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CAPÍTULO V INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Sumário • 1. Hermenêutica e interpretação jurídica – 2. Interpretação jurídica e interpretação constitucional. A especifi cidade da interpretação constitucional – 3. As correntes interpretativis- tas e não-interpretativistas no direito norte-americano: 3.1. Interpretação constitucional e cria- ção judicial do Direito – 4. Métodos de interpretação constitucional: 4.1. Método jurídico ou her- menêutico-clássico; 4.2. Método tópico-problemático; 4.3. Método hermenêutico-concretizador; 4.4. Método científi co-espiritual; 4.5. Método normativo-estruturante – 5. Princípios de interpre- tação constitucional: 5.1. Princípio da unidade da Constituição; 5.2. Princípio do efeito integra- dor; 5.3. Princípio da máxima efetividade; 5.4. Princípio da justeza ou da conformidade funcional; 5.5. Princípio da concordância prática ou da harmonização; 5.6. Princípio da força normativa da Constituição; 5.7. Princípio da proporcionalidade ou razoabilidade; 5.8. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis; 5.9. Princípio da interpretação conforme a Constituição – 6. A inter- pretação constitucional e a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição de Peter Häberle. 1. HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA A hermenêutica e a interpretação jurídica são fenômenos que não se confundem, apesar de compartilharem da mesma preocupação. Ambas se unem e se esforçam em torno do mesmo objetivo, que é proporcionar a to- dos a melhor compreensão do Direito. Emilio Betti, a propósito, chegou a ressaltar que a hermenêutica é uma ciência do espírito que compreende o estudo da atividade humana de inter- pretar.1 Carlos Maximiliano, na mesma direção, esclarece que a hermenêutica é a “teoria científica da arte de interpretar”, de modo que a interpretação é aplicação da hermenêutica, e a hermenêutica é a ciência que descortina e estabelece os princípios que regem a interpretação. Nas palavras do mestre: “A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”.2 A hermenêutica, portanto, é o domínio da ciência jurídica que se ocupa em formular e sistematizar os princípios que subsidiarão a interpretação, enquanto a interpretação é atividade prática que se dispõe a determinar o 1. Interpretación de la ley y de los actos jurídicos. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1975, p. 29). 2. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 01. No mesmo sentido do texto, con- fira-se, por todos, a obra do saudoso professor Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1997, pp. 18-23. 200 DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR sentido e o alcance dos enunciados normativos. A hermenêutica fornece as ferramentas teóricas que serão manejadas pelo intérprete na busca da com- preensão das disposições normativas. A hermenêutica ilumina o caminho a ser percorrido pelo intérprete e isso demonstra a sua importância para o Direito, pois cumpre a ela teorizar os princípios de interpretação jurídica. Assim, podemos dizer que, apesar de inconfundíveis, há uma relação mútua de dependência entre a hermenêutica e a interpretação jurídica, na medi- da em que sem a hermenêutica não se interpreta, e sem a interpretação a hermenêutica se torna inútil e desnecessária. No processo de compreensão do Direito, hermenêutica e interpretação são os dois lados de uma mesma moeda. Mas a tarefa prática de explorar os textos normativos é atribuída à inter- pretação jurídica, não à hermenêutica. E por interpretação jurídica deve-se entender a atividade prática de revelar/atribuir o sentido e o alcance das disposições nor mativas, com a finalidade de aplicá-las a situações concretas, pois interpretar é determinar o conteúdo e significado dos textos visando solucionar o caso concreto. Não se interpreta em vão, ou por diletantismo, mas para resolver os problemas jurídicos concretos. A interpretação, portanto, envolve duas atividades – uma voltada a desven- dar/construir o sentido do enunciado normativo e outra destinada a concretizar o enunciado – e, nesse sentido, apresenta-se também como uma técnica de redução da natural distância que existe entre a generalidade dos textos nor- mativos e a singularidade do caso concreto. Assim, interpretar é também concretizar; e concretizar é aplicar o enunciado normativo, abstrato e ge- ral, a situações da vida, particulares e concretas3. Ou, como assevera Karl Larenz4, a aplicação da disposição normativa ao caso concreto, isto é, a sua concretização, é aspecto imanente à interpretação, que não se realiza abstra- tamente, pois é de rigor a exigência, na atividade de interpretação jurídica, de um ir-e-vir ou um balançar de olhos entre o texto da norma e a realidade. Aliás, com muita propriedade afirma este grande jurista que somente com a concretização da norma ou sua aplicação ao caso concreto, é que é possível revelar, por completo, o seu conteúdo e alcance. Para a mesma direção vão as observações de Robert Alexy5 no sentido de que é a partir daquele ir-e-vir ou balançar de olhos entre o preceito normati- vo e o fato que o intérprete-aplicador estende uma ponte sobre o abismo que 3. Ver, a respeito, COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional, p. 36. 4. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1978, pp. 355 e 396-398. 5. Teoria de la Argumentación Jurídica. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1989, p. 221. Ver, a respeito, COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional, pp. 43-44. há entre o texto da norma e o fato. Também para Gadamer6 “compreender é sempre também aplicar”; que “a tarefa da interpretação consiste em con- cretizar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação”; e que “a aplicação não é uma etapa derradeira e eventual do fenômeno da compreensão, mas um elemento que a determina desde o princípio e no seu conjunto”. Tendo em vista que a interpretação não se limita a descobrir o signifi- cado e conteúdo do texto normativo, mas também a concretizá-lo, ou seja, aplicá-lo ao caso concreto, todo texto normativo, por mais claro que se apre- sente, precisa ser interpretado, circunstância que revela o caráter necessário da interpretação. Assim, está absolutamente superado o antigo brocardo in claris cessat interpretatio, pois, como afirma Frosini, a “clareza de uma lei, que nunca se encontra isolada do contexto que é o ordenamento jurídico ao qual pertence e graças ao qual torna-se operante, não é uma premissa, mas o resultado da interpretação, que a reconhece e afirma como tal: como clareza e certeza”7. Eros Grau, a propósito, critica a tradicional concepção de que a interpretação do Direito é atividade de mera compreensão do significado dos textos jurídicos: “Daí a afirmação de que somente seria necessário interpretarmos normas quando o sentido delas não fosse claro. Quando isso não ocorresse, tornan- do-se fluente a compreensão do pensamento do legislador – o que, contu- do, em regra não se daria, dadas a ambigüidade e a imprecisão das palavras e expressões jurídicas –, seria desnecessária a interpretação. Essa concepção (...) passou por um processo de transformação ainda não completamente apreendido pelos que se dedicam ao estudo do direito e pelos que o operam”8. Assim, conclui o mestre a respeito da interpretação do Direito, “O fato é que praticamos sua interpretação não – ou não apenas – porque a linguagem jurídica seja ambígua e imprecisa, mas porque interpretação e aplicação do direito são uma só operação, de modo que interpretamos para aplicar o direito e, ao fazê-lo, não nos limitamos a interpretar (= compre- ender) os textos normativos, mas também compreendemos (= interpreta- mos) os fatos. O intérprete procede à interpretação dos textosnormativos e, concomitan- temente, dos fatos, de sorte que o modo sob o qual os acontecimentos que compõem o caso se apresentam vai também pesar de maneira determinan- te na produção da(s) norma(s) aplicável(veis) ao caso”9. 6. Verdad y Método. Salamanca, Sígueme, 1993, v I, pp. 380, 396-401. Ver, a respeito, COELHO, Inocên- cio Mártires. Interpretação Constitucional, p. 44. 7. FROSINI, Vittorio. Teoria de la Interpretación Jurídica. Trad. De Jaime Restrepo. Bogotá, Temis, 1991, p. 98. 8. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª ed, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 21. 9. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª ed, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 22. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 201 202 DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR A interpretação jurídica, por outro lado, não envolve apenas uma ativi- dade declaratória do intérprete, pois limitá-la a isso corresponde à mesma coisa de negar a sua primordial função de atualizar o Direito operando a sua adaptação às transformações sociais. Assim, “a interpretação do direito é constitutiva, e não simplesmente declaratória. Vale dizer: não se limita a uma mera compreensão dos textos e dos fatos; vai bem além disso”10. Por isso mesmo, conforme Müller11, o texto normativo não contém imediata- mente a norma, pois não se confundem texto e norma. Daí o autor haver afirmado, em sua metódica jurídica estruturante, que o texto é apenas a parte descoberta do iceberg normativo, de modo que a norma não compreende apenas o texto, pois abrange também um pedaço da realidade social que o texto só em parte contempla. Cumpre à interpretação construir a norma, pois não há norma senão norma interpretada. Vale dizer, a norma não é o pressuposto, mas o resul- tado da interpretação. Não se interpreta a norma, mas sim o texto norma- tivo, pois é dele, através da interpretação, que se extrai a norma. Contudo, não se interpreta apenas o texto normativo senão confrontando-o com sua realidade histórico-social do momento em que ocorre a interpretação. Da interpretação do texto e da realidade obtém-se a norma. A norma, portanto, é o significado da conjugação que o intérprete faz entre o texto normativo e a realidade. Ainda com base em Müller, podemos sustentar que na inter- pretação a norma é produzida não a partir exclusivamente dos elementos colhidos do texto (mundo do dever-ser), mas também dos dados do caso ao qual ela (a norma) deve ser aplicada, quer dizer, a partir dos elementos da realidade (mundo do ser). Eros Grau é esclarecedor a respeito: “O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete. Por isso dizemos que as disposições, os enunciados, os textos, nada dizem: eles dizem o que os intérpretes dizem que eles dizem [Ruiz e Cárcova]”.12 (...) “O intérprete desvencilha a norma do seu invólucro (o texto); neste senti- do, ele ‘produz a norma’ ” 13. 10. EROS ROBERTO GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª ed, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 22. 11. MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do Direito Constitucional. 2ª ed, São Paulo: Max Limonad, 2000, pp-53-67. 12. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª ed, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 23. 13. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª ed, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 27. Disso decorre a nova concepção que se deve ter sobre a interpretação jurídica. Cuida-se de uma importante atividade de adaptação e inserção do Direito à sua realidade, uma maneira de preservar a dialética que deve existir entre o Direito e a realidade. Logo, uma nova hermenêutica que leva a uma nova interpretação deve repelir o reducionismo tradicional da interpretação à atividade de mera subsunção, pois “a interpretação do direito não se reduz a exercício de comprovação de que, em determinada situação de fato, efetiva- mente se dão as condições de uma conseqüência jurídica (um dever-ser)14”. Cumpre, por fim, acentuar que não é finalidade da interpretação jurídica elucidar a vontade do legislador (a mens legislatoris). A interpretação não pode ser reconduzida a uma atividade de reconstrução do pensamento do le- gislador, como defendiam os originalistas (ou subjetivistas) no direito norte- -americano. O que se interpreta é o texto à luz do caso ao qual ele vai ser aplicado e concretizado; logo, o que se busca na interpretação é construir o sentido do texto da norma em relação à sua realidade (eis a norma, como resultado da interpretação), circunstância que prestigia, não a vontade do legislador, mas uma vontade própria da disposição normativa interpretada (a mens le- gis), que, ao fim de seu processo de positivação, adquire vida própria e autô- noma, separando-se do legislador. 2. INTERPRETAÇÃO JURÍDICA E INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. A ESPECIFICIDADE DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL A interpretação jurídica é o gênero do qual a interpretação constitu- cional é espécie. Com isso, o que se pretende dizer é que a interpretação da Constituição insere-se no âmbito da interpretação jurídica em geral, de modo que compartilha de seus traços comuns. Contudo, como a interpretação constitucional tem por objeto a com- preensão e aplicação das normas constitucionais, ela se serve de princípios próprios que lhe conferem especificidade e autonomia. É exatamente na peculiaridade de seu objeto – a Constituição – que reside a necessidade de uma interpretação especificamente constitucional, informada por métodos e princípios específicos e adequados ao seu objeto. “Segundo a maioria dos doutrinadores, a diferença específica entre Lei e Constituição – da qual resultaria, por via de conseqüência, também a dife- rença entre as respectivas interpretações – residiria na peculiar estrutura normativo-material das Cartas Políticas, mais precisamente da sua parte dogmática, onde se compendiam os direitos fundamentais. 14. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 2ª ed, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 64. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 203 204 DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR Como, a toda evidência, essa estrutura normativo-material é bem distinta da que possuem os preceitos infraconstitucionais, em geral, tal particula- ridade exigiria do intérprete da lei fundamental situar-se em perspectiva metodologicamente adequada ao objeto do seu afazer hermenêutico”15. Ora, enquanto as normas legais possuem um conteúdo material fechado e preciso, as normas constitucionais apresentam um conteúdo material aber- to e fragmentado, circunstância que justifica e reivindica a existência de uma interpretação especificamente constitucional. Ademais, como lembra Luís Roberto Barroso16, a Constituição deve ser interpretada levando em conta o conjunto de peculiaridades que singulari- zam seus preceitos, destacando-se a supremacia de suas normas, a nature- za da linguagem que adota, o seu conteúdo específico e o seu forte caráter político. Assim, tais peculiaridades das normas constitucionais ensejaram o desenvolvimento, por parte da doutrina, de um elenco próprio de princípios aplicáveis à interpretação constitucional. De fato, as normas constitucionais ocupam o vértice de todo o sistema jurídico, subordinando todas as normas legais e condicionando a própria interpretação do direito infraconstitucional (são, nesse sentido, normas- -vértice17). Além de superiores, as normas constitucionais normalmente veiculam conceitos abertos, vagos e indeterminados (como, por exemplo, dignidade da pessoa humana, moralidade, função social da propriedade, justiça social, relevância) que conferem ao intérprete um amplo “espaço de conformação” (liberdade de conformação, discricionariedade) não verificável entre as nor- mas legais. As normas constitucionais, via de regra, são normas de organizaçãoe estrutura, que traçam as competências orgânicas e os fins do Estado, e dis- ciplinam, inclusive, o processo legislativo de elaboração das normas legais (são, nesse particular, as normas das normas), distinguindo-se, mais uma vez, destas últimas, que são normas prescritivas de condutas humanas. Finalmente, as normas constitucionais, apesar de normas jurídicas, são dotadas de forte carga política em razão de sua indisfarçável pretensão de regular o fenômeno político e estabelecer as bases fundamentais de organi- zação política do Estado. 15. COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional, p. 75. 16. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transfor- madora, p. 107. 17. Expressão singular utilizada por MANOEL JORGE E SILVA NETO, Curso de Direito Constitucional, p. 39. Tudo isso, reitere-se, está a exigir uma interpretação especificamente constitucional, que não ignore, é verdade, as características da interpreta- ção jurídica em geral, mas que seja orientada, isso é certo, por métodos e princípios particulares e adequados ao seu objeto. Preciso, uma vez mais, alerta Luís Roberto Barroso: “Antes de prosseguir, cumpre fazer uma advertência: a interpretação jurí- dica tradicional não está derrotada ou superada como um todo. Pelo con- trário, é no seu âmbito que continua a ser resolvida boa parte das questões jurídicas, provavelmente a maioria delas. Sucede, todavia, que os operado- res jurídicos e os teóricos do Direito se deram conta, nos últimos tempos, de uma situação de carência: as catego rias tradicionais da interpretação jurídica não são inteiramente ajustadas para a solução de um conjunto de problemas ligados à realização da vontade constitucional. A partir daí, deflagrou-se o processo de elaboração doutrinária de novos conceitos e categorias, agrupados sob a denominação de nova interpreta- ção constitucional, que se utiliza de um arsenal teórico diversificado, em um verdadeiro sincretismo metodológico”18. 3. AS CORRENTES INTERPRETATIVISTAS E NÃO-INTERPRETATIVISTAS NO DIREITO NORTE-AMERICANO Nos Estados Unidos contrapõem-se, de há muito, duas correntes em tor- no da discussão dos problemas da interpretação constitucional: As corren- tes interpretativistas e não-interpretativistas. A corrente interpretativista nega qualquer possibilidade de o juiz, na interpretação constitucional, criar o Direito, indo além do que o texto lhe permitir. Para esta corrente, que se fundamenta no princípio democrático, o juiz tem por limite a textura semântica e a vontade do legislador, devendo apenas captar e declarar o sentido dos preceitos expressos no texto consti- tucional, sem se valer de valores substantivos, sob pena de se substituir as decisões políticas pelas decisões judiciais. Já a corrente não-interpretativista defende um ativismo judicial na inter- pretação da Constituição, proclamando a possibilidade e até a necessidade de os juízes invocarem e aplicarem valores substantivos, como justiça, igual- dade e liberdade19. Ora, para esta corrente, cumpre ao juiz concretizar todos esses valores constitucionais, por meio de uma interpretação substancial da 18. ‘Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil’. In: Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil. Ano 23, n. 82, 4º trimestre, 2005, pp. 109-157, p. 119. 19. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1.122. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 205 206 DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR Constituição, que é composta, como cediço, por inúmeros princípios jurídi- cos abertos. É inegável que ao juiz compete a tarefa de concretizar esses princípios jurídicos abertos, a partir deles construindo a solução mais adequada para o caso concreto, de tal modo que à interpretação constitucional se deve atri- buir a grande responsabilidade de vivenciar a Constituição. O juiz, assim, torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para os conceitos jurídicos indeterminados e ao realizar escolhas entre soluções possíveis e adequadas.20 No neoconstitucionalismo, a interpretação substancial da Constituição é um de seus temas centrais. A corrente não-interpretativista prega, com razão, uma postura substan- cial-concretista da interpretação constitucional, voltada à realização dos va- lores cardeais que permeiam a Constituição, uma vez que, por detrás de seus preceitos e suas palavras, há uma ordem de valores esperando densificação. Possibilita-se, assim, uma criação judicial do Direito, exigindo-se uma posi- ção pró ativa dos juízes. Em razão da importância do tema – criação judicial do Direito a partir da interpretação constitucional – para o novo Direito Constitucional, faremos, em seguida, uma exposição a respeito. 20. LUÍS ROBERTO BARROSO. ‘Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito: O triunfo tar- dio do Direito Constitucional no Brasil’. In: Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil. Ano 23, n. 82, 4º trimestre, 2005, pp. 109-157, p. 120-121. Em síntese admirável, noticia o autor a evolução da interpretação jurídica: “A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção. Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quan- to ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucio- nalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. Estas transformações noticiadas acima, tanto em relação à norma quanto ao intérprete, são ilustradas de maneira eloqüente pelas diferentes categorias com as quais trabalha a nova interpretação. Dentre elas incluem-se as cláusulas gerais, os princípios, as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação”.
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