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Narrativas Interativas Introdução à Narrativa Linguagem cinematográfica Em seu 120o aniversário, completado em 28 de dezembro de 2015, o cinema confirmou que, mesmo com todo aparato tecnológico da atualidade, a sala escura ainda exerce o mesmo encantamento de sua primeira exibição, realizada pelos irmãos Lumiére. O cinema é uma arte dotada de linguagem específica; linguagem esta que difere da literatura, do teatro, da televisão e da internet, e que foi diversificando-se ao longo do século XX. Segundo Martim Marcel: A imagem constitui o elemento de base da linguagem cinematográfica. Ela é a matéria-prima fílmica e, simultaneamente, uma realidade particularmente complexa. A sua gene é, com efeito, marcada por uma ambivalência profunda; é o produto da atividade automática de um aparelho técnico capaz de reproduzir exata e objetivamente a realidade que lhe é apresentada, mas ao mesmo tempo esta atividade é dirigida no sentido preciso desejado pelo realizador. A imagem assim obtida é um dado cuja existência se coloca simultaneamente em vários níveis da realidade, em virtude de um certo número de caracteres fundamentais. (MARCEL, 2003, p.27). Para compor a linguagem audiovisual, é necessário acrescer outras duas linguagens: sonora e verbal. As três linguagens conjugadas traduzem a linguagem cinematográfica. Jacques Aumont destaca que a expressão “linguagem cinematográfica” surgiu com os primeiros teóricos do cinema. O antagonismo entre cinema e linguagem verbal foi o centro do manifesto de Abel Gance, "A música da luz", onde Gance dizia que a linguagem das imagens, que nos reconduz à ideografia das escritas primitivas, ainda não estava determinada, pois nossos olhos não foram feitos para telas. Aumont expõe o pensamento do crítico Ricciotto Canudo: Multiplicando o sentido humano da expressão pela imagem, esse sentido que apenas a pintura e a escultura haviam conservado até nós, o cinema vai formar uma língua verdadeiramente universal de características ainda insuspeitadas. Para isso, é-lhe necessário reconduzir toda a "representação" da vida, isto é, a arte, para as fontes de qualquer emoção, procurando a própria vida em si mesma, pelo movimento. (...) Novo, jovem, tateando, procura suas vozes e suas palavras. E traz-nos, com toda nossa complexidade psicológica adquirida, à grande linguagem verdadeira, primordial, sintética, a linguagem visual, fora da análise dos sons. (Ricciotto Canudo, L'usine aux images, 1927 apud AUMONT, ANO, p 159). Narrativa linear- Narrativa não linear Qual o melhor jeito de contar uma história? Existe fórmula? Todo indivíduo ouve ou já ouviu uma história, conta ou já contou uma narrativa e, na maioria das vezes, mudou o foco, acrescentou outros elementos e buscou alguma dramaticidade. Uma vez que essa ideia do “faz de conta” entra em gestação, vem a pergunta: como contar? Vale a pena contar? Quais os limites e as potencialidades da trama? Com quem se comunica? Robert Mckee, exímio roteirista americano, analisa essa busca universal. Para Mckee “nosso apetite por estórias é um reflexo da necessidade aprofundada do ser humano em compreender os padrões do viver, não meramente como um exercício intelectual, mas como uma experiência pessoal e emocional.” (MCKEE, 2006, p.25). A narrativa é o que acontece na trama, a sequência de fatos e situações vivenciadas pelas ações das personagens. A narrativa, em sua sequência, pode ser linear ou não linear. A narrativa linear, a forma clássica de contar uma história, é aquela na qual as ações são apresentadas na ordem cronológica dos acontecimentos, seguindo começo, meio e fim. A narrativa não linear é apresentada por descontinuidade, não obedece à cronologia dos fatos da trama. Pode ter rupturas, cortes abruptos ou mesmo antecipações de cenas. Como exemplo, temos a trilogia de Alejandro González Iñarritu: Amores Perros, 21 gramas e Babel. Jacques Aumont fala sobre a narrativa no cinema: A princípio, a união de ambos não era evidente: nos primeiros tempos de sua existência, o cinema não se destinava a se tornar maciçamente narrativo. Poderia ser apenas um instrumento de investigação científica, um instrumento de reportagem ou de documentário, um prolongamento da pintura e até um simples divertimento efêmero de feira. Fora concebido como um meio de registro, que não tinha a vocação de contar histórias por procedimentos específicos. Se não era necessariamente uma vocação e se, portanto, o encontro do cinema e da narração conserva algo de fortuito, da ordem de um fato da civilização, havia algumas razões para esse encontro. Lembraremos especialmente de três, das quais as duas primeiras se devem à própria matéria da expressão cinematográfica: a imagem figurativa em movimento. (AUMONT, 1995, p. 89). E André Gardies completa: Desde há mais de um século que a maioria das pessoas vai às salas de cinema para seguir histórias. E pagam para isso. O cinema comercial deve essencialmente a sua fortuna, artística e econômica, ao domínio da arte de narrar. É lógico que, na esteira da semiologia, se tenha desenvolvido rapidamente uma abordagem narratológica. Tentar compreender como funcionava a linguagem cinematográfica encontrava frontalmente a outra interrogação, que consiste em compreender como o cinema narra, uma vez que os filmes em que se baseavam as análises eram maioritariamente narrativos. A dificuldade consistia antes em fazer uma distinção entre o que podia advir especificamente do acto de linguagem e o que pertencia especificamente ao acto de narrar. Tal situação era muito análoga à que os teóricos da literatura já conheciam. (GARDIES, 2007, p.75). Em relação aos games, Jeannie Novak elucida que “Os games não precisam adotar uma narrativa linear. Isso está vinculado à aparente liberdade de escolha atribuída aos jogadores, que podem seguir diferentes caminhos durante o jogo.” (KOVACK, 2011, p. 140). Storyline Storyline é o resumo da história principal, em que o roteirista precisa expressar com total clareza o fio condutor da trama. A construção e a objetividade da narrativa principal precisam ser descritas em uma Storyline, procurando não exceder cinco linhas. Tecnicamente há autores que defendem até dez linhas, mas isso não é comum de acontecer no mercado. Toda trama deve ter um único parágrafo, com tempo verbal no presente e economia de adjetivos, e englobar a apresentação, o desenvolvimento do conflito e a solução. Abaixo temos uma storyline do filme O outro lado da rua, de Marcos Berstein: “Para se refugiar da solidão, Regina, uma aposentada de 65 anos, sai à procura de pequenos delitos para denunciar à polícia. Uma noite, xeretando o prédio do outro lado da rua, ela presencia o que supõe ser um assassinato. Quando a polícia declara ter sido morte natural, Regina resolve provar que está certa e acaba se envolvendo com o suposto assassino, Camargo, numa relação tardia e cheia de contradições, em que os dois irão reavaliar suas vidas de um modo que nunca poderiam imaginar.” Pelo exposto anteriormente, fica bastante evidente que a preocupação é a trama, a história que se vai contar. É de fácil entendimento que aqui não temos figuras de linguagem, como hipérboles, paradoxos, cacofonias etc. Por outro lado, temos a excelência de uma escrita que se propõe sintetizar a storyline de um filme. Roteiro Escrever um roteiro é um trabalho de recortar palavras. Oito em cada dez roteiristas se defendem com essafrase. Afinal, são horas na frente da tela, tempo de pesquisa e ajustes, na busca de uma história bem contada e uma trama inteligente, para construção da carpintaria narrativa. Então, qual o mistério? Por que escrever um roteiro é sempre um desafio? O roteiro, antes de tudo, exige técnica e quase sempre é escrito para o audiovisual. Robert Mckee assinala que “da inspiração ao último tratamento, a escrita de um roteiro pode levar tanto tempo quanto um romance.” (MCKEE, 2006, p. 19). Antes de tudo, precisamos entender: o que é um roteiro? Syd Field, respeitado roteirista americano, apresenta sua definição: O que é um roteiro? Um guia, um projeto para um filme? Uma planta baixa ou diagrama? Uma série de imagens, cenas e sequências enfeixadas com diálogo e descrições, como uma penca de peras? O cenário de um sonho? Uma coleção de ideias? O que é um roteiro? Bem, não é um romance e certamente não é uma peça de teatro. Se você olha um romance e tenta definir sua natureza essencial, nota que a ação dramática, o enredo, geralmente acontece na mente do personagem principal. Privamos, entre outras coisas, de pensamentos, sentimentos, palavras, ações, memórias, sonhos, esperanças, ambições e opiniões do personagem. Se outros personagens entram na história, o enredo incorpora também seu ponto de vista, mas a ação sempre retorna ao personagem principal. Num romance, a ação acontece na mente do personagem, dentro do universo mental da ação dramática. Numa peça de teatro, a ação, ou enredo, ocorre no palco, sob o arco do proscênio, e a plateia torna-se a quarta parede, espreitando as vidas dos personagens. Eles falam sobre suas esperanças e sonhos, passado e planos futuros, discutem suas necessidades e desejos, medos e conflitos. Neste caso, a ação da peça ocorre na linguagem da ação dramática; que é falada, em palavras. (FIELD, 1982, p. 11) O roteiro originou-se das peças de teatro, diretamente dos clássicos gregos. Depois, desenvolveu-se em séculos de teatro no ocidente. Roteiro é um caminho não determinado, que pode sofrer diferentes mudanças. Ou seja, é também uma rota, indicando que a personagem sai de um lugar, passa por outras trilhas até alcançar seu objetivo. Todo roteiro deve ter um começo, meio e fim. Na teoria de Aristóteles (1984), baseada em sua análise da tragédia grega, isto significa que toda expressão dramática tem um período para se manifestar. Grande parte dos roteiristas segue a estrutura dramática tradicional, como herança do teatro grego. O roteiro não vai narrar uma trama, e sim mostrar o desenvolvimento da história, como a trama chega ao espectador. Luiz Carlos Maciel, em seu livro O poder do clímax, fala da função do roteirista: “o roteirista tem que indicar o que vai acontecer naquela cena, seu conteúdo, o que vai ser visto, mais do que como vai ser visto”. (MACIEL, 2003, p. 15). Não existe uma receita para contar uma história, cada trama é uma trama, cada narrativa exige um modelo a ser contado. Escrever, seja para cinema ou TV, exige arte, técnica e conhecimento. No Brasil ainda não existe nenhuma escola destinada à formação de roteiristas, embora o mercado seja cada vez mais amplo. Noventa por cento dos profissionais são autodidatas; essa falha na formação profissional é uma lacuna que sempre prejudica o resultado final. Para Syd Field “Um roteiro é uma estória contada em imagens, com diálogos e descrições, localizada dentro do contexto da estrutura dramática. Estrutura é o fundamento de todo roteiro – é a espinha, o esqueleto que ‘mantém’ tudo coeso.” (FIELD, 1982, p. 17). Escaleta A escaleta é a descrição da cena, com tudo o que ocorre nela, escrevendo o cabeçalho, indicando motivação, objetivo e o tamanho que a cena deve ter. Flávio Campos diz que: “a montagem de uma escaleta é como tudo num roteiro - é ditada pelas necessidades da narrativa, pela capacidade da produção e pela atenção do espectador.” (CAMPOS, 2007, p.312). A função da escaleta é guiar o roteiro, ou seja, um jeito de ajudar o roteirista a não se perder na história. Importante salientar que nem todos os roteiristas gostam de usar escaleta. Cada um tem sua forma de trabalhar, porém, em um trabalho de equipe, como a escrita para seriado ou para televisão, a construção da escaleta é fundamental. A novelista Glória Perez em diversas entrevistas afirma que não usa escaleta, pois gosta de se surpreender em cada cena. Já outros autores de televisão, como Sílvio de Abreu e Aguinaldo Silva, afirmam não abrirem mão da escaleta, por oferecer um domínio maior em cada capítulo. A jornada do herói A estrutura narrativa tradicional é mais conhecida de todos os leitores e criadores. Foi Aristóteles (1984) o primeiro pensador a elaborar a divisão narrativa em três atos com começo, meio e fim. Entretanto, outros pensadores ao longo do tempo foram criando outras fórmulas de estrutura narrativa que são apontadas como universais. A título de exemplificação, temos A jornada do Herói, de Joseph Campbell, e A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler, nosso objeto de estudo. Nas palavras de Vogler “a história de um herói é sempre uma jornada. Um herói sai de seu ambiente seguro e comum para se aventurar em um mundo hostil e estranho.” (VOGLER, 2006, p. 51). No diagrama de Vogler, cada ato possui clímax próprio, um início, meio e fim. O autor desenvolve vários pontos cruciais para que a direção do herói seja desviada, procurando estabelecer uma nova meta. Na linha de Vogler, todas as histórias consistem em alguns elementos estruturais comuns, encontrados universalmente em mitos, contos de fadas, sonhos e filmes. A estrutura da Jornada do Herói pode ser percebida pelo gráfico abaixo: Fonte: VOGLER, 2006. p. 50 Com base nos estudos de Vogler, vamos buscar entender a jornada de uma heroína criada por José Saramago em seu romance O Ensaio Sobre a Cegueira e posteriormente traduzida no roteiro de Don Mckellar, para o filme Blindness. Na jornada do herói proposta por Vogler, o primeiro passo é o “Mundo Comum”, onde o protagonista é apresentado em sua rotina. Segundo o estudioso, é necessário “mostrá-lo neste mundo comum para poder criar contraste nítido com o estranho mundo novo em que ele vai entrar.” (VOGLER, 2006, p. 54). No roteiro para o cinema de Don Mckellar, a personagem Mulher do Médico, que vai iniciar sua saga, aparece pela primeira vez na cena 20, na sala de jantar com o marido, em uma sequência cotidiana. CENA 20. SALA DE JANTAR/CASA DO MÉDICO. INT. NOITE O MÉDICO e sua esposa estão terminando a ceia. Ela fez um esforço de vestir-se para ocasião. MÉDICO Parecia ser um tipo de, como chamamos, amaurose. Tudo é Branco. Ele viu um tipo de escuridão branca. MULHER DO MÉDICO Como você sabe o que ele via? MÉDICO Bem, não exatamente. Temos que aceitar a palavra dele, mas isto poderia ser uma cegueira neurológica ou um tipo de cegueira “psíquica”. Existe uma condição que chamamos agnosia, que é uma incapacidade de reconhecer objetos familiares. MULHER DO MÉDICO Agnosia? MÉDICO Certo. A MULHER DO MÉDICO retira os pratos do jantar e leva- os à cozinha, onde a sobremesa está esperando: uma torta de chocolate e pera especialmente tentadora. Com certa cerimônia, ela e a torta se apresentam à mesa. O MÉDICO continua, ininterrupto. O segundo passo ao desafio começa pelo “Chamado à Aventura”. Algo insólito acontece. E uma vez confrontado não poderá mais permanecerem seu mundo, indiferente. A Mulher do Médico, ao descobrir que seu marido também foi infectado, não foge. Isso ocorre entre as sequências 34 e 36 do roteiro de Mckellar.1 Vogler define que: “o Chamado à Aventura estabelece o objetivo do jogo, e deixa claro qual o objetivo do herói.” (VOGLER, 2006, p. 55) CENA 34. QUARTO DO CASAL. INT. MANHÃ A MULHER DO MÉDICO acorda. O marido está onde deveria estar ao seu lado na cama. Ela lhe dá um beijo gentil, levanta-se e procura o roupão. CLOSE: no médico. A respiração e os músculos faciais tensos dão uma pista de que ele pode estar fingindo dormir. Depois de um tempo, com cautela, as pálpebras se abrem, mas o MÉDICO permanece sem movimento enquanto a mulher deixa o quarto. CENA 35. COZINHA DO MÉDICO. INT. MANHÃ Ainda quase adormecida, a MULHER DO MÉDICO briga com a cafeteira. CENA 36. QUARTO/BANHEIRO DO MÉDICO. INT. MANHÃ A MULHER DO MÉDICO acena com a cabeça, sem entusiasmo, seu estado de ânimo é ilegível. Sentindo que algo está errado, sua mulher aproxima-se, hesitante, e deixa o café na bancada, sorrindo. MULHER DO MÉDICO (CONT.) Bom dia. 1 MCKELLAR, 2010 MÉDICO Eu duvido. Duvido que seja tão bom. MULHER DO MÉDICO - (com verdadeira preocupação) O quê? O que você quer dizer? MÉDICO Não consigo ver. Devo ter sido infectado pelo paciente que eu examinei ontem. MULHER DO MÉDICO Isto é impossível. Deixe-me olhar. Ela o vira e o olha nos olhos. MULHER DO MÉDICO (CONT.) Não vejo... nada. Nada. Ninguém fica cego assim. MÉDICO Agora existem pelo menos dois. MULHER DO MÉDICO O que fazemos? Diga-me o que... Súbita e quase violentamente, o MÉDICO empurra a esposa e recua para dentro do chuveiro, dando solavancos e golpes como um animal capturado. Fundamental esclarecer que o roteirista jamais deve colocar qualquer indicação para direção ao que diz respeito à cena, exceto, caso a informação seja muito importante para esclarecimento da mesma. Na sequência anterior apareceu a indicação de um close. Nesse momento específico da narrativa é crucial evidenciar ao telespectador o dilema que o personagem irá enfrentar dali para frente. É o diretor quem decide o melhor meio para obter os significados imagéticos. O terceiro passo é a “Recusa do Chamado (o herói relutante)”. Nesta fase, o herói pode oscilar e não querer se envolver. Isso aparece no roteiro na cena 41, quando a Mulher do Médico hesita se deve ou não o levar para o hospício.2 É o horror ao desconhecido. Vogler acrescenta “é necessário que surja alguma outra influência para que vença essa encruzilhada do medo, uma mudança nas circunstâncias, uma nova ofensa à ordem natural das coisas.” (VOGLER, 2006, p. 56). CENA 41. QUARTO/CASADOMÉDICO. INT. DIA O MÉDICO está sentado na cama. Uma mala grande está aberta numa cadeira. A MULHER DO MÉDICO está arrumando-a com as roupas dele. MULHER DO MÉDICO Estou enfiando algumas meias extras com seus artigos de higiene. No bolso lateral. MÉDICO Ótimo. MULHER DO MÉDICO O lado esquerdo. MÉDICO O que você quiser. Eu não me importo. MULHER DO MÉDICO 2 MCKELLAR, 2010 Eu quero que você saiba onde está tudo. MÉDICO Eu encontrarei. É só uma mala. Isto não é um cruzeiro no sul do Pacífico. MULHER DO MÉDICO É por isso que você precisa relaxar. Eu trato com eles quando chegarem. MULHER DO MÉDICO (CONT.) Eu levo isto até a porta. MÉDICO (sentando-se na cama) Eu faço isso. Não sou um inválido. O interfone toca. O zumbido eletrônico é como uma faca no coração do MÉDICO e da esposa. Ambos congelam. A MULHER DO MÉDICO finalmente se recompõe e vai até a cozinha, onde está o receptor de vídeo do interfone. Do fundo do corredor, podemos ouvi-la dirigindo-se aos policiais na portaria. Na sequência de cena 44, o noticiário na TV aparece reforçando a informação de que a epidemia se alastrou. 3 CENA 44. TRANSMISSÃO DO NOTICIÁRIO. INT CLOSE: no monitor de uma TV. Ao que tudo indica, está passando um programa medíocre de canal a cabo. Um PORTA-VOZ lê um papel em sua mesa comum. De forma inapropriada, o homem 3 MCKELLAR, 2010 parece ter sido escolhido por sua voz agradável e suas maneiras simpáticas. PORTA-VOZ - (lendo) Atenção. Atenção. Atenção. O governo lamenta ter que ser forçado a exercer, com toda urgência, o que considera ser seu dever legal de proteger a população por todos os meios possíveis. Estamos em um estado de crise. Uma epidemia de cegueira vem se alastrando, provisoriamente conhecida como a “Doença Branca” e estamos contando com o espírito público e cooperação de todos os cidadãos para barrar qualquer contágio futuro... O quarto passo da jornada vem pelo “Mentor”, um dos temas mais comuns na mitologia grega, como salienta Vogler (2006). Para ele, “a função de um Mentor é preparar o herói para enfrentar o desconhecido.” (VOGLER, 2006, p.57). No romance de José Saramago, assim como no roteiro de Don Mckellar, o Mentor aparece no personagem Médico. É com ele que a protagonista recebe seu primeiro empurrão rumo à jornada e é com o mesmo que ela divaga seus dilemas. Já no quinto passo, temos a “Travessia do Primeiro Limiar.” É o momento em que a personagem entra plenamente no Mundo Especial. No roteiro, ocorre na cena 45, quando a Mulher do Médico chega ao Hospício. Vogler reforça que “O primeiro Limiar marca a passagem do primeiro para o segundo ato. Tendo dominado o seu medo, o herói resolveu enfrentar o problema e partir para ação. Acaba de partir em sua jornada, e não pode mais voltar atrás.” (VOGLER, 2006, p. 58). No roteiro de Mckellar isso é bem evidente. A partir da cena 45 até a cena 49, fica comprovada a entrega dessa personagem ao mundo desconhecido.4 4 MCKELLAR, 2010 CENA 45. HOSPÍCIO. INT. DIA Enquanto o anúncio continua, vemos a MULHER DO MÉDICO explorar os novos arredores. Ela vagueia de um cômodo a outro: os Dormitórios, os Lavatórios, o Refeitório, a Cozinha, o Saguão de Entrada. Na cozinha, ela verifica a água, que esguicha da pia com uma cor marrom insalubre. O prédio, um hospício abandonado, não está no melhor estado de conservação. Figuras antiquadas, supostamente alegres de flores e arco-íris não contribuem muito para dar vida aos sombrios corredores institucionais, com iluminação opressora. Cada sala em que a MULHER DO MÉDICO entra foi equipada com um monitor para divulgar a mensagem monótona. PORTA VOZ ...A decisão de pôr em quarentena temporariamente todos os infectados e, em aposentos adjacentes, mas separados todos os que tiveram contato com os infectados, não foi tomada sem uma cautelosa consideração. Esteja seguro de que o isolamento em que vocês agora se encontram representa, acima de qualquer consideração pessoal, um ato de solidariedade para com a nação... O sexto passo é a oportunidade de o herói aprender as regras do Mundo Especial. São “Testes, Aliados e Inimigos”. As cenas 46 e 47 do roteiro apresentam novos personagens que atuarão ao lado da Mulherdo Médico no decorrer da jornada. São eles o Ladrão e a Garota de Óculos Escuros.5 5MCKELLAR,2010 CENA 46. PÁTIO DO HOSPITAL. EXT. DIA Uma VAN com RECÉM-CHEGADOS para em frente ao portão frontal. CENA 47. DORMITÓRIO. INT. DIA Mais quatro internos chegaram: o GAROTO ESTRÁBICO, a GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS, O LADRÃO de carros e o PRIMEIRO HOMEM CEGO. Cada um se senta em sua cama escolhida e é ouvido (em off). GAROTO ESTRÁBICO Quatro. GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS Cinco. O LADRÃO Oito, certo. PRIMEIRO HOMEM CEGO Dez. MULHER DO MÉDICO Em qual lado? PRIMEIRO HOMEM CEGO O lado esquerdo. O esquerdo. MÉDICO Ótimo. Agora, se cada um puder lembrar suas camas, já é um bom começo. Uma coisa da qual podemos ter certeza é de que estamos sozinhos aqui e que precisamos nos organizar porque não vai demorar para esta ala estar lotada de gente. Esta e as outras. GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS As outras o quê? MÉDICO As outras alas. Existem mais duas alas. E mais uma do outro lado para os que tiveram contato, mas que ainda não ficaram cegos. GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS Como você sabe disso? A MULHER DO MÉDICO aperta o braço do marido para evitar que ele fale. O sétimo passo é a “Aproximação da Caverna Oculta”. Vogler nos diz: “finalmente, o herói chega à fronteira de um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e profundo, onde está escondido o objeto de sua busca.” (VOGLER, 2006, p. 60). O roteiro evidencia a sequência por volta da cena 60 e reforça na cena 65, quando chegam os novos internos no hospital. A cena 67 aumenta essa tensão.6 CENA 65. DORMITÓRIO 1. INT. NOITE Os sons aterrorizantes dos recém-chegados fizeram com que todo mundo corresse de volta para a segurança de suas próprias camas. O MÉDICO e a MULHER DO MÉDICO se juntam. 6 MCKELLAR, 2010 MÉDICO Espere aí. Aí vêm eles. MULHER DO MÉDICO Isto é impossível. Já temos demais... O MÉDICO pega a mão dela. CENA 66. SAGUÃO DO HOSPITAL. EXT. NOITE Um HOMEM IDOSO CEGO cai portas adentro. A multidão em pânico tropeça sobre ele. Outro homem cai. PORTA VOZ (V.O.) ...Número doze: qualquer um que tente deixar as dependências será corrigido à força. Obrigado por sua atenção. Obrigado por cumprir seu dever pelo bem da nação... CENA 67. ALA CONTAMINADA DO HOSPITAL. INT. NOITE RECÉM–CHEGADOS arranham as janelas de vidro e as portas. Os residentes da ala ainda com visão - entre eles o BARMAN - não cabem em si de tanto medo. PACIENTE CONTAMINADO Meu deus, parem com isso! Montem barricadas nas portas! TIROS são ouvidos, vindos do pátio. O oitavo passo é “A Provação”, onde tudo fica indefinido para o herói. Sua vida está em jogo e a sorte no ar. Para Vogler, o herói “enfrenta a possibilidade da morte e é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil.” (VOGLER, 2006, p. 60). No roteiro, a sequência se inicia na cena 94, quando o Rei da Ala 3, assume o seu posto e vai até a sequência 128, quando o mesmo e seus comparsas resolvem atacar as demais alas e termina assassinado pela Mulher do Médico.7 Na visão de Vogler, todo herói precisa se confrontar com o perigo mortal e vivenciar essa experiência de vida-morte. Abaixo, uma das cenas mais impactantes adaptada ao filme. CENA. 114. CORREDOR DO HOSPITAL. INT. DIA Ela anda pelo corredor com a tesoura nas mãos. CENA 115. DORMITÓRIO 3. INT. DIA Chega à porta e olha fixamente para o espetáculo obsceno. Prepara-se para agir. Tranquila, mas com determinação, ela entra e atravessa a ala. Mulheres estão sendo estupradas por todos os lados, os sons em si são profundamente perturbadores, mas a MULHER DO MÉDICO não para para olhar. Mantém o olhar no seu alvo: o rei da ala 3. O CONTADOR está puxando uma mulher para sua cama e quando a MULHER DO MÉDICO passa, ele para um instante, os passos dela têm uma confiança e clareza fora do comum. O REI DA ALA 3 está sentado numa cadeira com uma mulher (a EMISSÁRIA DA ALA 2) entre as pernas. Quando ela está a ponto de atacar, os olhos do homem se abrem. A MULHER DO MÉDICO vem por trás dele e ergue a tesoura. A MULHER DO MÉDICO enfia a tesoura na garganta dele e puxa para trás, arrastando o homem e a cadeira por três metros pelo chão. A mulher traumatizada que estava servindo ao homem começa a gritar, mas é silenciada por uma mão cobrindo-lhe a boca. MULHER DO MÉDICO - (Cochichando no ouvido dela) Não diga uma palavra. 7 Id. O CONTADOR, enquanto isso, encontrou o corpo do Rei. Ele procura a arma do homem. A MULHER DO MÉDICO conduz a mulher traumatizada até a porta. Fernando Meirelles, no diário de “Blindness”, relata como foi gravar essa cena. O diretor conta que precisou pular uma etapa no roteiro de gravação, o que deixou Julianne Moore apreensiva. 8 A Julianne Moore ficou arrasada ao saber que teria que filmar primeiro a cena em que ela vem pelo corredor aos prantos depois de presenciar o estupro de 12 mulheres e matar dois dos estupradores. Difícil acertar o tom sem ter passado por estas cenas antes. Mas não tinha jeito. Era isso ou ficarmos parados, pois nem o Gael Bernal e nem o Danny Glover haviam chegado. Estávamos sem ter o que filmar, então fomos em frente. O microfone de lapela da Julianne já estava ligado, pude ouvir pelo headphone que, lá do outro lado do corredor, sozinha, ela se preparava respirando fortemente. Enquanto isso, preparávamos nosso lado: luz, câmera, figuração. Então ela começou a chorar e depois a chorar convulsivamente, até que um assistente entrou correndo onde estávamos e anunciou: “A Julie está pronta e pede para rodarmos já”. Nós não estávamos prontos, mas nesta hora não interessa se a mesa não está posta ou se o vinho não foi aberto. Tem que rodar. E rodamos. Sabia que se ficasse cozinhando essa cena por mais 5 minutos alguma coisa se perderia para sempre. Rodamos então a segunda tomada. Uma terceira e uma quarta. Tudo na apneia, sem respirar entre uma e outra. Maquiadoras, operador de boom, assistentes, foquistas, todos desesperados para dar seus retoques após cada tomada, mas fui segurando o batalhão. Então alguma coisa cedeu. 8BLINDNESS. Disponível em: https://www.blogdeblindness.blogspot.com.br/search?updated- max=2007-10-18T13:01:00-07:00&max-results=7. Acesso em: 08/01/2016. O nono passo é a “Recompensa”, pois o herói fez jus ao título por ter corrido riscos em prol de um bem maior. Na sequência 124 a 130 a Mulher do Médico escapa e guia as outras mulheres. 9 CENA 129. FORA DOS PORTÕES. EXT. DIA Amanhece. O GRUPO está reunido na rua. A MULHER DO MÉDICO é a primeira a se agitar. Ela olha em volta para seus companheiros imundos, famintos e quase nus. A GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS é a próxima a se despertar. Ela estica o braço, toca nos corpos quentes dormindo à sua volta. Ela toca na MULHER DO MÉDICO e sorri, lembrando onde está. MULHER DO MÉDICO - (Sussurrando) Temos que conseguir comida. E abrigo. A GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS concorda com a cabeça e sussurrade volta. GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS Em algum lugar longe daqui. O décimo passo: “caminho de Volta”. Vogler explica: “essa fase marca a decisão de voltar ao Mundo Comum. O herói compreende que, em algum momento, vai ter que deixar para trás o Mundo Especial, e que ainda há perigos, tentações e testes à sua frente.” (VOGLER, 2006, p. 64). 10 CENA 130. RUA. EXT. DIA De mãos dadas, o GRUPO caminha pela rua, entrando nesse mundo novo e estranho. As ruas estão vazias e silenciosas, a não ser por um pedestre cego ocasional, 9 MCKELLAR, 2010 10 VOGLER, 2006. p.64 correndo precipitado como uma criatura submarina. Há lixo espalhado por toda parte. Uma mulher exausta se agacha na calçada para urinar. Carros abandonados no meio da rua servem de abrigos para transeuntes. Dois homens idosos dormem abraçados em um sedan sem porta, sem perceber que o sol já nasceu. A MULHER DO MÉDICO está abismada com a dimensão do que vê. Parece que a sociedade foi apagada e uma nova raça de homens está evoluindo diante de seus olhos: os cegos. Ela é uma relíquia do passado. O décimo primeiro passo é a “Ressureição”. Vogler reforça que “a força do destino oferece uma série mais complexa de testes finais, e o herói enfrenta a morte de variadas maneiras.” (VOGLER, 2006, p. 65). O roteiro de Mckellar evidencia as sequências 135 e 136, quando a Mulher do Médico está no açougue e é atacada.11 CENA 135. PORÃO DO AÇOUGUE. INT. DIA Subitamente, a MULHER DO MÉDICO é acometida pelo medo. Agachada, ela avança, tateando em busca de algo, qualquer coisa. Não vê nada. Está um escuro impenetrável. Preto. Ela bate em algo de metal, uma prateleira? Ela se arrasta para a frente, com as mãos ao logo do metal, garrafas tilintando, caixas, latas. Barulho de algo que cai no chão e se despedaça. Um farfalhar. Um palito de fósforo é riscado iluminando o porão: a MULHER DO MÉDICO está numa sala de armazenamento cheia de tesouros: compotas, salsichas, enlatados. Uma salsicha em particular parece tão atraente que ela tem que quebrá-la para abrir e comer um pouco ali mesmo. Com uma força recuperada, ela pega algumas sacolas de plástico do chão e começa a enchê-las com os produtos. E novamente a heroína é testada. CENA 136. AÇOUGUE. INT. DIA 11 MCKELLAR, 2010 A MULHER DO MÉDICO agora está carregando várias sacolas recheadas de suprimentos. Suavemente, ela fecha a porta. VELHO DA VENDA PRETA (V.O) “O que eu devo fazer? – Ela perguntava a si mesma. Eu poderia gritar: “tem comida no porão”. Aproveitem ao máximo. Deixamos a porta aberta.” E ela poderia ter feito isso, mas não disse nada. Neste momento, uma figura entra no corredor estreito. FAMINTO O que você tem aí? O que você está comendo? Tem cheiro de carne. Ele agarra a MULHER DO MÉDICO. Ela o empurra e o joga para dentro da loja. A comoção já alertou a todos na loja para o fato de que há uma estranha no meio deles, carregando comida. Eles dão estocadas nela, cegamente. A MULHER DO MÉDICO é forçada a lutar para passar por eles até a porta. Ela empurra vários ao chão e solta os dedos deles, com dificuldade, quando eles agarram as roupas dela, gemendo de dor, ganindo de desespero. Ela está quase à porta quando um faminto agressivo entra no caminho dela. “Dê para mim, dê para mim”. Ele agarra o pulso dela e joga-a no chão. O resto da HORDA se aproxima, vinda de todos os cantos. Subitamente, o MÉDICO entra e empurra o homem para o lado. MÉDICO Deixe-a sozinha! Meu bem, me dê a mão. Mas o resto dos devoradores ainda está chegando. Um particularmente agressivo agarra as sacolas de comida e arranca uma da MUHER DO MÉDICO. Ela se espalha no chão e imediatamente os devoradores atacam-na como chacais. Os conteúdos são espalhados como vísceras, revolvidos e dilacerados. A distração é suficiente para permitir que o MÉDICO ajude a esposa a sair. Ela agarra as sacolas restantes contra o peito. O décimo segundo e último passo é o “Retorno com o Elixir”. Para Vogler “o herói retorna ao Mundo Comum, mas a jornada não tem sentido se ele não trouxer de volta um Elixir, tesouro ou lição do Mundo Especial.” (VOGLER, 2006, p. 66). Os valores da jornada do herói é que são importantes, sentenciou o pesquisador (2006), afinal, o herói volta transformado na jornada. O retorno ao Mundo Comum ocorre na sequência 143, quando todos retornam para casa do Médico e estão salvos. 12 CENA 137. AÇOUGUE/RUA. EXT. DIA Pela primeira vez desde que surgiu a Praga Branca, o MÉDICO está conduzindo a esposa. O episódio na despensa mexeu seriamente com ela, que está resfolegando, suas pernas estão tremendo. Mas ela continua a caminhar penosa, quase correndo, ansiosa para encontrar um local de refúgio. Sem o braço do marido em seu ombro, sem dúvida ela cairia. Enfim, ela cai na calçada, com as sacolas de comida aos seus pés. O MÉDICO se abaixa para consolá-la. MÉDICO Tudo bem, está tudo bem. Você está salva agora. Ambos estamos. Agora, fique aqui, só vou voltar para pegar as roupas enquanto ainda me lembro onde estão. A MULHER DO MÉDICO acena com a cabeça. MULHER DO MÉDICO 12 MCKELLAR, 2010 OK. Vá. Ele vai. Sozinha agora, a MULHER DO MÉDICO olha em volta para se orientar. A cidade está imunda e já parece estar se decompondo. À esquerda, dois cachorros sarnentos estão brigando numa pilha de lixo. Ou será que é um cadáver? A MULHER DO MÉDICO começa a chorar. Começa a chover. As gotas de chuva se misturam às suas lágrimas. Um dos cães brigando avista a MULHER DO MÉDICO. Talvez a visão da mulher chateada reavive alguma memória de contentamento doméstico no animal, alguma compaixão pela humanidade. De qualquer forma, humildemente, com a cabeça abaixada, o CÃO DAS LÁGRIMAS avança furtivamente para a mulher e oferece a cabeça para um cafuné. A MULHER DO MÉDICO aceita a oferta. Ela dá um abraço no cachorro. O cachorro, em troca, lambe as lágrimas do rosto dela. MÉDICO Dê-me sua mão. Está começando a chover. O MÉDICO voltou com as roupas. Sua mão é oferecida à esposa. Em outra sequência do roteiro, temos A MULHER DO MÉDICO, celebrando o retorno para casa.13 CENA 150. QUARTO DO CASAL. INT. NOITE O MÉDICO e sua esposa fazem amor em sua própria cama. Sua paixão é íntima e humana. O MÉDICO rola para o canto, com o rosto molhado de suor ou lágrimas. Sua esposa percorre com a mão o peito e o pescoço dele. MÉDICO 13 MCKELLAR, 2010 Às vezes, quando fazíamos amor, eu fantasiava sobre outras mulheres. A MULHER DO MÉDICO interrompe a carícia. MULHER DO MÉDICO Ah. MÉDICO Mas agora, quando eu fantasio, quando penso numa mulher... eu vejo seu rosto. Apenas o seu rosto. A MULHER DO MÉDICO está comovida. Ela se aproxima mais do marido. Jeannie Novak chama atenção para a diferença na construção narrativa dos games. Segundo Novak “em um game, todo o tempo do mundo está disponível para introdução de tramas paralelas, surpresas, reviravoltas e outros truques que ajudam a criar tanto a ilusão de liberdade para o jogador como a aparência de um mundo mais realista que oferece experiênciaslimitadas.” (NOVAK, 2011, p. 126). Outro fato a ser levado em consideração é que os jogadores também têm a opção de escolher diferentes caminhos em um game e isso enriquece mais a experiência com o mesmo. Arquétipos; Foi Carl Gustav Jung que, em 1919, apresentou o conceito de arquétipo. O psicanalista suíço usou o termo para falar de antigos padrões de personalidade que são uma herança compartilhada por toda raça humana. Segundo Jung, pode existir um inconsciente coletivo que seja semelhante ao inconsciente individual. Para o psicanalista há tipos recorrentes de personagens e suas relações, tais como: herói que parte em busca de alguma coisa, arautos que os chamam à aventura. Jung (2002) apontou que os contos de fadas e os mitos seriam como o sonho de uma cultura inteira. Essa visão constitui a base da nossa conexão com certos tipos de personagens universais. Como esclarece Jeannie Novak, “esses arquétipos são usados em todos os meios de entretenimento para reforçar a conexão do público com a história.” (NOVAK, 2011, p. 157) Com o desenvolvimento da narrativa o conceito de arquétipo passou a ser utilizado na construção das personagens. Vogler pontua “Se você descobrir qual a função do arquétipo que um determinado personagem está expressando, isso pode lhe ajudar a determinar se o personagem está jogando todo o seu peso na história.” (VOGLER, 2006, p. 70). Os arquétipos mais comuns. Quadro do arquétipo. VOGLER, 2006, p. 72 Não é possível escrever uma trama sem arquétipos. Os próprios contos de fadas apresentam figuras arquetípicas como: o lobo, o caçador, a bruxa etc. Os mais conhecidos são: Herói É sempre o protagonista da história. Pode ser homem ou mulher, adulto ou criança. É aquele personagem por quem o público vai torcer, com quem vai se identificar e acima de tudo será um personagem em busca de um bem maior, pois vai se sacrificar em benefício dos outros. Esse arquétipo deve ter qualidades universais. Vogler destaca que há dois tipos de heróis: 1. Os decididos, ativos, loucos por aventuras, que não têm dúvidas, do tipo sempre-em-frente, automotivados. 2. Os pouco dispostos, cheios de dúvidas e hesitações, passivos, que precisam ser motivados ou empurrados por forças externas para se lançarem numa aventura. Os dois tipos são capazes de garantir histórias muito divertidas, embora um herói mais passivo no decorrer de toda a narrativa possa ser responsável por uma experiência dramática sem muito envolvimento. Geralmente, é melhor que um Herói pouco disposto mude em algum ponto da história, e se torne ligado à aventura depois que lhe é fornecida alguma motivação necessária. (VOGLER, 2006, p. 83). Mentor: Velha ou Velho Sábio Esse arquétipo, de maneira geral, é uma figura positiva e que sempre surge nas histórias para ajudar o herói. Para Vogler (2006), esses arquétipos se expressam em todos aqueles personagens que ensinam e protegem os heróis e lhes dão certos dons. Ensinar ou treinar é uma característica do Mentor. Ainda segundo Vogler: Os mentores fornecem aos heróis motivação, inspiração, orientação, treinamento e presentes para a jornada. Todo herói é guiado por alguma coisa, e uma história que não reconheça isso e não deixe um espaço para essa energia estará incompleta. Quer se exprima como um personagem concreto ou como um código de conduta interno, o arquétipo do Mentor é uma arma poderosa nas mãos do escritor. (VOGLER, 2006, p. 101). Guardião de Limiar Ao longo da narrativa todos os heróis enfrentam obstáculos. A função dramática do Guardião de Limiar é testar o herói. Vogler destaca que: “Uma das maneiras mais eficazes de lidar com um Guardião de Limiar é “entrar na pele” dele, assim, como um caçador procura entrar na mente de um animal perseguido. Os índios das planícies usavam peles de búfalo para se aproximar da manada de bisões numa distância que lhes permitisse atirar com o arco. O herói pode conseguir ultrapassar um Guardião de Limiar penetrando no seu espirito ou adquirindo sua aparência. Um bom exemplo ocorre no segundo ato de O mágico de oz, quando o homem de Lata, o Leão Medroso e o Espantalho vão ao castelo da Bruxa salvar Dorothy, que fora raptada. A situação parece sem esperanças: Dorothy está dentro de um castelo fortificado, defendido por um regimento de soldados de aspecto ameaçador que marcham de um lado para o outro, cantando. Não há possibilidade de que os três amigos consigam derrotar uma força dessas. Contudo, nossos heróis são emboscados por três sentinelas e, no entanto, os derrotam e se apossam dos uniformes e armas. Disfarçados de soldados, juntam-se ao final de uma coluna em marcha, e assim entram no castelo. Transformaram um ataque em uma vantagem. (VOGLER, 2006, p. 105) Arauto Assim como os arautos da cavalaria medieval, este arquétipo surge na narrativa, lançando desafios ou anunciando uma mudança. Vogler completa: O arauto pode entrar em cena em praticamente qualquer ponto da história, mas é empregado com frequência no primeiro ato, para ajudar a impelir o herói à aventura. Seja um chamado interior, um desenvolvimento externo ou um personagem com notícias de mudanças, a energia do Arauto é necessária em quase toda história. (VOGLER, 2006, p. 113) Camaleão Este arquétipo tem a função na narrativa de funcionar como uma máscara. Nada é o que aparece ser. Para Vogler, o Camaleão: É um dos arquétipos mais flexíveis e serve a uma variedade protética de funções nas histórias modernas. É encontrado, geralmente, nas relações entre homem e mulher, mas pode ser muito útil também em outras situações, quando se deseja retratar personagens cuja aparência ou comportamento se alteram para satisfazer às necessidades da história. (VOGLER, 2006, p. 121) Sombra Este arquétipo representa a face escura do personagem. O lado dark, obscuro. Vogler explica: A face negativa da Sombra, nas histórias, projeta-se em personagens chamados de vilões, antagonistas ou inimigos. Os vilões e inimigos, geralmente, dedicam-se à morte, à destruição ou à derrota do herói. Os antagonistas podem não ser tão hostis - podem ser aliados que têm o mesmo objetivo, mas discordam do herói quanto à tática. (VOGLER, 2006, p. 123) Pícaro É um arquétipo muito popular no folclore e nos contos de fadas. Surgem em geral, como palhaços ou manifestações cômicas na narrativa. Vogler (2006) elucida que os pícaros cumprem várias funções psicológicas importantes, pois podam os egos grandes demais e ainda trazem heróis e plateias para a realidade. Para Vogler: Os heróis da comédia, de Carlitos aos irmãos Marx, são pícaros que subvertem o status quo e nos fazem rir de nós mesmos. Os heróis de outros gêneros, muitas vezes, têm que usar a máscara do Pícaro para enganar uma Sombra ou passar por um Guardião de Limiar. (VOGLER, 2006, p. 133). Narrativa nas Mídias Interativas Design Narrativo para Artefatos Digitais Para Henri Jenkins, uma história transmídia: Desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor - a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos, seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração em um parque de diversões. (JENKINS, 2009, p. 138). Na visão de Jenkins, uma obra transmidiática abre um espaço para ser preenchidopelo público no vazio da narrativa. O design narrativo busca ampliar a história aplicando a qualquer mídia, reconfigurando seu objeto de uso para interação. Os artefatos digitais como tablets, smartphones, apps, e e-books funcionam como artefato interativo e midiático, trazendo como características lúdicas o design de games. Enquanto a narrativa clássica da literatura propõe ao leitor criar seu mundo imaginário, os artefatos digitais apresentam mundos construídos e suas possibilidades de interação e recriação. Na concepção dos elementos narrativos nos games, Jeannie Novak afirma que “existem vários elementos narrativos que são específicos dos games, muitos dos quais diferem dos elementos narrativos tradicionais. Esses elementos incluem a interatividade, a não linearidade, o controle pelo jogador, a colaboração e a imersão.” (NOVAK, 2011, p. 139) A narrativa visual nos jogos bidimensionais e tridimensionais Os jogos bidimensionais (2D) são aqueles nos quais não podemos mover a câmera em movimentos circulares, ao passo que nos jogos tridimensionais (3D) podemos movê-la e assim observar todas as dimensões de um objeto tridimensional. Como exemplo de game 2D, temos a franquia Mario e Mortal Kombat. O pesquisador Gabriel Cavalcanti define as diferenças entre os jogos. Nos bidimensionais “a personagem pode se movimentar apenas em dois sentidos, para frente e para trás e possui apenas visão lateral.” (CAVALCANTI, 2015, p. 24). Já os jogos tridimensionais, “são aqueles nos quais podemos nos movimentar no jogo em todas as direções, não só apenas para frente e para trás e podemos ver o objeto nos três eixos X, Y e Z, ou seja, em suas três dimensões, por isso objetos tridimensionais.” (CAVALCANTI, 2015, p. 24) O cinema tem uma linguagem própria; o advento das novas tecnologias trouxe uma vasta ampliação na forma de contar uma história e os jogos bidimensionais surgem incorporando essa linguagem. Em sua obra Design de Games: Uma abordagem Prática, Paul Schuytema apresenta todas as etapas de desenvolvimento de um jogo digital, da pré-produção a pós-produção. Schutema é quem define o que é o jogo digital: Um game é uma atividade lúdica composta por uma série de ações e decisões, limitado por regras e pelo universo do game, que resultam em uma condição final. As regras e o universo do game são apresentados por meios eletrônicos e controlados por um programa digital. As regras e o universo dos games existem para proporcionar uma estrutura e um contexto para as ações de um jogador. As regras também existem para criar situações interessantes com o objetivo de desafiar e se contrapor ao jogador. As ações do jogador, suas decisões, escolhas e oportunidades, na verdade, sua jornada, tudo isso compõem a “alma do game”. A riqueza do contexto, o desafio, a emoção, e a diversão da jornada de um jogador, e não simplesmente a obtenção da condição final, é que determinam o sucesso do game. (SCHUYTEMA, 2008, p. 7) A interatividade no cinema e nos jogos eletrônicos Nas últimas décadas, o espaço de interação com o cinema se ampliou. Se hoje debatemos e falamos sobre a participação ativa do telespectador, é preciso ressaltar que esses avanços seguiram por caminhos bem trilhados pelos seus realizadores. Jenkins diz que os consumidores não apenas assistem aos meios de comunicação, “eles também compartilham entre si ao que assistem - seja usando uma camiseta proclamando sua paixão por determinando produto, postando mensagens numa lista de discussão, recomendando um produto a um amigo ou criando uma paródia de um comercial que circula na internet.” (JENKINS, 2009, p. 103). Jenkins ainda completa que muitos guias de roteiristas “falam sobre a “jornada do herói”, popularizando as ideias de Campbell, e designers de games são, do mesmo modo, aconselhados a sequenciar as tarefas que seus protagonistas devem desempenhar em provações físicas e espirituais semelhantes.” (JENKINS, 2009, p. 173). Para o americano, essa familiaridade com a estrutura básica do enredo permite ao roteirista omitir sequências transicionais jogando o público direto no centro da ação. Um exemplo desse universo do entretenimento em que temos cinema e game é filme Matrix. Construído para a era da convergência, conforme pontuam muitos críticos, o filme procura integrar múltiplos textos para criar uma narrativa tão ampla que não podia ser contida somente em uma mídia. Criado pelos irmãos Wachowski, o jogo transmídia logo se estabeleceu. Primeiro exibiram o filme original, depois alguns quadrinhos na internet para instigar mais a curiosidade do público. Para a sequência do segundo filme foi lançado um game para computador, o que provocou mais curiosidade e aderência dos fãs. Matrix Reloaded obteve U$134 milhões de lucro nos primeiros quatro dias após o lançamento. Em uma ampliação da leitura e interpretação de Matrix, podemos dizer que é uma obra que faz referência aos arquétipos de gêneros populares (o hacker, os misteriosos homens de preto etc) e às fontes da mitologia (Morfeu, Perséfone, o Oráculo). Se protagonistas e antagonistas são arquétipos óbvios, e não personagens individualizados, romanescos ou complexos, são imediatamente reconhecíveis, observou Jenkins. O mesmo pontua: Essa dependência de personagens recorrentes é especialmente importante no caso dos games, cujos manuais de instruções e cenas iniciais os jogadores muitas vezes ignoram, concedendo pouco tempo para explicações antes de agarrarem o controle e tentarem navegar pelo universo do jogo. Críticos de cinema muitas vezes comparam os personagens de Matrix a personagem de videogame. Roger Ebert, por exemplo, sugere que avaliava sua preocupação com Neo, em Revolutions, menos em termos de afeição pelo personagem e “mais como a pontuação de um videogame. Dá para imaginar o programa se reiniciando e, depois, todos aqueles pequenos zeros e uns se reorganizando para começar o jogo outra vez. (JENKINS, 2009, p. 174). Fonte site: Adoro cinema A mitologia da parte final foi toda transferida para um jogo. A ideia não agradou a todos. Na ocasião, muitos críticos de games disseram que os games dependiam muito do conteúdo do filme e não ofereciam experiências suficientes para os novos jogadores. Jenkins reforça que “muitos fãs manifestaram decepção porque suas próprias teorias sobre o universo de Matrix tinham mais riqueza e nuance do que qualquer coisa que viram na tela. (JENKINS, 2009, p. 139) Abaixo o link do trailer oficial do filme. http://www.adorocinema.com/filmes/filme-19776/trailer-19351181 Narrativa emergente e narrativa embutida Os games têm como característica o nível de interatividade. Para Jeannie Novak, “os games contam histórias de maneira bastante semelhante aos filmes, dedicando muito mais atenção aos aspectos visuais e superficiais do que ao contexto ou ao personagem.” (NOVAK, 2011, p. 138). O pesquisador Eric Zimmerman apresenta uma divisão de narrativas em relação aos games. Em sua obra “Rules of play”, ele define dois tipos de narrativa. A narrativa embutida, que se entende como aquela imutável, que faz parte do roteiro do jogo e o jogador não consegue modificar (Zimmerman, 2003), e a narrativa emergente, que é aquela construída para o jogador interagir, de acordo com seus atos e sua participação ativa (Zimmerman, 2003). Jeannie Novak completa que “outras tradições narrativas, também foram incorporadas aos games na forma de música, efeitos sonoros, locução e diálogo, bate-papo entre os jogadores e legendas de diálogos na tela.” (NOVAK, 2011,p. 122). A interatividade permite a dois jogadores tomarem decisões e passarem por experiências diferentes. http://www.ericzimmerman.com/info.html Construindo Contextos Para construir o universo ficcional e seus contextos, é preciso falar do modelo transmídia. Para Jenkins, o modelo transmídia: Está intimamente ligado às grandes mudanças, no modo como a indústria televisiva americana encara seus consumidores - distanciando-se de um modelo baseado em hora marcada para um paradigma com base na televisão de envolvimento. Essas mudanças no contexto da audiência levaram as indústrias da televisão e da publicidade a procurar mecanismos alternativos de mediação do envolvimento da audiência. (JENKINS, 2009, p. 167) Para Foucault, a “Função autor expressa modos de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos.” (FOUCAULT, 1992, p.46). Em suma, estabelece relação de quem faz, com aquilo que foi feito. No trabalho de roteirização de um game para um filme sempre vai existir esta comparação, onde se esquece que a proposta é para um outro código de comunicação. Quem é o autor de uma obra fílmica? A disputa é saudável, quando o bom roteirista procura somar novos elementos à trama já pronta e busca enriquecer a narrativa. Porém, no contexto do audiovisual o resultado sempre é coletivo. José Francisco Serafim salienta que: Podemos por um lado vincular a autoria ao viés formal/estético da obra e ao seu caráter original e criativo. Podemos também pensar do ponto de vista jurídico e do mercado onde essas obras circulam, e do direito autoral, e nesse caso o termo autor é destinado a qualquer pessoa que tenha realizado uma obra, no caso audiovisual, e que terá em decorrência desse fato direitos – financeiros - sobre ela. (SERAFIM, 2009, p. 15) A relação entre texto e imagem acompanha o caminho literário desde a Arte poética de Aristóteles (1984), através da expressão ut pictura poesis, ou seja, pintura é poesia. A linguagem poética é apresentada também como imagem. Segundo François Jost, “o cinema mantém laços profundos com a pintura, menos pelo paralelismo destes efeitos, quadro, cores, luz, menos pela analogia de seu dispositivo, numa palavra: por sua relação ao olho, à vista e à visão, do que por sua relação à mão na qual deve-se buscar o estatuto do autor de filme.” (JOST apud SERAFIM, 2009, p. 15). Na linha de transcodificação da página para tela, cabe ao roteirista não se deixar influenciar pelo já proposto e aproveitar as habilidades e truques da escrita cinematográfica para expandir o universo da trama. Encontrar a voz que conta a história, o fio condutor é o primeiro desafio em meio a tantos outros, enquanto o trabalho do romancista é encontrar uma voz que irá alcançar o leitor. Diante do levantamento proposto, como definir o conceito de autor e autoria para o audiovisual, em um universo cada vez mais interativo? A questão da autoria é bastante controversa e polêmica no cenário contemporâneo. Para Lev Manovich (2004), vivemos a “Era do remix”, ou seja o que predomina são colagens e fusões. Não há como ignorar as diferenças notáveis no processo de construção literária e cinematográfica. O conceito de “Autoria” surge desde os Gregos, com Homero, passando por Platão, Aristóteles, entre outros. Segundo Flávio Campos, “os dramaturgos da Grécia Antiga escreveram suas tragédias a partir de mitos fornecidos pela tradição, Homero compôs a Ilíada e a Odisseia a partir de mitos fornecidos pela tradição e de relatos de batalha.” (CAMPOS, 2007, p. 293). O avanço da tecnologia e suas transformações nos fizeram mudar a forma de ver a escrita e a leitura e, consequentemente, transformaram o jeito de percebermos a questão da autoria e a concepção de autor. Para Manovich, “se o pós- modernismo define a década de 80, o remix definitivamente está dominando o começo deste século (2000) e provavelmente continuará na próxima década.” (MANOVICH, 2004, p. 253). Com base na assertiva de Manovich, como podemos aplicar o conceito de autoria, tão em voga pela velocidade da internet, em um processo de adaptação para o cinema? É preciso trazer para a discussão alguns conceitos e confrontá-los. O conceito de autoria no âmbito da literatura passou a ter visibilidade com o surgimento da filosofia. A recombinação de códigos é uma prática antiga na humanidade, seja pela reformulação de estilos ou linguagens. Manovich exemplifica que “a Roma Antiga remixou a Grécia Antiga, o Renascimento remixou a Antiguidade.” (MANOVICH, 2004, p. 253). Já Regina Zilberman entende que “a escrita ocidental apareceu durante o século VII a.C. Sua utilização para registro de obras individuais teve de esperar alguns séculos, ocorrendo a partir da época em que Platão redigiu seus diálogos e foram fixados os textos das epopeias.” (ZILBERMAN, 2001, p.1). Uma vez legitimada a forma escrita, a identificação do autor tornou-se necessária. Mas seria uma adaptação para o audiovisual somente um remix? O filósofo Walter Benjamin (1994) já havia apontado que as obras da reprodutibilidade técnica chegavam a lugares e pessoas em que as obras originais não poderiam chegar, e mesmo o livro impresso não podia atingir tal público, e isso democratizava o acesso às obras. Em diálogo com uma adaptação literária, uma vez que o livro é transposto para o cinema ou para a televisão, essa última com um vasto público, a possibilidade de futuramente alcançar mais leitores é infinitamente maior. Dentro do contexto da cultura da convergência, o escritor Bruce Sterling fala sobre o filme Matrix, considerado um marco na narrativa transmídia e em suas diferentes adaptações. Em primeiro lugar, o filme tem elementos de atração pop. Todos os tipos de elementos: ataques suicidas por forças especiais de elite, choque entre helicópteros, artes marciais, uma inocente, mas apaixonada história de amor predestinado, monstros com olhos esbugalhados absolutamente de primeira qualidade, roupas de fetiche, cativeiro e tortura e resgate ousado, além de submarinos muito estranhos e bem legais... Há exegese cristã, um mito redentor, morte e renascimento, um herói em autodescobrimento. A Odisseia, Jean Baudrillard (muito Baudrillard, a melhor parte do filme), toques antológicos de ficção cientifica, da escola de Philip K. Dick, Nabucodosor, Buda, taoísmo, misticismo de artes marciais, profecia oracular, telecinesia, do tipo que entorta colheres, shows de mágica de Houdini, Joseph Campbell e metafísica matemática godeliana. (JENKINS, 2009, p. 141) De acordo com Jenkins (2009), os irmãos Wachowski construíram um playground onde outros artistas puderam fazer experiências e que os fãs puderam explorar. Tal como um romance, o roteiro de um filme ou game ganha delineamento de personagens pelo entrecruzar de tramas, apresentadas nas ideias e enredo principal. É por um personagem condutor que vamos entrar no mundo desconhecido, seja no filme, romance ou game, e conhecer seus desdobramentos, assim como a ideologia do autor e sua visão de mundo. Voltamos à pergunta: Seria uma adaptação somente um remix, recorte ou uma obra original? Para Walter Benjamin, “contar histórias é sempre a arte de repetir histórias.” (BENJAMIN, 1992, p. 90). Porém, para repeti-las é preciso uma roupagem e isso traz em si o processo de criação. Tratando-se da sétima arte, ela nunca surge sozinha, visto que o trabalho de feitura do filme é sempre em equipe. Em relação aos games, Jeannie Novak, acrescenta: “o cenário ou contexto representao mundo que está sendo explorado pelo público, pelos personagens ou pelo jogador. Ao criar uma história para um game, pense no mundo em que seus personagens deverão viver e interagir.” (NOVAK, 2011, p. 133) Questões de adaptação e relações intertextuais entre outras expressões artísticas, como a literatura e os meios audiovisuais, fazem parte do próprio desenvolvimento da linguagem audiovisual. Para Linda Hutcheon (2011), com o surgimento das novas tecnologias e a convergência das mídias, a autoria passa obrigatoriamente pela adaptação. A pesquisadora lembra que ao dizermos que a obra é uma adaptação, anunciamos abertamente sua relação declarada com outra(s) obra(s). É isso que Gerard Genette entende “por um texto em ‘segundo grau’, criado e então recebido em conexão com um texto anterior” (GENETTE, 1982, p. 5). Eis o motivo pelo qual os estudos de adaptação são frequentemente estudos comparados. Para Hutcheon (2011), isso é bem diferente de dizer que as adaptações não são trabalhos autônomos e que não podem ser interpretadas como tais, conforme vários teóricos têm insistido; elas obviamente o são. Construção de Personagens Para se contar uma narrativa é preciso ter um narrador, elemento que vai ser apresentado por um personagem, o qual irá conduzir a trama, o enredo principal e as tramas secundárias. São os personagens que vivem fatos ocorridos em um determinado tempo e espaço contados por alguém: o narrador. Este personagem é alguém com o qual o leitor/telespectador precisa se identificar, portanto necessita de uma empatia que desperte amor ou raiva, e até mesmo uma dubiedade para deixá-lo mais humano. Nessa força centralizadora, reside o protagonista, aquele que vai dar o rumo à história e seu antagonista, que fará força oposta. Segundo David Howard “mesmo nas estórias com muitos personagens, e com estrutura diferente, cada subenredo dentro da estória principal tem seu protagonista.” (HOWARD e MABLEY, 1996, p. 58). O conflito do protagonista pode ser interno (psicológico) ou externo. Para Mckee, a chave da verdadeira personagem é o desejo. Em suas palavras “a verdadeira personagem só pode ser expressa através de uma escolha em um dilema. Como a pessoa escolhe agir sob pressão é quem ela é – quanto maior a pressão, mais verdadeira e profunda a escolha da personagem.” (MCKEE, 2006, p. 351). O conflito vivenciado pelo personagem pode ser de cunho social, religioso, econômico ou psicológico. Eis o ponto de partida. Protagonista vem do grego “prôtos (primeiro) e agonistés (combatente)”, essa é a definição apresentada por Flávio de Campos, que ainda esclarece sobre a escolha da personagem principal. Para Campos “a seleção de personagem principal da narrativa segue a mesma demanda da seleção do principal ponto de vista do seu narrador, estabelecer uma referência a partir da qual a narrativa será composta e, mais tarde, recebida pelo espectador – e assim, dar unidade e facilitar composição e recepção.” (CAMPOS, 2007, p. 108). A escolha do protagonista pelo senso comum pede um antagonista. Campos (2007) afirma que o que define o antagonista não é o seu perfil e sim sua função de antagonizar, e esclarece que “Por sua definição relativa – o antagonista existe apenas em relação ao personagem que ele antagoniza -, um antagonista tanto pode ser personagem redondo, quanto um tipo ou um arquétipo. E um personagem pode antagonizar outro na estória toda, num incidente, numa cena, num segmento de cena ou apenas numa fala, num gesto.” (CAMPOS, 2007, p. 151). Aristóteles, em sua obra Poética, no capítulo cinco, destaca que “assim como na composição da narrativa, a composição dos personagens também deve seguir o necessário ou o provável, de modo que, como as ações se desdobram segundo a necessidade ou a probabilidade, um personagem de determinado caráter fala e age segundo a necessidade ou a probabilidade.” (ARISTÓTELES, 1984, p. 56). Muito se discute hoje sobre o novo jeito de escrever um personagem. Personagens de seriados como: Família Soprano, Revenge e Breaking Bad, chamaram a atenção por trazerem para a narrativa um protagonista criado com atitudes politicamente incorretas e isso de fato humanizou o personagem e fez com que o público se identificasse. Mesmo as telenovelas brasileiras que fazem sucesso no Brasil e no exterior se adequaram a este caminho, procurando apresentar personagens críveis. Podemos destacar José Alfredo de Medeiros, protagonista da novela Império, de Aguinaldo Silva, e interpretado por Alexandre Nero. A novela ganhou o Emmy Internacional em 2015. Como não se lembrar de Carminha, interpretada por Adriana Esteves em Avenida Brasil (2012)? A respeito desta nova era de ouro da TV americana e seus respectivos personagens controversos, o roteirista Alan Ball declarou do impacto que lhe causou a escrita de Família Soprano. Foi Ball quem disse: A sensação que me deu foi de eu estar assistindo a um filme dos anos 1970. Era uma coisa tipo “sabe aquelas ideias de desenho animado sobre o bem e o mal? Pois pode esquecer. Vamos mostrar uma coisa que seja realmente real.” Os artistas estavam eletrizados. O roteiro era espetacular. O mais incrivelmente excitante de tudo, porém, era a complexidade moral, a complexidade dos personagens e dilemas. (BALL apud MARTIN, 2014, p. 97). Não podemos esquecer que se a televisão procurou trazer personagens mais na linha do politicamente correto, a literatura e o cinema já apresentavam personagens mais complexos há muito tempo. Podemos destacar O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola (1972), e o romance Ligações Perigosas, de Choderlos de Laclos (1782), que na ocasião foi considerada pelos críticos como uma obra diabólica. O avanço da tecnologia cada vez mais oferece suporte para ampliação das narrativas. Hoje, um autor dificilmente se limita a criar um único universo em uma obra, os criadores procuram construir ambientes atraentes e que não se esgote em uma única mídia. O universo é maior do que o filme, maior até do que a franquia e, como ensinou Jenkins, “as especulações e elaborações dos fãs também expandem o universo em várias direções.” (JENKINS, 2009, p. 162) Na construção de personagens de game, Jeannie Novak defende: Os personagens de um game dividem-se em personagens de jogador e personagens não jogadores, também conhecidos como NPCs, uma abreviação de non- player characters). Às vezes um único jogador pode controlar vários personagens de um jogador (frequentemente em grupo, como em uma equipe esportiva ou em tropas militares). (NOVAK, 2011, p. 154). Mundos Transmídia A narrativa transmídia é diferente de uma adaptação. Ela é uma história que é contada por meio de múltiplas mídias. Não se trata de contar a mesma história em diferentes mídias. Como Henry Jenkins destacou em seu livro Cultura da convergência, “a narrativa transmídia se desdobra por meio de diferentes plataformas de mídia, onde cada texto de cada meio produz uma distintiva e valorosa contribuição para o todo”. (JENKINS, 2009, p. 29). O cinema, a literatura, os games e a teledramaturgia necessitam avidamente de histórias. E tramas, de preferência recheadas de aventura, romance, sexo e imagens sugestivas. Para Henri Jenkins: Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor - a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, serexpandida pela televisão, romances e quadrinhos, seu universo possa ser explorado em games ou experimentando como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game e vice-versa. Cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo. (JENKINS, 2009, p. 138) O interesse do público é assistir a uma história bem contada. Uma grande obra é aquela em que o autor oferece várias possibilidades de ampliação dos seus núcleos e que possam ser explorados em diferentes mídias. Hutcheon avalia que uma adaptação “envolve, para seu público conhecedor, uma duplicação interpretativa, um movimento conceitual para frente para trás entre a obra que conhecemos e aquela que estamos experienciando.” (HUTCHEON, 2011, p. 189). E o audiovisual faz isso, juntando o referencial ao sonho, à magia. No mundo dos games, Jeannie Novak, destaca que “a narrativa de um game desempenha um papel significativo naquilo que é conhecido como imersão, situação em que a história, os personagens e o modo de jogar são tão poderosos e absorventes que os jogadores envolvem-se profundamente no mundo do game.” (NOVAK, 2011, p. 144) Com a narrativa interativa, hoje, faz-se necessário que o roteirista possa propor outros caminhos no ato da criação que, segundo Newton Cannito (2010), tenham não somente uma narrativa, mas um universo, incentivem rituais e, principalmente, favoreçam a formação de comunidades. Um exemplo que podemos destacar é o caso do seriado Lost. Segundo Cannito, em Lost “a narrativa é aparentemente tradicional, mas inova ao se expandir por outras mídias. O sucesso da série está relacionado às estratégias interativas.” (CANNITO, 2010, p. 193). O planejamento de interatividade levou o seriado muito além da televisão. REFERÊNCIAS ABREU, Silvio de; MARQUES, Sergio; VIANNA, Vinicius. 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