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Bogdan Suchodolski - Teoria Marxista da Educação III-Estampa (1976)

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TEOBIA MABXISTA 
DA EDUCACAO 
I 
Dlstribuldor no Brasil: 
Livraria Martins Fontes 
Prafia da lndependAncla, 12 
Santos- S. faulo 
BOGDAN SUCHODOLSKI 
TEORIA MARXISTA 
DA EDUCACAO 
,I 
Volume DI 
Editorial Estampa 
Titulo original 
U .Podstaw Materialstycznej Teorii Wychowania 
Traduc;:ao de F·rancisco Paiva Boleo 
Capa de •Soares Rocha 
Copyright 
Panstwowe Wydawnictwo Naukow, Vars6via 
Editorial <Estampa, Lda., 1976, Lisboa 
Para a lfngua portuguesa 
, 
1NDICE 
CAPITULO VII- Meritos e erro<S dJo materiaUsmo 
meta[isico wa a;ruil~se do hometm . . . . . . . . . . . . 9 
1. A posic;iio social do materialismo metaffsico 9 
2. Criti'ca do materialism0 sensualista . . . . . . . . . . . . 15 
3. Conclus6es pedag6gica•s da critica do materia-
lismo ·sensualista . . . . . . . . . . . . .. . .. . .. . .. . .. . 27 
4. Critica. da filosofia de Feuerba:ch . . . . . . . . . . . . 36 
5. Critica da pedagogia da «reforma da Conscien-
cia». .. . .. . ... ... .. . ... .. . ... .. . ... ... ... .. . 47 
6. Critica das concepc;o·e-s irracionalistas da re-
forma da ·Consciencia .. . .. . .. . .. . .. . .. . 53 
7. As caracteristicas da peda:gogia socialista . . . 61 
CAPITULO VIII- A luta pela teoria materlalista da 
persmvalid.ad.e . . . . . . . . . . . . . . . 65 
1. A questiio da person ali dade . . . . . . . . . . . . . . . 65 
2. A critka •da pedagogia dos ut6picos . . . . . . . . . 68 
3. A origem classista da pedagogi:a individualista 
de Stirner e o seu conteudo .. . .. . . .. .. . .. . . .. 80 
4. Critica dos fundamentos do idealismo de Stirner 94 
5. Critica do conceito de individualidade de Stirner 99 
6. 0 problema do desenvolvimento do homem e das 
suas capaddades .. . ... .. . .. . 112 
7. 0 problema do ideal educativo .. . ... . .. .. . . .. 120 
CAPITULO IX- 0 S'i!gnificado de Marx e Enge'bs p·ara 
a hist6rla da pe-dagog·ia .. . .. . .. . .. . .. . .. . .. . 131 
1. A pedagogia burguesa antes de Marx . . . . . . . . . 132 
2. Principais tendencias do posterior desenvolvi-
mento da pedagogia .. . .. . .. . .. . .. . .. . .. . 138 
7 
3. Caracteristica geral do significado de Marx e . 
Engels para ·a pedagogia .. . .. . .. . .. . .. . .. . 144 
4. A teoria metafisica da es9encia do homem 147 
5. A critica da l!:eoria da «essencia» do homem 160 
6. A teoria exi"Stenoeialista do homem . . . . . . . . . 163 
7. Critica da teoria exist·encia.Usta do homem .. . 171 
8. A pedagogia da praUca vevolucionaria . . . 175 
Apendice 181 
8 
CAPiTULO VII 
MERITOS E ERROS DO MATERIALIS'MO META-
FISICO NA ANALISE DO HOMEM 
1. A posi~ao social do materiaJismo metafisico 
A teoria idealista do homem na filosofia burguesa 
manifestou-se principalmente nas mais diversas es-
peculaQ5es sobre a «essencia» do homem. Ja no se-
culo XVIII se comegou a desenvolver uma segunda 
corrente que s6 aparentemente se opunha ao tipo 
de idealismo mencionado e o combatia publicamente. 
Esta Corrente tentou formar os individuos humanos 
concretos segundo postulados que provem do conhe-
cimento da «natureza humana». Circunscrevia-se a 
vida do proprio homem ·e nao queria admitir nenhuma 
.instancia que lhe fosse ·alheia. Esta acQiio contra o 
«idealismo ilus6rio e extraordinario» e pela protecQiio 
dos direitos do «homem de carne e osso» dividiu-se 
em muitas e divers-as direcQ6es. No entanto, todas 
elas tinham determinadas fontes comuns. , 
Durante o largo tempo em que a burguesia lutou 
contra o feudalismo, as concepQoes «ideais» serviram 
de ·arma eficaz para a superaQiio das relaQ6es e con-
cepQ6es predominantes. Mediante o apelo ao direito 
natural, que valia como direito perfeito, eterno e 
:intangivel de vida, puderam atacar intensivamente os 
tlireitos feudais ainda sobreviventes. A sociedade do 
contrato social e a sociedade ideal dava a possibili-
dade de atacar forte e ameaQadoramente a sociedade 
feudal existente e os seus donas absolutos. Com a 
9 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
concepQao da «natureza humana» podia-se criticar 
vigorosamente a primazia da Igreja no campo do 
ensino. No entanto, a medida que a burguesia foi 
triunfando e instalando sobre as ruinas do feudalismo 
- as vezes em alian~a com ele - uma nova ordem, 
na qual se elevava a categoria de classe dominante, 
este modo de pensar comeQOU a tornar-se perlgoso 
em algumas quest6es sociais. Os chamados «ideais» 
superavam em muitos casos as relaQ6es dominantes 
que correspondiam exactamente aos interesses da 
burguesia e nao permitiam mais nenhuma mudanQa. 
No periodo de restaura~ao delineou-se muito clara-
mente esta critica feita pelo feudalismo face ao idea-
lismo. A estas criticas aliam-se cada vez mais, sob 
o impulso das aspiraQ6es revolucionarias, os repre-
sentantes da burguesia. 
Se as diversas concepQ6es acerca das leis imuta veis 
da natureza e da essencia imutavel do homem pres-
tram ate este momenta bons serviQos a luta pela 
realizaQao das reivindicaQ6es da burguesia, na con-
solidaQao da ordem burguesa tornaram-se superfluas 
ou mesmo prejudiciais. Bastava o referir-se a vida 
tal como ela se apresenta a si propria e, precisa-
mente pelo facto da sua existencia, deduzir a certeza 
de que e correcta. 0 apelo ao «idealismo» converte-se 
nestas circunstancias num instrumento da reacQao 
feudal, que nao podia concordar com o triunfo da 
burguesia, ou na ordem do socialismo ut6pico da 
democracia, insat\sfeita nas suas reivindicaQ6es. 
No periodo da restauraQao pode-se reconhecer cla-
ramente esta dualidade, que era motivada pela insa-
tisfaQao com estas relaQ6es materiais de vida exis-
tentes. A insatisfaQao de «direita» manifesta-se na 
romantica reaccionaria que constr6i lmagens ideais 
da vida € se 1iga a ideologia religiosa medieval; a 
insatisfa~ao de «esquerda», pelo contrario, anuncia 
na critica ut6pica a ordem predominante no idealismo 
ut6pico, as relaQ6es sociais de outro futuro inde-
terminado. Entre os dois p6los movem-se os . que 
10 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
conseguiram a vit6ria e para os quais a realidade 
existente rege intangivelmente. Tal posigao e adop-
tada pelo liberalismo, que luta em duas frentes : por 
urn lado, combate a reacgao que pretende voltar a 
prender os homens com as velhas cadeias e, por 
outro lado, combate os democratas que exigem uma 
transformagao mais radical das relagoes dominantes : 
A sua confianQa metafisica «nos melhores do mundo» 
exterioriza-se no liberalismo ao proclamar a intan-
gibilidade da sociedade burguesa que se desenvolve. 
Nesta direcgiio viio tambem outras correntes ideol6-
gicas. E sabido que a filosofia hegeliana floresce 
neste espirito oportunista. Tambem tern uma tenden-
cia semelhante as esperangas ligadas ao aparecimento 
da sociologia como ciencia. Pretendem acabar com 
as diversas especulagoes e mostrar ao pensamento 
humano e as normas marais urn solido apoio no ser 
social. 
As transformagoes na filosofia reflectem de urn 
modo fundamental OS Conflitos ideol6gicos que se 
manifestam pela critica da metafisica tradicional «da · 
essencia» ( * ). Principalmente a filosofia do empi-
rismo prevenia os homens contra a aspiragao de 
projectar concepgoes aprioristicas sobre a sua essen-
cia. Concebia a alma do ho'mem como uma tabua 
rasa na qual ficavam impressionadas todas as suas 
experiencias. Esta concepgao converteu-se no ponto 
de partida de urn novo modo de considerar o homem 
e comportou consequencias muito importantes para 
a interpretagao da vida real dos homens, tanto es-
piritual como moral. No seculo XVIII fizeram-se mui-
tas tentativas no sentido de se conceber o homem 
deste modo, no qual nao era requerido nenhuin con-
teudo ideal que pref.igurasse internamente a essencia 
do homem. 0 conceito, cunhado por La Mettrie, 
«Homem-maquina», queria ser expressao de que o 
( * ) Obs ervagoesdo -au tor. Veja Apendice, caip . VII, 1.. 
11 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
homem se forma por completo no decurso da sua 
vida, que e «COnstruidO» pela natureza. A famosa 
estatua de Condillac, que so se converte em homem 
sob a influencia do mundo circundante, e:K!prime o 
mesmo pensamento. 
NOS fins do seculo XVHI comeQaram a delinear-se, 
ao lado das concepQoes empiricas, as concepQoes his-
toricas. Estas concepQoes queriam encontrar uma 
resposta para a questao de que e 0 homem, nao na 
analise do ambiente, mas na analise da historia. A 
e:K!posiQao da historia mutavel do homem devia ser 
o melhor argumento contra as tradicionais concep-
. Qoes que determinani a natureza do homem de modo 
aprioristico. 0 desenvolvimento da ciencia historica 
. e da sociologia nos seculos XIX e XX apoiaram fun-
damentalmente este ponto de vista. Deste modo, a 
reduQao do homem e da sua cultura as condiQoes 
historicas de existencia converteu-se num programa 
de investigaQao reconhecido quase por todos. 
Nos fins do seculo XIX e principios do XX assi-
nala-se uma corrente dirigida contra as concepQoes 
tradicionais. Filosofia da vida, pragmatismo e feno-
menologia tentam conceber, apesar de muitas con-
tradiQoes, os homens por si proprios, pela sua acti-
vidade livre, suas vivencias e experiencias. 
Estas tendencias foram continuadas pelo existen-
cialismo, que se apresenta a si proprio, com certa 
razao, como a heranQa de aspiraQoes anteriores cujo 
fim era superar a metafisica da essencia, empreender. 
a consideraQao filosofica do homem na base da sua 
vida concreta e considerar a propria metafisica nao 
coino instancia da vida humana, mas como expressao 
dessa vida. 
Para se caracterizarem estas correntes diferentes 
que surgem em oposiQao a concepQao tradicional, ha 
que fazer referencia as suas contradiQoes imanentes. 
Nao se trata de urn campo unificado, mas onde me-
lhor se combatem tendencias completamente opostas. 
Por urn lado, trata-se de tendencias que identificam 
12 
i! 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
a -existencia do homem com todo o campo das suas 
possibilidades de evoluQao; por outro lado, sao ten-
dencias que exigem a oposiQao as relaQ6es materiais 
de vida -existentes que nao sao adequadas as -expe-
riencias da existencia humana. Esta oposiQao, por 
sua vez, manifesta-se numa dupla forma: em parte 
como fuga ut6pico-romantica da realidade desagra-
davel, em parte como organizaQaO da actuaQao con-
creta para a transformaQao da vida. 
Estes antagonismos a:gudizaram-se progressiva-
mente nos seculos XIX e XX. Nos anos 40 do seculo 
passado surgiu uma situaQao ideol6gica especial na 
qual o pensamento sobre o homem se encontrou pela 
primeira vez numa encruzilhada. A partir daqui era 
possivel fazer urn balanQo do passado e conhecer a 
direcQao do desenvolvimento futuro ( *). 
A luta da burguesia contra o feudalismo rea:lizada 
de modo desigual em diversos paises, o advento tardio 
da revoluQao burguesa em alguns paises e o per1go 
ameaQador de que se podia transformar numa re-
·'VoluQao popular e a influencia no entanto forte da 
ideologia feudal paralelamente ao amadurecimento 
da consciencia proletaria complicavam mais a situa-
Qao. Certamente a critica a metafisica idealista bur-
guesa tinha o seu ponto de partida na direita, mas 
depressa a critica de esquerda tomou a iniciativa. 
Para esta, o ,apelo a vida concreta dos homens signi-
ficava uma libertaQao definitiva das cadeias da Igreja 
e da religiao, a legalizaQao das aspiraQ6es laicas e 
nacionalistas, o reconhecimento das necessidades ma-
teriais dos homens e a destruiQao tanto da supers-
trutura, que submete a 'Vida livre dos homens, como 
das cadeias da moral feudal e do aparelho estatal 
feudal. Nesta tendencia desenvolviam-se os jovens 
hegelianos, especialmente Feuerbach. 
( * ) Observag6es do autor. Veja Apendtce, cap. VII, 2). 
13 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
Mas precisamente neste momento apresentou-se 
urn problema filos6fico fundamental de cuja solu~ao 
dependia neste periodo decisivo a orienta~ao do de-
senvolvimento posterior da ideologia «do homem». 
0 problema formulava-se nos seguintes termos: 
Se queremos refutar a concep~ao metafisico-idealista 
do homem, que o considera como corporiza~ao con-
creta da «essencia ideal», e compreender o homem 
pela sua vida verdadeiramente propria, como podemos 
no aspecto filos6fico precavermo-nos de urn natura-
lismo manifesto e no aspecto social, do oportunismo, 
que ve as rela~oes materiais da vida como «humanas» 
no mais autentico sentido da palavra? 
Isto era urn problema central, tal como hoje 
podemos ver, pois que conhecemos o desenvolvimento 
que a concep~ao idealista teve ao longo dos seculos. 
A falta de uma solu~ao correcta deste problema, o 
ataque a concep~ao idealista metafisica do homem 
devia conduzir as concep~6es existencialistas que se 
manifestam ja em Stirner e posteriormente em Nie-
tzche. Sem uma solu~ao correcta deste problema nao 
era possivel nem uma diferencia~ao entre o homem 
e os animais -que durante muito tempo foi em-
preendlda pelas teorias idealistas- nem urn ataque 
as teorias naturalistas, que remetem a vida social 
a factores naturais e consideram a luta de classe uma 
forma de luta biol6gica geral pela existencia. Sem 
uma solu~ao correcta deste problema, era absoluta-
mente impossivel criar, no afastamento do idealismo 
metafisico vigente, posi~6es a partir das quais fosse 
possivel uma critica para a transfonna~ao da vida, 
posi~6es a partir das quais se pudesse compreender 
a realidade que, apesar de sera base dos nossos con-
ceitos do homem, dev-3 ser submetida a «Uma critica 
das teorias e, na pratica, a transforma<;;ao revolu-
cionaria». 
0 materialismo metafisico fez a primeira tentativa 
para dar uma solu~ao a estas quest6es no se-. 
culo XVIII, tendo sido continuada por Feuerbach. 
14 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
Marx, ainda que tenha justamente valorizado o valor 
hist6rico destas tentativas, tambem as criticou dura-
mente. · ' 
2. Critica do materialismo sensu.alista 
N a determinaQiio do ponto de vista materialista, 
Marx indica frequentemente o significado progres-
sista do primitivo materialismo metafisico, assim 
como do mecanicista e do sensualista. Exp6e simul-
taneamente as diferenQas especificas que os distin-
guem da nova concepQiio dialectica do materiaEsmo, 
que e a arma filos6fica do proletariado. Esta dis-
tinQiio e particularmente importante para a com-
preensao das conclus6es pedag6glcas que procedem 
do ponto de vista de Marx. E por isso que comeQa-
remos a tratar esta questao. 
Em A Sagrada Familia Marx formula a sua con-
cepQiio sabre 0 caracter, 0 desenvolvimento e 0 signi-
ficado do materialismo frances. Sublinha o signifi-
cado progressista desse materialismo que empreende 
a luta contra a metafisica de Descartes, Spinoza e 
Leibniz, assim como contra a religiao. Indica o dua-
lismo da fisica e da metafisica cartesianas e o papel 
do sensualismo de Locke na evoluQiio do materialismo 
frances do seculo XVIII. Descobre as raizes sociais 
das correntes espirituais e as motivaQ6es sociais da 
queda da metafisica tradicional no periodo do Ilu-
minismo. Da atenQiio a Bacon, Hobbes, Locke, Bayle 
e mais tarde a Helvecio, Condillac, La Mettrie e 
indica as relaQoes entre o materialismo ingles e o 
frances, assim como a sua tendencia critica de re-
futar as autoridades ate entao vigentes. Sublinha 
tambem as esperanQas optimistas deste materialismo 
em relaQiio a uma transformaQiio do mundo atraves 
do ensino. 
Marx faz uma critica radical e aniquiladora a 
este materialismo do periodo do Iluminismo, ainda 
15 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
que destaque o valor progressista dos meios de in-
vestigac;;ao experimentais e empiricos, que se opoem 
as especulac;;oes racionalistase ao fideismo, e indica 
o valor progressista de uma investigac;;ao da natureza 
que esta isenta de qualquer intervenc;;ao divina e 
da investigac;;ao do homem como uma pequena parte 
material do grande mundo da natureza. Uma for-
mulac;;ao sintetica e amadurecida desta critica e-nos 
dada em Teses sobre Feuerbach, mas a primeira 
elaborac;;ao ampla esta no primeiro tratado publicado 
depois da morte de Marx, com o titulo Manuscritos 
Econ6mico Filos6ficos do ano de 1844. 
Nesta obra Marx ataea a parcialidade do mate-
rialismo sensualista, os seus erros, ilusoes e ficc;;oes 
abstractas que sao contrapostas a existencia concreta 
do homem e as suas reais relac;;oes polifacetadas com 
a natureza. 
0 argumento principal e 0 desmascaramento do 
caracter anti-social e metafisico do materialismo sen-
sualista. Este materialismo defende a ideia de que 
o homem adquire o seu conhecimento a . partir dos 
sentidos, que o poem em comunicac;;ao com as coisas 
e lhe dao uma impressao donde surgem os conceitos. 
No entanto, o materialismo sensualista nao considera 
que a relac;;ao do homem como objecto e muito mais 
complicada. Nao se trata de modo nenhum de uma ' 
ponte secreta que atraves dos sentidos ponha em 
comunicaQao dois mundos alheios e mutuamente opos-
tos - o mundo dos homens e o mundo das coisas: 
Trata-se antes de uma relaQao de mutua contacto 
e de mutua condicionamento, de uma relac;;ao de ' 
criaQao e transformaQao reciproca. 
Marx escreve: «Praticamente eu s6 posso com-
portar-me de urn modo humano quando as coisas 
se comportam humanamente face ao homem.» (1) As 
(') Marx-Engels, Kleitnfll okonomischie Schriften (Manus~ 
c'l'iislta8 Econ6micoo), BerLim, 1955, p. 132. ' ·. 
16 
-' 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
coisas que enfrentamos s6 aparentemente sao uma 
realidade natural · independente do homem. Geral-
mente sao ou obras humanas ou transforma~oes 
humanas dos elementos da natureza. Neste processo 
de intercambio activo configura-se o mundo humano · 
das coisas e o proprio homem, assim como os seus 
instrumentos sensiveis. «0 olho - escreve Marx-
tornou-se olho humano do mesmo modo que o seu 
objecto que procede do homem para os homens se 
tornou num objecto social, humano. A faculdade do 
olho humano eo conteudo humano da percep~ao con-
figuram, no decurso deste processo hist6rico de cria-
~ao, urn mundo humano atraves dos homens. Algo 
de semelhante acontece com os outros sentidos. Nao 
sao uma certa bagagem natural que os une aos 
objectos independentes deles. Desenvolvem-se atraves 
da actividade social do homem que cria a realidade 
e a transforma.» (2) 
0 homem nao esta, pois, submetido aos objectos 
do mundo real percebendo-os como objectos humanos, 
como objectos sociais. Os sentidos humanos ensinam-
-lhe a realidade deste mundo objectivo, mas, por 
sua vez, sao formados por este mundo. Consideram 
estes objectos uteis ou inuteis, belos ou odiosos, ver-
dadeiros enquanto actuam sobre n6s e por n6s sao 
transformados. A dependencia estreita e polifacetada 
entre os sentidos e os objectos do mundo humano 
pode ser demonstrada em todos os campos. Assim, 
por exemplo, no aspecto da musica. «A musica des-
perta - escreve Marx- o sentido musical do ho-
mem; assim para o ouvido nao musical a mais bela 
musica nao tern nenhum sentido, nao e [nenhum] 
objecto, porque o meu objecto s6 pode ser a confir-
ma~ao das minhas for~as essenciais.» (3 ) Algo , se-
melhante sucede com a visao, o tacto, o olfacto. 
(') Ibildem. 
· (') Ibidem, rpp. 133 e seguintes. 
' 17 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O 
Portanto, pode-se dizer que «OS sentidos do homem 
SOCial sao OUtros que nao OS do homem naO-SOCial» 
e por isto pode-se compreender que «SO atraves da 
riqueza objectivamente desenvolvida da essencia hu-. 
mana se forma e se produz em parte a riqueza da 
sensibilidade subjectiva hurnana) um ouvido musical, 
urn olho para a beleza da forma; em resumo, os 
sentidos s6 assim se fazem sentidos capazes dos 
gozos humanos que se afirmam como forgas essen-
ciais humanas» ( 4 ). 
Consideragoes semelhantes podem ser feitas - se-
gundo Marx - a respeito de todos os outros ele-
mentos da vida fisica. Nao s6 os cinco sentidos 
tradicionais, mas tambem os desejos humanos, as 
aspiragoes de todo 0 genera sao fen6menos que· se 
produzem na vida social no decurso da relagao es-
treita e polifacetada entre o homem e a realidade 
humana. «Cada uma das relagoes humanas com o 
mundo: vista, ouvido, olfacto, gosto, tacto, pensar, 
contemplar, sentir, querer, actividade, amor, isto e, 
todos os 6rgaos da sua individualidade, assim como 
os 6rgaos imediatamente comuns pela forma, som, 
no seu cornpor tamento objectivo ou no seu compor-
tamento com o objecto) a apropriagao do mesmo, a 
apropriagao da realidade humana;... actividade 
hurnana e sofri rnento humano) pois o sofrimento, num 
sentido humano, e um gozo que 0 homem tern 
de si. » (5 ) 
0 sentido destas consideragoes opoe-se a con-· 
cepgao metafisica do sensualismo que concebe o 
homem como uma essencia que defronta o mundo das 
coisas e que de.senvolve OS seus sentidos gragas a 
influencia destas coisas. Poe em duvida o modo 
dogmatico de opor o sujeito ao objecto e o modo de 
contemplagao estatica do homem como uma natureza 
eternamente dotada do mesmo sistema sensitivo. E 
( ' ) l btide?n, p. 134. 
(' ) Ibvdmn, p . 132. 
18 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
transcendendo este tema conduz aos metodos de 
investigagao socio-hist6ricos para a analise dos dotes 
fisiol6gicos e fisicos do homem e, deste modo, abre 
perspectivas totalmente novas. 
« Ve-se - escreve Marx - como a hist6ria da 
industria e a existencia objectiva realizada da in-
dustria sao 0 livro aberto das fon;as humanas essen-
ciais} a psicologia humana apresentada de modo 
sensivel, que ate agora nao se concebeu na sua rela<::ao 
com a essencia do homem, mas sempre e s6 numa 
relagao de tipo externo de pToveito, porque - mo-
vendo-se no enquadramento da aliena<::iio- s6 se 
sabia conceber a existencia geral humana do homem, 
a religiao ou a hist6ria, na sua essencia geral abstrac-
ta, como politica, arte, literatura, etc., como realidade 
das for gas humanas csse11ciais e como aetas do ge-
nera humano. » Segundo Marx foi urn erro grave ter 
considerado ate ao presente a hist6ria da tecnica, do 
trabalho e da produ<::ao de urn ponto de vista unila-
teral do proveito que tern para o homem, sem apreciar 
o seu significado na forma<::ao da essencia humana, 
no enriquecimento do seu actuar fisiol6gico e fisico 
na educaQao. «Na industria material} usual ... n6s 
encontramos sob a forma de objectos sensiveis> estra-
nhos} uteis} sob a forma da alienagao, as fors;as objec-
tivadas essenciais do homem. Uma psicologia para 
a qual este livro esta fechado, isto e, a parte concre-
tamente mais actual e exequivel da hist6ria, nao pode 
chegar a ser uma ciencia completa e real. Que s·e 
pode pensar de uma ciencia que prescinde desta gran-
de parte do trabalho humane e que nao percebe a sua 
propria unilateralidade, desde o memento em que 
t ao ampla riqueza do actuar humane niio lhe diz 
nada, a nao ser o que se podia resumir numa palavra: 
"necessidade", "necessidade vulgar"?» (0 ) [*] 
(' ) I bildern, pp. 135 e seguintes. 
( * ) Observagoes do autor. Veja Apendice, cap. VII, 3). 
19 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O 
Este ponto de vista socio-historico mostra a fie~ 
Qao da concepQao naturalista do homem e do mundo 
onde vive. 0 mundo da natureza nao e nenhum mundo 
independente da vida do homem. Tambem nao faz 
sentido opor a natureza ao homem como se fossem 
duas realidades alheias e independentes ou separar 
as ciencias da natureza das sociais como se fossem 
· radicalmente diferentes. «0 homem transforma a 
natureza e nesta actividade transforma-se a si pro-
prio. Produz-se a si proprio e aoseu mundo humano 
natural. A natureza que chega a ser e se afirma na 
historia humana - .o acto de nascimento da socie-
dade humana- e a verdadeira natureza do homem, 
porque a natureza tal como a industria a faz, ainda 
que seja numa forma alienada) e a verdadeira natu-
reza antropol6gica.» ( 7 ) 
Neste sentido, pode-se dizer que a produQao e a 
industria sao o elo historico e real que une a natu-
reza e as ciencias ao homem, e que deste modo as 
·ciencias ja nao sao alheias ao homem e que se con-
vertem propriamente na base das teorias dos homens, 
de modo semelhante ao modo como a produQao se 
tornou a base da vida dos homens. Pode-se dizer que 
no futuro existira uma so ciencia humana, porque as 
ciencias da natureza tornam-se cada vez mais cien-
cias da natureza transformada pelo homem; e as 
ciencias humanistas, em ciencia do homem, que se 
configura graQas ao trabalho que o «mundo humano 
natural» produz. 
A historia mundial e «a produQaO do homem 
atraves do trabalho humano, isto e, 0 tornar-se da 
natureza para os homens». 0 homem tornou-se assim 
•o ponto central da existencia da natureza transfor-
mada, tal como a natureza transformada se tornou 
o ponto central da existencia do homem. Estes laQos 
reciprocos nao podem desfazer-se, e por isso todas 
(') Ibidem, p. 136. 
20 
TEORLA MARXISTA DA EDUCAQAO 
as tentativas de uma contraposi~ao metafisica e 
estatica do «homem» e da «natureza» sao uma 
abstrac~ao deficiente que consiste na separa~ao do 
conteudo real, concreto, que se desenvolve historica- . 
mente, da existencia concreta e real dos homens e da 
natureza {8 ). 
A critica de Marx op6e-se, por conseguinte, as 
teses basicas do materialismo naturalista, segundo 
o qual as coisas como objecto e o homem como 
sujeito se enfrentam alheadamente, mutuamente inde-
pendentes: Os sentidos - diz este materialismo-
indicam-nos de modo adaptado a sua natureza psico-
16gica a existencia das coisas, mas esta informa~ao 
nao e influenciada nem pelas pr6prias coisas nem 
pela transforma~ao do homem. As coisas perma-
necem tal como sao, como essencia que apenas e 
dotada pela natureza com receptores completamente 
d~terminados, e sempre o que ja em principia estava 
determinado a ser. Certamente que o ma;terialismo 
sensualista op6e-se as ideias inatas que deveriam 
predestinar o desenvolvimento do individuo; no en-
tanto, ao sublinhar o papel do mundo circundante e 
das impress6es adquiridas, conserva propriamente o 
elemento estatico das concep~6es anteriores. Atraves 
da vincula~ao sensivel a realidade, 0 homem nao se 
teria desenvolvido nem transformado: como numa 
chapa fotografica, no seu espirito ·desenha-se exclusi-
vamente uma imagem da realidade, sempre a mesma 
realidade invariavel e independente. Portanto, o 
homem pode ser concebido como uma maquina, como 
urn automata, que funciona mecanicamente segundo 
os impulsos recebidos. Ele foi, pais, concebido de urn 
modo cada vez mais naJturalista, do mesmo modo que 
se conceituaram os animais, que levam a mesma vida 
desde ha seculos num ambiente determinado, mas 
independente deles. 
( 8 ) IM<lem, rp. 139. 
21 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
Marx indica de modo convincente que o homem e 
a natureza estao numa dependencia especifica reci-
proca de interacQao e transformaQao. 0 homem como 
sujeito existe ja no objecto, na naJtureza, enquanto 
esta e para OS homens verdadeiramente objecto. 0 
que os sentidos reconhecem ja e de certo modo trans-
formado pela actividade social. 0 que e transformado 
por esta aotividade configura os sentidos humanos 
como instrumentos do conhecimento do mundo e dc.i3 
coisas. Par issa, segundo Mar x, o problema da objec-
tividade do conhecimento sensivel, defendido pelos 
materialistas sensualistas e duramente criticado pelos 
seus oponentes, deve ser solucionado de outro modo. 
'Se os sentidos nos ensinaram a existencia dos objec-
tos, se nos transmitem de tun modo fiel as suas pro-
priedades, se talvez s6 parcialmente se reflectem no 
nosso conhecimento essas propriedades e se inclusi-
vamente sao talvez exclusivamente urn produto do 
nosso sistema sensitive, tudo isto - como diz Marx 
- nao e mais do que urn problema «puramente esco-
lastico» enquanto for concebido separadamente da 
pratica. Nao sao os sentidos que constituem a vin-
culaQao fundamental do homem a natureza, mas sim 
a pratica. Trata-se, pais, de uma dependencia social 
e hist6rica, variavel e em constante progresso, activa 
e polifacetada. 0 assinalar da realidade atraves dos 
sentidos exprime uma ac~ao que transforma esta 
realidade e os que a transformam. E precisamente . 
tuna vida desta natureza que e 0 oposto da vida dos ' 
animais, e e propriamente a vida humana (*). 
A critica de Marx ao materialismo sensualista 
nao se limita apenas as ideias metafisicas gerais. 
Estas estao estreitamente ligadas a analise das si- . 
tuaQCies sociais nas quais surgem convicQoes imagi-
narias e teorias que provem da limitaQaO e da deso-
rientaQaO do homem. Uma indicaQaO sabre estas ana-
(*) Observag5es do autor. Veja Apendice, cap. VII, 4). 
22 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO ' 
lises esta contida no ponto de vista anteriormente 
mencionado. · Se o problema da consciencia humana 
nao pode ser compreendido com as categorias natu-
ralistas e fisiol6gicas, se deve ser considerado de urn 
modo social, as analises puramente filos6ficas nao 
sao suficientes para a critica do sensualismo. 
Os sentidos do homem formam-see desenvolvem-
-se, em uniiio com os objectos da sua actividade 
social, apenas em sentidos verdadeiramente humanos 
quando para isso se cumprem as premissas, gra~as 
as quais todos OS .objectos do homem se podem COn-
ceber como objectos do mundo humano: «Para o 
homem que morre de fome niio existe a forma 
humana de alimento, mas apenas a sua existencia 
abstracta como comida; do mesmo modo se podia 
encontrar na forma mais primitiva e nao se poderia 
dizer em que e que esta actividade alimentar se dis- ' 
tingue da actividade alimentar das feras. 0 homem 
cheio de preocupa~oes e necessidades niio tern 
nenhum sentido disponivel nem para o mais belo 
espectaculo ;... assim, a objectiva~ao da essencia 
humana, tanto no aspecto te6rico como no pratico, e 
necessaria t anto para tornar 0 sentido do homem 
humcmo, como para criar, para toda a riqueza da 
essenda humana e natural, sentimentos humanos 
correspondentes.» (9 ) 
0 cumprimento destas condi~oes, atraves das 
quais o homem pode participar na realidade circun-
dante como sendo realidade humana, nao depende do 
destino do individuo, mas da estrutura social objec-
tiva em que o individuo vive. Esta estrutura pode ser 
de urn genera que facilite a compreensiio do ambiente 
real como uma obra social dos homens ou ser de urn 
genera que o impe~a e o force a considera-la urna 
realidade alheia e independente em que a actividade 
do homem niio e de modo nenhum constitutiva. Qual 
( ' ) lbidem, p. 134. 
23 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
e 0 factor decisivo de que depende a limitaQao e a 
destruiQao das relaQ6es humanas com o mundo? Este 
factor e a propriedade privada. 
· · A propriedade privada, ao criar a sociedade de 
classes e provocar que os objectos socialmente pro-
duzidos se tenham transformado em objectos da 
possessao dos homens das classes dominantes, «a 
propriedade privada - escreve Marx- :tornou-nos 
tao parvos e unilaterais, que urn objecto nao e nosso 
a nao ser quando 0 temos, a nao ser que exista para 
n6s como capital ou a nao ser quando e imediata-
mente possuido por n6s, comido, bebido, usado pelo 
nosso corpo, habitado por n6s, etc., em resumo, a 
nao ser quando e utilizado» (1°). Numa ordem social 
em que a vida humana s6 e possivel atraves da posse 
da propriedade, onde OS que nao possuem nenhuma 
propriedade sao excluidos da sociedade e da cultura, 
·desenvolve-segradualmente o desejo de posse ate 
se converter no conteudo principal de vivencias do 
homem· que configura a sua relaQao com o mundo. 
0 homem deixa de parecer o produto da actividade 
social dos homens na realidade que o rodeia e comeQa 
a valorizar esta realidade exclusivamente como 
campo de luta pela posse, como campo da exploraQao 
segundo a forQa da posse. No entanto, esta maneira 
de pensar limita e empobrece o homem. «Em vez de 
· todos os sentidos fisicos e espirituais apareceu, pois, 
.a simples alienaQao de todos estes sentidos, o sentido 
do ter. A essencia humana devia reduzir-se a esta 
pobreza absoluta para engendrar a sua riqueza inte-
rior a partir de si propria. Por isso a supressao da 
propriedade privada e a emancipaQao total de todos 
os sentidos e propriedades humanas.» (11 ) Isto signi-
fica que pela supressao da propriedade privada se 
'superara o modo falso e prejudicial de considerar a 
('0 ) Ibvdem, p. 132. 
( 11 ) Ibidem. 
24 
TEQRIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
realidade como 'objecto da posse individual e produ-· 
zir-se-a novamente o verdadeiro e natural que provem 
do conhecimento de que a realidade se configura · 
atraves do trabalho social dos homens. Entao as 
coisas aparecem-nos como sendo nossas proprias 
'Obras, como nos proprios em forma objectivada, 
como fruto da actividade social. A nossa considera~ao 
compreendera entao o objecto como «Coisa humana» 
de modo imediato e como questao de amor ate ela e 
nao como caJculo, nao como objecto da aspira~ao 
egoista de posse . . Neste sentido, Marx diz que «OS 
sentidos convertem-se imediatamente, na pratica, em 
4:eoricos»: nestas circunstancias nao sao nenhuma 
foq~a para uma entrada em contacto com as coisas 
para as possuir, mas uma for~a em que se reconhe-
cem nas coisas os produtos sociais humanos ; uma 
for~a que se exerce e desenvolve no processo de 
reconhecimento de si propria. Olho e ouvido do 
homem evoluem - como ja foi dito - como orgaos 
'do ver e do ouvir humanos ao aprenderem a ver 
·cores e formas e a ouvir sons, que pertencem ao 
mundo humano e tern sentido humano. 
0 derrube da ordem baseada na propriedade pri-
vada, tarefa que e propria do comunismo, cria, par-
tanto, a base de urn ensino puramente humano. 
Nestas novas condi~oes o homem compreendera que a 
sua actividade e a cria~ao do mundo humano, isto e, 
que e 0 desenvolvimento paralelo a si proprio e nao 
a simples produ~ao de bens para posse propria ou 
alheia. Compreendera «como, sob a hipotese da 
-supressao positiva da propriedade privada, o homem 
produz o hom em, a si proprio e aos outros homens; 
como o objecto que e o produto da actividade ime-
diata da sua individualidade e simultaneamente a 
sua propria existencia para os outros homens, a sua 
propria existencia e a existencia daqueles para 
si» ( 12 ) . Compreendera, pois, que a produ~ao em todos 
("' ) I bild6m, p. 129. 
25 
/ 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
os campos nao e nenhum mundo de coisas ou pro-
dutos alheios ao homem, mas urn processo social de 
manifesta~ao dos homens na actividade produtiva e 
do seu desenvolvimento individual atraves desta 
actividade. Compreendera que a propriedade privada 
limitava a compreensao consciente deste caracter do 
homem e a falseava impelindo-o para a criaQiio de 
bens para a posse individual e que nesta actividade 
s6 precisamente de urn modo falso se pode reconhecer 
a essencia da vida humana. 
Co~ a liberta~ao da actividade produtiva dos 
homens destes entraves e limita~oes e como sobrevir 
consciente do seu caracter social, que consiste no 
sobrevir dos homens atraves da criaQiio do mundo 
objectivo da sua vida, o mundo humano, realiza-se 
nas rela~oes de vida comunistas uma transforma~ao 
total das rela~oes entre os homens e as suas prQprias 
obras. Os homens conhecerao neste mundo supos-
tamente alheio, em que s6 deviam servir a apro-
pria~ao individual egoista, a sua propria obra social 
_ e participarao nele sem cobi~a. 
Nestas circunstancias, OS homens ja nao se apo-
derarao dos objectos particulares como objectos de 
explora~ao imediata egoista e da propriedade pri-
vada, mas como obras humanas, como produtos 
sociais, como expressao da essencia e vida humanas. 
Deste modo o homem desenvolver-se-a, enriquecera 
e ver-se-a lanQado noutras actividades. Tornar-se-a 
cada vez mais humano, porque se apoderara cada: 
vez mais do conteudo humano do mundo socialmente 
c:riado. Toda a riqueza do patrim6nio hist6rico da 
humanidade, cujo caracter de obra humana foi esque-
cido durante tanto tempo, converter-se-a na escola do 
hom em. 
A ordem comunista e, pois, uma ordem que 
outorga a produ~ao e o consumo dos homens num 
sentido autenticamente humano, polifacetado, cons-
ciente e social, porque supera as deturpa~oes, ilusoes 
,e limita~oes criadas pela propriedade privada. 
26 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
3. Conclusoes pedagogicas da criti.ca do materialismo 
sensualista 
A amllise de Marx do materialismo do periodo do 
Iluminismo tern grande importancia para a peda-
gogia. Nas correntes materialistas desta epoca for-
mularam-se certamente teses importantes da peda-
gogia burguesa que se opunham a pedagogia feudal. 
Foram teses que ao longo de todo p seculo XIX 
influenciaram como correntes principais da teoria 
pedag6gica. Tambem no seculo XX o pensamento pe-
dag6gico burgues se vinculou a elas. 0 caracter pro-
gressista destas ideias material-sensualista, adquirido 
sob as condiQoes sociais do seculo XVIII, foi abusiva-
mente interpretado em muitas ocasioes como uma 
legitimizaQao de urn suposto progressismo e cien-
tismo das correntes do seculo XX que se basearam -
nelas. 
Por esta razao, uma exacta e correcta concepQao 
acerca do valor e erros da pedagogia sensualista nao 
e apenas urn problema de juizo hist6rico, mas tam bern 
de contribuiQao para o esboQo da problematica peda-
g6gica moderna e para o esclarecimento das diversas 
problematicas falsas e para as tentativas de soluQao. 
Esta tarefa e directamente empreendida pela critica 
marxista do sensualismo. 
Em primeiro lugar, indica o valor hist6rico e o 
caracter progressista da pedagogia sensualista em 
oposi~ao a pedagogia das «ideias inatas». A peda~ 
gogia das «ideias inatas» considerava o sobrevir do 
homem independente das -relaQoes sociais, do am-
biente e do ensino. Era a pedagogia do «desenvol-
vimento interno aut6nomo», a pedagogia do raciona-
lismo metafisico, a pedagogia da teoria escolastica. 
Opondo-se a ela, a pedagogia fundamentada na fila-
sofia empirista e sensualista dirige a atenQao do 
educador para as condiQoes de vida reais e concretas, 
para a realidade, para a experiencia, para a activi-
dade. Na opiniao de que o espirito humano se forma 
27 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O 
graQas as impressoes adquiridas, destaca-se 0 papel 
do ambiente e da educaQao na formaQao do homem. 
Abre possibilidades optimistas a uma melhor edu-
caQao dos homens e a elevaQao do seu nivel espiritual 
e moral atraves do ensino conscientemente orientado 
para urn fim. 
Em A Sagrada Familia Marx sublinha o caracter 
progressista destas teorias e a sua estreita ligaQao 
com o socialismo. 
Depois de expor a actividade de Condillac, 
Helvecio e Halbach, Marx tira uma conclusao geral 
acerca do caracter e consequencias deste materialis-
mo ao escrever: «Nao e necessaria uma grande pers-
picacia para se dar conta do entroncamento neces-
saria que as doutrinas materialistas reservam com o 
socialismo e o comunismo sabre a bondade originaria 
e a capacidade intelectual igual dos homens, sabre a 
forQa omnipotente da experiencia, o habito, a educa-
Qiio, a influencia sabre os homens das circunstancias 
externas, a grande importancia da industria, a legi-
timidade do gozo, etc. Se o homem forma todos os 
seus conhecimentos, as suas sensaQoes, etc., a base 
domundo dos sentidos e da experiencia dentro deste 
mundo, trata-se consequentemente de organizar o 
mundo empirico de tal modo que o homem experi-
mente e se assimile no verdadeiramente humano, que 
se experimente a si mesmo enquanto homem. Se o 
interesse bern entendido e 0 principia de toda a moral, 
0 que importa e que 0 interesse privado coincida com 
o interesse humano. Se o homem nao goza de liber-
dade no sentido materialista, isto e, se e livre nao 
pela forQa negativa de poder evitar isto ou aquila 
mas pelo poder positivo de poder fazer valer a sua 
verdadeira individualidade, nao deveriam castigar-se 
os crimes no individuo, mas sim destruir as raizes 
anti-sociais do crime e dar a cada urn a margem social 
necessaria para exteriorizar a sua vida de urn modo 
essencial. Se o homem e formado pelas circunstancias, 
sera necessaria formar humanamente as circunstan-
28 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
.cias. Se o homem e social por natureza, desenvolvera 
a sua verdadeira natureza no seio da sociedade e uni-
camente ai, razao pela qual devemos medir o poder da 
sua natureza nao pelo poder do individuo concreto, 
mas pelo poder da sociedade.» (13 ) 
Mas por esta valorizac;ao positiva, nao devemos 
esquecer os defeitos e erros fundamentais da peda-
gogia sensualista, da pedagogia do periodo do Ilu-
minismo e da pedagogia dos ultimos tempos que se 
liga de modo imediato a esta tradic;ao. Na critica do 
materialismo sensualista, Marx indica directamente 
as origens dos erros que fizeram com que esta peda-
gogia nao cumprisse as esperanc;as progressistas nela 
depositadas e que nao ultrapassasse na sua aproxi-
mac;ao ao socialismo os limites determinados que 
estavam de acordo com os interesses da burguesia e 
que realizasse frequentemente - especialmente nas 
epocas posteriores ao· seu aparecimento -, pelo con-
trario, as esperanc;as de urn ponto de vista nitida-
mente reaccionario. 
Antes de tudo, a pedagogia sensualista tinha uma 
concepc;ao falsa do homem e da sua relac;ao com a -
realidade exterior. Considera o homem uma essencia 
que esta dotada pela natureza de determinados sen-
tides ja perfeitos, que o informam acerca do mundo 
'imutavel e independente e, deste modo, configuram o 
seu espirito e a sua vontade. Tal como foi exposto, 
Marx poe em questao este naturalismo metafisico. 
Indica a ligac;ao «da fisiologia» do homem a sua 
actividade social atraves da qual transforma o 
mundo natural num «mundo humano», e este mundo 
humano desenvolve-se atraves da luta de classes que · 
suprime a propriedade privada. 
Em vez destas concepc;oes metafisicas, nao-hist6-
ricas e associais, Marx formula as teses que destacam 
a dependencia reciproca entre o homem e o mundo em 
( 13 ) Marx-EngelB, Lw Sa[fl"adJa FatmiN:a, Ed. Grijalbo, Me-
xico, 1962, p. 197. 
29 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
que vive. Trata-se de teses que sublinham a depen-
dencia pratica activa que se constitui no processo de 
desenvolvimento social, que se manifesta objectiva-
mente como riqueza crescente do «mundo humano» e 
mostra-se subjectivamente como transformagao para-
lela, ao mesmo tempo mutuamente dependente e como 
enriquecimento da essencia humana. 
A critica de Marx dirige-se contra as teorias 
educativas sensualistas, que consideravam o labor 
educative como «educagao» dos sentidos compreen-
didos de urn modo naturalista. Marx via muito clara-
mente as consequencias pedag6gicas do seu ponto de 
vista, ainda que nao se tenha alargado muito nesta 
questao. Em Manuscritos Econ6mico-F'ilos6ficos en-
contramos uma fra:se que se torna convincente pela 
sua sensatez e profundidade: «A educagao dos cinco 
sentidos e urn trabalho de todas as gerag6es humanas 
passadas.» Esta frase contem a critica exposta do 
sensualismo e, ao mesmo tempo, formula a tese 
pedag6gica capital com a ajuda da qual se pode 
refutar o programa do ensino e da educagao funda-
mentado no sensualismo. 
Sob este ponto de vista ha a criticar especialmente 
os seguintes pontos do program a: primeiro, a con-
cepgao da consciencia como faculdade passiva que 
regista e agrupa os dados sensiveis. Em Locke o 
sensualismo manifesta-se de uma forma todavia limi-
tada, no entanto, em La Mettrie e em Condillac con-
verte-sD numa tese formulada de urn modo radical: 
La Mettrie, ao analisar a consciencia, compara-a 
a «lantcrna magica que reflecte OS objectos formado3 
nos olhos». Defcnde a teoria de que «as nossas ideias 
surgem do mesmo modo que o jardineiro, ao ver as 
plantas, se torna consciente das descrig6es botani-
ca.s». Segundo es'tas concepg6es, a forma.gao da 
consciencia consiste no seu enriquecimento com im-
press6es, no desenvolvimento das capacidades de 
observagao e no estimulo do agrupamento e compa-
ragao. No entanto, este labor educativo deve ter em 
30 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
conta que «0 poder de julgar, a razao, a memoria, 
nao actuam em absoluto de modo autonomo», e que 
a na:tureza nao dotou todos do mesmo modo ao dar 
a urn individuo urn «cerebra melhor ou pior organi-
zado». Uma vez estas limitaQ6es conscientes, o 
trabalho do mestre orienta-se unilateralmente para o 
estabelecimento de urn exercicio metodico para os 
sentidos. Ao mesmo tempo, o mestre devera dife-
renciar os exercicios segundo os supostos «dotes 
naturais». 0 mais importante tratado de Condillac 
acerca da pedagogia sensualista, Cours d'etudes pour 
l'instnwtion du Prince de Parme, contem - apesar 
do seu caracter progressista - claros elementos 
destas limitaQ6es que reaparecem com a agudizaQao 
da luta de classes. NOS fins do seculo XIX e principios 
do XX, as concep<:;6es de Lay, por urn lado, e as de 
Maria Montessori, por outro, representam a conti-
nuaQao das opini6es sensualistus que Marx atacou 
nas suas origens. 
A segunda restriQao afecta o modo de conceber 
a actividade humana. A pedagogia sensualista nao 
reconhece a actividade social e historica dos homens, 
desconhece a sua participaQao na transformaQao das 
proprias condiQ6es de vida dos hom ens; no en tanto, 
determina a actividade humana no seu proprio campo 
de urn outro modo: e a actividade da contemplaQao e 
da comparaQao das percepQ6es. Em Condillac encon-
tramos conselhos muito precisos de tipo didactico 
que se cingem ao desenvolvimento de tal actividade 
da consciencia. As palavras de ordem da formaQao 
de «associaQ6es» e «reflex6es» sao conservadas -
como todas as outras palavras de ordem da peda-
gogia do Iluminismo - pela burguesia dos seculos 
XIX e XX, porque possibilitam a ligaQao do ensino e 
do trabalho de urn modo seguro para a sociedade. 
Especialmente em algumas correntes da escola do 
trabalho a actividade da crianQa foi concebida como 
exercicio dos sentidos atraves do exercicio da rotina 
manual. Estes tipos de exercicio deviam representar 
31 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
Helvecio escreve: «Se eu demonstrasse que o hom em 
nao e de facto mais que urn produto da sua educaQaO, 
teria descoberto sem duvida uma grande verdade 
para as naQoes. Estas saberiam que tern nas suas 
maos o instrumento da sua grandeza e da sua feli-
cidade e que para chegar a ser feliz e poderoso e 
apenas preciso aperfeiQoar a ciencia pedag6gica.» A 
tese da omnipotencia do ensino deve conduzir a ideias 
ut6picas que prometem a transformaQao social e uma 
educaQao das geraQoes jovens. E precisamente esse 
o sentido com qu,e o problema foi frequentemente 
apresentado pelo socialismo ut6pico. 
Par outro lado, ho entanto, o sublinhar da funQao 
decisiva da educaQao do ambiente permitia interpre-
taQoes conservadoras. E efectivamente assim sucedeu 
muitas vezes. 0 proprio Helvecio utilizou na sua 
obra uma serie de formulaQoes deste tipo. Quando 
escreve que «os verdadeiros mestres da crianQa sao 
as coisas que a rodeiam, pais a elas deve todos os 
seus pensamentos»; quando sublinha o papel daca-
sualidade, ao caracterizar a vida humana como urn 
«grande entroncamento de casualidade»; quando diz 
que o verdadeiro educador da juventude «e a forma 
do governo sob a qual vive esta juventude, e os 
costumes que esta forma de governo com porta»; 
quando afirma que «a educaQao faz de n6s o que 
somas», e n6s somas o que a sociedade faz de n6s, 
faz afirmaQoes que sao adequadas como ponto de 
partida no capitalismo para os principios de urn en-
sino social que se concebe como uma adaptaQao do 
homem ao ambiente, que o forma de todos os modos, 
como adaptaQao as necessidades da classe social pre-
dominante. 
Quanto mais se agudizou a luta de classes entre 
a burguesia e o proletariado, mais claramente se 
apresentaram estas vacilaQoes e se tornou cada vez 
mais evidente que toda a concepQao educativa do 
materialismo sensualista continha determinados erros 
basicos que procediam do seu condicionamento de 
34 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
classe e originavam que se nao pudessem converter 
no fundamento de uma futura pedagogia. Marx in-
dicou claramente o caracter destes erros. Em Teses 
sabre Feuerbach escreve: ·«0 defeito principal de 
todo o materialismo existente ate a actualidade (in-
cluindo o de Feuerbach) e que o objecto, a realidade, 
a sensibilidade s6 se concebem sob a forma do 
objecto da contemplagao; e nao, pelo contrario, como 
actividade humana sensivel) como pratica; nao sub- . 
jectivamente. » ( 15 ) 
A -argumentaQao decisiva que se exprime de forma 
lapidar em Teses sobre Feuerbach dirige-se contra 
o materialismo sensualista, porque concebe a reali-
dade natural e social de um modo estatico e inde-
pendente da actividade humana. 0 materialismo sen-
sualista ignora o papel da actividade social que trans-
forma a realidade e converte-se por isso numa falsa 
teoria do conhecimento e numa nociva teoria da 
educaQao. Nao e capaz de perceber as contradiQ6es 
existentes na sociedade, que sao expressas pela luta 
de classes, nem o significado da actividade revolu-
cionaria, atraves da qual e possivel a IibertaQaO de 
utopias e da reacQao. Tambem nao possibilita a re-
soluQao do problema basico da «educaQao do edu-
cador» e ha que acreditar que ou os «novas e edu-
cadores» surgem de algum sitio ou a sociedade 
existente, isto e, a classe dominante, OS forma. 
A critica de Marx ataca, pais, tanto as teorias 
ut6picas «da transformaQao social atraves da edu-. 
caQaO» como as teorias oportunistas «da educaQao 
como funQao do ambiente». Marx indica o papel da 
actividade pratica e principalmente revolucionaria 
e considera-a uma actividade que transforma a rea-
lidade social do homem e, em certo sentido, a cria. 
·Por isso exige o afastamento radical do materialismo 
('") Marx-Engels, Werke (Obras) , Berlim, 1958, vol. 
III, p. 5. 
35 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
•sensualista. S6 o materialismo hist6rico e dialE'~ctico 
pode reflectir a realidade de urn modo verdadeira-
mente fiel e organizar a actividad,e humana de urn 
modo correct o e, com isso, organizar tambem a edu-
ca~ao do homem. 
4. Critica da filosofia de Feuerbach 
A critica do «mater ialismo contemplativo», que 
Marx faz ao atacar os sensualistas do Iluminismo 
frances e Feuerbach, teve consequencias maiores do 
que aquelas que pudemos expor ate agora. As teses 
sabre Feuerbach poem em relevo a dependencia entre 
a teoria do conhecimento «do materialismo antigo» 
e a sua teoria da sociedade, assim como entre a 
teoria do conhecimento «do novo materialismo» e 
a sua cH~ncia social. «0 maximo alcan~ado pelo ma-
terialismo contemplativo, isto e, 0 materialismo que 
nao concebe a sensibilidade como actividade pratica, 
e a concep~ao do individuo isolado e da sociedade 
burguesa.» (16 ) «0 ponto de vista do antigo mate-
rialismo e a sociedade burguesa; o ponto de vista 
do novo e a sociedade humana, ou a sociedade da 
humanidade. » (1 7 ) 
Nesta liga~ao o conceito de homem desempenha 
o papel principal. A sexta tese sabre Feuerbach torna 
precisos os elementos e os defei:tos do materialismo 
pre-marxista na concep~ao do homem. Certamente, 
Feuerbach esfor~ou-se par superar o modo tradicio-
nal de conceptuar o homem, mas nao soube chegar 
ate ao fim de urn modo consequente. Afastou, e 
certo, as caracteriza~oes metafisicas da essencia ideal, 
mas, no ent anto, adoptou como «essencia real» do 
homem o que era o produto das rela~oes existentes 
ate entao. Dado que Feuerbach nao extraiu nenhuma 
(" ) I bidern, p . 7. 
( " ) I bicZern. 
36 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
critica desta «essencia real» e nao compreendeu que 
constituia o «conjunto de rela~oes sociais», for~o­
samente concebeu tambem de urn modo falso a sua 
vida comunitaria e do mesmo modo o homem. Teve 
de escolher como ponto de partida das suas ideias 
«urn individuo humano isolado, abstracto» e de con-
ceber o seu conteudo generico, dele imanente, exclu-
sivamente como «genero», isto e, puramente «na-
tural». 
Em oposi~ao a esta concep~ao, Marx sublinha que 
a nega~ao da tese tradicional de que 0 homem e urn 
ente abstracto, a margem do mundo e superior a 
ele, deve ser a tese de que «0 homem e 0 mundo 
dos homens» (18 ), a tese de que o homem «pertence 
realmente a uma forma social determinada» (19 ). 
Na elabora~ao dos fundamentos do socialismo 
cientifico, Marx opoe-se nao s6 a filosofia de Hegel, 
mas submete tambem a critica toda a escola hege-
liana. Evidentemente interessava-lhe muito pouco o 
destino da direita, enquanto que, pelo contrario, lhe 
interessava muito o desenvolvimento da esquerda 
hegeliana. Nesta critica Marx descobre os erros ba-
sicos que conduziam a que os principios proclamados 
fossem s6 aparentemente revolucionarios e progres-
sistas, enquanto que na realidade se conservavam as 
tendencias reaccionarias de Hegel. A escola dos jo-
vens hegelianos analisou a consciencia religiosa e 
tentou demonstrar que a consciencia politica, juri-
dica e moral era uma forma da consciencia religiosa 
e que a critica daquelas se deve submeter a esta. 
Ao formular deste modo o seu programa, os jovens 
hegelianos coincidiam com os conservadores e direi-
tistas, «com os velhos hegelianos na cren~a do pre-
dominio da religiao, dos conceitos, do geral no mundo 
(18 ) Marx -Engels, La s ,agr-ada F amli!lia, Ed. Grija lbo, 
Mexico, 1962, P. 3. 
("') Ma rx -Engel'S, A usgewiihT!te Schrlften (Obras Esco-
lhi da:s) , Berlim, 1953, val. II, p . 378. 
37 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
existente. S6 que uns combatiam o predominio como 
usurpaQao, enquanto que os outros o celebravam 
como legitimo. Dado que nestes jovens hegelianos 
as representaQoes, pensamentos, conceitos, isto e, 
em geral os produtos da consciencia que eles tor-
naram independentes sao tidos pelas cadeias pr6prias 
dos homens, do mesmo modo que os velhos hege-
lianos os interpretavam como as verdadeiros laQos da 
sociedade humana, compreende-se, pois, que os jovens 
hegelianos considerem que unicamente e necessaria 
com bater estas ilusoes da consciencia» (2°). E · nao e 
estranho que nenhum deles tenha prestado atenQao 
aos fundamentos reais, materiais e sociais das con-
cepQc3es que cumulam a consciencia humana e consi-
derem, pelo contrario, que a critica verdadeira e eficaz 
de todas as ilusoes da consciencia deve levar a cri-
tica revolucionaria e a transformaQaO das relaQOeS 
que formam o seu fundamento. 
Estes pensamentos sao formulados por Marx com 
grande clareza na sua obra Gritica da Filosofia do 
Direito de Hegel. Mostra que a critica da religiao 
nao pode ser completa e eficaz enquanto nao tiver 
em conta as relaQoes sob as quais a religiao e social. 
Quando os jovens hegelianos dizem que «foi o homem 
que criou Deus e nao Deus que criou OS homens», 
quando explicam a religiao como obra humana, como 
urn produto das ideias humanas, nao exprimem toda 
a realidade.Operam falsamente com o conceito geral 
de homem e a sua natureza, em vez de dizer concre:.. 
tamente sob que relaQoes sociais os homens neces-
sitam de uma consolaQao religiosa. 
«A religiao - escreve Marx - e o suspiro da 
criatura angustiada, o estado de animo de urn mundo 
sem coraQao, porque e o espirito do estado de coisas 
correntes do espirito. A religiao e o 6pio do povo. 
A superaQao da religiao como felicidade ilus6ria do 
('0 ) Marx-Engels, Werke, Berlim, 1958, vol. III, pp. 19 
e seguintes. 
38 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
povo e a' exigencia da sua felicidade real. Exigir a 
sobreposiQao das ilusoes acerca de urn estado de coi-
sas vale tanto como exigir que se abandone urn 
estado de coisas que necessita de ilusoes. A critica 
da religiao e, portanto, em principia, a critica do 
vale de lagrimas que a religiao rodeia de urn halo 
de santidade.» {21 ) 
A critica da religiao, acrescenta Marx, «nao 
arranca das cadeias as flares imaginarias para que 
o homem suporte as sombrias e livres cadeias, mas 
para que se liberte delas e para que possam brotar as 
flares vivas. A critica da religiao desengana o homem 
para que pense, para que actue e organize a reali-
dade como urn homem desenganado e que encontrou 
a razao ... Par essa razao, a critica do ceu converte-se 
na critica da terra, a critica da religiao, na critica 
do direito, a critica da teologia, na da politica» (22 ) . 
Estas consequencias da critica da religiao - que 
sao os elementos restantes de uma critica completa, 
verdadeira e exacta da religiao - nao foram conhe-
cidas pelos fil6sofos alemaes que se limitaram a 
desmascarar a religiao como urn produto da fantasia 
hurnana. Feuerbach formulou de modo especialmente 
clara 0 ponto de vista de que «a religiao e 0 sonho 
do espirito hurnano», que «O verdadeiro sentido da 
teologia e a antropologia», que «a cria~ao da religiao 
pelos homens mostra a sua diferen~a fundamental 
em rela~ao as feras » ( 23 ). Par conseguinte, pode-se 
reconhecer claramente na filosofia de Feuerbach 
todos os caminhos errados a que deve conduzir o 
pensamento sabre a religHio a margem das rela~oes 
sociais e o pensamento do homem como suposta 
essencia constitutiva de religiao. 
(") Marx-·Engels, La Sagrada Famlilia, Ed. Gr ijalbo, 
Mexico, 1962, p. 3. 
(" ) I biidem. 
(Z' ) L. Feuer.bach, Das W~en d;oo Ohris·tentums (A 
EssenciaJ do Orilst ·iam:iJsmo), Berlim, 1956, pp. 19, 22, 355. 
39 
. . 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
Se considerarmos a religHio, de urn modo geral 
e metafisico, urn «produto humano», contribuimos 
para o fortalecimento da opiniao de que o homem 
e religioso pela sua propria natureza e que a pro-
du~ao das ideias religiosas e a sua necessidadde fun-
damental e constante. Tal critica da religiao toma 
dela o seu conteudo objectivo de verdade, mas afirma 
no proprio homem a religiao como forma especifica-
mente humana da cria~ao espiritual. Este modo de 
considerar deve ser criticado. Nao se deve ver na 
religiao nem a representa~ao da realidade objectiva 
nem a expressao da realidade humana subjectiva. 
Nao e o homem em si, mas a sociedade que cria a 
religiao como uma falsa consciencia do mundo, por-
que esta propria sociedade e urn mundo falso, isto 
e, nao e como sera a sociedade verdadeira. A reli-
giao e, pois, «a fantastica realiza~ao da essencia 
humana porque a essencia humana carece de ver-
dadeira realidade» (2'1). Assim, pois, em vez de cen-
trar a aten~ao e todas as for~as na luta contra a 
religiao dogmatica, teologica objectiva, ha que cen-
trar todas estas for~as na luta contra a religiao 
como forma da vida interior. Ja Lutero -segundo 
Marx indica - libertou o homem da «religiosidade 
exterior», mas, precisamente por isso, fortaleceu a 
«religiosidade interior». Por isso, actualmente nao e 
necessaria a luta contra os padres, mas a luta de 
cada urn contra o seu «proprio padre interior, a sua 
natureza padresca» (2 5 ). 
A luta assim entendida transcende o quadro da 
luta levada a cabo pelo Iluminismo contra as super~­
ti~oes. Nesta luta trata-se de compreender a essencia 
humana. Trata-se da considera~ao do homem como 
conteudo que se desenvolve na historia, atraves da 
propria actividade humana, para realizar urn ataque 
('"' ) Marx-Engels, La Sagrada, Familia, Ed. Grijalbo, 
Mexico, 1962, p. 3, 
( "' ) Ibidem, p, 10, 
40 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
a todas as formas de contempla~ao metafisica da 
«essencia» humana como alga invariavel e eterno 
que se manifesta apenas aproximada e fragmenta-
riamente em cada epoca hist6rica; trata-se, em re-
sumo, de urn conceptuar hist6rico-social da «essencia» 
humana como alga que se desenvolve historicamente. 
Esta orienta~ao da a luta urn significado social 
e filos6fico qualitativamente novo e e importante 
especialmente para a pedagogia. 
Na primeira parte de A Ideologia Alema, Marx 
desenvolve o seu ponto de vista nestas concep~oes. 
Apesar de Feuerbach se considerar urn materialista, 
opera com urn conceito metafisico do homem, porque 
nao e capaz de conceber 0 homem como uma essencia 
que, na sua actividade concreta, transforma o am-
biente e a si proprio. Feuerbach concebe o homem 
como «objecto sensivel» e nao como «actividade 
sensivel»; «isto que se mantem na teoria que concebe 
os homens nao na sua concreta dependencia social, 
nao sob as suas condi~6es materiais de vida exis-
tentes que 0 tornaram no que ele e, nao alcan~a OS 
homens activos que existem realmente, mas fica-se 
pelo abstracto do homem e s6 reconhece na sensa~ao 
0 "homem individual", isto e, nao conhece nenhuma 
outra "rela~ao humana", "do hom em com o hom em", 
que o amor e a amizade e, alias, idealizados» (2°). 
Tal como para os materialistas do Iluminismo todo 
o mundo sensivel e para Feuerbach urn mundo das 
coisas e nao urn mundo da actividade social sensivel' 
dos homens que procede do seu trabalho, da sua 
tecnica e das suas rela~oes sociais. Uma imagem 
tipo abstracto do homem, a margem das determi-
na~oes sociais concretas, cria a ilusao de que a 
«essencia» do homem e alga anterior a sua existencia I 
real, e uma preconfigura~ao da sua determina~ao 
moral, que e sempre e em toda a parte valida. Tal 
(" ) Marx-Engels, W-erke, Berlim, 1958, vol. III, p. 44. 
41 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O 
ideia leva a procurar e a conceptuar toda a «essen-
cia» - com a ajuda da filosofia - para poder entao 
- pelo menos de modo aproximado - realiza-la. 
Este caminho conduz a supervalorizaQao do papel 
da «Consciencia» e ao menosprezo do «Ser». Tal e 
o caminho da filosofia mistificadora. 
Na realidade, no entanto, sucede algo completa-
mente diferente. Os homens come~am a diferen-
ciar-se das feras nao porque surjam na sua cons-
ciencia- como Feuer bach ensina- ideias religiosas, 
mas porque comegam a produzir os seus meios de 
existencia. Marx sublinha que esta produ~ao nao 
deve ser concebida exclusivamente do ponto de vista 
de que proporciona ao homem a vida no sentido fisico. 
«E ja urn determinado modo de exteriorizar a sua 
vida, urn determinado modo de vida dele proprio. 
0 modo como os individuos exteriorizam a sua vida 
traduz 0 que sao. 0 que sao coincide, pois, com a 
sua produ~ao, tanto com o que produzem como com 
o modo como produzem. 0 que os individuos sao 
depende, pois, das condiQoes materiais da sua pro-
du~ao.» (27 ) 
No desenvolvimento hist6rico posterior compli-
cam-se o trabalho na produQao, as relaQoes de 
produ~ao, assim como a superstrutura ideol6gica, 
juridica e cultural. Mas o n6 do problema permanece 
o mesmo: o ser determina a consciencia. E certo que 
os homens sao os produtores das suas representaQoes, 
ideias, etc., mas os homens verdadeiramente traba-
lhadores sao condicionados por urn desenvolvimento 
determinado das forQas produtivas, da sua produ~ao. 
«A consciencia (Bewusstsein)nao pode ser outra 
coisa senao o ser consciente ( das bewusste Stein) e 
o ser do homem e o seu real processo de vida.» (28 ) 
Marx sublinha que os «produtos da consciencia», em 
geral, sao «a linguagem da vida real», porque estao 
(") nnaem, p. 21. 
( 23 ) lbickm, p. 26. 
42 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
determinados pela actividade material e pelas rela-
Qoes materiais dos homens. Mais adiante destaca que 
que sob determinadas relaQoes - e noutro lado defi-
nem-se estas relaQoes como relaQoes da ordem social 
de classes - esta dependencia aparece na consciencia 
do homem de modo completamente confuso. 
Este facto nao requer de modo nenhum que se 
mude a regra basica da «confianQa na realidade», 
mas, pelo contrario, exige que se destaquem ainda 
mais claramente estas regras. Ao analisar os homens, 
pensa Marx, nao devemos procurar o caminho do c€m 
a terra, mas devemos elevar-nos da terra ao ceu. Isto 
significa que nao devemos escolher como ponto de 
partida «O que os homens dizem, imaginam, repre-
sentam ou pensam» e a partir desta base tentar al-
canQar o homem verdadeiro, mas «partindo dos ho-
mens verdadeiramente actuantes e do seu processo 
real de vida, representa-se tam bern o desenvolvimento 
dos reflexos ideol6gicos e dos ecos deste processo 
material de vida» (29 ). 0 conteudo da sua conscien-
cia e, pois, algo secundario, algo que tanto pode ser 
expressao exacta da vida real como pode ser urn auto-
-engano. A tarefa da ciencia consiste precisamente 
em descobrir a correcQao e falsidade da consciencia 
humana atraves da penetraQao nos fundamentos reais 
do conhecimento. 
0 homem nao e aquilo que ele proprio julga ser. 
Tambem nao e como 0 julgam OS outros homens. 
Todas estas imagens da consciencia podem ser ilu-
s6rias. 0 homem e principalmente como aparece na 
sua vida concreta e real, social e produtiva, isto e, 
na sua vida diaria, que decorre sob determinadas 
relaQoes de produQao material. Nos homens existen-
tes e concretos surgem os «produtos da consciencia», 
a religiao, a arte, a filosofia, a moral, a hist6ria, as 
leis, etc., que sao a expressao exacta ou desfigurada 
(" ) Ibidem. 
43 
'I 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
da sua vida. Precisamente esta vida real que se de-
senvolve historicamente e que se transforma, produz 
e enriquece, muda e desenvolve a «essencia» da huma-
nidade, que sera sempre - ao contrario das ideias 
da filosofia idealista - o fruto vivo da actividade 
humana na historia e nao o seu motor eterno que 
permanece sempre igual a si proprio. «A historia e 
urn processo do nascimento do homem constante e 
real», urn processo do seu nascimento a partir do 
seu proprio trabalho, tal como Marx afirma na critica 
a Hegel. 
Esta crHica do . ponto de vista de Feuer bach e 
compendiada por Marx na sexta tese sobre Feuer-
bach. «Feuer bach - escreve Marx- dilui a essencia 
religiosa na essencia humana. Mas a essencia humana 
nao e algo abstracto, imanente ao individuo parti-
cular. Na realidade eo conjunto das relaQ6es sociais. 
Feuerbach, que nao penetra na critica desta essencia 
real, ve-se forQado: 1) a abstrair-se do processo his-
torico, a fixar para si o sentimento religioso e a pres-
supor urn individuo humano isolado abstracto; 2) 
nele a essencia humana so pode ser concebida como 
"genera", como generalidade interna, simples, que 
liga de modo natural muitos individuos.» (3°) 
Deste modo, a critica de Marx descobre na analise 
que Feuerbach faz da religiao urn problema apresen-
tado de modo incorrecto e falsamente solucionado. 
Neste campo, Feuer bach incorreu nos seguintes erros: 
nao transcende 0 circulo historico do materialism() 
sensualista e par isso nao e capaz de conceber a 
estreita ligaQao entre o homem e a natureza; concebe 
a realidade como objecto das percepQ6es, mas nao 
como actividade sensivel, pratica dos homens. «Nao 
ve - escreve Marx- que o mundo sensivel que o 
rodeia nao e algo dado a partir da eternidade, algo 
sempre identico, mas que e o produto {la industria e 
( ' 0 ) Ibidem, p. 534. 
44 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
do nivel social, e concretamente, no sentido de que e 
urn produto social, o resultado da actividade de toda 
urna serie de geraQ6es, cada uma das quais situada in-
versamente em relaQao a precedente, e continua a de-
senvolver a sua industria e comercio e modifica a sua 
ordem social segundo as necessidades variliveis.» (31 ) 
Inclusivamente os objectos da certeza sensivel mais 
simples, continua Marx, como, por exemplo, arvores, 
frutos, nao sao «natur eza simples, mas urn produto 
de determinadas relaQ6es socioeconomicas da agricul-
tura, do comercio, etc.». 
Sem reconhecer que os homens transformam, 
desde ha seculos, a natureza e que em cada epoca se 
encontram com «a natureza historicamente configu-
rada», FEmerbach faz especulaQ6es fantasticas acerca 
da chamada «unidade do homem com a natureza» , 
que concebe aparentemente de urn modo materia-
lista, mas, no fundo, opera com conceitos idealistas 
e metafisicos, porque esta unidade e considerada 
como uma verdade especulativa descoberta pela fila-
sofia, e esquece que urna verdadeira «unidade do 
homem com a natureza» ja existe ha seculos na forma 
de produQao humana, que se transforma e desenvolve. 
Dado que Feuerbach considera o homem sob o 
aspecto de uma natureza que nao se transforma e, 
independente dele, nao pode conceber que 0 hornell! 
sej!'L o seu proprio produto historico, o produto das 
relaQ6es que ele proprio criou, o resultado e ao mesmo 
tempo a causa de urna produQao determinada. Nao 
pode compreender que, dependentes da complexiza -
Qao do trabalho, se compliquem tambem as relaQ6es 
reciprocas entre os homens, que a actividade humana 
que transforma o ambiente hurnano se torna assim 
mais rica e eficaz. Feuerbach concebe o homem de 
urn modo «naturalista», como urn produto acabado 
desde a origem e sempre identico, como lima «essen-
( 31 ) I bidem, p . 43. 
45 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
cia humana» particular que esta ao lado de outros 
produtos da natureza e que se diferencia deles atra-
ves da «Consciencia». Par isso, e-lhe possivel reco-
nhecer-se como fragmento do genero humano, o que 
as feras nao sao capazes. Esta consciencia produz 
- na opinHio de Feuerbach - os homens, visto que 
produz 0 que e humano nos homens, 0 que constitui 
a sua «vida interior». Este modo de considerar o 
homem e, no entanto, uma concepQao idealista. E uma 
relaQao a margem das relaQoes sociais, da hist6ria 
e da actividade pratica social. 
A filosofia sensualista e mecanicista de Feuer-
bach impede-a de conceituar correctamente o homem 
e a natureza; isto e, compreender a sua IigaQao atra-
ves da luta e do trabalho, atraves da transformaQaO 
reciproca da hist6ria, que regista as etapas desta 
transformaQao. Feuerbach nao e capaz de ligar o ma-
terialismo a hist6ria, porque nao concebe 0 papel da 
actividade humana. «Aquilo em que Feuerbach e ma-
terialista nao aparece na hist6ria e, quando ele con-
sidera a hist6ria, nao e materialista. Nele, o materia-
lismo e a hist6ria divergem radicalmente.» (3 2 ) 
Os erros na concepQao do homem nao podem, na-
turalmente, deixar de provocar consequencias no 
campo da filosofia pratica. 
Sea essencia humana e a consciencia, Feuerbach 
deve esforQar-se par compreender esta consciencia, 
purifica-la e aprofunda-la; resumindo, fazer uma re-
forma da consciencia. Mas esta reforma da conscien-
cia, a margem das condiQ6es de existencia e da acti-
vidade revolucionaria que reformam estas condiQoes, 
e apenas uma reforma aparente e ficticia. Conduz o 
homem a representaQ6es de si proprio ainda mais 
falsas. 
A critica de Marx a Feuerbach tern uma grande 
importancia para a compreensao da teoria do homem, 
(") Ibidem, p. 45. 
46 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO 
desenvolvida apartir do materialismo hist6rico. 
Feuerbach nao s6 e o objecto da critica de Marx em 
algumas teses, feitas de modo semelhante a critica 
do materialismo sensualista do Iluminismo na sua 
luta contra a filosofia de Hegel, mas tambem faz 
com que Marx se distancie de determinadas formas 
da critica a Hegel e exponha as concepQoes sabre o 
problema «da existencia consciente e real do homem». 
Alem disso, trata-se aqui de urn problema central 
que tern uma importancia extraordimiria tanto para 
a pedagogia de entao como para a actual (*). 
5. Critica da pedagogia da «reforma da consciencia» 
A importancia da critica de Marx a filosofia p6s-
-hegeliana e, principalmente, a critica a Feuerbach 
aparece claramente demonstrada no prefacio de A 
Ideologia Alema. Marx afirma ai que, ate agora, os 
homens fizeram representaQoes falsas de si pr6prios, 
quando julgam que os seus conceitos acerca das 
tarefas, valores e obrigaQoes marais criam tambem 
a sua vida real e as suas condiQoes de vida. Com esta 
concepQao tornaram-se escravos das suas pr6prias 
representaQoes. Os fil6sofos que revelaram estas 
ilusoes, prometiam realizar uma reforma dos homens 
atraves de uma reforma da sua consciencia. Substi-
tuem velhas ilusoes por novas. 
Esta nova ilusao e uma ilusao tipicamente peda~ 
g6gica, porque o pedagogo esta predisposto a acre-
ditar que se pode fazer automaticamente uma 
«melhoria da consciencia» e atraves dela conduzir a 
uma nova transformaQao do homem na sua tota-
lidade e na totalidade das suas relaQoes com a 
realidade. 
E contra tais ilusoes da pedagogia que se dirige 
a hist6ria imaginaria contada por Marx com a agu-
(*) Observac;6es do autor. Veja Apendice, •cap. VII, 6) . 
47 
TEORLA ~STA DA EDUCAQAO 
deza que lhe e caracteristica e que se tornou 0 simbolo 
da sua critica. «Urn hom em valente imaginou uma 
vez - escreve Marx- que os homens se afogam na 
agua apenas por possuirem a ideia da gravidade. 
Se arrancassem estas ideias da mente, explicando-as 
por uma ideia supersticiosa, religiosa, ver-se-iam 
livres de todo o perigo da agua. Durante toda a sua 
vida este homem combateu a ilusao da gravidade, 
cujas consequencias perigosas lhe eram constante-
mente demonstradas pela estatistica que lhe dava 
novos e numerosos. exemplos.» (33 ) 
Apesar de o nao dizer, Marx op6e a esta peda-
gogia «da reforma do pensamento da gravidade» a 
pedagogia da nata~ao como o unico metodo para a 
supera~ao real da lei da gravidade. 
Vamos tentar interpretar esta hist6ria: que teses 
fundamentais da pedagogia ataca Marx na sua cri-
tica e que prop6e em oposi~ao a elas? Refuta as teses 
da autonomia da consciencia e do papel indepen-
dente que esta consciencia aut6noma deve desem-
penhar na forma~ao do homem. Feuerbach nao foi, 
evidentemente, nem 0 primeiro nem 0 unico pensador 
que defendeu estas teses. Elas eram o pensamento 
basico comum de muitas correntes pedag6gicas bur-
guesas, mas constituiam principalmente a cren~a 
fundamental na epoca do Iluminismo. 0 programa 
educativo do Iluminismo delineava, em geral, o pro-
grama de uma grande reforma da consciencia, o 
programa da purifica~ao da consciencia de supers-
ti~6es e ilus6es. Por isso, a critica de Marx a Feuer-
bach tern de ser compreendida como uma critica, que 
embora se realize em rela~ao aos escritos de Feuer-
bach, tern urn campo de utiliza~ao incomparavelmente 
mais amplo. 0 proprio Marx reconheceu claramente 
que atraves da polemica com Feuerbach se colocava 
perante urn difundido tipo de fazer filosofia e urn 
metodo popular de influenciar OS homens. 
( " ) Ibid!em, pp. 13 e seguintes. 
48 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.A.O' 
Na luta contra o feudalismo, a burguesia destruiu 
os laQos tradicionais da ordem social feudal e for-
mulou os principios educativos que se apoiavam no 
direito da natureza e da razao. 0 programa do ensino 
baseava-se na formaQiio e educaQiio da consciencia. 0 
ensino burgues opunha ao ensino feudal, que adap-
tava o caracter e o conteudo dos esforQos educativos 
ao ser social, ao «nivel» do aluno, a concepQiio de que 
o grau de educaQao que o individuo alcanQava podia e 
devia ser determinado pelo seu proprio progresso 
social. Mas esta convicQiio nao passava de uma frase 
que foi cada vez mais negada, no periodo de desen-
volvimento do capitalismo, pela realidade socioeco-
n6mica concreta. Por isso adoptou urn caracter idea-
lista, mistificador. E a «educaQao da consciencia» 
comeQou a referir-se cada vez menos a forma real 
da existencia do homem para se converter em algo 
mais «aut6nomo», «espiritualizado» e ao mesmo 
tempo mais infrutuoso para a vida e para a sociedade. 
Assim, o principia da «educaQao da consciencia» 
foi urn principia progressista, revolucionario, como 
metodo de transformaQiio da vida na luta aa 
burguesia contra o feudalismo, mas, no posterior 
desenvolvimento hist6rico, na epoca do triunfo da 
burguesia, converteu-se, de modo cada vez mais 
acentuado, num principia ut6pico e reaccionario. A 
burguesia considerou 0 ambito e 0 caracter da cons-
ciencia que se formou com o modo de produQiio capi-
talista como «natural» e «racional» e, portanto, 
existente e obrigat6rio. Os conceitos, representaQ6es 
e principios assim criados deviam ser mantidos, 
transmitidos e aprofundados pela educaQao. A «re-
forma da consciencia» tornou-se assim a configuraQiio 
desta consciencia segundo os principios da ordem 
burguesa. Em vez da luta original contra a supers-
tiQiio, luta-se contra as novas concepQ6es que fazem 
com que as acQ6es da classe operaria avancem. 
Desde a «reforma da consciencia», que consiste 
:na purificaQao da consciencia dos preconceitos, ate 
49 
TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 
a «defesa da conscH~ncia» da burguesia, conserva-se 
a concepQao basica de que o labor educativo esta, 
antes de mais, relacionado com a consciencia. Pres-
sup6e-se que a consciencia podia e devia desenvol-
ver-se a margem das concretas relaQ6es de vida do 
individuo, do seu trabalho diario e da sua situaQao 
na produQao e na sociedade. 
Marx ataca este intelectualismo indicando que a 
consciencia nao deve ser considerada a base, mas 
sim o produto das condiQ6es da vida diaria do homem, 
do seu trabalho diario e da sua actividade. Uma 
reforma da consciencia nao acompanhada de uma 
reforma da vida social nao tera qualquer resultado. 
A eternizaQao de urn determinado tipo de consciencia 
e prejudicial e em muitos aspectos infrutuosa, se 0 
desenvolvimento da vida real se processa noutra 
direcQao. Marx indicou com inusitada agudeza moral-
-educativa as ilus6es prejudiciais segundo as quais 
0 homem e 0 que ele representa de si proprio na sua 
conscH~ncia, e sera o que a conscH3ncia reformada 
pelo educador alcance. Mostra que «O homem e real-
mente o que a conscH~ncia lhe indica», isto e, que o 
que e produzido pelo homem constitui o conteudo 
verdadeiro e concreto da sua «essencia». 
Mas quando «ideias, representaQ6es, consciencia», 
individuais ou colectivas, constituem «a voz da vida 
real», SO e eficaz a educaQaO que transforma 0 homem 
atraves da transformaQao das suas reais relaQ6es de 
vida e atraves da mudanQa de formas determinadas 
de produQao que afectam a ordem social. Os educa-
dores convertem-se, pois, em aliados do proletariado 
que luta pela transformaQao revolucionaria das 
relaQ6es de classe existentes, em partidarios da 
«pratica revolucionaria», que os transforma a eles 
pr6prios de acordo com as condiQ6es de vida. 
A critica de Marx dirige-se, pois, contra as tesp.s 
fundamentais da pedagogia burguesa, contra as teses 
da autonomia da consciencia, que concede o direito 
de orientar a educaQao exclusivamente no sentido da 
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TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O 
consciencia e que espera todos os exitos educativos 
desta influencia. Apoiada no principia pela autonomia 
da consciencia, a

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