede de ensino regular, em outros níveis de escolarização. As primeiras iniciativas desse período se estendem até a Revolução de 1930, e os formuladores de políticas e responsáveis pelas ações tomam a alfabetização de adultos como aquisição de um sistema de código alfabético, tendo como único objetivo instrumentalizar a população com os rudimentos da leitura e da escrita. Devido às mudanças organizacionais na política brasileira, na década que sucedeu à Revolução de 1930, outra ideia educacional começa a ser difundida: preparar os sujeitos para as responsabilidades da cidadania, ampliando-se este direito a muitas pessoas (homens e mulheres). O país, sob a ditadura de Getúlio Vargas, foi conduzido pela centralização das ações e a formação de um estado moderno nacional. Percebe-se neste momento a constituição das leis trabalhistas, a normatização dos sindicatos e a expansão do sistema educativo, confirmando a busca por um crescimento nacional, porém regido e controlado pelo governo federal. O processo de industrialização e a concentração populacional em centros urbanos ocasionaram grandes transformações. Com a migração campo-cidade, as necessidades urbanas aumentaram juntamente com a população que começava a crescer rapidamente. A oferta do ensino básico gratuito acolhia vários setores, e o governo federal impulsionava a ampliação da educação e traçava as diretrizes educacionais para todo o país, com responsabilidade dos estados e municípios. As ações educacionais procuravam atender às necessidades emergentes da indústria, que buscava profissionais adequados para atuar neste espaço. Como grande parte dos funcionários das indústrias era proveniente de áreas rurais, a escolarização era necessária e urgente. Neste momento, como aponta Cambi (1999, p. 587 e 588), A Revolução de 1930 foi um movimento armado, liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que culminou no Golpe de 1930, o qual depôs o presidente Washington Luís e acabou com a chamada República Velha. Em 1929, houve a ruptura da aliança de paulistas e mineiros, acabando assim com a política do café- com-leite. Júlio Prestes ganhou a eleição de 1930, mas foi exilado e Getúlio Vargas assumiu o Governo Provisório neste mesmo ano. Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 17 UNIDADE I A educação vê-se atingida por novos problemas, como a alfabetização em massa nos países ainda ligados a culturas arcaicas, como a formação em curto espaço de tempo dos técnicos necessários ao desenvolvimento do país, e se coloca em condições de extrema dramaticidade: dentro de situações coloniais ou imediatamente pós- coloniais, de conflitos entre o norte (industrializado e rico) e o sul (atrasado e pobre) do mundo, de lutas de etnias, de grupos religiosos, de grupos sociais nos vários países em desenvolvimento, de um processo de modernização desequilibrado e superficial que acolhe e promove os aspectos mais deletérios do desenvolvimento (o consumo, o lazer). É, porém, um fato que os problemas da educação/pedagogia sofreram radical mudança e renovação, fazendo emergir novos modelos educativos e novos horizontes de teorização pedagógica. Em 1938, foi criado o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o que permitiu a instituição, em 1942, do Fundo Nacional do Ensino Primário, o qual deveria, com um programa de ampliação da educação primária, incluir o Ensino Supletivo para adultos e adolescentes. Nos anos de 1940, segundo Freire (apud GADOTTI, 1979, p. 72), a Educação de Adultos era entendida como uma extensão da escola formal, principalmente para a população que se encontrava nas áreas rurais do país. Neste momento, ocorre a efervescência da Segunda Guerra Mundial, fato que interfere nas relações, nas políticas nacionais e consequentemente no contexto educacional. Depois da Segunda Guerra, houve a necessidade não só de uma reorganização política e econômica em todo o mundo, como também de apoio e incentivo ao desenvolvimento humano. Assim, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 18 UNIDADE I a Cultura (UNESCO), a qual divulgou e promoveu, em âmbito mundial, uma educação voltada para a paz de todas as nações e a educação de adultos como uma forma de contribuir com o desenvolvimento dos povos subdesenvolvidos. Por meio de uma concepção funcional do processo educacional, a organização naquele momento defendia a educação como forma de integração social, mas de maneira passiva e instrumental, sem buscar uma visão crítica. Mesmo assim, a criação da UNESCO e de todas as ações que ocorreram posteriormente contribuíram significativamente para a discussão sobre o analfabetismo e a implementação de ações para sua erradicação, como também a organização e implantação de educação de adultos e a minimização das desigualdades sociais mundiais, especialmente em países subdesenvolvidos (UNESCO). Com o fim da Segunda Guerra, o Brasil passa a viver um marcante momento histórico. Você sabe qual era? A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi fundada em 16 de novembro de 1945 com o objetivo de contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações. Busca o êxito da educação elementar adaptada às necessidades atuais. Co- labora, entre outros, com a formação de docentes e administradores educacionais e dá subsídios à construção de escolas e à aquisição de equipamento necessário para o seu funcionamento. Acesse: <www.unesco.org>. Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 19 UNIDADE I Após a ditadura Vargas, o país vivenciou a efervescência política da redemocratização. A educação começou a ganhar novos impulsos sob o ideal de que era necessário educar o povo tanto para o desenvolvimento do país como para a participação política por meio do voto, o que ocorreria pela incorporação de analfabetos, que representavam uma expressiva população. Os educadores da época estavam tão empolgados, que esse período ficou conhecido como o do entusiasmo pela educação. (ARANHA, 1989). O signo ‘ensino primário supletivo’ fixado, sobretudo, a partir da Lei Orgânicado Ensino Primário, de 1946, representou, em última, instância, a institucionalização da educação de adultos como uma modalidade de ensino integrada ao sistema educacional brasileiro, distinta da educação infantil (CARLOS, 2006, p. 9). Em 1947, foi criado o Serviço Nacional da Educação de Adultos (SNEA), com o intuito de orientar e coordenar os trabalhos do Ensino Supletivo, conseguindo gerar várias ações que possibilitaram a realização da 1ª Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA). Esta campanha atendia às solicitações da UNESCO e, juntamente com a perspectiva de redemocratização do país, cumpria com os objetivos de preparar mão de obra, pois o Brasil estava passando por um processo exponencial de industrialização e urbanização; atingir a população rural e os imigrantes do sudeste e sul; e melhorar as estatísticas em relação ao analfabetismo. Em 1950, a educação de adultos passou a ser entendida como educação basilar, com desenvolvimento comunitário. Neste momento emergem duas tendências: como educação libertadora nas concepções freireanas e como educação profissional, pensada para a formação de mão de obra (GADOTTI, 1979). SEÇÃO 3 EDUCAÇÃO DE ADULTOS APÓS A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Usuário Destacar U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 20 UNIDADE I Dadas tais tendências, a CEAA iniciou seus trabalhos quando os delegados dos Estados apresentaram no Congresso suas teses para a elaboração de uma Lei Orgânica de Educação de Adultos. A Campanha numa primeira etapa destinava-se à alfabetização em nível primário (atualmente Anos Iniciais do Ensino Fundamental), em dois períodos de sete meses. A segunda etapa estava voltada para a profissionalização e o desenvolvimento comunitário. Nos primeiros anos a campanha conseguiu resultados significativos, articulando e ampliando os serviços já existentes e estendendo-os às diversas regiões do país. Num curto período de tempo, foram criados vários supletivos, mobilizando esforços das diversas esferas administrativas, de profissionais e voluntários. A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, no decorrer dos anos, foi enfraquecendo, pois tinha grande ênfase no espaço rural e, sem apoio do Departamento Nacional de Educação, acabou se extinguindo em 1963. Logo, as ações que acontecem neste período são discutidas à luz das reflexões sobre o analfabetismo pautadas em Paulo Freire, que consolidou um paradigma pedagógico sobre a educação de adultos no Brasil. Freire, ao trazer este novo espírito da época, acabou por se tornar um marco teórico na Educação de Adultos. Desenvolveu uma metodologia própria de trabalho que enfocava, pela primeira vez, a especificidade dessa modalidade de educação em relação a quem, para quê e como educar, a partir do princípio de que a educação era um ato político, podendo servir tanto para a submissão como para a libertação do povo. Em sua opinião, a educação como ato político está agindo em prol da submissão ou da libertação dos educandos? O paradigma pedagógico pensado por Freire estava pautado em um novo entendimento entre a educação e sua relação com as questões sociais. Ao pensar o adulto, que enquanto educando, atua sobre o mundo por meio de suas ações e consequentemente de suas reflexões, aponta Usuário Destacar Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 21 UNIDADE I uma relação dialógica, entre o educando e o seu educador. Assim, o processo educacional ocorria por meio da problematização de situações reais, que originavam reflexões, permitindo o que Freire aponta como leitura de mundo. Este educando podia ampliar seus horizontes e descobrir a palavra como elemento de significado, experiência e cultura, na humanidade própria do homem, ou na sua desumanidade (FREIRE, 1979, 1996, 2005). Freire trabalhou com a concepção de que o adulto analfabeto não era a causa do subdesenvolvimento do Brasil, mas sim uma de suas consequências, uma vez que era vitimizado por uma sociedade injusta e reprodutora de um sistema desigual, que se utilizava da educação como seu instrumento de reprodução (teorias crítico-reprodutivistas, situando- se entre os estudiosos Bourdieu, Passeron, Althusser). Neste sentido, transpôs a visão do analfabeto enquanto sujeito sem cultura para um sujeito produtor de cultura que, a partir de suas próprias vivências cotidianas, poderia pensar na alfabetização como um instrumento para leitura do mundo, não apenas decodificação de símbolos. Você consegue perceber como a atuação de Paulo Freire foi fundamental para a educação de adultos? Converse com seus colegas sobre as ações desse grande educador nacional. Naquela sociedade em constante movimento entre o final dos anos 1950 e início de 1960, Freire mostrou o papel político que a educação pode desempenhar, pois para uma sociedade aberta, não se pode pensar senão em educação como ato político. Para ele, “a construção de uma nova sociedade não poderá ser conduzida pelas elites dominantes, incapazes de oferecer as bases de uma política de reformas, mas apenas pelas massas populares que são a única forma capaz de operar a mudança” (FREIRE, 2005, p.34). U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 22 UNIDADE I Por meio da educação seria possível ampliar a participação consistente das massas e levar à sua organização crescente (FREIRE, 1979, 2005). A educação popular foi sendo divulgada através de inúmeros agentes: intelectuais, artistas, estudantes, militantes da igreja, militantes políticos, enfim, segmentos da população que se sentiam comprometidos politicamente com as classes populares e buscavam uma real transformação, construída no respeito mútuo, na solidariedade humana, na reflexão coletiva, no compromisso de cada um com a aprendizagem de todo o grupo. No decorrer dos anos da década de 1950, algumas ações ligadas à Campanha de Educação de Adultos aconteciam em todo o Brasil, como a criação do Sistema de Rádio Educativo Nacional e também a realização do II Congresso Nacional de Educação de Adultos. Segundo Souza (2007, p. 33), Em 1958, realizou-se o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, cujo objetivo era a busca de novas diretrizes e perspectivas teóricas para a educação de adultos. Nele se destacou Paulo Freire, o qual chamava a atenção para os problemas sociais que geravam o analfabetismo e para o método de alfabetização. Com relação à metodologia, havia a preocupação de que o método envolvesse estratégias de ensino ‘com’ o homem, e não ‘para’ o homem. Portanto, anuncia-se o princípio da pedagogia dialógica freireana que, na década de 1960, será aprofundada: a valorização do ser humano que aprende como alguém que já traz uma bagagem de experiências, e não como alguém ignorante. Em 1961, o Movimento de Educação de Base (MEB), convênio entre governo federal e Conselho Nacional dos Bispos (CNBB), passou a atuar na educação de adultos no Brasil. As atividades realizadas buscavam não só o desenvolvimento das comunidades, a partir da politização dos educandos, como também a educação sindicalista (SOUZA, 2007). Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 23 UNIDADE I Com a Ditadura Militar, em 1964, os movimentos de conscientização popular e educação de adultos são desativados e seus líderescomeçam a ser punidos por serem considerados subversivos e contrários ao governo. Em 1967, criou-se o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), o qual foi considerado como a primeira iniciativa importante na Educação de Jovens e Adultos durante o período da ditadura. O objetivo central do movimento era a erradicação do analfabetismo e a educação continuada de adolescentes e adultos. A própria estrutura do MOBRAL vinculou-se até meados de 1969 ao Departamento Nacional de Educação, bem como promoveu atividades de alfabetização e programas articulados nos campos de saúde, recreação e civismo, mediante convênios com entidades públicas e privadas. Como afirma Souza (2007, p. 35), o MOBRAL possuía três características fundamentais: independência institucional e financeira se comparada aos demais segmentos de ensino e às demais ações educacionais de adultos, articulação de uma organização operacional descentralizada e a centralização das orientações do processo educativo. O Movimento desenvolvia três programas: alfabetização funcional, educação integrada e desenvolvimento comunitário. Dentre os três, o prioritário foi o programa de alfabetização funcional. Segundo o Documento Base do MOBRAL (BRASIL, 1973), funcional porque faz com que o aluno não se limite a aprender a ler e escrever, mas sim a descobrir sua FUNÇÃO, seu papel no TEMPO e no ESPAÇO em que vive. De acordo com o mesmo documento, o método é o eclético, baseado na decomposição das PALAVRAS GERADORAS, que se fundamenta no método linguístico da segmentação. As palavras geradoras são escolhidas SEÇÃO 4 EDUCAÇÃO DE ADULTOS E DITADURA MILITAR U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 24 UNIDADE I a partir das NECESSIDADES BÁSICAS DO HOMEM (BRASIL, 1973, p.33) O MOBRAL, em 1970, começou a atuar a partir de convênios estabelecidos com as Secretarias de Educação e Comissões Municipais, através do Programa de Alfabetização e do Programa de Educação Integrada (PEI), com versão compactada das 4ª séries iniciais do ensino primário (Séries Iniciais do Ensino Fundamental). Os convênios se estenderam a outras entidades públicas e privadas. Para saber mais sobre o MOBRAL, Consulte o Documento Base, no site: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002467.pdf>. Em relação a este período, a Educação de Jovens e Adultos, que passava a ser conhecida como ensino supletivo, estava prescrita em capítulo próprio da Lei 5.692/71, recomendando aos estados atenderem jovens e adultos que não foram matriculados ou, por diversas razões, não concluíram o ensino de primeiro grau da época, hoje denominado ensino fundamental. A seguir, segue o capítulo que trata do ensino supletivo na referida lei: Retirado do Documento Base do MOBRAL (MEC, 1973) Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 25 UNIDADE I Capítulo IV Do ensino supletivo Art.24 - O ensino supletivo terá por finalidade: a) Suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não tenham seguido ou concluído na idade própria. b) Proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte. Parágrafo único - O ensino supletivo abrangerá cursos e exames a serem organizados nos vários sistemas de acordo com as normas baixadas pelos respectivos Conselhos de Educação. Art.25- O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, desde a iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional definida em lei específica até o estudo intensivo de disciplinas do ensino regular e a atualização de conhecimentos. §1º- Os cursos supletivos terão estrutura, duração e regime escolar que se ajustem às suas finalidades próprias e ao tipo especial de aluno a que se destinam. §2º- Os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a utilização de rádio, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam alcançar o maior número de alunos. Art.26- Os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do núcleo-comum, fixado pelo Conselho Federal de Educação, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular, e poderão, quando realizados para o exclusivo efeito de habilitação profissional de 2º grau, abranger somente o mínimo estabelecido pelo mesmo Conselho. §1º- Os exames a que se refere este artigo deverão realizar-se: Ao nível de conclusão do ensino de 1º grau, para os maiores de 18 anos; Ao nível de conclusão do ensino de 2º grau, para os maiores de 21 anos. §2º- Os exames supletivos ficarão a cargo de estabelecimentos oficiais ou reconhecidos, indicados nos vários sistemas, anualmente, pelos respectivos Conselhos de Educação. §3º- Os exames supletivos poderão ser unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino, ou parte deste, de acordo com normas especiais baixadas pelo respectivo Conselho de Educação. Art.27- Desenvolver-se-ão, ao nível de uma ou mais das quatro últimas séries do ensino de 1º grau, cursos de aprendizagem, ministrados a alunos de 14 a 18 anos, em complementação da escolarização regular, e, a esse nível ou de 2º grau, cursos intensivos de qualificação profissional. Parágrafo único - Os cursos de aprendizagem e os de qualificação darão direito a prosseguimento de estudos quando incluírem disciplinas, áreas de estudos e atividades que os tornem equivalentes ao ensino regular, conforme estabeleçam as normas dos vários sistemas. U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 26 UNIDADE I Art.28- Os certificados de aprovação em exames supletivos e os relativos à conclusão de cursos de aprendizagem e qualificação serão expedidos pelas instituições que os mantenham. A Lei 5.692/71 conferiu autonomia e flexibilidade aos Conselhos Estaduais de Educação a fim de organizarem e aplicarem determinadas normas para o tipo de oferta de cursos supletivos, o que provocou muitas diferenças nas modalidades inseridas nos estados brasileiros. Algumas Secretarias Estaduais de Educação, para poderem praticar a legislação vigente, criaram o Departamento de Ensino Supletivo (DESU), estimando a grande importância que esta modalidade de ensino estava adotando. Neste mesmo tempo, houve a introdução de tecnologias como possíveis meios de soluções para os problemas educacionais compreendidos neste período, resultantes de acordos entre o MEC e a Agência Norte- Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Durante todo o período de ditadura, o MOBRAL manteve suas atividades, tendo em 1980 mais de 80 centros de estudos supletivos. Em 1985, o MOBRAL foi extinto em razão de sua organização e substituído pela Fundação Educar. Esta fundação funcionava em parceria com municípios e associações da sociedade civil. Mesmo possuindo uma orientação de educação funcional, a descentralização possibilitou uma maior diversidade de práticas pedagógicas. Trabalhava com a alfabetização e pós-alfabetização. É importante também destacar que neste período de redemocratização brasileira, a própria Constituição Federal reza em um artigo próprio (208) a obrigatoriedade do ensino fundamental gratuito, inclusive para todos aqueles que não tiveram acesso na idade própria. No final dos anos 1980, um novo movimento em prol da educação de adultos começa a ser organizado, numa parceria entre o governo e a sociedade civil. O Movimento de Alfabetização (MOVA)iniciou suas atividades na cidade de São Paulo e, em pouco tempo, conseguiu atingir muitos objetivos, motivando outras cidades a desenvolverem programas semelhantes. Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 27 UNIDADE I Em 1990, a Fundação Educar foi extinta durante o governo Collor. Houve o lançamento do Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), proveniente das discussões da Conferência Mundial de Educação para Todos (Tailândia, 1990). Este ano foi considerado o Ano Nacional da Alfabetização (SOUZA, 2007). Uma vez extinta a Fundação Educar, o ensino supletivo é transferido para os estados e municípios, ficando o governo federal isento de responsabilidades. Durante o governo de Itamar Franco (1992-1994), as formulações em relação ao Plano Decenal de Educação apontavam para a necessidade de examinar as diretrizes de uma política educacional, para jovens e adultos. Nesta gestão, nada de inovador concretizou-se na prática educacional pelo descomprometimento da União. Em 1995, foi criado e implantado o Programa Comunidade Solidária, presidido pela então primeira-dama, Ruth Cardoso, visando minimizar a exclusão social e a pobreza. Além deste, foi também criado o Programa Universidade Solidária. Em 1996, a professora Ruth cria a Alfabetização Solidária e o Programa Capacitação Solidária. Neste mesmo ano, é lançado o Programa Voluntários, buscando fortalecer o voluntariado e alcançar as metas propostas pelos demais programas que estavam sendo implantados em todo o país (CENTRO RUTH CARDOSO). O Programa Comunidade Solidária, juntamente com a Alfabetização Solidária, foi uma das mais importantes ações educacionais para jovens e adultos da década de 1990, buscando a alfabetização de adultos em parceria com universidades, prefeituras, empresas e a sociedade civil. Atendia principalmente às regiões Norte e Nordeste, que apresentavam índices extremamente altos de analfabetismo. SEÇÃO 5 A EJA NAS DÉCADAS DE 1990 E 2000 U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 28 UNIDADE I O Programa Alfabetização Solidária transformou-se posteriormente em ONG (Alfasol) e com apoio do Programa Brasil Alfabetizado e inúmeras parcerias ainda atua em diversas regiões do país. Para saber mais, acesse: <www.alfasol.org.br>. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9.394/96 trouxe em seu texto dois artigos que prescrevem sobre a Educação de Jovens e Adultos, entendida a partir de então como modalidade de ensino (não mais considerada como ensino supletivo). Vamos discutir mais sobre as questões legais da EJA no capítulo sobre políticas. Você consegue perceber o quanto a Educação de Jovens e Adultos passou por diferentes etapas até este momento? Apesar da inclusão da EJA na LDB 9.394/96, ainda muitas questões sobre a modalidade não foram esclarecidas, pontuando divergências entre as necessidades e as questões legais postas. Entretanto, a lei, ao tratar a EJA como parte do ensino fundamental e do ensino médio, permitiu uma nova postura em relação a esta modalidade de ensino, apontando sua especificidade própria. Considera os conhecimentos prévios dos alunos, para que a partir dos mesmos toda ação educacional possa ocorrer. A Educação de Jovens e Adultos não poderia mais ser considerada como uma reposição do ensino regular, conforme o que o ensino supletivo apregoava, mas sim uma modalidade própria. Em 1997, aconteceu em Hamburgo, na Alemanha, a V Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA). Esta conferência representou um grande marco da educação de adultos, uma vez que Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 29 UNIDADE I estabeleceu o vínculo entre a educação deste público e o desenvolvimento sustentável. Até o final da década de 1990, as ações em relação à Educação de Jovens e Adultos mantiveram-se nas discussões da sociedade civil, nos espaços acadêmicos e na pauta das políticas públicas. Em 2000, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Desde então, são realizadas conferências e encontros nacionais de EJA em todo Brasil, com apoio de diversas universidades e da sociedade civil. Na primeira década deste século muitos programas para a EJA foram criados ou ampliados. Conheça mais sobre eles a seguir. No Plano Nacional de Educação de 2001 (Lei 10.172/2001), a Educação de Jovens e Adultos esteve presente, com 26 metas próprias. Foi entendida a necessidade de amenizar e sanar o analfabetismo no Brasil e possibilitar a escolarização de todos aqueles que não foram matriculados ou que, por diferentes razões, saíram do sistema regular de ensino, além do progressivo atendimento de jovens e adultos no primeiro segmento da EJA (Anos Iniciais do Ensino Fundamental). Neste mesmo ano, o índice do analfabetismo no Brasil foi de 12,4%, apontado como grande avanço. Tal índice, porém, não se deve apenas pela ampliação da EJA, mas sim pelo esforço da última década pela ampliação e universalização do ensino fundamental, juntamente com programas de aceleração e correção de fluxo (DI PIERO, 2003, p. 8). Ainda em 2001, houve a implantação do Programa Recomeço, ampliando significativamente o orçamento para a modalidade de ensino, que até o momento era mantida pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização dos Professores (FUNDEF). Os fundos destinados à EJA continuaram a crescer, chegando em 2002 a mais de 140 mil dólares (Idem, p. 15 e 16). No ano de 2003, iniciou-se a Década de Alfabetização das Nações Unidas, estimulando Logo V CONFINTEA U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 30 UNIDADE I muitas ações em prol da Educação para Todos (UNESCO). Estas ações impulsionaram novos programas e projetos para a erradicação do analfabetismo e a educação para jovens e adultos. Lançada na sede das Nações Unidas em 2003, a Década visa aumentar os níveis de alfabetismo e empoderar todas as pessoas em todos os lugares. Ao declarar esta Década, a comunidade internacional reconheceu que a promoção da alfabetização é de interesse de todos como parte dos esforços para a paz, o respeito e o intercâmbio em um mundo globalizado (UNESCO). Neste mesmo ano, o governo federal criou e implementou o Programa Brasil Alfabetizado. Segundo o MEC, este programa está voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos, com atendimento a todo território nacional, porém priorizando os municípios que possuem taxa de analfabetismo igual ou superior a 25% (maior parte no Nordeste). Este programa é vigente e atua com apoio de entidades e parcerias, além do orçamento proveniente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). No quadro a seguir é possível verificar o panorama atual do Programa Brasil Alfabetizado, segundo informações disponíveis no site do MEC: http://brasilalfabetizado.fnde.gov.br/mapa/ No ano seguinte, 2004, foi criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), no Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 31 UNIDADE I Ministério da Educação.Esta Secretaria atua em diversas áreas, destacando-se neste recorte a alfabetização e a Educação de Jovens e Adultos. Seu objetivo é contribuir para a redução das desigualdades educacionais por meio da participação de todos os cidadãos em políticas públicas que assegurem a ampliação do acesso à educação (MEC). Mais informações podem ser encontradas no portal do MEC. Em 2005, foi instituído o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional (PROEJA), por meio do Decreto n.º 5.478, de 24 de junho de 2005. No ano seguinte, o Decreto n.º 5.840, de 13 de julho de 2006, substituiu o anterior e ampliou a abrangência do primeiro PROEJA, incluindo a oferta para o ensino fundamental da EJA. Conforme apontado no portal do MEC, o PROEJA pretende contribuir para a superação do quadro da educação brasileira explicitado pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgados em 2003: 68 milhões de jovens e adultos trabalhadores com 15 anos ou mais não concluíram o ensino fundamental e apenas 6 milhões (8,8%) estão matriculados em EJA. O PROEJA desenvolve suas ações no sentido de integração da educação profissional à educação básica, com o objetivo de superar as diferenças entre o trabalho manual e o intelectual, entendendo trabalho como perspectiva criadora. O programa atua na formação do profissional, por meio da integração curricular e da adequação metodológica, visando à permanência do estudante no sistema e sua aprendizagem. Os estados e os municípios que ofertam o PROEJA possuem fontes de recursos provenientes do FUNDEB, e também podem participar do Programa Brasil Profissionalizado, da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC). De acordo com o Decreto n.º 5.840, de 13 de julho de 2006, e os Documentos Base do PROEJA, a partir da construção do projeto pedagógico integrado, os cursos PROEJA podem ser oferecidos nas seguintes formas: 1- Educação profissional técnica integrada ao ensino médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 2- Educação profissional técnica concomitante ao ensino médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 3- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional integrada ao ensino fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 32 UNIDADE I 4- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional concomitante ao ensino fundamental na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 5- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional integrada ao ensino médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 6- Formação inicial e continuada ou qualificação profissional concomitante ao ensino médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. (Fonte: Portal do MEC) Em 2007, foi lançado o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA), o qual disponibiliza a Coleção Cadernos de EJA, elaborada para o ensino fundamental de jovens e adultos, da alfabetização até a 8ª série (9º ano) ofertada pelas escolas públicas. A coleção segue as orientações curriculares do Conselho Nacional de Educação, organizando os componentes e conteúdos em torno de eixos temáticos e apresenta o trabalho como eixo geral integrador dos temas (MEC). No ano de 2009, ocorreu no Brasil a VI CONFINTEA, com o tema Vivendo e aprendendo para um futuro viável: O poder da aprendizagem e da educação de adultos. A Conferência envolveu os países- membros da UNESCO, agências das Nações Unidas, agências multilaterais e bilaterais de cooperação, organizações da sociedade civil, setor privado e estudantes. Esta conferência proporcionou um importante diálogo sobre políticas públicas educacionais, promoção da aprendizagem de adultos e educação não formal como possibilidade de processo de alfabetização e desenvolvimento por meio de capacitações e profissionalização. Muitas ações ocorreram na última década em relação à Educação de Jovens e Adultos, permitindo que este público tenha acesso aos espaços educacionais e neles permaneça. Nesta última década, percebeu-se também que a atuação da sociedade civil continuou sendo de grande importância para o desenvolvimento da EJA, impulsionando ações e movimentos de alfabetização em espaços formais e não formais. Cabe destacar que na história da EJA no Brasil, o apoio da sociedade civil sempre permitiu que muitas ações ocorressem e muitos programas continuassem ativos até os dias atuais. Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s 33 UNIDADE I É importante salientar que ao se pensar esta modalidade torna- se fundamental entender que, muito além do processo de alfabetização e escolarização, o processo de conscientização e percepção de mundo possibilita que muitas pessoas possam atuar como cidadãos ativos e conscientes, na busca de uma sociedade mais justa e democrática. Desde o princípio da história do Brasil, a Educação de Jovens e Adultos já existia. Entretanto, pode-se perceber que, ao longo destes séculos, a visão deste segmento do ensino foi sofrendo mudanças, com avanços e retrocessos. Embora com um número crescente de analfabetos, a EJA por muito tempo foi resultado de campanhas de governo, caracterizadas pela descontinuidade, fato que comprometeu significativamente seu resultado, porque não era considerada prio- ridade nas políticas públicas educacionais brasileiras. Entretanto, pode-se perce- ber que de uma visão assistencialista e compensatória, atualmente lhe é atribuída maior relevância, estando presente em diferentes políticas públicas educacionais. Deve-se ressaltar que a EJA, mesmo considerada uma modalidade de en- sino com especificidade própria, ainda requer muita atenção dos estudiosos e dos políticos para que seja efetivamente aplicada com sucesso, rumo à anunciada er- radicação do analfabetismo. 1. Após a leitura desta unidade responda: a) A EJA, desde seus primórdios no Brasil, sofreu muitas mudanças em relação à sua concepção. Quais foram elas? U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 34 UNIDADE I b) Qual o principal objetivo da EJA? c) O que você entende pelo entusiasmo pela educação? d) Por que a EJA não é mais considerada Ensino Supletivo? e) Por que a educação é considerada como um ato político? 2. Cite as principais campanhas de alfabetização de adultos realizadas no Brasil. 3. Quais as diferenças entre a concepção de educação de adultos do MO- BRAL e a concepção de Paulo Freire? U N ID A D E IIPOLÌTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ObjetivOs De aPRenDiZaGem Conceituar políticas públicas. Reconhecer as principais políticas para a Educação de Jovens e Adultos. Identificar o contexto social e político da criação e implementação das políticas públicas para a EJA. Analisar as principais iniciativas em favor da EJA. ROteiRO De estUDOs SEÇÃO 1 – Educação e políticas públicas: um debate necessário SEÇÃO 2 – Educação de Jovens e Adultos e o contexto das políticas públicas SEÇÃO 3 – Iniciativas em favor da EJA SEÇÃO 4 – Políticas educacionais e a EJA U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 36 UNIDADE II PARA INÍCIO DE CONVERSA Caro(a) aluno(a) Nesta unidade você vai poder conhecer as principais políticas que norteiam a Educação de Jovens e Adultos. Será possível realizar reflexões sobre como as políticas públicas interferem no contexto educacional, destacando a EJA neste momento. Para suaformação, além dos conhecimentos sobre a trajetória desta modalidade, conhecer os desdobramentos das políticas e entender que a educação é um direito de todos como prescreve a Constituição Federal, permite um avanço conceitual em relação a uma educação de fato para todos. É muito importante perceber que muitas vezes os alunos matriculados na EJA ou os que se matricularão se encontram em situação de vulnerabilidade e que, por diversas razões, não frequentaram ou não puderam concluir a escolaridade mínima obrigatória. Vamos conhecer as políticas e compreender o quanto elas são fundamentais para um bom trabalho, tanto de professores quanto de pedagogos. Agora é com você! 37 UNIDADE II Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s SEÇÃO 1 EDUCAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM DEBATE NECESSÁRIO O contexto atual apresenta muitas e incisivas mudanças econômicas, culturais, políticas e sociais que o Brasil vem sofrendo nos últimos anos, nas quais a população depara- se cada vez mais com desafios e possibilidades de crescimento num compasso acelerado. Através dessa realidade, a educação representa um importante meio de progresso e modernização social. Dessa maneira, “a educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses” (PINTO, 1994, p.29). A sociedade pós-moderna valoriza muito o conhecimento adquirido pelos indivíduos e, para acompanhar as transformações no mundo do trabalho, torna-se necessária uma maior qualificação profissional. Nessa perspectiva, a educação ocupa cada vez mais espaço e passa a ser reclamada por uma parcela maior da população como imprescindível para a integração e participação social. Por muito tempo a educação esteve vinculada a diferentes fases da vida. A infância, por exemplo, era valorizada, e em especial na questão educacional, com uma preocupação muito intensa quanto aos métodos e aos conteúdos que deveriam ser apresentados, conforme a faixa etária. Com relação aos jovens e adultos, a associação refere-se ao mundo do trabalho, à produção e ao consumo, enquanto a velhice e a Operários – Tarsila do Amaral U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 38 UNIDADE II terceira idade estavam vinculadas à improdutividade, à diminuição das atividades físicas e intelectuais (HADDAD, 2001). Entretanto, esses mitos que assombram a educação brasileira são destruídos pelas pesquisas científicas atualmente desenvolvidas, atribuindo significados diferenciados conforme as faixas etárias, considerando a cada segmento etário um espaço de reconhecimento e contribuição na sociedade brasileira. Segundo Saviani (1987, p.1), [...] considerar a política educacional como dimensão da política social significa, fundamentalmente, considerar a política educacional como tendo compromisso com as camadas populares, isto é, com aquelas camadas que não se beneficiam diretamente do desenvolvimento econômico. Nesse sentido, me parece que a questão central diz respeito ao desenvolvimento intelectual das massas; [...] encaminho as discussões entre a educação e as chamadas ‘políticas especiais’. O autor (1987) esclarece assim que, se forem criadas as estruturas básicas e as condições materiais para gerir a existência daqueles indivíduos aos quais se destinam as políticas especiais, estas devem ser gradativamente suprimidas, porque a partir da garantia de moradia, emprego, educação e saúde, direitos básicos elementares a todos os indivíduos, estas políticas especiais não apresentam mais justificativas. As políticas públicas são materializadas na intervenção do Estado e se es- tabelecem nas estruturas de poder e de dominação. De acordo com a ideologia dos representantes do Estado, as políticas públicas são definidas, implementadas, reformuladas ou desativadas. 39 UNIDADE II Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s A Educação de Jovens e Adultos não raras vezes se apresenta como campanhas paliativas de erradicação do analfabetismo adulto, nas quais o Estado se exime parcialmente do cumprimento de suas funções, por meio de parcerias, reforçando a EJA como promoção de ações compensatórias de baixo investimento. Nada mais necessário do que a criação de políticas públicas efetivas, que garantam a execução, financiamento e concretude dessa modalidade de ensino. O segmento dos jovens, adultos e idosos distingue-se dos demais da educação formal, sendo necessária uma reavaliação de uma modalidade de ensino que supra as necessidades educacionais de que esse grupo carece, através de uma relação entre formação e mercado de trabalho. A educação de jovens e adultos deve possibilitar também uma formação profissional aliada à formação acadêmica. A realidade educacional brasileira é um exemplo acabado de contradição entre a declaração dos direitos e a prática social. Existe um descompasso entre os processos de interação, estudo e trabalho (PICONEZ, 2002). Em que momentos pode-se identificar a dicotomia entre os direitos e a prática no Brasil? A educação voltada para jovens, adultos e idosos que se encontram em atividade, como trabalhadores, coloca-se como uma das mais estratégicas formulações para a possível transformação e, no limite, revolução da sociedade injusta, discriminatória, meritocrática e eletista em que se vive atualmente (GADOTTI e ROMÃO, 2001). A educação representa a possibilidade de mudança para essa classe, por muitas vezes, excluída da sociedade. A Educação de Jovens, Adultos e Idosos no Brasil vem ao encontro de algumas problemáticas sociais, porém é preciso perceber suas dificuldades e limitações. SEÇÃO 2 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E O CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 40 UNIDADE II A identidade dessa modalidade configura-se num âmbito ambíguo e muitas vezes contraditório, demonstrando a necessidade de uma organização, na qual a população beneficiada com esse segmento educacional realmente atinja seus objetivos enquanto cidadãos em busca de novas oportunidades através da educação. Este segmento de ensino confronta- se com a diminuição das elevadas taxas de analfabetismo existentes no Brasil, as quais apesar de apresentarem um decréscimo significativo nos últimos anos, principalmente na população jovem (IBGE), ainda está longe de alcançar um índice aceitável de analfabetos, cumprindo os objetivos educacionais traçados pela UNESCO para 2015. Em relação à Educação de Jovens, Adultos e Idosos, destinada àqueles que não tiveram acesso ao ensino fundamental e ao médio na idade própria, tanto nas formas de ensino presencial e/ou semipresencial, os dados do Censo Escolar apontam que as matrículas totalizaram 4.234.956 em 2010. Destes, 2.846.104 (67%) estão no ensino fundamental e 1.388.852 (33%) no ensino médio. A Educação de Jovens e Adultos inclui matrículas de EJA presencial, semipresencial e EJA integrado à educação profissional de nível fundamental e médio (INEP, 2010). Conforme os dados do Censo Escolar, é possível observar que o número de matrículas na EJA vem diminuindo nos últimos anos, como se pode observar a seguir: • 2007 - 4.985.338 matrículas • 2008 - 4.945.424 matrículas • 2009 - 4.661.332 matrículas • 2010 - 4.287.234 matrículasSegundo a Pesquisa Nacional de Domicílios (IBGE, 2009), o Brasil tem uma população de 57,7 milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequentam escola e que não têm o ensino fundamental completo. Esse contingente poderia ser considerado uma parcela da população a ser atendida pela EJA (INEP, 2010, p. 17). 41 UNIDADE II Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s Um dos problemas apontados em referência à diminuição de alunos matriculados se faz pelo fato de que o número de escolas que oferecem a modalidade vem diminuindo, como se constata na tabela a seguir: Fonte: Censo Escolar 2010 Nesta análise, torna-se importante também apontar que a maior parte das matrículas da EJA estão no ensino fundamental. Outra questão a ser observada se refere ao fato de que há mais alunos nas séries finais do ensino fundamental do que nas iniciais, indicando que muitos estudantes estão atingindo uma maior escolaridade e indo além das classes de alfabetização. Estes dados podem ser verificados a seguir: Fonte: Censo Escolar 2010 Apesar de os dados apresentados representarem um importante avanço quanto à quantidade de alunos matriculados em cursos presenciais, a realidade vivenciada aponta que a alfabetização e a educação de jovens, adultos e idosos apresentam-se no governo como uma proposta relegada a um segundo plano, através de um caráter apenas quantitativo. Por mais ações, campanhas e programas que surgiram nos últimos anos, a questão da EJA não está em evidência. Obviamente que programas como o PROJOVEM e o PROEJA incentivam a matrícula e concomitantemente buscam a qualificação profissional, porém grande parte das ações para esta modalidade acontece por meio da sociedade civil. U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 42 UNIDADE II Um dos maiores problemas que a EJA possui se refere à grande extensão territorial brasileira, que dificulta o desenvolvimento de muitos programas para a modalidade. O Brasil é mais do que um país. É uma imensa região marcada por profundas assimetrias e desigualdades econômicas e sociais, regionais e étnicas, com um considerável e histórico atraso na construção da escola para todos (TEODORO, 2003, p. 138). O Estado, referenciando o estado máximo do lucro, estabelece em suas estruturas poucas ou quase incipientes condições de acesso a uma educação de qualidade, principalmente para a população mais pobre, dando cada vez mais ênfase, a um estado mínimo das condições básicas, como sobrevivência e a própria educação. A EJA, no Brasil, vem ao encontro das classes sociais menos favorecidas, uma vez que o estado capitalista busca incessantemente o lucro exacerbado, sem se preocupar com a parcela da população que se encontra à margem desse contexto. Nestas condições, a educação apresenta-se como possibilidade de mudança a essa realidade vivenciada. Nas sociedades capitalistas, a educação tem estado a serviço da manutenção dos privilégios de classe. A ideologia liberal, que dá sustentação ao sistema capitalista, coloca a questão em termos de diferenças individuais, atribuindo ao próprio indivíduo o seu sucesso ou fracasso social e escolar, omitindo os condicionantes de ordem social, histórica, política e econômica que levam algumas pessoas ao sucesso e outras à marginalização ou exclusão do sistema como um todo, legitimando a sociedade de classes. É possível perceber que a escola tem contribuído para reforçar situações de preconceito em relação às camadas pobres quando afirma que a educação trabalha apenas em nível das ideias e segue orientações e normas iguais para todos os alunos. Baseada em princípios individualizantes, acaba por rotular os indivíduos segundo seu aproveitamento, sem levar em conta as condições concretas de existência e o universo cultural dos alunos. Ideologia: Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa própria vontade, racional e livremente, de acordo com nosso entendimento e nossa liberdade, porque desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar como pensamos e agir como agimos. A esse poder - que é social - ele deu o nome de ideologia. A ideologia é um fenômeno histórico-social decorrente do modo de produção econômico. A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar-lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos (CHAUÍ, 2000). 43 UNIDADE II Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s Os teóricos crítico-reprodutivistas Bourdieu, Passeron e Althusser, na década de 1970, criticam a escola de inspiração liberal, denunciam seu caráter classista e os mecanismos utilizados para perpetuar as desigualdades sociais. A escola não distribui poder, mas constrói saber que é poder. Não se muda a história sem conhecimentos, mas tem-se que educar o conhecimento para que se possa interferir no mercado como sujeito, não como objeto. O papel da escola consiste em colocar o conhecimento nas mãos dos excluídos de forma crítica, porque a pobreza política produz pobreza econômica (GADOTTI, 1979). A educação desponta como um instrumento indispensável para a formação deste novo homem e novo profissional, através do processo de socialização e integração, sendo possível desmistificar os choques culturais e sociais presentes na sociedade. Assim, a população passa a exigir cada vez mais condições de acesso e permanência na escola, com uma educação de qualidade, proporcionando uma formação que contemple as necessidades e aspirações. A EJA no Brasil configura-se cada vez mais como necessidade para a população não escolarizada, que busca através da educação, superar suas mazelas sociais, sendo capaz de emergir no processo de qualificação, tanto profissional, quanto pessoal. A Educação de Jovens e Adultos, no transcorrer do seu processo histórico, apresenta-se como uma educação compensatória (GADOTTI e ROMÃO, 2001), sendo vista como uma oportunidade para superar uma falha no processo educacional dos alunos inclusos nessa modalidade. Desta maneira, os beneficiados por ela buscam na educação as possibilidades de superar suas condições de trabalho e sobrevivência. A Educação de Adultos é o espaço da diversidade e de múltiplas vivências, de relações intergeracionais, de diálogos entre saberes e culturas. Ao lado da diversidade está também a desigualdade que atinge a todos, sobretudo num país injusto como o nosso: negros, brancos, indígenas, amarelos, mestiços, homens, mulheres, jovens, adultos, idosos, quilombolas, U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 44 UNIDADE II ribeirinhos, pescadores, agricultores, pantaneiros, camponeses, sem-terra, sem-teto, sem-emprego... das periferias urbanas e dos campos. A diversidade pode ser considerada como uma grande riqueza, mas a desigualdade social e econômica é a nossa pobreza maior (GADOTTI, s/d, p.26). Assim, torna-se indispensável a implementação de políticas públicas voltadas para essa população, propiciando condições mínimas de sobrevivência, trabalho, além de estruturar uma educação de qualidade, que venha ao encontro dos objetivos desse segmento. O que você entende por política pública? As políticas públicas podem assumirdiferentes formatos: O primeiro é o das políticas distributivas, decisões tomadas pelo governo, que desconsideram a questão dos recursos limitados, gerando impactos mais individuais do que universais, ao privilegiar certos grupos sociais ou regiões, em detrimento do todo. O segundo é o das políticas regulatórias, que são mais visíveis ao público, envolvendo burocracia, políticos e grupos de interesse. O terceiro é o das políticas redistributivas, que atinge maior número de pessoas e impõe perdas concretas e no curto prazo para certos grupos sociais, e ganhos incertos e futuros para outros; são, em geral, as políticas sociais universais, o sistema tributário, o sistema previdenciário e são as de mais difícil encaminhamento. O quarto é o das políticas constitutivas, que lidam com procedimentos (SOUZA, 2006, p.9). Entenda-se que “política pública é o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos da sociedade civil” (BONETI, 1997, p. 188). No contexto da Educação de Jovens, Adultos e Idosos, as políticas se voltam para o âmbito educacional. Segundo Vieira (2007, p. 56), “as políticas representam o espaço onde se manifesta a ‘politicidade inerente à educação’, na medida em que traduzem expectativas de ruptura ou de continuidade”. 45 UNIDADE II Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s Uma política pública tem sua gênese na identificação de um problema e na definição de uma agenda de trabalho. A agenda abrange as questões constatadas e que de alguma maneira poderão ser discutidas publicamente, de modo que seja formada uma opinião política e definidas intervenções. Uma questão se transforma em um problema digno de atenção pelo governo, quando as pessoas são convencidas de que algo precisa ser feito. Até que uma decisão seja tomada, percorre- se um longo caminho, visto que a construção da área e do tema da política exige o reconhecimento e a identificação de ações e processos diversos, o que acontece em meio ao embate em torno das ideias e interesses de grupos os mais diferentes (URPIA, 2009, p.30). As políticas públicas fazem correspondência às orientações e disposições do governo, através das mais diversas decisões nas esferas sociais, influenciando a população direta ou indiretamente, nos âmbitos pessoais, profissionais e também educacionais. Estabelecem-se leis, diretrizes, planos, resoluções, estatutos e demais decisões provenientes do poder público. Depois de definida uma política pública, serão elaborados programas, projetos e pesquisas que continuamente devem ser avaliados por meio de um sistema de acompanhamento, buscando a solução para o problema que originou todas as atividades, avaliando os processos, os produtos e os impactos ocasionados (URPIA, 2009). Para Vázquez, [...] os sujeitos ou agentes da ação política são os indivíduos concretos, reais, mas enquanto membros de um grupo social determinado. Atuando politicamente, os indivíduos defendem os interesses comuns do grupo social respectivo nas suas relações com o estado, com outras classes ou com outros povos (2005, p. 93). As políticas públicas para a EJA configuram-se num espaço diferenciado. Apesar de existirem muitas iniciativas em prol da disseminação da educação para todas as pessoas, como é previsto na própria Constituição Federal, no Artigo 205, que prescreve a educação como direito de todos e dever do estado, a EJA ainda se apresenta aquém das muitas estratégias educacionais propostas pelo governo. U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 46 UNIDADE II A Educação de Jovens e Adultos tem uma estreita relação com políticas educacionais e demais estratégias governamentais, pois essa modalidade apresenta-se como possibilidade de inclusão social, vindo ao encontro da responsabilidade pública para com os cidadãos. O direito à educação é reconhecido no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, como direito de todos ao ‘desenvolvimento pleno da personalidade humana’ e como uma necessidade de fortalecer o ‘respeito aos direitos e liberdades fundamentais’. A conquista deste direito depende do acesso generalizado à educação básica, mas o direito à educação não se esgota com o acesso, a permanência e a conclusão desse nível de ensino: ele supõe as condições de continuar os estudos em outros níveis (GADOTTI, s/d, p.17). Pode-se destacar também o Artigo 206 da Constituição Federal que prescreve “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Ainda, com referência à Educação de Jovens, Adultos e Idosos, também se pode destacar o Artigo 208, no qual se encontra a garantia de obrigatoriedade do ensino gratuito, inclusive para aqueles que não tiveram acesso ao mesmo na idade própria. No Artigo 211, a Constituição Cidadã prescreve: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal e aos Municípios em regime de colaboração organizar seus sistemas de ensino. §1º A União organizará seu sistema federal de ensino e dos territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir a equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. O Artigo 214 faz menção ao Plano Nacional de Educação e tem como meta tanto a erradicação do analfabetismo, como a melhoria na qualidade de ensino e a formação para o trabalho. Para Arroyo, “a história mostra que o direito à educação somente é reconhecido na medida em que vão acontecendo avanços sociais e políticos na legitimação da totalidade dos direitos humanos”. Assim, “a re-configuração da EJA estará atrelada a essa legitimação” (2006, p. 28). 47 UNIDADE II Fu n d a m e n to s Te ó ric o s- m e to d o ló g ic o s n a E d u ca çã o d e J o ve n s e A d u lto s www.rubensmoscatelli.com/ opiniao/wp-content/uploa- ds/2010/02/direito_educacao_ estatal_digna.jpg O direito à educação não pode ser desvinculado dos direitos sociais. Os direitos humanos são todos interdependentes. Não podemos defender o direito à educação sem associá-lo a outros direitos (GADOTTI, 2009, p.18). A Educação de Jovens e Adultos não se estrutura como uma adaptação do sistema educacional vigente no Ensino Fundamental e Médio para suprir uma necessidade educacional. Ela é um desafio social, centralizado na sociedade do saber, pautado nos princípios do direito universal à educação. Por meio das mudanças sociais no Brasil, pode-se destacar a preocupação com o desenvolvimento da educação, possibilitando o acesso e a permanência dos sujeitos na escola, além de propiciar àqueles que se encontram à margem do processo, condições de ingressarem no âmbito escolar, através de uma educação permanente e adequada para jovens, adultos e idosos. Segundo Porto (2004), as políticas públicas têm sido insuficientes para atender ao direito de todos os brasileiros à educação e, embora sejam ampliadas as ofertas, elas continuam excluindo elevado número de jovens e adultos de tais oportunidades, quer pelo não acesso, quer pela não permanência. U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 48 UNIDADE II Os fóruns nacionais foram criados em razão da necessidade de se discutir