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TEOBIA MABXISTA DA EDUCACAO I Dlstribuldor no Brasil: Livraria Martins Fontes Prafia da lndependAncla, 12 Santos- S. faulo BOGDAN SUCHODOLSKI TEORIA MARXISTA DA EDUCACAO ,I Volume DI Editorial Estampa Titulo original U .Podstaw Materialstycznej Teorii Wychowania Traduc;:ao de F·rancisco Paiva Boleo Capa de •Soares Rocha Copyright Panstwowe Wydawnictwo Naukow, Vars6via Editorial <Estampa, Lda., 1976, Lisboa Para a lfngua portuguesa , 1NDICE CAPITULO VII- Meritos e erro<S dJo materiaUsmo meta[isico wa a;ruil~se do hometm . . . . . . . . . . . . 9 1. A posic;iio social do materialismo metaffsico 9 2. Criti'ca do materialism0 sensualista . . . . . . . . . . . . 15 3. Conclus6es pedag6gica•s da critica do materia- lismo ·sensualista . . . . . . . . . . . . .. . .. . .. . .. . .. . 27 4. Critica. da filosofia de Feuerba:ch . . . . . . . . . . . . 36 5. Critica da pedagogia da «reforma da Conscien- cia». .. . .. . ... ... .. . ... .. . ... .. . ... ... ... .. . 47 6. Critica das concepc;o·e-s irracionalistas da re- forma da ·Consciencia .. . .. . .. . .. . .. . .. . 53 7. As caracteristicas da peda:gogia socialista . . . 61 CAPITULO VIII- A luta pela teoria materlalista da persmvalid.ad.e . . . . . . . . . . . . . . . 65 1. A questiio da person ali dade . . . . . . . . . . . . . . . 65 2. A critka •da pedagogia dos ut6picos . . . . . . . . . 68 3. A origem classista da pedagogi:a individualista de Stirner e o seu conteudo .. . .. . . .. .. . .. . . .. 80 4. Critica dos fundamentos do idealismo de Stirner 94 5. Critica do conceito de individualidade de Stirner 99 6. 0 problema do desenvolvimento do homem e das suas capaddades .. . ... .. . .. . 112 7. 0 problema do ideal educativo .. . ... . .. .. . . .. 120 CAPITULO IX- 0 S'i!gnificado de Marx e Enge'bs p·ara a hist6rla da pe-dagog·ia .. . .. . .. . .. . .. . .. . .. . 131 1. A pedagogia burguesa antes de Marx . . . . . . . . . 132 2. Principais tendencias do posterior desenvolvi- mento da pedagogia .. . .. . .. . .. . .. . .. . .. . 138 7 3. Caracteristica geral do significado de Marx e . Engels para ·a pedagogia .. . .. . .. . .. . .. . .. . 144 4. A teoria metafisica da es9encia do homem 147 5. A critica da l!:eoria da «essencia» do homem 160 6. A teoria exi"Stenoeialista do homem . . . . . . . . . 163 7. Critica da teoria exist·encia.Usta do homem .. . 171 8. A pedagogia da praUca vevolucionaria . . . 175 Apendice 181 8 CAPiTULO VII MERITOS E ERROS DO MATERIALIS'MO META- FISICO NA ANALISE DO HOMEM 1. A posi~ao social do materiaJismo metafisico A teoria idealista do homem na filosofia burguesa manifestou-se principalmente nas mais diversas es- peculaQ5es sobre a «essencia» do homem. Ja no se- culo XVIII se comegou a desenvolver uma segunda corrente que s6 aparentemente se opunha ao tipo de idealismo mencionado e o combatia publicamente. Esta Corrente tentou formar os individuos humanos concretos segundo postulados que provem do conhe- cimento da «natureza humana». Circunscrevia-se a vida do proprio homem ·e nao queria admitir nenhuma .instancia que lhe fosse ·alheia. Esta acQiio contra o «idealismo ilus6rio e extraordinario» e pela protecQiio dos direitos do «homem de carne e osso» dividiu-se em muitas e divers-as direcQ6es. No entanto, todas elas tinham determinadas fontes comuns. , Durante o largo tempo em que a burguesia lutou contra o feudalismo, as concepQoes «ideais» serviram de ·arma eficaz para a superaQiio das relaQ6es e con- cepQ6es predominantes. Mediante o apelo ao direito natural, que valia como direito perfeito, eterno e :intangivel de vida, puderam atacar intensivamente os tlireitos feudais ainda sobreviventes. A sociedade do contrato social e a sociedade ideal dava a possibili- dade de atacar forte e ameaQadoramente a sociedade feudal existente e os seus donas absolutos. Com a 9 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO concepQao da «natureza humana» podia-se criticar vigorosamente a primazia da Igreja no campo do ensino. No entanto, a medida que a burguesia foi triunfando e instalando sobre as ruinas do feudalismo - as vezes em alian~a com ele - uma nova ordem, na qual se elevava a categoria de classe dominante, este modo de pensar comeQOU a tornar-se perlgoso em algumas quest6es sociais. Os chamados «ideais» superavam em muitos casos as relaQ6es dominantes que correspondiam exactamente aos interesses da burguesia e nao permitiam mais nenhuma mudanQa. No periodo de restaura~ao delineou-se muito clara- mente esta critica feita pelo feudalismo face ao idea- lismo. A estas criticas aliam-se cada vez mais, sob o impulso das aspiraQ6es revolucionarias, os repre- sentantes da burguesia. Se as diversas concepQ6es acerca das leis imuta veis da natureza e da essencia imutavel do homem pres- tram ate este momenta bons serviQos a luta pela realizaQao das reivindicaQ6es da burguesia, na con- solidaQao da ordem burguesa tornaram-se superfluas ou mesmo prejudiciais. Bastava o referir-se a vida tal como ela se apresenta a si propria e, precisa- mente pelo facto da sua existencia, deduzir a certeza de que e correcta. 0 apelo ao «idealismo» converte-se nestas circunstancias num instrumento da reacQao feudal, que nao podia concordar com o triunfo da burguesia, ou na ordem do socialismo ut6pico da democracia, insat\sfeita nas suas reivindicaQ6es. No periodo da restauraQao pode-se reconhecer cla- ramente esta dualidade, que era motivada pela insa- tisfaQao com estas relaQ6es materiais de vida exis- tentes. A insatisfaQao de «direita» manifesta-se na romantica reaccionaria que constr6i lmagens ideais da vida € se 1iga a ideologia religiosa medieval; a insatisfa~ao de «esquerda», pelo contrario, anuncia na critica ut6pica a ordem predominante no idealismo ut6pico, as relaQ6es sociais de outro futuro inde- terminado. Entre os dois p6los movem-se os . que 10 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO conseguiram a vit6ria e para os quais a realidade existente rege intangivelmente. Tal posigao e adop- tada pelo liberalismo, que luta em duas frentes : por urn lado, combate a reacgao que pretende voltar a prender os homens com as velhas cadeias e, por outro lado, combate os democratas que exigem uma transformagao mais radical das relagoes dominantes : A sua confianQa metafisica «nos melhores do mundo» exterioriza-se no liberalismo ao proclamar a intan- gibilidade da sociedade burguesa que se desenvolve. Nesta direcgiio viio tambem outras correntes ideol6- gicas. E sabido que a filosofia hegeliana floresce neste espirito oportunista. Tambem tern uma tenden- cia semelhante as esperangas ligadas ao aparecimento da sociologia como ciencia. Pretendem acabar com as diversas especulagoes e mostrar ao pensamento humano e as normas marais urn solido apoio no ser social. As transformagoes na filosofia reflectem de urn modo fundamental OS Conflitos ideol6gicos que se manifestam pela critica da metafisica tradicional «da · essencia» ( * ). Principalmente a filosofia do empi- rismo prevenia os homens contra a aspiragao de projectar concepgoes aprioristicas sobre a sua essen- cia. Concebia a alma do ho'mem como uma tabua rasa na qual ficavam impressionadas todas as suas experiencias. Esta concepgao converteu-se no ponto de partida de urn novo modo de considerar o homem e comportou consequencias muito importantes para a interpretagao da vida real dos homens, tanto es- piritual como moral. No seculo XVIII fizeram-se mui- tas tentativas no sentido de se conceber o homem deste modo, no qual nao era requerido nenhuin con- teudo ideal que pref.igurasse internamente a essencia do homem. 0 conceito, cunhado por La Mettrie, «Homem-maquina», queria ser expressao de que o ( * ) Obs ervagoesdo -au tor. Veja Apendice, caip . VII, 1.. 11 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO homem se forma por completo no decurso da sua vida, que e «COnstruidO» pela natureza. A famosa estatua de Condillac, que so se converte em homem sob a influencia do mundo circundante, e:K!prime o mesmo pensamento. NOS fins do seculo XVHI comeQaram a delinear-se, ao lado das concepQoes empiricas, as concepQoes his- toricas. Estas concepQoes queriam encontrar uma resposta para a questao de que e 0 homem, nao na analise do ambiente, mas na analise da historia. A e:K!posiQao da historia mutavel do homem devia ser o melhor argumento contra as tradicionais concep- . Qoes que determinani a natureza do homem de modo aprioristico. 0 desenvolvimento da ciencia historica . e da sociologia nos seculos XIX e XX apoiaram fun- damentalmente este ponto de vista. Deste modo, a reduQao do homem e da sua cultura as condiQoes historicas de existencia converteu-se num programa de investigaQao reconhecido quase por todos. Nos fins do seculo XIX e principios do XX assi- nala-se uma corrente dirigida contra as concepQoes tradicionais. Filosofia da vida, pragmatismo e feno- menologia tentam conceber, apesar de muitas con- tradiQoes, os homens por si proprios, pela sua acti- vidade livre, suas vivencias e experiencias. Estas tendencias foram continuadas pelo existen- cialismo, que se apresenta a si proprio, com certa razao, como a heranQa de aspiraQoes anteriores cujo fim era superar a metafisica da essencia, empreender. a consideraQao filosofica do homem na base da sua vida concreta e considerar a propria metafisica nao coino instancia da vida humana, mas como expressao dessa vida. Para se caracterizarem estas correntes diferentes que surgem em oposiQao a concepQao tradicional, ha que fazer referencia as suas contradiQoes imanentes. Nao se trata de urn campo unificado, mas onde me- lhor se combatem tendencias completamente opostas. Por urn lado, trata-se de tendencias que identificam 12 i! TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO a -existencia do homem com todo o campo das suas possibilidades de evoluQao; por outro lado, sao ten- dencias que exigem a oposiQao as relaQ6es materiais de vida -existentes que nao sao adequadas as -expe- riencias da existencia humana. Esta oposiQao, por sua vez, manifesta-se numa dupla forma: em parte como fuga ut6pico-romantica da realidade desagra- davel, em parte como organizaQaO da actuaQao con- creta para a transformaQao da vida. Estes antagonismos a:gudizaram-se progressiva- mente nos seculos XIX e XX. Nos anos 40 do seculo passado surgiu uma situaQao ideol6gica especial na qual o pensamento sobre o homem se encontrou pela primeira vez numa encruzilhada. A partir daqui era possivel fazer urn balanQo do passado e conhecer a direcQao do desenvolvimento futuro ( *). A luta da burguesia contra o feudalismo rea:lizada de modo desigual em diversos paises, o advento tardio da revoluQao burguesa em alguns paises e o per1go ameaQador de que se podia transformar numa re- ·'VoluQao popular e a influencia no entanto forte da ideologia feudal paralelamente ao amadurecimento da consciencia proletaria complicavam mais a situa- Qao. Certamente a critica a metafisica idealista bur- guesa tinha o seu ponto de partida na direita, mas depressa a critica de esquerda tomou a iniciativa. Para esta, o ,apelo a vida concreta dos homens signi- ficava uma libertaQao definitiva das cadeias da Igreja e da religiao, a legalizaQao das aspiraQ6es laicas e nacionalistas, o reconhecimento das necessidades ma- teriais dos homens e a destruiQao tanto da supers- trutura, que submete a 'Vida livre dos homens, como das cadeias da moral feudal e do aparelho estatal feudal. Nesta tendencia desenvolviam-se os jovens hegelianos, especialmente Feuerbach. ( * ) Observag6es do autor. Veja Apendtce, cap. VII, 2). 13 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO Mas precisamente neste momento apresentou-se urn problema filos6fico fundamental de cuja solu~ao dependia neste periodo decisivo a orienta~ao do de- senvolvimento posterior da ideologia «do homem». 0 problema formulava-se nos seguintes termos: Se queremos refutar a concep~ao metafisico-idealista do homem, que o considera como corporiza~ao con- creta da «essencia ideal», e compreender o homem pela sua vida verdadeiramente propria, como podemos no aspecto filos6fico precavermo-nos de urn natura- lismo manifesto e no aspecto social, do oportunismo, que ve as rela~oes materiais da vida como «humanas» no mais autentico sentido da palavra? Isto era urn problema central, tal como hoje podemos ver, pois que conhecemos o desenvolvimento que a concep~ao idealista teve ao longo dos seculos. A falta de uma solu~ao correcta deste problema, o ataque a concep~ao idealista metafisica do homem devia conduzir as concep~6es existencialistas que se manifestam ja em Stirner e posteriormente em Nie- tzche. Sem uma solu~ao correcta deste problema nao era possivel nem uma diferencia~ao entre o homem e os animais -que durante muito tempo foi em- preendlda pelas teorias idealistas- nem urn ataque as teorias naturalistas, que remetem a vida social a factores naturais e consideram a luta de classe uma forma de luta biol6gica geral pela existencia. Sem uma solu~ao correcta deste problema, era absoluta- mente impossivel criar, no afastamento do idealismo metafisico vigente, posi~6es a partir das quais fosse possivel uma critica para a transfonna~ao da vida, posi~6es a partir das quais se pudesse compreender a realidade que, apesar de sera base dos nossos con- ceitos do homem, dev-3 ser submetida a «Uma critica das teorias e, na pratica, a transforma<;;ao revolu- cionaria». 0 materialismo metafisico fez a primeira tentativa para dar uma solu~ao a estas quest6es no se-. culo XVIII, tendo sido continuada por Feuerbach. 14 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO Marx, ainda que tenha justamente valorizado o valor hist6rico destas tentativas, tambem as criticou dura- mente. · ' 2. Critica do materialismo sensu.alista N a determinaQiio do ponto de vista materialista, Marx indica frequentemente o significado progres- sista do primitivo materialismo metafisico, assim como do mecanicista e do sensualista. Exp6e simul- taneamente as diferenQas especificas que os distin- guem da nova concepQiio dialectica do materiaEsmo, que e a arma filos6fica do proletariado. Esta dis- tinQiio e particularmente importante para a com- preensao das conclus6es pedag6glcas que procedem do ponto de vista de Marx. E por isso que comeQa- remos a tratar esta questao. Em A Sagrada Familia Marx formula a sua con- cepQiio sabre 0 caracter, 0 desenvolvimento e 0 signi- ficado do materialismo frances. Sublinha o signifi- cado progressista desse materialismo que empreende a luta contra a metafisica de Descartes, Spinoza e Leibniz, assim como contra a religiao. Indica o dua- lismo da fisica e da metafisica cartesianas e o papel do sensualismo de Locke na evoluQiio do materialismo frances do seculo XVIII. Descobre as raizes sociais das correntes espirituais e as motivaQ6es sociais da queda da metafisica tradicional no periodo do Ilu- minismo. Da atenQiio a Bacon, Hobbes, Locke, Bayle e mais tarde a Helvecio, Condillac, La Mettrie e indica as relaQoes entre o materialismo ingles e o frances, assim como a sua tendencia critica de re- futar as autoridades ate entao vigentes. Sublinha tambem as esperanQas optimistas deste materialismo em relaQiio a uma transformaQiio do mundo atraves do ensino. Marx faz uma critica radical e aniquiladora a este materialismo do periodo do Iluminismo, ainda 15 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO que destaque o valor progressista dos meios de in- vestigac;;ao experimentais e empiricos, que se opoem as especulac;;oes racionalistase ao fideismo, e indica o valor progressista de uma investigac;;ao da natureza que esta isenta de qualquer intervenc;;ao divina e da investigac;;ao do homem como uma pequena parte material do grande mundo da natureza. Uma for- mulac;;ao sintetica e amadurecida desta critica e-nos dada em Teses sobre Feuerbach, mas a primeira elaborac;;ao ampla esta no primeiro tratado publicado depois da morte de Marx, com o titulo Manuscritos Econ6mico Filos6ficos do ano de 1844. Nesta obra Marx ataea a parcialidade do mate- rialismo sensualista, os seus erros, ilusoes e ficc;;oes abstractas que sao contrapostas a existencia concreta do homem e as suas reais relac;;oes polifacetadas com a natureza. 0 argumento principal e 0 desmascaramento do caracter anti-social e metafisico do materialismo sen- sualista. Este materialismo defende a ideia de que o homem adquire o seu conhecimento a . partir dos sentidos, que o poem em comunicac;;ao com as coisas e lhe dao uma impressao donde surgem os conceitos. No entanto, o materialismo sensualista nao considera que a relac;;ao do homem como objecto e muito mais complicada. Nao se trata de modo nenhum de uma ' ponte secreta que atraves dos sentidos ponha em comunicaQao dois mundos alheios e mutuamente opos- tos - o mundo dos homens e o mundo das coisas: Trata-se antes de uma relaQao de mutua contacto e de mutua condicionamento, de uma relac;;ao de ' criaQao e transformaQao reciproca. Marx escreve: «Praticamente eu s6 posso com- portar-me de urn modo humano quando as coisas se comportam humanamente face ao homem.» (1) As (') Marx-Engels, Kleitnfll okonomischie Schriften (Manus~ c'l'iislta8 Econ6micoo), BerLim, 1955, p. 132. ' ·. 16 -' TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO coisas que enfrentamos s6 aparentemente sao uma realidade natural · independente do homem. Geral- mente sao ou obras humanas ou transforma~oes humanas dos elementos da natureza. Neste processo de intercambio activo configura-se o mundo humano · das coisas e o proprio homem, assim como os seus instrumentos sensiveis. «0 olho - escreve Marx- tornou-se olho humano do mesmo modo que o seu objecto que procede do homem para os homens se tornou num objecto social, humano. A faculdade do olho humano eo conteudo humano da percep~ao con- figuram, no decurso deste processo hist6rico de cria- ~ao, urn mundo humano atraves dos homens. Algo de semelhante acontece com os outros sentidos. Nao sao uma certa bagagem natural que os une aos objectos independentes deles. Desenvolvem-se atraves da actividade social do homem que cria a realidade e a transforma.» (2) 0 homem nao esta, pois, submetido aos objectos do mundo real percebendo-os como objectos humanos, como objectos sociais. Os sentidos humanos ensinam- -lhe a realidade deste mundo objectivo, mas, por sua vez, sao formados por este mundo. Consideram estes objectos uteis ou inuteis, belos ou odiosos, ver- dadeiros enquanto actuam sobre n6s e por n6s sao transformados. A dependencia estreita e polifacetada entre os sentidos e os objectos do mundo humano pode ser demonstrada em todos os campos. Assim, por exemplo, no aspecto da musica. «A musica des- perta - escreve Marx- o sentido musical do ho- mem; assim para o ouvido nao musical a mais bela musica nao tern nenhum sentido, nao e [nenhum] objecto, porque o meu objecto s6 pode ser a confir- ma~ao das minhas for~as essenciais.» (3 ) Algo , se- melhante sucede com a visao, o tacto, o olfacto. (') Ibildem. · (') Ibidem, rpp. 133 e seguintes. ' 17 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O Portanto, pode-se dizer que «OS sentidos do homem SOCial sao OUtros que nao OS do homem naO-SOCial» e por isto pode-se compreender que «SO atraves da riqueza objectivamente desenvolvida da essencia hu-. mana se forma e se produz em parte a riqueza da sensibilidade subjectiva hurnana) um ouvido musical, urn olho para a beleza da forma; em resumo, os sentidos s6 assim se fazem sentidos capazes dos gozos humanos que se afirmam como forgas essen- ciais humanas» ( 4 ). Consideragoes semelhantes podem ser feitas - se- gundo Marx - a respeito de todos os outros ele- mentos da vida fisica. Nao s6 os cinco sentidos tradicionais, mas tambem os desejos humanos, as aspiragoes de todo 0 genera sao fen6menos que· se produzem na vida social no decurso da relagao es- treita e polifacetada entre o homem e a realidade humana. «Cada uma das relagoes humanas com o mundo: vista, ouvido, olfacto, gosto, tacto, pensar, contemplar, sentir, querer, actividade, amor, isto e, todos os 6rgaos da sua individualidade, assim como os 6rgaos imediatamente comuns pela forma, som, no seu cornpor tamento objectivo ou no seu compor- tamento com o objecto) a apropriagao do mesmo, a apropriagao da realidade humana;... actividade hurnana e sofri rnento humano) pois o sofrimento, num sentido humano, e um gozo que 0 homem tern de si. » (5 ) 0 sentido destas consideragoes opoe-se a con-· cepgao metafisica do sensualismo que concebe o homem como uma essencia que defronta o mundo das coisas e que de.senvolve OS seus sentidos gragas a influencia destas coisas. Poe em duvida o modo dogmatico de opor o sujeito ao objecto e o modo de contemplagao estatica do homem como uma natureza eternamente dotada do mesmo sistema sensitivo. E ( ' ) l btide?n, p. 134. (' ) Ibvdmn, p . 132. 18 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO transcendendo este tema conduz aos metodos de investigagao socio-hist6ricos para a analise dos dotes fisiol6gicos e fisicos do homem e, deste modo, abre perspectivas totalmente novas. « Ve-se - escreve Marx - como a hist6ria da industria e a existencia objectiva realizada da in- dustria sao 0 livro aberto das fon;as humanas essen- ciais} a psicologia humana apresentada de modo sensivel, que ate agora nao se concebeu na sua rela<::ao com a essencia do homem, mas sempre e s6 numa relagao de tipo externo de pToveito, porque - mo- vendo-se no enquadramento da aliena<::iio- s6 se sabia conceber a existencia geral humana do homem, a religiao ou a hist6ria, na sua essencia geral abstrac- ta, como politica, arte, literatura, etc., como realidade das for gas humanas csse11ciais e como aetas do ge- nera humano. » Segundo Marx foi urn erro grave ter considerado ate ao presente a hist6ria da tecnica, do trabalho e da produ<::ao de urn ponto de vista unila- teral do proveito que tern para o homem, sem apreciar o seu significado na forma<::ao da essencia humana, no enriquecimento do seu actuar fisiol6gico e fisico na educaQao. «Na industria material} usual ... n6s encontramos sob a forma de objectos sensiveis> estra- nhos} uteis} sob a forma da alienagao, as fors;as objec- tivadas essenciais do homem. Uma psicologia para a qual este livro esta fechado, isto e, a parte concre- tamente mais actual e exequivel da hist6ria, nao pode chegar a ser uma ciencia completa e real. Que s·e pode pensar de uma ciencia que prescinde desta gran- de parte do trabalho humane e que nao percebe a sua propria unilateralidade, desde o memento em que t ao ampla riqueza do actuar humane niio lhe diz nada, a nao ser o que se podia resumir numa palavra: "necessidade", "necessidade vulgar"?» (0 ) [*] (' ) I bildern, pp. 135 e seguintes. ( * ) Observagoes do autor. Veja Apendice, cap. VII, 3). 19 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O Este ponto de vista socio-historico mostra a fie~ Qao da concepQao naturalista do homem e do mundo onde vive. 0 mundo da natureza nao e nenhum mundo independente da vida do homem. Tambem nao faz sentido opor a natureza ao homem como se fossem duas realidades alheias e independentes ou separar as ciencias da natureza das sociais como se fossem · radicalmente diferentes. «0 homem transforma a natureza e nesta actividade transforma-se a si pro- prio. Produz-se a si proprio e aoseu mundo humano natural. A natureza que chega a ser e se afirma na historia humana - .o acto de nascimento da socie- dade humana- e a verdadeira natureza do homem, porque a natureza tal como a industria a faz, ainda que seja numa forma alienada) e a verdadeira natu- reza antropol6gica.» ( 7 ) Neste sentido, pode-se dizer que a produQao e a industria sao o elo historico e real que une a natu- reza e as ciencias ao homem, e que deste modo as ·ciencias ja nao sao alheias ao homem e que se con- vertem propriamente na base das teorias dos homens, de modo semelhante ao modo como a produQao se tornou a base da vida dos homens. Pode-se dizer que no futuro existira uma so ciencia humana, porque as ciencias da natureza tornam-se cada vez mais cien- cias da natureza transformada pelo homem; e as ciencias humanistas, em ciencia do homem, que se configura graQas ao trabalho que o «mundo humano natural» produz. A historia mundial e «a produQaO do homem atraves do trabalho humano, isto e, 0 tornar-se da natureza para os homens». 0 homem tornou-se assim •o ponto central da existencia da natureza transfor- mada, tal como a natureza transformada se tornou o ponto central da existencia do homem. Estes laQos reciprocos nao podem desfazer-se, e por isso todas (') Ibidem, p. 136. 20 TEORLA MARXISTA DA EDUCAQAO as tentativas de uma contraposi~ao metafisica e estatica do «homem» e da «natureza» sao uma abstrac~ao deficiente que consiste na separa~ao do conteudo real, concreto, que se desenvolve historica- . mente, da existencia concreta e real dos homens e da natureza {8 ). A critica de Marx op6e-se, por conseguinte, as teses basicas do materialismo naturalista, segundo o qual as coisas como objecto e o homem como sujeito se enfrentam alheadamente, mutuamente inde- pendentes: Os sentidos - diz este materialismo- indicam-nos de modo adaptado a sua natureza psico- 16gica a existencia das coisas, mas esta informa~ao nao e influenciada nem pelas pr6prias coisas nem pela transforma~ao do homem. As coisas perma- necem tal como sao, como essencia que apenas e dotada pela natureza com receptores completamente d~terminados, e sempre o que ja em principia estava determinado a ser. Certamente que o ma;terialismo sensualista op6e-se as ideias inatas que deveriam predestinar o desenvolvimento do individuo; no en- tanto, ao sublinhar o papel do mundo circundante e das impress6es adquiridas, conserva propriamente o elemento estatico das concep~6es anteriores. Atraves da vincula~ao sensivel a realidade, 0 homem nao se teria desenvolvido nem transformado: como numa chapa fotografica, no seu espirito ·desenha-se exclusi- vamente uma imagem da realidade, sempre a mesma realidade invariavel e independente. Portanto, o homem pode ser concebido como uma maquina, como urn automata, que funciona mecanicamente segundo os impulsos recebidos. Ele foi, pais, concebido de urn modo cada vez mais naJturalista, do mesmo modo que se conceituaram os animais, que levam a mesma vida desde ha seculos num ambiente determinado, mas independente deles. ( 8 ) IM<lem, rp. 139. 21 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO Marx indica de modo convincente que o homem e a natureza estao numa dependencia especifica reci- proca de interacQao e transformaQao. 0 homem como sujeito existe ja no objecto, na naJtureza, enquanto esta e para OS homens verdadeiramente objecto. 0 que os sentidos reconhecem ja e de certo modo trans- formado pela actividade social. 0 que e transformado por esta aotividade configura os sentidos humanos como instrumentos do conhecimento do mundo e dc.i3 coisas. Par issa, segundo Mar x, o problema da objec- tividade do conhecimento sensivel, defendido pelos materialistas sensualistas e duramente criticado pelos seus oponentes, deve ser solucionado de outro modo. 'Se os sentidos nos ensinaram a existencia dos objec- tos, se nos transmitem de tun modo fiel as suas pro- priedades, se talvez s6 parcialmente se reflectem no nosso conhecimento essas propriedades e se inclusi- vamente sao talvez exclusivamente urn produto do nosso sistema sensitive, tudo isto - como diz Marx - nao e mais do que urn problema «puramente esco- lastico» enquanto for concebido separadamente da pratica. Nao sao os sentidos que constituem a vin- culaQao fundamental do homem a natureza, mas sim a pratica. Trata-se, pais, de uma dependencia social e hist6rica, variavel e em constante progresso, activa e polifacetada. 0 assinalar da realidade atraves dos sentidos exprime uma ac~ao que transforma esta realidade e os que a transformam. E precisamente . tuna vida desta natureza que e 0 oposto da vida dos ' animais, e e propriamente a vida humana (*). A critica de Marx ao materialismo sensualista nao se limita apenas as ideias metafisicas gerais. Estas estao estreitamente ligadas a analise das si- . tuaQCies sociais nas quais surgem convicQoes imagi- narias e teorias que provem da limitaQaO e da deso- rientaQaO do homem. Uma indicaQaO sabre estas ana- (*) Observag5es do autor. Veja Apendice, cap. VII, 4). 22 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO ' lises esta contida no ponto de vista anteriormente mencionado. · Se o problema da consciencia humana nao pode ser compreendido com as categorias natu- ralistas e fisiol6gicas, se deve ser considerado de urn modo social, as analises puramente filos6ficas nao sao suficientes para a critica do sensualismo. Os sentidos do homem formam-see desenvolvem- -se, em uniiio com os objectos da sua actividade social, apenas em sentidos verdadeiramente humanos quando para isso se cumprem as premissas, gra~as as quais todos OS .objectos do homem se podem COn- ceber como objectos do mundo humano: «Para o homem que morre de fome niio existe a forma humana de alimento, mas apenas a sua existencia abstracta como comida; do mesmo modo se podia encontrar na forma mais primitiva e nao se poderia dizer em que e que esta actividade alimentar se dis- ' tingue da actividade alimentar das feras. 0 homem cheio de preocupa~oes e necessidades niio tern nenhum sentido disponivel nem para o mais belo espectaculo ;... assim, a objectiva~ao da essencia humana, tanto no aspecto te6rico como no pratico, e necessaria t anto para tornar 0 sentido do homem humcmo, como para criar, para toda a riqueza da essenda humana e natural, sentimentos humanos correspondentes.» (9 ) 0 cumprimento destas condi~oes, atraves das quais o homem pode participar na realidade circun- dante como sendo realidade humana, nao depende do destino do individuo, mas da estrutura social objec- tiva em que o individuo vive. Esta estrutura pode ser de urn genera que facilite a compreensiio do ambiente real como uma obra social dos homens ou ser de urn genera que o impe~a e o force a considera-la urna realidade alheia e independente em que a actividade do homem niio e de modo nenhum constitutiva. Qual ( ' ) lbidem, p. 134. 23 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO e 0 factor decisivo de que depende a limitaQao e a destruiQao das relaQ6es humanas com o mundo? Este factor e a propriedade privada. · · A propriedade privada, ao criar a sociedade de classes e provocar que os objectos socialmente pro- duzidos se tenham transformado em objectos da possessao dos homens das classes dominantes, «a propriedade privada - escreve Marx- :tornou-nos tao parvos e unilaterais, que urn objecto nao e nosso a nao ser quando 0 temos, a nao ser que exista para n6s como capital ou a nao ser quando e imediata- mente possuido por n6s, comido, bebido, usado pelo nosso corpo, habitado por n6s, etc., em resumo, a nao ser quando e utilizado» (1°). Numa ordem social em que a vida humana s6 e possivel atraves da posse da propriedade, onde OS que nao possuem nenhuma propriedade sao excluidos da sociedade e da cultura, ·desenvolve-segradualmente o desejo de posse ate se converter no conteudo principal de vivencias do homem· que configura a sua relaQao com o mundo. 0 homem deixa de parecer o produto da actividade social dos homens na realidade que o rodeia e comeQa a valorizar esta realidade exclusivamente como campo de luta pela posse, como campo da exploraQao segundo a forQa da posse. No entanto, esta maneira de pensar limita e empobrece o homem. «Em vez de · todos os sentidos fisicos e espirituais apareceu, pois, .a simples alienaQao de todos estes sentidos, o sentido do ter. A essencia humana devia reduzir-se a esta pobreza absoluta para engendrar a sua riqueza inte- rior a partir de si propria. Por isso a supressao da propriedade privada e a emancipaQao total de todos os sentidos e propriedades humanas.» (11 ) Isto signi- fica que pela supressao da propriedade privada se 'superara o modo falso e prejudicial de considerar a ('0 ) Ibvdem, p. 132. ( 11 ) Ibidem. 24 TEQRIA MARXISTA DA EDUCAQAO realidade como 'objecto da posse individual e produ-· zir-se-a novamente o verdadeiro e natural que provem do conhecimento de que a realidade se configura · atraves do trabalho social dos homens. Entao as coisas aparecem-nos como sendo nossas proprias 'Obras, como nos proprios em forma objectivada, como fruto da actividade social. A nossa considera~ao compreendera entao o objecto como «Coisa humana» de modo imediato e como questao de amor ate ela e nao como caJculo, nao como objecto da aspira~ao egoista de posse . . Neste sentido, Marx diz que «OS sentidos convertem-se imediatamente, na pratica, em 4:eoricos»: nestas circunstancias nao sao nenhuma foq~a para uma entrada em contacto com as coisas para as possuir, mas uma for~a em que se reconhe- cem nas coisas os produtos sociais humanos ; uma for~a que se exerce e desenvolve no processo de reconhecimento de si propria. Olho e ouvido do homem evoluem - como ja foi dito - como orgaos 'do ver e do ouvir humanos ao aprenderem a ver ·cores e formas e a ouvir sons, que pertencem ao mundo humano e tern sentido humano. 0 derrube da ordem baseada na propriedade pri- vada, tarefa que e propria do comunismo, cria, par- tanto, a base de urn ensino puramente humano. Nestas novas condi~oes o homem compreendera que a sua actividade e a cria~ao do mundo humano, isto e, que e 0 desenvolvimento paralelo a si proprio e nao a simples produ~ao de bens para posse propria ou alheia. Compreendera «como, sob a hipotese da -supressao positiva da propriedade privada, o homem produz o hom em, a si proprio e aos outros homens; como o objecto que e o produto da actividade ime- diata da sua individualidade e simultaneamente a sua propria existencia para os outros homens, a sua propria existencia e a existencia daqueles para si» ( 12 ) . Compreendera, pois, que a produ~ao em todos ("' ) I bild6m, p. 129. 25 / TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO os campos nao e nenhum mundo de coisas ou pro- dutos alheios ao homem, mas urn processo social de manifesta~ao dos homens na actividade produtiva e do seu desenvolvimento individual atraves desta actividade. Compreendera que a propriedade privada limitava a compreensao consciente deste caracter do homem e a falseava impelindo-o para a criaQiio de bens para a posse individual e que nesta actividade s6 precisamente de urn modo falso se pode reconhecer a essencia da vida humana. Co~ a liberta~ao da actividade produtiva dos homens destes entraves e limita~oes e como sobrevir consciente do seu caracter social, que consiste no sobrevir dos homens atraves da criaQiio do mundo objectivo da sua vida, o mundo humano, realiza-se nas rela~oes de vida comunistas uma transforma~ao total das rela~oes entre os homens e as suas prQprias obras. Os homens conhecerao neste mundo supos- tamente alheio, em que s6 deviam servir a apro- pria~ao individual egoista, a sua propria obra social _ e participarao nele sem cobi~a. Nestas circunstancias, OS homens ja nao se apo- derarao dos objectos particulares como objectos de explora~ao imediata egoista e da propriedade pri- vada, mas como obras humanas, como produtos sociais, como expressao da essencia e vida humanas. Deste modo o homem desenvolver-se-a, enriquecera e ver-se-a lanQado noutras actividades. Tornar-se-a cada vez mais humano, porque se apoderara cada: vez mais do conteudo humano do mundo socialmente c:riado. Toda a riqueza do patrim6nio hist6rico da humanidade, cujo caracter de obra humana foi esque- cido durante tanto tempo, converter-se-a na escola do hom em. A ordem comunista e, pois, uma ordem que outorga a produ~ao e o consumo dos homens num sentido autenticamente humano, polifacetado, cons- ciente e social, porque supera as deturpa~oes, ilusoes ,e limita~oes criadas pela propriedade privada. 26 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO 3. Conclusoes pedagogicas da criti.ca do materialismo sensualista A amllise de Marx do materialismo do periodo do Iluminismo tern grande importancia para a peda- gogia. Nas correntes materialistas desta epoca for- mularam-se certamente teses importantes da peda- gogia burguesa que se opunham a pedagogia feudal. Foram teses que ao longo de todo p seculo XIX influenciaram como correntes principais da teoria pedag6gica. Tambem no seculo XX o pensamento pe- dag6gico burgues se vinculou a elas. 0 caracter pro- gressista destas ideias material-sensualista, adquirido sob as condiQoes sociais do seculo XVIII, foi abusiva- mente interpretado em muitas ocasioes como uma legitimizaQao de urn suposto progressismo e cien- tismo das correntes do seculo XX que se basearam - nelas. Por esta razao, uma exacta e correcta concepQao acerca do valor e erros da pedagogia sensualista nao e apenas urn problema de juizo hist6rico, mas tam bern de contribuiQao para o esboQo da problematica peda- g6gica moderna e para o esclarecimento das diversas problematicas falsas e para as tentativas de soluQao. Esta tarefa e directamente empreendida pela critica marxista do sensualismo. Em primeiro lugar, indica o valor hist6rico e o caracter progressista da pedagogia sensualista em oposi~ao a pedagogia das «ideias inatas». A peda~ gogia das «ideias inatas» considerava o sobrevir do homem independente das -relaQoes sociais, do am- biente e do ensino. Era a pedagogia do «desenvol- vimento interno aut6nomo», a pedagogia do raciona- lismo metafisico, a pedagogia da teoria escolastica. Opondo-se a ela, a pedagogia fundamentada na fila- sofia empirista e sensualista dirige a atenQao do educador para as condiQoes de vida reais e concretas, para a realidade, para a experiencia, para a activi- dade. Na opiniao de que o espirito humano se forma 27 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O graQas as impressoes adquiridas, destaca-se 0 papel do ambiente e da educaQao na formaQao do homem. Abre possibilidades optimistas a uma melhor edu- caQao dos homens e a elevaQao do seu nivel espiritual e moral atraves do ensino conscientemente orientado para urn fim. Em A Sagrada Familia Marx sublinha o caracter progressista destas teorias e a sua estreita ligaQao com o socialismo. Depois de expor a actividade de Condillac, Helvecio e Halbach, Marx tira uma conclusao geral acerca do caracter e consequencias deste materialis- mo ao escrever: «Nao e necessaria uma grande pers- picacia para se dar conta do entroncamento neces- saria que as doutrinas materialistas reservam com o socialismo e o comunismo sabre a bondade originaria e a capacidade intelectual igual dos homens, sabre a forQa omnipotente da experiencia, o habito, a educa- Qiio, a influencia sabre os homens das circunstancias externas, a grande importancia da industria, a legi- timidade do gozo, etc. Se o homem forma todos os seus conhecimentos, as suas sensaQoes, etc., a base domundo dos sentidos e da experiencia dentro deste mundo, trata-se consequentemente de organizar o mundo empirico de tal modo que o homem experi- mente e se assimile no verdadeiramente humano, que se experimente a si mesmo enquanto homem. Se o interesse bern entendido e 0 principia de toda a moral, 0 que importa e que 0 interesse privado coincida com o interesse humano. Se o homem nao goza de liber- dade no sentido materialista, isto e, se e livre nao pela forQa negativa de poder evitar isto ou aquila mas pelo poder positivo de poder fazer valer a sua verdadeira individualidade, nao deveriam castigar-se os crimes no individuo, mas sim destruir as raizes anti-sociais do crime e dar a cada urn a margem social necessaria para exteriorizar a sua vida de urn modo essencial. Se o homem e formado pelas circunstancias, sera necessaria formar humanamente as circunstan- 28 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO .cias. Se o homem e social por natureza, desenvolvera a sua verdadeira natureza no seio da sociedade e uni- camente ai, razao pela qual devemos medir o poder da sua natureza nao pelo poder do individuo concreto, mas pelo poder da sociedade.» (13 ) Mas por esta valorizac;ao positiva, nao devemos esquecer os defeitos e erros fundamentais da peda- gogia sensualista, da pedagogia do periodo do Ilu- minismo e da pedagogia dos ultimos tempos que se liga de modo imediato a esta tradic;ao. Na critica do materialismo sensualista, Marx indica directamente as origens dos erros que fizeram com que esta peda- gogia nao cumprisse as esperanc;as progressistas nela depositadas e que nao ultrapassasse na sua aproxi- mac;ao ao socialismo os limites determinados que estavam de acordo com os interesses da burguesia e que realizasse frequentemente - especialmente nas epocas posteriores ao· seu aparecimento -, pelo con- trario, as esperanc;as de urn ponto de vista nitida- mente reaccionario. Antes de tudo, a pedagogia sensualista tinha uma concepc;ao falsa do homem e da sua relac;ao com a - realidade exterior. Considera o homem uma essencia que esta dotada pela natureza de determinados sen- tides ja perfeitos, que o informam acerca do mundo 'imutavel e independente e, deste modo, configuram o seu espirito e a sua vontade. Tal como foi exposto, Marx poe em questao este naturalismo metafisico. Indica a ligac;ao «da fisiologia» do homem a sua actividade social atraves da qual transforma o mundo natural num «mundo humano», e este mundo humano desenvolve-se atraves da luta de classes que · suprime a propriedade privada. Em vez destas concepc;oes metafisicas, nao-hist6- ricas e associais, Marx formula as teses que destacam a dependencia reciproca entre o homem e o mundo em ( 13 ) Marx-EngelB, Lw Sa[fl"adJa FatmiN:a, Ed. Grijalbo, Me- xico, 1962, p. 197. 29 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO que vive. Trata-se de teses que sublinham a depen- dencia pratica activa que se constitui no processo de desenvolvimento social, que se manifesta objectiva- mente como riqueza crescente do «mundo humano» e mostra-se subjectivamente como transformagao para- lela, ao mesmo tempo mutuamente dependente e como enriquecimento da essencia humana. A critica de Marx dirige-se contra as teorias educativas sensualistas, que consideravam o labor educative como «educagao» dos sentidos compreen- didos de urn modo naturalista. Marx via muito clara- mente as consequencias pedag6gicas do seu ponto de vista, ainda que nao se tenha alargado muito nesta questao. Em Manuscritos Econ6mico-F'ilos6ficos en- contramos uma fra:se que se torna convincente pela sua sensatez e profundidade: «A educagao dos cinco sentidos e urn trabalho de todas as gerag6es humanas passadas.» Esta frase contem a critica exposta do sensualismo e, ao mesmo tempo, formula a tese pedag6gica capital com a ajuda da qual se pode refutar o programa do ensino e da educagao funda- mentado no sensualismo. Sob este ponto de vista ha a criticar especialmente os seguintes pontos do program a: primeiro, a con- cepgao da consciencia como faculdade passiva que regista e agrupa os dados sensiveis. Em Locke o sensualismo manifesta-se de uma forma todavia limi- tada, no entanto, em La Mettrie e em Condillac con- verte-sD numa tese formulada de urn modo radical: La Mettrie, ao analisar a consciencia, compara-a a «lantcrna magica que reflecte OS objectos formado3 nos olhos». Defcnde a teoria de que «as nossas ideias surgem do mesmo modo que o jardineiro, ao ver as plantas, se torna consciente das descrig6es botani- ca.s». Segundo es'tas concepg6es, a forma.gao da consciencia consiste no seu enriquecimento com im- press6es, no desenvolvimento das capacidades de observagao e no estimulo do agrupamento e compa- ragao. No entanto, este labor educativo deve ter em 30 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO conta que «0 poder de julgar, a razao, a memoria, nao actuam em absoluto de modo autonomo», e que a na:tureza nao dotou todos do mesmo modo ao dar a urn individuo urn «cerebra melhor ou pior organi- zado». Uma vez estas limitaQ6es conscientes, o trabalho do mestre orienta-se unilateralmente para o estabelecimento de urn exercicio metodico para os sentidos. Ao mesmo tempo, o mestre devera dife- renciar os exercicios segundo os supostos «dotes naturais». 0 mais importante tratado de Condillac acerca da pedagogia sensualista, Cours d'etudes pour l'instnwtion du Prince de Parme, contem - apesar do seu caracter progressista - claros elementos destas limitaQ6es que reaparecem com a agudizaQao da luta de classes. NOS fins do seculo XIX e principios do XX, as concep<:;6es de Lay, por urn lado, e as de Maria Montessori, por outro, representam a conti- nuaQao das opini6es sensualistus que Marx atacou nas suas origens. A segunda restriQao afecta o modo de conceber a actividade humana. A pedagogia sensualista nao reconhece a actividade social e historica dos homens, desconhece a sua participaQao na transformaQao das proprias condiQ6es de vida dos hom ens; no en tanto, determina a actividade humana no seu proprio campo de urn outro modo: e a actividade da contemplaQao e da comparaQao das percepQ6es. Em Condillac encon- tramos conselhos muito precisos de tipo didactico que se cingem ao desenvolvimento de tal actividade da consciencia. As palavras de ordem da formaQao de «associaQ6es» e «reflex6es» sao conservadas - como todas as outras palavras de ordem da peda- gogia do Iluminismo - pela burguesia dos seculos XIX e XX, porque possibilitam a ligaQao do ensino e do trabalho de urn modo seguro para a sociedade. Especialmente em algumas correntes da escola do trabalho a actividade da crianQa foi concebida como exercicio dos sentidos atraves do exercicio da rotina manual. Estes tipos de exercicio deviam representar 31 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO Helvecio escreve: «Se eu demonstrasse que o hom em nao e de facto mais que urn produto da sua educaQaO, teria descoberto sem duvida uma grande verdade para as naQoes. Estas saberiam que tern nas suas maos o instrumento da sua grandeza e da sua feli- cidade e que para chegar a ser feliz e poderoso e apenas preciso aperfeiQoar a ciencia pedag6gica.» A tese da omnipotencia do ensino deve conduzir a ideias ut6picas que prometem a transformaQao social e uma educaQao das geraQoes jovens. E precisamente esse o sentido com qu,e o problema foi frequentemente apresentado pelo socialismo ut6pico. Par outro lado, ho entanto, o sublinhar da funQao decisiva da educaQao do ambiente permitia interpre- taQoes conservadoras. E efectivamente assim sucedeu muitas vezes. 0 proprio Helvecio utilizou na sua obra uma serie de formulaQoes deste tipo. Quando escreve que «os verdadeiros mestres da crianQa sao as coisas que a rodeiam, pais a elas deve todos os seus pensamentos»; quando sublinha o papel daca- sualidade, ao caracterizar a vida humana como urn «grande entroncamento de casualidade»; quando diz que o verdadeiro educador da juventude «e a forma do governo sob a qual vive esta juventude, e os costumes que esta forma de governo com porta»; quando afirma que «a educaQao faz de n6s o que somas», e n6s somas o que a sociedade faz de n6s, faz afirmaQoes que sao adequadas como ponto de partida no capitalismo para os principios de urn en- sino social que se concebe como uma adaptaQao do homem ao ambiente, que o forma de todos os modos, como adaptaQao as necessidades da classe social pre- dominante. Quanto mais se agudizou a luta de classes entre a burguesia e o proletariado, mais claramente se apresentaram estas vacilaQoes e se tornou cada vez mais evidente que toda a concepQao educativa do materialismo sensualista continha determinados erros basicos que procediam do seu condicionamento de 34 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO classe e originavam que se nao pudessem converter no fundamento de uma futura pedagogia. Marx in- dicou claramente o caracter destes erros. Em Teses sabre Feuerbach escreve: ·«0 defeito principal de todo o materialismo existente ate a actualidade (in- cluindo o de Feuerbach) e que o objecto, a realidade, a sensibilidade s6 se concebem sob a forma do objecto da contemplagao; e nao, pelo contrario, como actividade humana sensivel) como pratica; nao sub- . jectivamente. » ( 15 ) A -argumentaQao decisiva que se exprime de forma lapidar em Teses sobre Feuerbach dirige-se contra o materialismo sensualista, porque concebe a reali- dade natural e social de um modo estatico e inde- pendente da actividade humana. 0 materialismo sen- sualista ignora o papel da actividade social que trans- forma a realidade e converte-se por isso numa falsa teoria do conhecimento e numa nociva teoria da educaQao. Nao e capaz de perceber as contradiQ6es existentes na sociedade, que sao expressas pela luta de classes, nem o significado da actividade revolu- cionaria, atraves da qual e possivel a IibertaQaO de utopias e da reacQao. Tambem nao possibilita a re- soluQao do problema basico da «educaQao do edu- cador» e ha que acreditar que ou os «novas e edu- cadores» surgem de algum sitio ou a sociedade existente, isto e, a classe dominante, OS forma. A critica de Marx ataca, pais, tanto as teorias ut6picas «da transformaQao social atraves da edu-. caQaO» como as teorias oportunistas «da educaQao como funQao do ambiente». Marx indica o papel da actividade pratica e principalmente revolucionaria e considera-a uma actividade que transforma a rea- lidade social do homem e, em certo sentido, a cria. ·Por isso exige o afastamento radical do materialismo ('") Marx-Engels, Werke (Obras) , Berlim, 1958, vol. III, p. 5. 35 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO •sensualista. S6 o materialismo hist6rico e dialE'~ctico pode reflectir a realidade de urn modo verdadeira- mente fiel e organizar a actividad,e humana de urn modo correct o e, com isso, organizar tambem a edu- ca~ao do homem. 4. Critica da filosofia de Feuerbach A critica do «mater ialismo contemplativo», que Marx faz ao atacar os sensualistas do Iluminismo frances e Feuerbach, teve consequencias maiores do que aquelas que pudemos expor ate agora. As teses sabre Feuerbach poem em relevo a dependencia entre a teoria do conhecimento «do materialismo antigo» e a sua teoria da sociedade, assim como entre a teoria do conhecimento «do novo materialismo» e a sua cH~ncia social. «0 maximo alcan~ado pelo ma- terialismo contemplativo, isto e, 0 materialismo que nao concebe a sensibilidade como actividade pratica, e a concep~ao do individuo isolado e da sociedade burguesa.» (16 ) «0 ponto de vista do antigo mate- rialismo e a sociedade burguesa; o ponto de vista do novo e a sociedade humana, ou a sociedade da humanidade. » (1 7 ) Nesta liga~ao o conceito de homem desempenha o papel principal. A sexta tese sabre Feuerbach torna precisos os elementos e os defei:tos do materialismo pre-marxista na concep~ao do homem. Certamente, Feuerbach esfor~ou-se par superar o modo tradicio- nal de conceptuar o homem, mas nao soube chegar ate ao fim de urn modo consequente. Afastou, e certo, as caracteriza~oes metafisicas da essencia ideal, mas, no ent anto, adoptou como «essencia real» do homem o que era o produto das rela~oes existentes ate entao. Dado que Feuerbach nao extraiu nenhuma (" ) I bidern, p . 7. ( " ) I bicZern. 36 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO critica desta «essencia real» e nao compreendeu que constituia o «conjunto de rela~oes sociais», for~o samente concebeu tambem de urn modo falso a sua vida comunitaria e do mesmo modo o homem. Teve de escolher como ponto de partida das suas ideias «urn individuo humano isolado, abstracto» e de con- ceber o seu conteudo generico, dele imanente, exclu- sivamente como «genero», isto e, puramente «na- tural». Em oposi~ao a esta concep~ao, Marx sublinha que a nega~ao da tese tradicional de que 0 homem e urn ente abstracto, a margem do mundo e superior a ele, deve ser a tese de que «0 homem e 0 mundo dos homens» (18 ), a tese de que o homem «pertence realmente a uma forma social determinada» (19 ). Na elabora~ao dos fundamentos do socialismo cientifico, Marx opoe-se nao s6 a filosofia de Hegel, mas submete tambem a critica toda a escola hege- liana. Evidentemente interessava-lhe muito pouco o destino da direita, enquanto que, pelo contrario, lhe interessava muito o desenvolvimento da esquerda hegeliana. Nesta critica Marx descobre os erros ba- sicos que conduziam a que os principios proclamados fossem s6 aparentemente revolucionarios e progres- sistas, enquanto que na realidade se conservavam as tendencias reaccionarias de Hegel. A escola dos jo- vens hegelianos analisou a consciencia religiosa e tentou demonstrar que a consciencia politica, juri- dica e moral era uma forma da consciencia religiosa e que a critica daquelas se deve submeter a esta. Ao formular deste modo o seu programa, os jovens hegelianos coincidiam com os conservadores e direi- tistas, «com os velhos hegelianos na cren~a do pre- dominio da religiao, dos conceitos, do geral no mundo (18 ) Marx -Engels, La s ,agr-ada F amli!lia, Ed. Grija lbo, Mexico, 1962, P. 3. ("') Ma rx -Engel'S, A usgewiihT!te Schrlften (Obras Esco- lhi da:s) , Berlim, 1953, val. II, p . 378. 37 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO existente. S6 que uns combatiam o predominio como usurpaQao, enquanto que os outros o celebravam como legitimo. Dado que nestes jovens hegelianos as representaQoes, pensamentos, conceitos, isto e, em geral os produtos da consciencia que eles tor- naram independentes sao tidos pelas cadeias pr6prias dos homens, do mesmo modo que os velhos hege- lianos os interpretavam como as verdadeiros laQos da sociedade humana, compreende-se, pois, que os jovens hegelianos considerem que unicamente e necessaria com bater estas ilusoes da consciencia» (2°). E · nao e estranho que nenhum deles tenha prestado atenQao aos fundamentos reais, materiais e sociais das con- cepQc3es que cumulam a consciencia humana e consi- derem, pelo contrario, que a critica verdadeira e eficaz de todas as ilusoes da consciencia deve levar a cri- tica revolucionaria e a transformaQaO das relaQOeS que formam o seu fundamento. Estes pensamentos sao formulados por Marx com grande clareza na sua obra Gritica da Filosofia do Direito de Hegel. Mostra que a critica da religiao nao pode ser completa e eficaz enquanto nao tiver em conta as relaQoes sob as quais a religiao e social. Quando os jovens hegelianos dizem que «foi o homem que criou Deus e nao Deus que criou OS homens», quando explicam a religiao como obra humana, como urn produto das ideias humanas, nao exprimem toda a realidade.Operam falsamente com o conceito geral de homem e a sua natureza, em vez de dizer concre:.. tamente sob que relaQoes sociais os homens neces- sitam de uma consolaQao religiosa. «A religiao - escreve Marx - e o suspiro da criatura angustiada, o estado de animo de urn mundo sem coraQao, porque e o espirito do estado de coisas correntes do espirito. A religiao e o 6pio do povo. A superaQao da religiao como felicidade ilus6ria do ('0 ) Marx-Engels, Werke, Berlim, 1958, vol. III, pp. 19 e seguintes. 38 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO povo e a' exigencia da sua felicidade real. Exigir a sobreposiQao das ilusoes acerca de urn estado de coi- sas vale tanto como exigir que se abandone urn estado de coisas que necessita de ilusoes. A critica da religiao e, portanto, em principia, a critica do vale de lagrimas que a religiao rodeia de urn halo de santidade.» {21 ) A critica da religiao, acrescenta Marx, «nao arranca das cadeias as flares imaginarias para que o homem suporte as sombrias e livres cadeias, mas para que se liberte delas e para que possam brotar as flares vivas. A critica da religiao desengana o homem para que pense, para que actue e organize a reali- dade como urn homem desenganado e que encontrou a razao ... Par essa razao, a critica do ceu converte-se na critica da terra, a critica da religiao, na critica do direito, a critica da teologia, na da politica» (22 ) . Estas consequencias da critica da religiao - que sao os elementos restantes de uma critica completa, verdadeira e exacta da religiao - nao foram conhe- cidas pelos fil6sofos alemaes que se limitaram a desmascarar a religiao como urn produto da fantasia hurnana. Feuerbach formulou de modo especialmente clara 0 ponto de vista de que «a religiao e 0 sonho do espirito hurnano», que «O verdadeiro sentido da teologia e a antropologia», que «a cria~ao da religiao pelos homens mostra a sua diferen~a fundamental em rela~ao as feras » ( 23 ). Par conseguinte, pode-se reconhecer claramente na filosofia de Feuerbach todos os caminhos errados a que deve conduzir o pensamento sabre a religHio a margem das rela~oes sociais e o pensamento do homem como suposta essencia constitutiva de religiao. (") Marx-·Engels, La Sagrada Famlilia, Ed. Gr ijalbo, Mexico, 1962, p. 3. (" ) I biidem. (Z' ) L. Feuer.bach, Das W~en d;oo Ohris·tentums (A EssenciaJ do Orilst ·iam:iJsmo), Berlim, 1956, pp. 19, 22, 355. 39 . . TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO Se considerarmos a religHio, de urn modo geral e metafisico, urn «produto humano», contribuimos para o fortalecimento da opiniao de que o homem e religioso pela sua propria natureza e que a pro- du~ao das ideias religiosas e a sua necessidadde fun- damental e constante. Tal critica da religiao toma dela o seu conteudo objectivo de verdade, mas afirma no proprio homem a religiao como forma especifica- mente humana da cria~ao espiritual. Este modo de considerar deve ser criticado. Nao se deve ver na religiao nem a representa~ao da realidade objectiva nem a expressao da realidade humana subjectiva. Nao e o homem em si, mas a sociedade que cria a religiao como uma falsa consciencia do mundo, por- que esta propria sociedade e urn mundo falso, isto e, nao e como sera a sociedade verdadeira. A reli- giao e, pois, «a fantastica realiza~ao da essencia humana porque a essencia humana carece de ver- dadeira realidade» (2'1). Assim, pois, em vez de cen- trar a aten~ao e todas as for~as na luta contra a religiao dogmatica, teologica objectiva, ha que cen- trar todas estas for~as na luta contra a religiao como forma da vida interior. Ja Lutero -segundo Marx indica - libertou o homem da «religiosidade exterior», mas, precisamente por isso, fortaleceu a «religiosidade interior». Por isso, actualmente nao e necessaria a luta contra os padres, mas a luta de cada urn contra o seu «proprio padre interior, a sua natureza padresca» (2 5 ). A luta assim entendida transcende o quadro da luta levada a cabo pelo Iluminismo contra as super~ ti~oes. Nesta luta trata-se de compreender a essencia humana. Trata-se da considera~ao do homem como conteudo que se desenvolve na historia, atraves da propria actividade humana, para realizar urn ataque ('"' ) Marx-Engels, La Sagrada, Familia, Ed. Grijalbo, Mexico, 1962, p. 3, ( "' ) Ibidem, p, 10, 40 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO a todas as formas de contempla~ao metafisica da «essencia» humana como alga invariavel e eterno que se manifesta apenas aproximada e fragmenta- riamente em cada epoca hist6rica; trata-se, em re- sumo, de urn conceptuar hist6rico-social da «essencia» humana como alga que se desenvolve historicamente. Esta orienta~ao da a luta urn significado social e filos6fico qualitativamente novo e e importante especialmente para a pedagogia. Na primeira parte de A Ideologia Alema, Marx desenvolve o seu ponto de vista nestas concep~oes. Apesar de Feuerbach se considerar urn materialista, opera com urn conceito metafisico do homem, porque nao e capaz de conceber 0 homem como uma essencia que, na sua actividade concreta, transforma o am- biente e a si proprio. Feuerbach concebe o homem como «objecto sensivel» e nao como «actividade sensivel»; «isto que se mantem na teoria que concebe os homens nao na sua concreta dependencia social, nao sob as suas condi~6es materiais de vida exis- tentes que 0 tornaram no que ele e, nao alcan~a OS homens activos que existem realmente, mas fica-se pelo abstracto do homem e s6 reconhece na sensa~ao 0 "homem individual", isto e, nao conhece nenhuma outra "rela~ao humana", "do hom em com o hom em", que o amor e a amizade e, alias, idealizados» (2°). Tal como para os materialistas do Iluminismo todo o mundo sensivel e para Feuerbach urn mundo das coisas e nao urn mundo da actividade social sensivel' dos homens que procede do seu trabalho, da sua tecnica e das suas rela~oes sociais. Uma imagem tipo abstracto do homem, a margem das determi- na~oes sociais concretas, cria a ilusao de que a «essencia» do homem e alga anterior a sua existencia I real, e uma preconfigura~ao da sua determina~ao moral, que e sempre e em toda a parte valida. Tal (" ) Marx-Engels, W-erke, Berlim, 1958, vol. III, p. 44. 41 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O ideia leva a procurar e a conceptuar toda a «essen- cia» - com a ajuda da filosofia - para poder entao - pelo menos de modo aproximado - realiza-la. Este caminho conduz a supervalorizaQao do papel da «Consciencia» e ao menosprezo do «Ser». Tal e o caminho da filosofia mistificadora. Na realidade, no entanto, sucede algo completa- mente diferente. Os homens come~am a diferen- ciar-se das feras nao porque surjam na sua cons- ciencia- como Feuer bach ensina- ideias religiosas, mas porque comegam a produzir os seus meios de existencia. Marx sublinha que esta produ~ao nao deve ser concebida exclusivamente do ponto de vista de que proporciona ao homem a vida no sentido fisico. «E ja urn determinado modo de exteriorizar a sua vida, urn determinado modo de vida dele proprio. 0 modo como os individuos exteriorizam a sua vida traduz 0 que sao. 0 que sao coincide, pois, com a sua produ~ao, tanto com o que produzem como com o modo como produzem. 0 que os individuos sao depende, pois, das condiQoes materiais da sua pro- du~ao.» (27 ) No desenvolvimento hist6rico posterior compli- cam-se o trabalho na produQao, as relaQoes de produ~ao, assim como a superstrutura ideol6gica, juridica e cultural. Mas o n6 do problema permanece o mesmo: o ser determina a consciencia. E certo que os homens sao os produtores das suas representaQoes, ideias, etc., mas os homens verdadeiramente traba- lhadores sao condicionados por urn desenvolvimento determinado das forQas produtivas, da sua produ~ao. «A consciencia (Bewusstsein)nao pode ser outra coisa senao o ser consciente ( das bewusste Stein) e o ser do homem e o seu real processo de vida.» (28 ) Marx sublinha que os «produtos da consciencia», em geral, sao «a linguagem da vida real», porque estao (") nnaem, p. 21. ( 23 ) lbickm, p. 26. 42 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO determinados pela actividade material e pelas rela- Qoes materiais dos homens. Mais adiante destaca que que sob determinadas relaQoes - e noutro lado defi- nem-se estas relaQoes como relaQoes da ordem social de classes - esta dependencia aparece na consciencia do homem de modo completamente confuso. Este facto nao requer de modo nenhum que se mude a regra basica da «confianQa na realidade», mas, pelo contrario, exige que se destaquem ainda mais claramente estas regras. Ao analisar os homens, pensa Marx, nao devemos procurar o caminho do c€m a terra, mas devemos elevar-nos da terra ao ceu. Isto significa que nao devemos escolher como ponto de partida «O que os homens dizem, imaginam, repre- sentam ou pensam» e a partir desta base tentar al- canQar o homem verdadeiro, mas «partindo dos ho- mens verdadeiramente actuantes e do seu processo real de vida, representa-se tam bern o desenvolvimento dos reflexos ideol6gicos e dos ecos deste processo material de vida» (29 ). 0 conteudo da sua conscien- cia e, pois, algo secundario, algo que tanto pode ser expressao exacta da vida real como pode ser urn auto- -engano. A tarefa da ciencia consiste precisamente em descobrir a correcQao e falsidade da consciencia humana atraves da penetraQao nos fundamentos reais do conhecimento. 0 homem nao e aquilo que ele proprio julga ser. Tambem nao e como 0 julgam OS outros homens. Todas estas imagens da consciencia podem ser ilu- s6rias. 0 homem e principalmente como aparece na sua vida concreta e real, social e produtiva, isto e, na sua vida diaria, que decorre sob determinadas relaQoes de produQao material. Nos homens existen- tes e concretos surgem os «produtos da consciencia», a religiao, a arte, a filosofia, a moral, a hist6ria, as leis, etc., que sao a expressao exacta ou desfigurada (" ) Ibidem. 43 'I TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO da sua vida. Precisamente esta vida real que se de- senvolve historicamente e que se transforma, produz e enriquece, muda e desenvolve a «essencia» da huma- nidade, que sera sempre - ao contrario das ideias da filosofia idealista - o fruto vivo da actividade humana na historia e nao o seu motor eterno que permanece sempre igual a si proprio. «A historia e urn processo do nascimento do homem constante e real», urn processo do seu nascimento a partir do seu proprio trabalho, tal como Marx afirma na critica a Hegel. Esta crHica do . ponto de vista de Feuer bach e compendiada por Marx na sexta tese sobre Feuer- bach. «Feuer bach - escreve Marx- dilui a essencia religiosa na essencia humana. Mas a essencia humana nao e algo abstracto, imanente ao individuo parti- cular. Na realidade eo conjunto das relaQ6es sociais. Feuerbach, que nao penetra na critica desta essencia real, ve-se forQado: 1) a abstrair-se do processo his- torico, a fixar para si o sentimento religioso e a pres- supor urn individuo humano isolado abstracto; 2) nele a essencia humana so pode ser concebida como "genera", como generalidade interna, simples, que liga de modo natural muitos individuos.» (3°) Deste modo, a critica de Marx descobre na analise que Feuerbach faz da religiao urn problema apresen- tado de modo incorrecto e falsamente solucionado. Neste campo, Feuer bach incorreu nos seguintes erros: nao transcende 0 circulo historico do materialism() sensualista e par isso nao e capaz de conceber a estreita ligaQao entre o homem e a natureza; concebe a realidade como objecto das percepQ6es, mas nao como actividade sensivel, pratica dos homens. «Nao ve - escreve Marx- que o mundo sensivel que o rodeia nao e algo dado a partir da eternidade, algo sempre identico, mas que e o produto {la industria e ( ' 0 ) Ibidem, p. 534. 44 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO do nivel social, e concretamente, no sentido de que e urn produto social, o resultado da actividade de toda urna serie de geraQ6es, cada uma das quais situada in- versamente em relaQao a precedente, e continua a de- senvolver a sua industria e comercio e modifica a sua ordem social segundo as necessidades variliveis.» (31 ) Inclusivamente os objectos da certeza sensivel mais simples, continua Marx, como, por exemplo, arvores, frutos, nao sao «natur eza simples, mas urn produto de determinadas relaQ6es socioeconomicas da agricul- tura, do comercio, etc.». Sem reconhecer que os homens transformam, desde ha seculos, a natureza e que em cada epoca se encontram com «a natureza historicamente configu- rada», FEmerbach faz especulaQ6es fantasticas acerca da chamada «unidade do homem com a natureza» , que concebe aparentemente de urn modo materia- lista, mas, no fundo, opera com conceitos idealistas e metafisicos, porque esta unidade e considerada como uma verdade especulativa descoberta pela fila- sofia, e esquece que urna verdadeira «unidade do homem com a natureza» ja existe ha seculos na forma de produQao humana, que se transforma e desenvolve. Dado que Feuerbach considera o homem sob o aspecto de uma natureza que nao se transforma e, independente dele, nao pode conceber que 0 hornell! sej!'L o seu proprio produto historico, o produto das relaQ6es que ele proprio criou, o resultado e ao mesmo tempo a causa de urna produQao determinada. Nao pode compreender que, dependentes da complexiza - Qao do trabalho, se compliquem tambem as relaQ6es reciprocas entre os homens, que a actividade humana que transforma o ambiente hurnano se torna assim mais rica e eficaz. Feuerbach concebe o homem de urn modo «naturalista», como urn produto acabado desde a origem e sempre identico, como lima «essen- ( 31 ) I bidem, p . 43. 45 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO cia humana» particular que esta ao lado de outros produtos da natureza e que se diferencia deles atra- ves da «Consciencia». Par isso, e-lhe possivel reco- nhecer-se como fragmento do genero humano, o que as feras nao sao capazes. Esta consciencia produz - na opinHio de Feuerbach - os homens, visto que produz 0 que e humano nos homens, 0 que constitui a sua «vida interior». Este modo de considerar o homem e, no entanto, uma concepQao idealista. E uma relaQao a margem das relaQoes sociais, da hist6ria e da actividade pratica social. A filosofia sensualista e mecanicista de Feuer- bach impede-a de conceituar correctamente o homem e a natureza; isto e, compreender a sua IigaQao atra- ves da luta e do trabalho, atraves da transformaQaO reciproca da hist6ria, que regista as etapas desta transformaQao. Feuerbach nao e capaz de ligar o ma- terialismo a hist6ria, porque nao concebe 0 papel da actividade humana. «Aquilo em que Feuerbach e ma- terialista nao aparece na hist6ria e, quando ele con- sidera a hist6ria, nao e materialista. Nele, o materia- lismo e a hist6ria divergem radicalmente.» (3 2 ) Os erros na concepQao do homem nao podem, na- turalmente, deixar de provocar consequencias no campo da filosofia pratica. Sea essencia humana e a consciencia, Feuerbach deve esforQar-se par compreender esta consciencia, purifica-la e aprofunda-la; resumindo, fazer uma re- forma da consciencia. Mas esta reforma da conscien- cia, a margem das condiQ6es de existencia e da acti- vidade revolucionaria que reformam estas condiQoes, e apenas uma reforma aparente e ficticia. Conduz o homem a representaQ6es de si proprio ainda mais falsas. A critica de Marx a Feuerbach tern uma grande importancia para a compreensao da teoria do homem, (") Ibidem, p. 45. 46 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.AO desenvolvida apartir do materialismo hist6rico. Feuerbach nao s6 e o objecto da critica de Marx em algumas teses, feitas de modo semelhante a critica do materialismo sensualista do Iluminismo na sua luta contra a filosofia de Hegel, mas tambem faz com que Marx se distancie de determinadas formas da critica a Hegel e exponha as concepQoes sabre o problema «da existencia consciente e real do homem». Alem disso, trata-se aqui de urn problema central que tern uma importancia extraordimiria tanto para a pedagogia de entao como para a actual (*). 5. Critica da pedagogia da «reforma da consciencia» A importancia da critica de Marx a filosofia p6s- -hegeliana e, principalmente, a critica a Feuerbach aparece claramente demonstrada no prefacio de A Ideologia Alema. Marx afirma ai que, ate agora, os homens fizeram representaQoes falsas de si pr6prios, quando julgam que os seus conceitos acerca das tarefas, valores e obrigaQoes marais criam tambem a sua vida real e as suas condiQoes de vida. Com esta concepQao tornaram-se escravos das suas pr6prias representaQoes. Os fil6sofos que revelaram estas ilusoes, prometiam realizar uma reforma dos homens atraves de uma reforma da sua consciencia. Substi- tuem velhas ilusoes por novas. Esta nova ilusao e uma ilusao tipicamente peda~ g6gica, porque o pedagogo esta predisposto a acre- ditar que se pode fazer automaticamente uma «melhoria da consciencia» e atraves dela conduzir a uma nova transformaQao do homem na sua tota- lidade e na totalidade das suas relaQoes com a realidade. E contra tais ilusoes da pedagogia que se dirige a hist6ria imaginaria contada por Marx com a agu- (*) Observac;6es do autor. Veja Apendice, •cap. VII, 6) . 47 TEORLA ~STA DA EDUCAQAO deza que lhe e caracteristica e que se tornou 0 simbolo da sua critica. «Urn hom em valente imaginou uma vez - escreve Marx- que os homens se afogam na agua apenas por possuirem a ideia da gravidade. Se arrancassem estas ideias da mente, explicando-as por uma ideia supersticiosa, religiosa, ver-se-iam livres de todo o perigo da agua. Durante toda a sua vida este homem combateu a ilusao da gravidade, cujas consequencias perigosas lhe eram constante- mente demonstradas pela estatistica que lhe dava novos e numerosos. exemplos.» (33 ) Apesar de o nao dizer, Marx op6e a esta peda- gogia «da reforma do pensamento da gravidade» a pedagogia da nata~ao como o unico metodo para a supera~ao real da lei da gravidade. Vamos tentar interpretar esta hist6ria: que teses fundamentais da pedagogia ataca Marx na sua cri- tica e que prop6e em oposi~ao a elas? Refuta as teses da autonomia da consciencia e do papel indepen- dente que esta consciencia aut6noma deve desem- penhar na forma~ao do homem. Feuerbach nao foi, evidentemente, nem 0 primeiro nem 0 unico pensador que defendeu estas teses. Elas eram o pensamento basico comum de muitas correntes pedag6gicas bur- guesas, mas constituiam principalmente a cren~a fundamental na epoca do Iluminismo. 0 programa educativo do Iluminismo delineava, em geral, o pro- grama de uma grande reforma da consciencia, o programa da purifica~ao da consciencia de supers- ti~6es e ilus6es. Por isso, a critica de Marx a Feuer- bach tern de ser compreendida como uma critica, que embora se realize em rela~ao aos escritos de Feuer- bach, tern urn campo de utiliza~ao incomparavelmente mais amplo. 0 proprio Marx reconheceu claramente que atraves da polemica com Feuerbach se colocava perante urn difundido tipo de fazer filosofia e urn metodo popular de influenciar OS homens. ( " ) Ibid!em, pp. 13 e seguintes. 48 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQ.A.O' Na luta contra o feudalismo, a burguesia destruiu os laQos tradicionais da ordem social feudal e for- mulou os principios educativos que se apoiavam no direito da natureza e da razao. 0 programa do ensino baseava-se na formaQiio e educaQiio da consciencia. 0 ensino burgues opunha ao ensino feudal, que adap- tava o caracter e o conteudo dos esforQos educativos ao ser social, ao «nivel» do aluno, a concepQiio de que o grau de educaQao que o individuo alcanQava podia e devia ser determinado pelo seu proprio progresso social. Mas esta convicQiio nao passava de uma frase que foi cada vez mais negada, no periodo de desen- volvimento do capitalismo, pela realidade socioeco- n6mica concreta. Por isso adoptou urn caracter idea- lista, mistificador. E a «educaQao da consciencia» comeQou a referir-se cada vez menos a forma real da existencia do homem para se converter em algo mais «aut6nomo», «espiritualizado» e ao mesmo tempo mais infrutuoso para a vida e para a sociedade. Assim, o principia da «educaQao da consciencia» foi urn principia progressista, revolucionario, como metodo de transformaQiio da vida na luta aa burguesia contra o feudalismo, mas, no posterior desenvolvimento hist6rico, na epoca do triunfo da burguesia, converteu-se, de modo cada vez mais acentuado, num principia ut6pico e reaccionario. A burguesia considerou 0 ambito e 0 caracter da cons- ciencia que se formou com o modo de produQiio capi- talista como «natural» e «racional» e, portanto, existente e obrigat6rio. Os conceitos, representaQ6es e principios assim criados deviam ser mantidos, transmitidos e aprofundados pela educaQao. A «re- forma da consciencia» tornou-se assim a configuraQiio desta consciencia segundo os principios da ordem burguesa. Em vez da luta original contra a supers- tiQiio, luta-se contra as novas concepQ6es que fazem com que as acQ6es da classe operaria avancem. Desde a «reforma da consciencia», que consiste :na purificaQao da consciencia dos preconceitos, ate 49 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQAO a «defesa da conscH~ncia» da burguesia, conserva-se a concepQao basica de que o labor educativo esta, antes de mais, relacionado com a consciencia. Pres- sup6e-se que a consciencia podia e devia desenvol- ver-se a margem das concretas relaQ6es de vida do individuo, do seu trabalho diario e da sua situaQao na produQao e na sociedade. Marx ataca este intelectualismo indicando que a consciencia nao deve ser considerada a base, mas sim o produto das condiQ6es da vida diaria do homem, do seu trabalho diario e da sua actividade. Uma reforma da consciencia nao acompanhada de uma reforma da vida social nao tera qualquer resultado. A eternizaQao de urn determinado tipo de consciencia e prejudicial e em muitos aspectos infrutuosa, se 0 desenvolvimento da vida real se processa noutra direcQao. Marx indicou com inusitada agudeza moral- -educativa as ilus6es prejudiciais segundo as quais 0 homem e 0 que ele representa de si proprio na sua conscH~ncia, e sera o que a conscH3ncia reformada pelo educador alcance. Mostra que «O homem e real- mente o que a conscH~ncia lhe indica», isto e, que o que e produzido pelo homem constitui o conteudo verdadeiro e concreto da sua «essencia». Mas quando «ideias, representaQ6es, consciencia», individuais ou colectivas, constituem «a voz da vida real», SO e eficaz a educaQaO que transforma 0 homem atraves da transformaQao das suas reais relaQ6es de vida e atraves da mudanQa de formas determinadas de produQao que afectam a ordem social. Os educa- dores convertem-se, pois, em aliados do proletariado que luta pela transformaQao revolucionaria das relaQ6es de classe existentes, em partidarios da «pratica revolucionaria», que os transforma a eles pr6prios de acordo com as condiQ6es de vida. A critica de Marx dirige-se, pois, contra as tesp.s fundamentais da pedagogia burguesa, contra as teses da autonomia da consciencia, que concede o direito de orientar a educaQao exclusivamente no sentido da 50 TEORIA MARXISTA DA EDUCAQA.O consciencia e que espera todos os exitos educativos desta influencia. Apoiada no principia pela autonomia da consciencia, a
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