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Apostila Narrativas Iterativas

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Narrativas Interativas 
 
 
 
 
Introdução à Narrativa 
 
 
Linguagem cinematográfica 
 
Em seu 120o aniversário, completado em 28 de dezembro de 2015, o 
cinema confirmou que, mesmo com todo aparato tecnológico da atualidade, a sala 
escura ainda exerce o mesmo encantamento de sua primeira exibição, realizada 
pelos irmãos Lumiére. O cinema é uma arte dotada de linguagem específica; 
linguagem esta que difere da literatura, do teatro, da televisão e da internet, e 
que foi diversificando-se ao longo do século XX. 
 
Segundo Martim Marcel: 
 
A imagem constitui o elemento de base da linguagem 
cinematográfica. Ela é a matéria-prima fílmica e, 
simultaneamente, uma realidade particularmente 
complexa. A sua gene é, com efeito, marcada por uma 
ambivalência profunda; é o produto da atividade 
automática de um aparelho técnico capaz de reproduzir 
exata e objetivamente a realidade que lhe é apresentada, 
mas ao mesmo tempo esta atividade é dirigida no 
sentido preciso desejado pelo realizador. A imagem assim 
obtida é um dado cuja existência se coloca 
simultaneamente em vários níveis da realidade, em 
virtude de um certo número de caracteres fundamentais. 
(MARCEL, 2003, p.27). 
 
Para compor a linguagem audiovisual, é necessário acrescer outras duas 
linguagens: sonora e verbal. As três linguagens conjugadas traduzem a linguagem 
cinematográfica. Jacques Aumont destaca que a expressão “linguagem 
cinematográfica” surgiu com os primeiros teóricos do cinema. O antagonismo 
entre cinema e linguagem verbal foi o centro do manifesto de Abel Gance, "A 
música da luz", onde Gance dizia que a linguagem das imagens, que nos reconduz 
à ideografia das escritas primitivas, ainda não estava determinada, pois nossos 
 
 
 
olhos não foram feitos para telas. Aumont expõe o pensamento do crítico Ricciotto 
Canudo: 
 
Multiplicando o sentido humano da expressão pela 
imagem, esse sentido que apenas a pintura e a escultura 
haviam conservado até nós, o cinema vai formar uma 
língua verdadeiramente universal de características ainda 
insuspeitadas. Para isso, é-lhe necessário reconduzir toda 
a "representação" da vida, isto é, a arte, para as fontes 
de qualquer emoção, procurando a própria vida em si 
mesma, pelo movimento. (...) Novo, jovem, tateando, 
procura suas vozes e suas palavras. E traz-nos, com toda 
nossa complexidade psicológica adquirida, à grande 
linguagem verdadeira, primordial, sintética, a linguagem 
visual, fora da análise dos sons. (Ricciotto Canudo, 
L'usine aux images, 1927 apud AUMONT, ANO, p 159). 
 
Narrativa linear- Narrativa não linear 
Qual o melhor jeito de contar uma história? Existe fórmula? Todo indivíduo ouve 
ou já ouviu uma história, conta ou já contou uma narrativa e, na maioria das 
vezes, mudou o foco, acrescentou outros elementos e buscou alguma 
dramaticidade. Uma vez que essa ideia do “faz de conta” entra em gestação, vem 
a pergunta: como contar? Vale a pena contar? Quais os limites e as 
potencialidades da trama? Com quem se comunica? Robert Mckee, exímio 
roteirista americano, analisa essa busca universal. Para Mckee “nosso apetite por 
estórias é um reflexo da necessidade aprofundada do ser humano em 
compreender os padrões do viver, não meramente como um exercício intelectual, 
mas como uma experiência pessoal e emocional.” (MCKEE, 2006, p.25). 
 
A narrativa é o que acontece na trama, a sequência de fatos e situações 
vivenciadas pelas ações das personagens. A narrativa, em sua sequência, pode 
ser linear ou não linear. 
 
 
 
A narrativa linear, a forma clássica de contar uma história, é aquela na qual as 
ações são apresentadas na ordem cronológica dos acontecimentos, seguindo 
começo, meio e fim. 
 
A narrativa não linear é apresentada por descontinuidade, não obedece à 
cronologia dos fatos da trama. Pode ter rupturas, cortes abruptos ou mesmo 
antecipações de cenas. Como exemplo, temos a trilogia de Alejandro González 
Iñarritu: Amores Perros, 21 gramas e Babel. 
Jacques Aumont fala sobre a narrativa no cinema: 
A princípio, a união de ambos não era evidente: nos 
primeiros tempos de sua existência, o cinema não se 
destinava a se tornar maciçamente narrativo. Poderia ser 
apenas um instrumento de investigação científica, um 
instrumento de reportagem ou de documentário, um 
prolongamento da pintura e até um simples divertimento 
efêmero de feira. Fora concebido como um meio de 
registro, que não tinha a vocação de contar histórias por 
procedimentos específicos. Se não era necessariamente 
uma vocação e se, portanto, o encontro do cinema e da 
narração conserva algo de fortuito, da ordem de um fato 
da civilização, havia algumas razões para esse encontro. 
Lembraremos especialmente de três, das quais as duas 
primeiras se devem à própria matéria da expressão 
cinematográfica: a imagem figurativa em movimento. 
(AUMONT, 1995, p. 89). 
E André Gardies completa: 
Desde há mais de um século que a maioria das pessoas 
vai às salas de cinema para seguir histórias. E pagam 
para isso. O cinema comercial deve essencialmente a sua 
fortuna, artística e econômica, ao domínio da arte de 
narrar. É lógico que, na esteira da semiologia, se tenha 
desenvolvido rapidamente uma abordagem narratológica. 
Tentar compreender como funcionava a linguagem 
 
 
 
cinematográfica encontrava frontalmente a outra 
interrogação, que consiste em compreender como o 
cinema narra, uma vez que os filmes em que se 
baseavam as análises eram maioritariamente narrativos. 
A dificuldade consistia antes em fazer uma distinção 
entre o que podia advir especificamente do acto de 
linguagem e o que pertencia especificamente ao acto de 
narrar. Tal situação era muito análoga à que os teóricos 
da literatura já conheciam. (GARDIES, 2007, p.75). 
Em relação aos games, Jeannie Novak elucida que “Os games não precisam 
adotar uma narrativa linear. Isso está vinculado à aparente liberdade de escolha 
atribuída aos jogadores, que podem seguir diferentes caminhos durante o jogo.” 
(KOVACK, 2011, p. 140). 
Storyline 
Storyline é o resumo da história principal, em que o roteirista precisa expressar 
com total clareza o fio condutor da trama. A construção e a objetividade da 
narrativa principal precisam ser descritas em uma Storyline, procurando não 
exceder cinco linhas. Tecnicamente há autores que defendem até dez linhas, mas 
isso não é comum de acontecer no mercado. Toda trama deve ter um único 
parágrafo, com tempo verbal no presente e economia de adjetivos, e englobar a 
apresentação, o desenvolvimento do conflito e a solução. Abaixo temos uma 
storyline do filme O outro lado da rua, de Marcos Berstein: 
 
“Para se refugiar da solidão, Regina, uma aposentada de 
65 anos, sai à procura de pequenos delitos para 
denunciar à polícia. Uma noite, xeretando o prédio do 
outro lado da rua, ela presencia o que supõe ser um 
assassinato. Quando a polícia declara ter sido morte 
natural, Regina resolve provar que está certa e acaba se 
envolvendo com o suposto assassino, Camargo, numa 
relação tardia e cheia de contradições, em que os dois 
irão reavaliar suas vidas de um modo que nunca 
poderiam imaginar.” 
 
 
 
Pelo exposto anteriormente, fica bastante evidente que a preocupação é a trama, 
a história que se vai contar. É de fácil entendimento que aqui não temos figuras 
de linguagem, como hipérboles, paradoxos, cacofonias etc. Por outro lado, temos 
a excelência de uma escrita que se propõe sintetizar a storyline de um filme. 
Roteiro 
Escrever um roteiro é um trabalho de recortar palavras. Oito em cada dez 
roteiristas se defendem com essafrase. Afinal, são horas na frente da tela, tempo 
de pesquisa e ajustes, na busca de uma história bem contada e uma trama 
inteligente, para construção da carpintaria narrativa. Então, qual o mistério? Por 
que escrever um roteiro é sempre um desafio? O roteiro, antes de tudo, exige 
técnica e quase sempre é escrito para o audiovisual. Robert Mckee assinala que 
“da inspiração ao último tratamento, a escrita de um roteiro pode levar tanto 
tempo quanto um romance.” (MCKEE, 2006, p. 19). 
 
Antes de tudo, precisamos entender: o que é um roteiro? Syd Field, respeitado 
roteirista americano, apresenta sua definição: 
 
O que é um roteiro? Um guia, um projeto para um filme? 
Uma planta baixa ou diagrama? Uma série de imagens, 
cenas e sequências enfeixadas com diálogo e descrições, 
como uma penca de peras? O cenário de um sonho? 
Uma coleção de ideias? O que é um roteiro? Bem, não é 
um romance e certamente não é uma peça de teatro. Se 
você olha um romance e tenta definir sua natureza 
essencial, nota que a ação dramática, o enredo, 
geralmente acontece na mente do personagem principal. 
Privamos, entre outras coisas, de pensamentos, 
sentimentos, palavras, ações, memórias, sonhos, 
esperanças, ambições e opiniões do personagem. Se 
outros personagens entram na história, o enredo 
incorpora também seu ponto de vista, mas a ação 
sempre retorna ao personagem principal. Num romance, 
a ação acontece na mente do personagem, dentro do 
 
 
 
universo mental da ação dramática. Numa peça de 
teatro, a ação, ou enredo, ocorre no palco, sob o arco do 
proscênio, e a plateia torna-se a quarta parede, 
espreitando as vidas dos personagens. Eles falam sobre 
suas esperanças e sonhos, passado e planos futuros, 
discutem suas necessidades e desejos, medos e conflitos. 
Neste caso, a ação da peça ocorre na linguagem da ação 
dramática; que é falada, em palavras. (FIELD, 1982, p. 
11) 
 
O roteiro originou-se das peças de teatro, diretamente dos clássicos gregos. 
Depois, desenvolveu-se em séculos de teatro no ocidente. Roteiro é um caminho 
não determinado, que pode sofrer diferentes mudanças. Ou seja, é também uma 
rota, indicando que a personagem sai de um lugar, passa por outras trilhas até 
alcançar seu objetivo. 
 
Todo roteiro deve ter um começo, meio e fim. Na teoria de Aristóteles (1984), 
baseada em sua análise da tragédia grega, isto significa que toda expressão 
dramática tem um período para se manifestar. Grande parte dos roteiristas segue 
a estrutura dramática tradicional, como herança do teatro grego. O roteiro não vai 
narrar uma trama, e sim mostrar o desenvolvimento da história, como a trama 
chega ao espectador. Luiz Carlos Maciel, em seu livro O poder do clímax, fala da 
função do roteirista: “o roteirista tem que indicar o que vai acontecer naquela 
cena, seu conteúdo, o que vai ser visto, mais do que como vai ser visto”. 
(MACIEL, 2003, p. 15). Não existe uma receita para contar uma história, cada 
trama é uma trama, cada narrativa exige um modelo a ser contado. Escrever, seja 
para cinema ou TV, exige arte, técnica e conhecimento. 
 
No Brasil ainda não existe nenhuma escola destinada à formação de roteiristas, 
embora o mercado seja cada vez mais amplo. Noventa por cento dos profissionais 
são autodidatas; essa falha na formação profissional é uma lacuna que sempre 
prejudica o resultado final. Para Syd Field “Um roteiro é uma estória contada em 
imagens, com diálogos e descrições, localizada dentro do contexto da estrutura 
 
 
 
dramática. Estrutura é o fundamento de todo roteiro – é a espinha, o esqueleto 
que ‘mantém’ tudo coeso.” (FIELD, 1982, p. 17). 
 
Escaleta 
A escaleta é a descrição da cena, com tudo o que ocorre nela, escrevendo o 
cabeçalho, indicando motivação, objetivo e o tamanho que a cena deve ter. Flávio 
Campos diz que: “a montagem de uma escaleta é como tudo num roteiro - é 
ditada pelas necessidades da narrativa, pela capacidade da produção e pela 
atenção do espectador.” (CAMPOS, 2007, p.312). A função da escaleta é guiar o 
roteiro, ou seja, um jeito de ajudar o roteirista a não se perder na história. 
Importante salientar que nem todos os roteiristas gostam de usar escaleta. Cada 
um tem sua forma de trabalhar, porém, em um trabalho de equipe, como a escrita 
para seriado ou para televisão, a construção da escaleta é fundamental. A 
novelista Glória Perez em diversas entrevistas afirma que não usa escaleta, pois 
gosta de se surpreender em cada cena. Já outros autores de televisão, como Sílvio 
de Abreu e Aguinaldo Silva, afirmam não abrirem mão da escaleta, por oferecer 
um domínio maior em cada capítulo. 
A jornada do herói 
A estrutura narrativa tradicional é mais conhecida de todos os leitores e criadores. 
Foi Aristóteles (1984) o primeiro pensador a elaborar a divisão narrativa em três 
atos com começo, meio e fim. Entretanto, outros pensadores ao longo do tempo 
foram criando outras fórmulas de estrutura narrativa que são apontadas como 
universais. A título de exemplificação, temos A jornada do Herói, de Joseph 
Campbell, e A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler, nosso objeto de estudo. 
 
Nas palavras de Vogler “a história de um herói é sempre uma jornada. Um herói 
sai de seu ambiente seguro e comum para se aventurar em um mundo hostil e 
estranho.” (VOGLER, 2006, p. 51). No diagrama de Vogler, cada ato possui clímax 
próprio, um início, meio e fim. O autor desenvolve vários pontos cruciais para que 
a direção do herói seja desviada, procurando estabelecer uma nova meta. Na linha 
 
 
 
de Vogler, todas as histórias consistem em alguns elementos estruturais comuns, 
encontrados universalmente em mitos, contos de fadas, sonhos e filmes. 
 
A estrutura da Jornada do Herói pode ser percebida pelo gráfico 
abaixo:
 
Fonte: VOGLER, 2006. p. 50 
 
Com base nos estudos de Vogler, vamos buscar entender a jornada de uma 
heroína criada por José Saramago em seu romance O Ensaio Sobre a Cegueira e 
posteriormente traduzida no roteiro de Don Mckellar, para o filme Blindness. 
 
Na jornada do herói proposta por Vogler, o primeiro passo é o “Mundo Comum”, 
onde o protagonista é apresentado em sua rotina. Segundo o estudioso, é 
necessário “mostrá-lo neste mundo comum para poder criar contraste nítido com 
o estranho mundo novo em que ele vai entrar.” (VOGLER, 2006, p. 54). No roteiro 
para o cinema de Don Mckellar, a personagem Mulher do Médico, que vai iniciar 
 
 
 
sua saga, aparece pela primeira vez na cena 20, na sala de jantar com o marido, 
em uma sequência cotidiana. 
 
CENA 20. SALA DE JANTAR/CASA DO MÉDICO. 
INT. NOITE 
 
O MÉDICO e sua esposa estão terminando a ceia. Ela fez 
um esforço de vestir-se para ocasião. 
 
MÉDICO 
 
Parecia ser um tipo de, como chamamos, amaurose. 
Tudo é Branco. Ele viu um tipo de escuridão branca. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
Como você sabe o que ele via? 
 
MÉDICO 
 
Bem, não exatamente. Temos que aceitar a palavra dele, 
mas isto poderia ser uma cegueira neurológica ou um 
tipo de cegueira “psíquica”. Existe uma condição que 
chamamos agnosia, que é uma incapacidade de 
reconhecer objetos familiares. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
Agnosia? 
 
MÉDICO 
 
Certo. 
A MULHER DO MÉDICO retira os pratos do jantar e leva-
os à cozinha, onde a sobremesa está esperando: uma 
torta de chocolate e pera especialmente tentadora. Com 
certa cerimônia, ela e a torta se apresentam à mesa. O 
MÉDICO continua, ininterrupto. 
 
 
 
O segundo passo ao desafio começa pelo “Chamado à Aventura”. Algo insólito 
acontece. E uma vez confrontado não poderá mais permanecerem seu mundo, 
indiferente. A Mulher do Médico, ao descobrir que seu marido também foi 
infectado, não foge. Isso ocorre entre as sequências 34 e 36 do roteiro de 
Mckellar.1 Vogler define que: “o Chamado à Aventura estabelece o objetivo do 
jogo, e deixa claro qual o objetivo do herói.” (VOGLER, 2006, p. 55) 
 
CENA 34. QUARTO DO CASAL. INT. MANHÃ 
 
A MULHER DO MÉDICO acorda. O marido está onde 
deveria estar ao seu lado na cama. Ela lhe dá um beijo 
gentil, levanta-se e procura o roupão. CLOSE: no médico. 
A respiração e os músculos faciais tensos dão uma pista 
de que ele pode estar fingindo dormir. Depois de um 
tempo, com cautela, as pálpebras se abrem, mas o 
MÉDICO permanece sem movimento enquanto a mulher 
deixa o quarto. 
 
CENA 35. COZINHA DO MÉDICO. INT. MANHÃ 
 
Ainda quase adormecida, a MULHER DO MÉDICO briga 
com a cafeteira. 
 
CENA 36. QUARTO/BANHEIRO DO MÉDICO. INT. 
MANHÃ 
 
A MULHER DO MÉDICO acena com a cabeça, sem 
entusiasmo, seu estado de ânimo é ilegível. Sentindo que 
algo está errado, sua mulher aproxima-se, hesitante, e 
deixa o café na bancada, sorrindo. 
 
MULHER DO MÉDICO (CONT.) 
 
Bom dia. 
 
 
1 MCKELLAR, 2010 
 
 
 
MÉDICO 
 
Eu duvido. Duvido que seja tão bom. 
 
MULHER DO MÉDICO - (com verdadeira preocupação) 
 
O quê? O que você quer dizer? 
 
MÉDICO 
 
Não consigo ver. Devo ter sido infectado pelo paciente 
que eu examinei ontem. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
Isto é impossível. Deixe-me olhar. 
Ela o vira e o olha nos olhos. 
 
MULHER DO MÉDICO (CONT.) 
 
Não vejo... nada. Nada. Ninguém fica cego assim. 
 
MÉDICO 
 
Agora existem pelo menos dois. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
O que fazemos? Diga-me o que... 
Súbita e quase violentamente, o MÉDICO empurra a 
esposa e recua para dentro do chuveiro, dando 
solavancos e golpes como um animal capturado. 
 
Fundamental esclarecer que o roteirista jamais deve colocar qualquer indicação 
para direção ao que diz respeito à cena, exceto, caso a informação seja muito 
importante para esclarecimento da mesma. Na sequência anterior apareceu a 
indicação de um close. Nesse momento específico da narrativa é crucial evidenciar 
 
 
 
ao telespectador o dilema que o personagem irá enfrentar dali para frente. É o 
diretor quem decide o melhor meio para obter os significados imagéticos. 
 
O terceiro passo é a “Recusa do Chamado (o herói relutante)”. Nesta fase, o herói 
pode oscilar e não querer se envolver. Isso aparece no roteiro na cena 41, quando 
a Mulher do Médico hesita se deve ou não o levar para o hospício.2 É o horror ao 
desconhecido. Vogler acrescenta “é necessário que surja alguma outra influência 
para que vença essa encruzilhada do medo, uma mudança nas circunstâncias, 
uma nova ofensa à ordem natural das coisas.” (VOGLER, 2006, p. 56). 
 
CENA 41. QUARTO/CASADOMÉDICO. INT. DIA 
 
O MÉDICO está sentado na cama. Uma mala grande está 
aberta numa cadeira. A MULHER DO MÉDICO está 
arrumando-a com as roupas dele. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
Estou enfiando algumas meias extras com seus artigos 
de higiene. No bolso lateral. 
 
MÉDICO 
 
Ótimo. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
O lado esquerdo. 
 
MÉDICO 
 
O que você quiser. Eu não me importo. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
 
2 MCKELLAR, 2010 
 
 
 
Eu quero que você saiba onde está tudo. 
 
MÉDICO 
 
Eu encontrarei. É só uma mala. Isto não é um cruzeiro 
no sul do Pacífico. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
É por isso que você precisa relaxar. Eu trato com eles 
quando chegarem. 
 
MULHER DO MÉDICO (CONT.) 
 
Eu levo isto até a porta. 
 
MÉDICO (sentando-se na cama) 
 
Eu faço isso. Não sou um inválido. 
O interfone toca. O zumbido eletrônico é como uma faca 
no coração do MÉDICO e da esposa. Ambos congelam. A 
MULHER DO MÉDICO finalmente se recompõe e vai até a 
cozinha, onde está o receptor de vídeo do interfone. Do 
fundo do corredor, podemos ouvi-la dirigindo-se aos 
policiais na portaria. 
 
Na sequência de cena 44, o noticiário na TV aparece reforçando a informação de 
que a epidemia se alastrou. 3 
 
CENA 44. TRANSMISSÃO DO NOTICIÁRIO. INT 
 
CLOSE: no monitor de uma TV. 
Ao que tudo indica, está passando um programa 
medíocre de canal a cabo. Um PORTA-VOZ lê um papel 
em sua mesa comum. De forma inapropriada, o homem 
 
3 MCKELLAR, 2010 
 
 
 
parece ter sido escolhido por sua voz agradável e suas 
maneiras simpáticas. 
 
PORTA-VOZ - (lendo) 
 
Atenção. Atenção. Atenção. O governo lamenta ter que 
ser forçado a exercer, com toda urgência, o que 
considera ser seu dever legal de proteger a população 
por todos os meios possíveis. Estamos em um estado de 
crise. Uma epidemia de cegueira vem se alastrando, 
provisoriamente conhecida como a “Doença Branca” e 
estamos contando com o espírito público e cooperação 
de todos os cidadãos para barrar qualquer contágio 
futuro... 
 
O quarto passo da jornada vem pelo “Mentor”, um dos temas mais comuns na 
mitologia grega, como salienta Vogler (2006). Para ele, “a função de um Mentor é 
preparar o herói para enfrentar o desconhecido.” (VOGLER, 2006, p.57). No 
romance de José Saramago, assim como no roteiro de Don Mckellar, o Mentor 
aparece no personagem Médico. É com ele que a protagonista recebe seu 
primeiro empurrão rumo à jornada e é com o mesmo que ela divaga seus dilemas. 
 
Já no quinto passo, temos a “Travessia do Primeiro Limiar.” É o momento em que 
a personagem entra plenamente no Mundo Especial. No roteiro, ocorre na cena 
45, quando a Mulher do Médico chega ao Hospício. Vogler reforça que “O primeiro 
Limiar marca a passagem do primeiro para o segundo ato. Tendo dominado o seu 
medo, o herói resolveu enfrentar o problema e partir para ação. Acaba de partir 
em sua jornada, e não pode mais voltar atrás.” (VOGLER, 2006, p. 58). No roteiro 
de Mckellar isso é bem evidente. A partir da cena 45 até a cena 49, fica 
comprovada a entrega dessa personagem ao mundo desconhecido.4 
 
 
 
 
 
4 MCKELLAR, 2010 
 
 
 
CENA 45. HOSPÍCIO. INT. DIA 
 
Enquanto o anúncio continua, vemos a MULHER DO 
MÉDICO explorar os novos arredores. Ela vagueia de um 
cômodo a outro: os Dormitórios, os Lavatórios, o 
Refeitório, a Cozinha, o Saguão de Entrada. Na cozinha, 
ela verifica a água, que esguicha da pia com uma cor 
marrom insalubre. O prédio, um hospício abandonado, 
não está no melhor estado de conservação. Figuras 
antiquadas, supostamente alegres de flores e arco-íris 
não contribuem muito para dar vida aos sombrios 
corredores institucionais, com iluminação opressora. 
Cada sala em que a MULHER DO MÉDICO entra foi 
equipada com um monitor para divulgar a mensagem 
monótona. 
 
PORTA VOZ 
 
...A decisão de pôr em quarentena temporariamente 
todos os infectados e, em aposentos adjacentes, mas 
separados todos os que tiveram contato com os 
infectados, não foi tomada sem uma cautelosa 
consideração. Esteja seguro de que o isolamento em que 
vocês agora se encontram representa, acima de qualquer 
consideração pessoal, um ato de solidariedade para com 
a nação... 
 
O sexto passo é a oportunidade de o herói aprender as regras do Mundo Especial. 
São “Testes, Aliados e Inimigos”. As cenas 46 e 47 do roteiro apresentam novos 
personagens que atuarão ao lado da Mulherdo Médico no decorrer da jornada. 
São eles o Ladrão e a Garota de Óculos Escuros.5 
 
 
 
 
 
5MCKELLAR,2010 
 
 
 
CENA 46. PÁTIO DO HOSPITAL. EXT. DIA 
 
Uma VAN com RECÉM-CHEGADOS para em frente ao 
portão frontal. 
 
CENA 47. DORMITÓRIO. INT. DIA 
 
Mais quatro internos chegaram: o GAROTO ESTRÁBICO, 
a GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS, O LADRÃO de carros e 
o PRIMEIRO HOMEM CEGO. Cada um se senta em sua 
cama escolhida e é ouvido (em off). 
 
GAROTO ESTRÁBICO 
 
Quatro. 
 
GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS 
 
Cinco. 
 
O LADRÃO 
 
Oito, certo. 
 
PRIMEIRO HOMEM CEGO 
 
Dez. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
Em qual lado? 
 
PRIMEIRO HOMEM CEGO 
 
O lado esquerdo. O esquerdo. 
 
MÉDICO 
 
 
 
 
Ótimo. Agora, se cada um puder lembrar suas camas, já 
é um bom começo. Uma coisa da qual podemos ter 
certeza é de que estamos sozinhos aqui e que 
precisamos nos organizar porque não vai demorar para 
esta ala estar lotada de gente. Esta e as outras. 
 
GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS 
 
As outras o quê? 
 
MÉDICO 
 
As outras alas. Existem mais duas alas. E mais uma do 
outro lado para os que tiveram contato, mas que ainda 
não ficaram cegos. 
 
GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS 
 
Como você sabe disso? 
A MULHER DO MÉDICO aperta o braço do marido para 
evitar que ele fale. 
 
O sétimo passo é a “Aproximação da Caverna Oculta”. Vogler nos diz: “finalmente, 
o herói chega à fronteira de um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e profundo, 
onde está escondido o objeto de sua busca.” (VOGLER, 2006, p. 60). O roteiro 
evidencia a sequência por volta da cena 60 e reforça na cena 65, quando chegam 
os novos internos no hospital. A cena 67 aumenta essa tensão.6 
 
CENA 65. DORMITÓRIO 1. INT. NOITE 
 
Os sons aterrorizantes dos recém-chegados fizeram com 
que todo mundo corresse de volta para a segurança de 
suas próprias camas. O MÉDICO e a MULHER DO 
MÉDICO se juntam. 
 
 
6 MCKELLAR, 2010 
 
 
 
MÉDICO 
 
Espere aí. Aí vêm eles. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
Isto é impossível. Já temos demais... 
O MÉDICO pega a mão dela. 
 
CENA 66. SAGUÃO DO HOSPITAL. EXT. NOITE 
 
Um HOMEM IDOSO CEGO cai portas adentro. A multidão 
em pânico tropeça sobre ele. Outro homem cai. 
 
PORTA VOZ (V.O.) 
 
...Número doze: qualquer um que tente deixar as 
dependências será corrigido à força. Obrigado por sua 
atenção. Obrigado por cumprir seu dever pelo bem da 
nação... 
 
CENA 67. ALA CONTAMINADA DO HOSPITAL. INT. 
NOITE 
 
RECÉM–CHEGADOS arranham as janelas de vidro e as 
portas. Os residentes da ala ainda com visão - entre eles 
o BARMAN - não cabem em si de tanto medo. 
 
PACIENTE CONTAMINADO 
 
Meu deus, parem com isso! Montem barricadas nas 
portas! 
TIROS são ouvidos, vindos do pátio. 
 
O oitavo passo é “A Provação”, onde tudo fica indefinido para o herói. Sua vida 
está em jogo e a sorte no ar. Para Vogler, o herói “enfrenta a possibilidade da 
morte e é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil.” (VOGLER, 
 
 
 
2006, p. 60). No roteiro, a sequência se inicia na cena 94, quando o Rei da Ala 3, 
assume o seu posto e vai até a sequência 128, quando o mesmo e seus 
comparsas resolvem atacar as demais alas e termina assassinado pela Mulher do 
Médico.7 Na visão de Vogler, todo herói precisa se confrontar com o perigo mortal 
e vivenciar essa experiência de vida-morte. Abaixo, uma das cenas mais 
impactantes adaptada ao filme. 
CENA. 114. CORREDOR DO HOSPITAL. INT. DIA 
 
Ela anda pelo corredor com a tesoura nas mãos. 
 
CENA 115. DORMITÓRIO 3. INT. DIA 
 
Chega à porta e olha fixamente para o espetáculo 
obsceno. Prepara-se para agir. Tranquila, mas com 
determinação, ela entra e atravessa a ala. Mulheres 
estão sendo estupradas por todos os lados, os sons em si 
são profundamente perturbadores, mas a MULHER DO 
MÉDICO não para para olhar. Mantém o olhar no seu 
alvo: o rei da ala 3. O CONTADOR está puxando uma 
mulher para sua cama e quando a MULHER DO MÉDICO 
passa, ele para um instante, os passos dela têm uma 
confiança e clareza fora do comum. O REI DA ALA 3 
está sentado numa cadeira com uma mulher (a 
EMISSÁRIA DA ALA 2) entre as pernas. Quando ela está 
a ponto de atacar, os olhos do homem se abrem. A 
MULHER DO MÉDICO vem por trás dele e ergue a 
tesoura. A MULHER DO MÉDICO enfia a tesoura na 
garganta dele e puxa para trás, arrastando o homem e a 
cadeira por três metros pelo chão. A mulher 
traumatizada que estava servindo ao homem começa a 
gritar, mas é silenciada por uma mão cobrindo-lhe a 
boca. 
 
MULHER DO MÉDICO - (Cochichando no ouvido dela) 
 
Não diga uma palavra. 
 
7 Id. 
 
 
 
O CONTADOR, enquanto isso, encontrou o corpo do Rei. 
Ele procura a arma do homem. A MULHER DO MÉDICO 
conduz a mulher traumatizada até a porta. 
 
Fernando Meirelles, no diário de “Blindness”, relata como foi gravar essa cena. O 
diretor conta que precisou pular uma etapa no roteiro de gravação, o que deixou 
Julianne Moore apreensiva. 8 
 
A Julianne Moore ficou arrasada ao saber que teria que 
filmar primeiro a cena em que ela vem pelo corredor aos 
prantos depois de presenciar o estupro de 12 mulheres e 
matar dois dos estupradores. Difícil acertar o tom sem ter 
passado por estas cenas antes. Mas não tinha jeito. Era 
isso ou ficarmos parados, pois nem o Gael Bernal e nem 
o Danny Glover haviam chegado. Estávamos sem ter o 
que filmar, então fomos em frente. O microfone de lapela 
da Julianne já estava ligado, pude ouvir pelo headphone 
que, lá do outro lado do corredor, sozinha, ela se 
preparava respirando fortemente. Enquanto isso, 
preparávamos nosso lado: luz, câmera, figuração. Então 
ela começou a chorar e depois a chorar convulsivamente, 
até que um assistente entrou correndo onde estávamos e 
anunciou: “A Julie está pronta e pede para rodarmos já”. 
Nós não estávamos prontos, mas nesta hora não 
interessa se a mesa não está posta ou se o vinho não foi 
aberto. Tem que rodar. E rodamos. Sabia que se ficasse 
cozinhando essa cena por mais 5 minutos alguma coisa 
se perderia para sempre. Rodamos então a segunda 
tomada. Uma terceira e uma quarta. Tudo na apneia, 
sem respirar entre uma e outra. Maquiadoras, operador 
de boom, assistentes, foquistas, todos desesperados para 
dar seus retoques após cada tomada, mas fui segurando 
o batalhão. Então alguma coisa cedeu. 
 
 
8BLINDNESS. Disponível em: https://www.blogdeblindness.blogspot.com.br/search?updated-
max=2007-10-18T13:01:00-07:00&max-results=7. Acesso em: 08/01/2016. 
 
 
 
 
O nono passo é a “Recompensa”, pois o herói fez jus ao título por ter corrido 
riscos em prol de um bem maior. Na sequência 124 a 130 a Mulher do Médico 
escapa e guia as outras mulheres. 9 
 
CENA 129. FORA DOS PORTÕES. EXT. DIA 
 
Amanhece. O GRUPO está reunido na rua. A MULHER DO 
MÉDICO é a primeira a se agitar. Ela olha em volta para 
seus companheiros imundos, famintos e quase nus. A 
GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS é a próxima a se 
despertar. Ela estica o braço, toca nos corpos quentes 
dormindo à sua volta. Ela toca na MULHER DO MÉDICO e 
sorri, lembrando onde está. 
 
MULHER DO MÉDICO - (Sussurrando) 
 
Temos que conseguir comida. E abrigo. 
A GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS concorda com a 
cabeça e sussurrade volta. 
 
GAROTA DE ÓCULOS ESCUROS 
 
Em algum lugar longe daqui. 
 
O décimo passo: “caminho de Volta”. Vogler explica: “essa fase marca a decisão 
de voltar ao Mundo Comum. O herói compreende que, em algum momento, vai 
ter que deixar para trás o Mundo Especial, e que ainda há perigos, tentações e 
testes à sua frente.” (VOGLER, 2006, p. 64). 10 
 
CENA 130. RUA. EXT. DIA 
 
De mãos dadas, o GRUPO caminha pela rua, entrando 
nesse mundo novo e estranho. As ruas estão vazias e 
silenciosas, a não ser por um pedestre cego ocasional, 
 
9 MCKELLAR, 2010 
10 VOGLER, 2006. p.64 
 
 
 
correndo precipitado como uma criatura submarina. Há 
lixo espalhado por toda parte. Uma mulher exausta se 
agacha na calçada para urinar. Carros abandonados no 
meio da rua servem de abrigos para transeuntes. Dois 
homens idosos dormem abraçados em um sedan sem 
porta, sem perceber que o sol já nasceu. A MULHER DO 
MÉDICO está abismada com a dimensão do que vê. 
Parece que a sociedade foi apagada e uma nova raça de 
homens está evoluindo diante de seus olhos: os cegos. 
Ela é uma relíquia do passado. 
 
O décimo primeiro passo é a “Ressureição”. Vogler reforça que “a força do destino 
oferece uma série mais complexa de testes finais, e o herói enfrenta a morte de 
variadas maneiras.” (VOGLER, 2006, p. 65). O roteiro de Mckellar evidencia as 
sequências 135 e 136, quando a Mulher do Médico está no açougue e é atacada.11 
 
CENA 135. PORÃO DO AÇOUGUE. INT. DIA 
 
Subitamente, a MULHER DO MÉDICO é acometida pelo 
medo. Agachada, ela avança, tateando em busca de 
algo, qualquer coisa. Não vê nada. Está um escuro 
impenetrável. Preto. Ela bate em algo de metal, uma 
prateleira? Ela se arrasta para a frente, com as mãos ao 
logo do metal, garrafas tilintando, caixas, latas. Barulho 
de algo que cai no chão e se despedaça. Um farfalhar. 
Um palito de fósforo é riscado iluminando o porão: a 
MULHER DO MÉDICO está numa sala de armazenamento 
cheia de tesouros: compotas, salsichas, enlatados. Uma 
salsicha em particular parece tão atraente que ela tem 
que quebrá-la para abrir e comer um pouco ali mesmo. 
Com uma força recuperada, ela pega algumas sacolas de 
plástico do chão e começa a enchê-las com os produtos. 
E novamente a heroína é testada. 
 
CENA 136. AÇOUGUE. INT. DIA 
 
 
11 MCKELLAR, 2010 
 
 
 
A MULHER DO MÉDICO agora está carregando várias 
sacolas recheadas de suprimentos. Suavemente, ela 
fecha a porta. 
 
VELHO DA VENDA PRETA (V.O) 
 
“O que eu devo fazer? – Ela perguntava a si mesma. Eu 
poderia gritar: “tem comida no porão”. Aproveitem ao 
máximo. Deixamos a porta aberta.” E ela poderia ter 
feito isso, mas não disse nada. 
Neste momento, uma figura entra no corredor estreito. 
 
FAMINTO 
 
O que você tem aí? O que você está comendo? Tem 
cheiro de carne. 
Ele agarra a MULHER DO MÉDICO. Ela o empurra e o 
joga para dentro da loja. A comoção já alertou a todos 
na loja para o fato de que há uma estranha no meio 
deles, carregando comida. Eles dão estocadas nela, 
cegamente. A MULHER DO MÉDICO é forçada a lutar 
para passar por eles até a porta. Ela empurra vários ao 
chão e solta os dedos deles, com dificuldade, quando 
eles agarram as roupas dela, gemendo de dor, ganindo 
de desespero. Ela está quase à porta quando um faminto 
agressivo entra no caminho dela. “Dê para mim, dê para 
mim”. Ele agarra o pulso dela e joga-a no chão. O resto 
da HORDA se aproxima, vinda de todos os cantos. 
Subitamente, o MÉDICO entra e empurra o homem para 
o lado. 
 
MÉDICO 
 
Deixe-a sozinha! Meu bem, me dê a mão. 
Mas o resto dos devoradores ainda está chegando. Um 
particularmente agressivo agarra as sacolas de comida e 
arranca uma da MUHER DO MÉDICO. Ela se espalha no 
chão e imediatamente os devoradores atacam-na como 
 
 
 
chacais. Os conteúdos são espalhados como vísceras, 
revolvidos e dilacerados. A distração é suficiente para 
permitir que o MÉDICO ajude a esposa a sair. Ela agarra 
as sacolas restantes contra o peito. 
 
O décimo segundo e último passo é o “Retorno com o Elixir”. Para Vogler “o herói 
retorna ao Mundo Comum, mas a jornada não tem sentido se ele não trouxer de 
volta um Elixir, tesouro ou lição do Mundo Especial.” (VOGLER, 2006, p. 66). Os 
valores da jornada do herói é que são importantes, sentenciou o pesquisador 
(2006), afinal, o herói volta transformado na jornada. O retorno ao Mundo Comum 
ocorre na sequência 143, quando todos retornam para casa do Médico e estão 
salvos. 12 
 
CENA 137. AÇOUGUE/RUA. EXT. DIA 
 
Pela primeira vez desde que surgiu a Praga Branca, o 
MÉDICO está conduzindo a esposa. O episódio na 
despensa mexeu seriamente com ela, que está 
resfolegando, suas pernas estão tremendo. Mas ela 
continua a caminhar penosa, quase correndo, ansiosa 
para encontrar um local de refúgio. Sem o braço do 
marido em seu ombro, sem dúvida ela cairia. Enfim, ela 
cai na calçada, com as sacolas de comida aos seus pés. 
O MÉDICO se abaixa para consolá-la. 
 
MÉDICO 
 
Tudo bem, está tudo bem. Você está salva agora. Ambos 
estamos. 
Agora, fique aqui, só vou voltar para pegar as roupas 
enquanto ainda me lembro onde estão. 
A MULHER DO MÉDICO acena com a cabeça. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
 
12 MCKELLAR, 2010 
 
 
 
OK. Vá. 
Ele vai. Sozinha agora, a MULHER DO MÉDICO olha em 
volta para se orientar. A cidade está imunda e já parece 
estar se decompondo. À esquerda, dois cachorros 
sarnentos estão brigando numa pilha de lixo. Ou será 
que é um cadáver? A MULHER DO MÉDICO começa a 
chorar. Começa a chover. As gotas de chuva se misturam 
às suas lágrimas. Um dos cães brigando avista a MULHER 
DO MÉDICO. Talvez a visão da mulher chateada reavive 
alguma memória de contentamento doméstico no animal, 
alguma compaixão pela humanidade. De qualquer forma, 
humildemente, com a cabeça abaixada, o CÃO DAS 
LÁGRIMAS avança furtivamente para a mulher e oferece 
a cabeça para um cafuné. A MULHER DO MÉDICO aceita 
a oferta. Ela dá um abraço no cachorro. O cachorro, em 
troca, lambe as lágrimas do rosto dela. 
 
MÉDICO 
 
Dê-me sua mão. Está começando a chover. 
O MÉDICO voltou com as roupas. Sua mão é oferecida à 
esposa. 
 
Em outra sequência do roteiro, temos A MULHER DO 
MÉDICO, celebrando o retorno para casa.13 
 
CENA 150. QUARTO DO CASAL. INT. NOITE 
 
O MÉDICO e sua esposa fazem amor em sua própria 
cama. Sua paixão é íntima e humana. O MÉDICO rola 
para o canto, com o rosto molhado de suor ou lágrimas. 
Sua esposa percorre com a mão o peito e o pescoço 
dele. 
 
MÉDICO 
 
 
13 MCKELLAR, 2010 
 
 
 
 
Às vezes, quando fazíamos amor, eu fantasiava sobre 
outras mulheres. 
A MULHER DO MÉDICO interrompe a carícia. 
 
MULHER DO MÉDICO 
 
Ah. 
 
MÉDICO 
 
Mas agora, quando eu fantasio, quando penso numa 
mulher... eu vejo seu rosto. Apenas o seu rosto. 
A MULHER DO MÉDICO está comovida. Ela se aproxima 
mais do marido. 
 
Jeannie Novak chama atenção para a diferença na construção narrativa dos 
games. Segundo Novak “em um game, todo o tempo do mundo está disponível 
para introdução de tramas paralelas, surpresas, reviravoltas e outros truques que 
ajudam a criar tanto a ilusão de liberdade para o jogador como a aparência de um 
mundo mais realista que oferece experiênciaslimitadas.” (NOVAK, 2011, p. 126). 
Outro fato a ser levado em consideração é que os jogadores também têm a opção 
de escolher diferentes caminhos em um game e isso enriquece mais a experiência 
com o mesmo. 
Arquétipos; 
Foi Carl Gustav Jung que, em 1919, apresentou o conceito de arquétipo. O 
psicanalista suíço usou o termo para falar de antigos padrões de personalidade 
que são uma herança compartilhada por toda raça humana. 
Segundo Jung, pode existir um inconsciente coletivo que seja semelhante ao 
inconsciente individual. Para o psicanalista há tipos recorrentes de personagens e 
suas relações, tais como: herói que parte em busca de alguma coisa, arautos que 
os chamam à aventura. Jung (2002) apontou que os contos de fadas e os mitos 
seriam como o sonho de uma cultura inteira. Essa visão constitui a base da nossa 
 
 
 
conexão com certos tipos de personagens universais. Como esclarece Jeannie 
Novak, “esses arquétipos são usados em todos os meios de entretenimento para 
reforçar a conexão do público com a história.” (NOVAK, 2011, p. 157) 
Com o desenvolvimento da narrativa o conceito de arquétipo passou a ser 
utilizado na construção das personagens. Vogler pontua “Se você descobrir qual a 
função do arquétipo que um determinado personagem está expressando, isso 
pode lhe ajudar a determinar se o personagem está jogando todo o seu peso na 
história.” (VOGLER, 2006, p. 70). 
Os arquétipos mais comuns. 
 
Quadro do arquétipo. VOGLER, 2006, p. 72 
Não é possível escrever uma trama sem arquétipos. Os próprios contos de fadas 
apresentam figuras arquetípicas como: o lobo, o caçador, a bruxa etc. Os mais 
conhecidos são: 
 
 
 
 
Herói 
É sempre o protagonista da história. Pode ser homem ou mulher, adulto ou 
criança. É aquele personagem por quem o público vai torcer, com quem vai se 
identificar e acima de tudo será um personagem em busca de um bem maior, pois 
vai se sacrificar em benefício dos outros. Esse arquétipo deve ter qualidades 
universais. Vogler destaca que há dois tipos de heróis: 
1. Os decididos, ativos, loucos por aventuras, que não 
têm dúvidas, do tipo sempre-em-frente, automotivados. 
2. Os pouco dispostos, cheios de dúvidas e hesitações, 
passivos, que precisam ser motivados ou empurrados por 
forças externas para se lançarem numa aventura. Os dois 
tipos são capazes de garantir histórias muito divertidas, 
embora um herói mais passivo no decorrer de toda a 
narrativa possa ser responsável por uma experiência 
dramática sem muito envolvimento. Geralmente, é 
melhor que um Herói pouco disposto mude em algum 
ponto da história, e se torne ligado à aventura depois 
que lhe é fornecida alguma motivação necessária. 
(VOGLER, 2006, p. 83). 
 
Mentor: Velha ou Velho Sábio 
Esse arquétipo, de maneira geral, é uma figura positiva e que sempre surge nas 
histórias para ajudar o herói. Para Vogler (2006), esses arquétipos se expressam 
em todos aqueles personagens que ensinam e protegem os heróis e lhes dão 
certos dons. Ensinar ou treinar é uma característica do Mentor. Ainda segundo 
Vogler: 
Os mentores fornecem aos heróis motivação, inspiração, 
orientação, treinamento e presentes para a jornada. 
Todo herói é guiado por alguma coisa, e uma história 
que não reconheça isso e não deixe um espaço para essa 
energia estará incompleta. Quer se exprima como um 
 
 
 
personagem concreto ou como um código de conduta 
interno, o arquétipo do Mentor é uma arma poderosa nas 
mãos do escritor. (VOGLER, 2006, p. 101). 
Guardião de Limiar 
Ao longo da narrativa todos os heróis enfrentam obstáculos. A função dramática 
do Guardião de Limiar é testar o herói. Vogler destaca que: 
“Uma das maneiras mais eficazes de lidar com um 
Guardião de Limiar é “entrar na pele” dele, assim, como 
um caçador procura entrar na mente de um animal 
perseguido. Os índios das planícies usavam peles de 
búfalo para se aproximar da manada de bisões numa 
distância que lhes permitisse atirar com o arco. O herói 
pode conseguir ultrapassar um Guardião de Limiar 
penetrando no seu espirito ou adquirindo sua aparência. 
Um bom exemplo ocorre no segundo ato de O mágico de 
oz, quando o homem de Lata, o Leão Medroso e o 
Espantalho vão ao castelo da Bruxa salvar Dorothy, que 
fora raptada. A situação parece sem esperanças: Dorothy 
está dentro de um castelo fortificado, defendido por um 
regimento de soldados de aspecto ameaçador que 
marcham de um lado para o outro, cantando. Não há 
possibilidade de que os três amigos consigam derrotar 
uma força dessas. Contudo, nossos heróis são 
emboscados por três sentinelas e, no entanto, os 
derrotam e se apossam dos uniformes e armas. 
Disfarçados de soldados, juntam-se ao final de uma 
coluna em marcha, e assim entram no castelo. 
Transformaram um ataque em uma vantagem. (VOGLER, 
2006, p. 105) 
Arauto 
Assim como os arautos da cavalaria medieval, este arquétipo surge na 
narrativa, lançando desafios ou anunciando uma mudança. Vogler completa: 
 
 
 
 O arauto pode entrar em cena em praticamente 
qualquer ponto da história, mas é empregado com 
frequência no primeiro ato, para ajudar a impelir o herói 
à aventura. Seja um chamado interior, um 
desenvolvimento externo ou um personagem com 
notícias de mudanças, a energia do Arauto é necessária 
em quase toda história. (VOGLER, 2006, p. 113) 
Camaleão 
Este arquétipo tem a função na narrativa de funcionar como uma máscara. Nada é 
o que aparece ser. Para Vogler, o Camaleão: 
É um dos arquétipos mais flexíveis e serve a uma 
variedade protética de funções nas histórias modernas. É 
encontrado, geralmente, nas relações entre homem e 
mulher, mas pode ser muito útil também em outras 
situações, quando se deseja retratar personagens cuja 
aparência ou comportamento se alteram para satisfazer 
às necessidades da história. (VOGLER, 2006, p. 121) 
Sombra 
Este arquétipo representa a face escura do personagem. O lado dark, obscuro. 
Vogler explica: 
A face negativa da Sombra, nas histórias, projeta-se em 
personagens chamados de vilões, antagonistas ou 
inimigos. Os vilões e inimigos, geralmente, dedicam-se à 
morte, à destruição ou à derrota do herói. Os 
antagonistas podem não ser tão hostis - podem ser 
aliados que têm o mesmo objetivo, mas discordam do 
herói quanto à tática. (VOGLER, 2006, p. 123) 
Pícaro 
É um arquétipo muito popular no folclore e nos contos de fadas. Surgem em geral, 
como palhaços ou manifestações cômicas na narrativa. Vogler (2006) elucida que 
 
 
 
os pícaros cumprem várias funções psicológicas importantes, pois podam os egos 
grandes demais e ainda trazem heróis e plateias para a realidade. Para Vogler: 
Os heróis da comédia, de Carlitos aos irmãos Marx, são 
pícaros que subvertem o status quo e nos fazem rir de 
nós mesmos. Os heróis de outros gêneros, muitas vezes, 
têm que usar a máscara do Pícaro para enganar uma 
Sombra ou passar por um Guardião de Limiar. (VOGLER, 
2006, p. 133). 
Narrativa nas Mídias Interativas 
Design Narrativo para Artefatos Digitais 
Para Henri Jenkins, uma história transmídia: 
Desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, 
com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e 
valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa 
transmídia, cada meio faz o que faz de melhor - a fim de 
que uma história possa ser introduzida num filme, ser 
expandida pela televisão, romances e quadrinhos, seu 
universo possa ser explorado em games ou 
experimentado como atração em um parque de 
diversões. (JENKINS, 2009, p. 138). 
Na visão de Jenkins, uma obra transmidiática abre um espaço para ser preenchidopelo público no vazio da narrativa. 
O design narrativo busca ampliar a história aplicando a qualquer mídia, 
reconfigurando seu objeto de uso para interação. Os artefatos digitais como 
tablets, smartphones, apps, e e-books funcionam como artefato interativo e 
midiático, trazendo como características lúdicas o design de games. Enquanto a 
narrativa clássica da literatura propõe ao leitor criar seu mundo imaginário, os 
artefatos digitais apresentam mundos construídos e suas possibilidades de 
interação e recriação. 
 
 
 
Na concepção dos elementos narrativos nos games, Jeannie Novak afirma que 
“existem vários elementos narrativos que são específicos dos games, muitos dos 
quais diferem dos elementos narrativos tradicionais. Esses elementos incluem a 
interatividade, a não linearidade, o controle pelo jogador, a colaboração e a 
imersão.” (NOVAK, 2011, p. 139) 
A narrativa visual nos jogos bidimensionais e tridimensionais 
Os jogos bidimensionais (2D) são aqueles nos quais não podemos mover a 
câmera em movimentos circulares, ao passo que nos jogos tridimensionais (3D) 
podemos movê-la e assim observar todas as dimensões de um objeto 
tridimensional. Como exemplo de game 2D, temos a franquia Mario e Mortal 
Kombat. O pesquisador Gabriel Cavalcanti define as diferenças entre os jogos. Nos 
bidimensionais “a personagem pode se movimentar apenas em dois sentidos, para 
frente e para trás e possui apenas visão lateral.” (CAVALCANTI, 2015, p. 24). Já 
os jogos tridimensionais, “são aqueles nos quais podemos nos movimentar no 
jogo em todas as direções, não só apenas para frente e para trás e podemos ver o 
objeto nos três eixos X, Y e Z, ou seja, em suas três dimensões, por isso objetos 
tridimensionais.” (CAVALCANTI, 2015, p. 24) 
O cinema tem uma linguagem própria; o advento das novas tecnologias trouxe 
uma vasta ampliação na forma de contar uma história e os jogos bidimensionais 
surgem incorporando essa linguagem. Em sua obra Design de Games: Uma 
abordagem Prática, Paul Schuytema apresenta todas as etapas de 
desenvolvimento de um jogo digital, da pré-produção a pós-produção. Schutema é 
quem define o que é o jogo digital: 
Um game é uma atividade lúdica composta por uma série 
de ações e decisões, limitado por regras e pelo universo 
do game, que resultam em uma condição final. As regras 
e o universo do game são apresentados por meios 
eletrônicos e controlados por um programa digital. As 
regras e o universo dos games existem para proporcionar 
uma estrutura e um contexto para as ações de um 
jogador. As regras também existem para criar situações 
 
 
 
interessantes com o objetivo de desafiar e se contrapor 
ao jogador. As ações do jogador, suas decisões, escolhas 
e oportunidades, na verdade, sua jornada, tudo isso 
compõem a “alma do game”. A riqueza do contexto, o 
desafio, a emoção, e a diversão da jornada de um 
jogador, e não simplesmente a obtenção da condição 
final, é que determinam o sucesso do game. 
(SCHUYTEMA, 2008, p. 7) 
A interatividade no cinema e nos jogos eletrônicos 
Nas últimas décadas, o espaço de interação com o cinema se ampliou. Se hoje 
debatemos e falamos sobre a participação ativa do telespectador, é preciso 
ressaltar que esses avanços seguiram por caminhos bem trilhados pelos seus 
realizadores. 
Jenkins diz que os consumidores não apenas assistem aos meios de comunicação, 
“eles também compartilham entre si ao que assistem - seja usando uma camiseta 
proclamando sua paixão por determinando produto, postando mensagens numa 
lista de discussão, recomendando um produto a um amigo ou criando uma 
paródia de um comercial que circula na internet.” (JENKINS, 2009, p. 103). 
Jenkins ainda completa que muitos guias de roteiristas “falam sobre a “jornada do 
herói”, popularizando as ideias de Campbell, e designers de games são, do mesmo 
modo, aconselhados a sequenciar as tarefas que seus protagonistas devem 
desempenhar em provações físicas e espirituais semelhantes.” (JENKINS, 2009, p. 
173). Para o americano, essa familiaridade com a estrutura básica do enredo 
permite ao roteirista omitir sequências transicionais jogando o público direto no 
centro da ação. 
Um exemplo desse universo do entretenimento em que temos cinema e game é 
filme Matrix. Construído para a era da convergência, conforme pontuam muitos 
críticos, o filme procura integrar múltiplos textos para criar uma narrativa tão 
ampla que não podia ser contida somente em uma mídia. Criado pelos irmãos 
Wachowski, o jogo transmídia logo se estabeleceu. Primeiro exibiram o filme 
original, depois alguns quadrinhos na internet para instigar mais a curiosidade do 
 
 
 
público. Para a sequência do segundo filme foi lançado um game para 
computador, o que provocou mais curiosidade e aderência dos fãs. Matrix 
Reloaded obteve U$134 milhões de lucro nos primeiros quatro dias após o 
lançamento. 
Em uma ampliação da leitura e interpretação de Matrix, podemos dizer que é uma 
obra que faz referência aos arquétipos de gêneros populares (o hacker, os 
misteriosos homens de preto etc) e às fontes da mitologia (Morfeu, Perséfone, o 
Oráculo). 
Se protagonistas e antagonistas são arquétipos óbvios, e não personagens 
individualizados, romanescos ou complexos, são imediatamente reconhecíveis, 
observou Jenkins. O mesmo pontua: 
Essa dependência de personagens recorrentes é 
especialmente importante no caso dos games, 
cujos manuais de instruções e cenas iniciais os 
jogadores muitas vezes ignoram, concedendo 
pouco tempo para explicações antes de 
agarrarem o controle e tentarem navegar pelo 
universo do jogo. Críticos de cinema muitas 
vezes comparam os personagens de Matrix a 
personagem de videogame. Roger Ebert, por 
exemplo, sugere que avaliava sua preocupação 
com Neo, em Revolutions, menos em termos de 
afeição pelo personagem e “mais como a 
pontuação de um videogame. Dá para imaginar o 
programa se reiniciando e, depois, todos aqueles 
pequenos zeros e uns se reorganizando para 
começar o jogo outra vez. (JENKINS, 2009, p. 
174). 
 Fonte site: Adoro cinema 
 
 
 
 
A mitologia da parte final foi toda transferida para um jogo. A ideia não agradou a 
todos. Na ocasião, muitos críticos de games disseram que os games dependiam 
muito do conteúdo do filme e não ofereciam experiências suficientes para os 
novos jogadores. Jenkins reforça que “muitos fãs manifestaram decepção porque 
suas próprias teorias sobre o universo de Matrix tinham mais riqueza e nuance do 
que qualquer coisa que viram na tela. (JENKINS, 2009, p. 139) 
Abaixo o link do trailer oficial do filme. 
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-19776/trailer-19351181 
Narrativa emergente e narrativa embutida 
Os games têm como característica o nível de interatividade. Para Jeannie Novak, 
“os games contam histórias de maneira bastante semelhante aos filmes, 
dedicando muito mais atenção aos aspectos visuais e superficiais do que ao 
contexto ou ao personagem.” (NOVAK, 2011, p. 138). 
O pesquisador Eric Zimmerman apresenta uma divisão de narrativas em relação 
aos games. Em sua obra “Rules of play”, ele define dois tipos de narrativa. A 
narrativa embutida, que se entende como aquela imutável, que faz parte do 
roteiro do jogo e o jogador não consegue modificar (Zimmerman, 2003), e a 
narrativa emergente, que é aquela construída para o jogador interagir, de acordo 
com seus atos e sua participação ativa (Zimmerman, 2003). 
Jeannie Novak completa que “outras tradições narrativas, também foram 
incorporadas aos games na forma de música, efeitos sonoros, locução e diálogo, 
bate-papo entre os jogadores e legendas de diálogos na tela.” (NOVAK, 2011,p. 
122). A interatividade permite a dois jogadores tomarem decisões e passarem por 
experiências diferentes. 
http://www.ericzimmerman.com/info.html 
 
 
 
 
Construindo Contextos 
Para construir o universo ficcional e seus contextos, é preciso falar do modelo 
transmídia. Para Jenkins, o modelo transmídia: 
Está intimamente ligado às grandes mudanças, no modo 
como a indústria televisiva americana encara seus 
consumidores - distanciando-se de um modelo baseado 
em hora marcada para um paradigma com base na 
televisão de envolvimento. Essas mudanças no contexto 
da audiência levaram as indústrias da televisão e da 
publicidade a procurar mecanismos alternativos de 
mediação do envolvimento da audiência. (JENKINS, 
2009, p. 167) 
Para Foucault, a “Função autor expressa modos de existência, de circulação e de 
funcionamento de alguns discursos.” (FOUCAULT, 1992, p.46). Em suma, 
estabelece relação de quem faz, com aquilo que foi feito. No trabalho de 
roteirização de um game para um filme sempre vai existir esta comparação, onde 
se esquece que a proposta é para um outro código de comunicação. Quem é o 
autor de uma obra fílmica? A disputa é saudável, quando o bom roteirista procura 
somar novos elementos à trama já pronta e busca enriquecer a narrativa. Porém, 
no contexto do audiovisual o resultado sempre é coletivo. José Francisco Serafim 
salienta que: 
 
Podemos por um lado vincular a autoria ao viés 
formal/estético da obra e ao seu caráter original e 
criativo. Podemos também pensar do ponto de vista 
jurídico e do mercado onde essas obras circulam, e do 
direito autoral, e nesse caso o termo autor é destinado a 
qualquer pessoa que tenha realizado uma obra, no caso 
audiovisual, e que terá em decorrência desse fato 
direitos – financeiros - sobre ela. (SERAFIM, 2009, p. 15) 
 
A relação entre texto e imagem acompanha o caminho literário desde a Arte 
poética de Aristóteles (1984), através da expressão ut pictura poesis, ou seja, 
 
 
 
pintura é poesia. A linguagem poética é apresentada também como imagem. 
Segundo François Jost, “o cinema mantém laços profundos com a pintura, menos 
pelo paralelismo destes efeitos, quadro, cores, luz, menos pela analogia de seu 
dispositivo, numa palavra: por sua relação ao olho, à vista e à visão, do que por 
sua relação à mão na qual deve-se buscar o estatuto do autor de filme.” (JOST 
apud SERAFIM, 2009, p. 15). 
 
Na linha de transcodificação da página para tela, cabe ao roteirista não se deixar 
influenciar pelo já proposto e aproveitar as habilidades e truques da escrita 
cinematográfica para expandir o universo da trama. Encontrar a voz que conta a 
história, o fio condutor é o primeiro desafio em meio a tantos outros, enquanto o 
trabalho do romancista é encontrar uma voz que irá alcançar o leitor. Diante do 
levantamento proposto, como definir o conceito de autor e autoria para o 
audiovisual, em um universo cada vez mais interativo? 
 
A questão da autoria é bastante controversa e polêmica no cenário 
contemporâneo. Para Lev Manovich (2004), vivemos a “Era do remix”, ou seja o 
que predomina são colagens e fusões. Não há como ignorar as diferenças notáveis 
no processo de construção literária e cinematográfica. O conceito de “Autoria” 
surge desde os Gregos, com Homero, passando por Platão, Aristóteles, entre 
outros. Segundo Flávio Campos, “os dramaturgos da Grécia Antiga escreveram 
suas tragédias a partir de mitos fornecidos pela tradição, Homero compôs a Ilíada 
e a Odisseia a partir de mitos fornecidos pela tradição e de relatos de batalha.” 
(CAMPOS, 2007, p. 293). 
 
O avanço da tecnologia e suas transformações nos fizeram mudar a forma de ver 
a escrita e a leitura e, consequentemente, transformaram o jeito de percebermos 
a questão da autoria e a concepção de autor. Para Manovich, “se o pós-
modernismo define a década de 80, o remix definitivamente está dominando o 
começo deste século (2000) e provavelmente continuará na próxima década.” 
(MANOVICH, 2004, p. 253). Com base na assertiva de Manovich, como podemos 
aplicar o conceito de autoria, tão em voga pela velocidade da internet, em um 
 
 
 
processo de adaptação para o cinema? É preciso trazer para a discussão alguns 
conceitos e confrontá-los. 
 
O conceito de autoria no âmbito da literatura passou a ter visibilidade com o 
surgimento da filosofia. A recombinação de códigos é uma prática antiga na 
humanidade, seja pela reformulação de estilos ou linguagens. Manovich 
exemplifica que “a Roma Antiga remixou a Grécia Antiga, o Renascimento remixou 
a Antiguidade.” (MANOVICH, 2004, p. 253). Já Regina Zilberman entende que “a 
escrita ocidental apareceu durante o século VII a.C. Sua utilização para registro de 
obras individuais teve de esperar alguns séculos, ocorrendo a partir da época em 
que Platão redigiu seus diálogos e foram fixados os textos das epopeias.” 
(ZILBERMAN, 2001, p.1). Uma vez legitimada a forma escrita, a identificação do 
autor tornou-se necessária. 
 
Mas seria uma adaptação para o audiovisual somente um remix? O filósofo Walter 
Benjamin (1994) já havia apontado que as obras da reprodutibilidade técnica 
chegavam a lugares e pessoas em que as obras originais não poderiam chegar, e 
mesmo o livro impresso não podia atingir tal público, e isso democratizava o 
acesso às obras. Em diálogo com uma adaptação literária, uma vez que o livro é 
transposto para o cinema ou para a televisão, essa última com um vasto público, a 
possibilidade de futuramente alcançar mais leitores é infinitamente maior. 
 
Dentro do contexto da cultura da convergência, o escritor Bruce Sterling fala sobre 
o filme Matrix, considerado um marco na narrativa transmídia e em suas 
diferentes adaptações. 
 
Em primeiro lugar, o filme tem elementos de atração 
pop. Todos os tipos de elementos: ataques suicidas por 
forças especiais de elite, choque entre helicópteros, artes 
marciais, uma inocente, mas apaixonada história de amor 
predestinado, monstros com olhos esbugalhados 
absolutamente de primeira qualidade, roupas de fetiche, 
cativeiro e tortura e resgate ousado, além de submarinos 
 
 
 
muito estranhos e bem legais... Há exegese cristã, um 
mito redentor, morte e renascimento, um herói em 
autodescobrimento. A Odisseia, Jean Baudrillard (muito 
Baudrillard, a melhor parte do filme), toques antológicos 
de ficção cientifica, da escola de Philip K. Dick, 
Nabucodosor, Buda, taoísmo, misticismo de artes 
marciais, profecia oracular, telecinesia, do tipo que 
entorta colheres, shows de mágica de Houdini, Joseph 
Campbell e metafísica matemática godeliana. (JENKINS, 
2009, p. 141) 
 
De acordo com Jenkins (2009), os irmãos Wachowski construíram um playground 
onde outros artistas puderam fazer experiências e que os fãs puderam explorar. 
 
Tal como um romance, o roteiro de um filme ou game ganha delineamento de 
personagens pelo entrecruzar de tramas, apresentadas nas ideias e enredo 
principal. É por um personagem condutor que vamos entrar no mundo 
desconhecido, seja no filme, romance ou game, e conhecer seus desdobramentos, 
assim como a ideologia do autor e sua visão de mundo. Voltamos à pergunta: 
Seria uma adaptação somente um remix, recorte ou uma obra original? Para 
Walter Benjamin, “contar histórias é sempre a arte de repetir histórias.” 
(BENJAMIN, 1992, p. 90). Porém, para repeti-las é preciso uma roupagem e isso 
traz em si o processo de criação. Tratando-se da sétima arte, ela nunca surge 
sozinha, visto que o trabalho de feitura do filme é sempre em equipe. 
 
Em relação aos games, Jeannie Novak, acrescenta: “o cenário ou contexto 
representao mundo que está sendo explorado pelo público, pelos personagens ou 
pelo jogador. Ao criar uma história para um game, pense no mundo em que seus 
personagens deverão viver e interagir.” (NOVAK, 2011, p. 133) 
 
Questões de adaptação e relações intertextuais entre outras expressões artísticas, 
como a literatura e os meios audiovisuais, fazem parte do próprio 
desenvolvimento da linguagem audiovisual. Para Linda Hutcheon (2011), com o 
surgimento das novas tecnologias e a convergência das mídias, a autoria passa 
 
 
 
obrigatoriamente pela adaptação. A pesquisadora lembra que ao dizermos que a 
obra é uma adaptação, anunciamos abertamente sua relação declarada com 
outra(s) obra(s). É isso que Gerard Genette entende “por um texto em ‘segundo 
grau’, criado e então recebido em conexão com um texto anterior” (GENETTE, 
1982, p. 5). Eis o motivo pelo qual os estudos de adaptação são frequentemente 
estudos comparados. Para Hutcheon (2011), isso é bem diferente de dizer que as 
adaptações não são trabalhos autônomos e que não podem ser interpretadas 
como tais, conforme vários teóricos têm insistido; elas obviamente o são. 
Construção de Personagens 
Para se contar uma narrativa é preciso ter um narrador, elemento que vai ser 
apresentado por um personagem, o qual irá conduzir a trama, o enredo principal e 
as tramas secundárias. São os personagens que vivem fatos ocorridos em um 
determinado tempo e espaço contados por alguém: o narrador. Este personagem 
é alguém com o qual o leitor/telespectador precisa se identificar, portanto 
necessita de uma empatia que desperte amor ou raiva, e até mesmo uma 
dubiedade para deixá-lo mais humano. Nessa força centralizadora, reside o 
protagonista, aquele que vai dar o rumo à história e seu antagonista, que fará 
força oposta. Segundo David Howard “mesmo nas estórias com muitos 
personagens, e com estrutura diferente, cada subenredo dentro da estória 
principal tem seu protagonista.” (HOWARD e MABLEY, 1996, p. 58). O conflito do 
protagonista pode ser interno (psicológico) ou externo. 
 
Para Mckee, a chave da verdadeira personagem é o desejo. Em suas palavras “a 
verdadeira personagem só pode ser expressa através de uma escolha em um 
dilema. Como a pessoa escolhe agir sob pressão é quem ela é – quanto maior a 
pressão, mais verdadeira e profunda a escolha da personagem.” (MCKEE, 2006, p. 
351). O conflito vivenciado pelo personagem pode ser de cunho social, religioso, 
econômico ou psicológico. Eis o ponto de partida. 
 
Protagonista vem do grego “prôtos (primeiro) e agonistés (combatente)”, essa é a 
definição apresentada por Flávio de Campos, que ainda esclarece sobre a escolha 
 
 
 
da personagem principal. Para Campos “a seleção de personagem principal da 
narrativa segue a mesma demanda da seleção do principal ponto de vista do seu 
narrador, estabelecer uma referência a partir da qual a narrativa será composta e, 
mais tarde, recebida pelo espectador – e assim, dar unidade e facilitar composição 
e recepção.” (CAMPOS, 2007, p. 108). A escolha do protagonista pelo senso 
comum pede um antagonista. Campos (2007) afirma que o que define o 
antagonista não é o seu perfil e sim sua função de antagonizar, e esclarece que 
“Por sua definição relativa – o antagonista existe apenas em relação ao 
personagem que ele antagoniza -, um antagonista tanto pode ser personagem 
redondo, quanto um tipo ou um arquétipo. E um personagem pode antagonizar 
outro na estória toda, num incidente, numa cena, num segmento de cena ou 
apenas numa fala, num gesto.” (CAMPOS, 2007, p. 151). 
 
Aristóteles, em sua obra Poética, no capítulo cinco, destaca que “assim como na 
composição da narrativa, a composição dos personagens também deve seguir o 
necessário ou o provável, de modo que, como as ações se desdobram segundo a 
necessidade ou a probabilidade, um personagem de determinado caráter fala e 
age segundo a necessidade ou a probabilidade.” (ARISTÓTELES, 1984, p. 56). 
 
Muito se discute hoje sobre o novo jeito de escrever um personagem. 
Personagens de seriados como: Família Soprano, Revenge e Breaking Bad, 
chamaram a atenção por trazerem para a narrativa um protagonista criado com 
atitudes politicamente incorretas e isso de fato humanizou o personagem e fez 
com que o público se identificasse. Mesmo as telenovelas brasileiras que fazem 
sucesso no Brasil e no exterior se adequaram a este caminho, procurando 
apresentar personagens críveis. Podemos destacar José Alfredo de Medeiros, 
protagonista da novela Império, de Aguinaldo Silva, e interpretado por Alexandre 
Nero. A novela ganhou o Emmy Internacional em 2015. Como não se lembrar de 
Carminha, interpretada por Adriana Esteves em Avenida Brasil (2012)? 
 
 
 
 
A respeito desta nova era de ouro da TV americana e seus respectivos 
personagens controversos, o roteirista Alan Ball declarou do impacto que lhe 
causou a escrita de Família Soprano. Foi Ball quem disse: 
 
A sensação que me deu foi de eu estar assistindo a um 
filme dos anos 1970. Era uma coisa tipo “sabe aquelas 
ideias de desenho animado sobre o bem e o mal? Pois 
pode esquecer. Vamos mostrar uma coisa que seja 
realmente real.” Os artistas estavam eletrizados. O 
roteiro era espetacular. O mais incrivelmente excitante 
de tudo, porém, era a complexidade moral, a 
complexidade dos personagens e dilemas. (BALL apud 
MARTIN, 2014, p. 97). 
 
Não podemos esquecer que se a televisão procurou trazer personagens mais na 
linha do politicamente correto, a literatura e o cinema já apresentavam 
personagens mais complexos há muito tempo. Podemos destacar O poderoso 
chefão, de Francis Ford Coppola (1972), e o romance Ligações Perigosas, de 
Choderlos de Laclos (1782), que na ocasião foi considerada pelos críticos como 
uma obra diabólica. 
 
O avanço da tecnologia cada vez mais oferece suporte para ampliação das 
narrativas. Hoje, um autor dificilmente se limita a criar um único universo em uma 
obra, os criadores procuram construir ambientes atraentes e que não se esgote 
em uma única mídia. O universo é maior do que o filme, maior até do que a 
franquia e, como ensinou Jenkins, “as especulações e elaborações dos fãs 
também expandem o universo em várias direções.” (JENKINS, 2009, p. 162) 
 
Na construção de personagens de game, Jeannie Novak defende: 
 
Os personagens de um game dividem-se em 
personagens de jogador e personagens não jogadores, 
também conhecidos como NPCs, uma abreviação de non-
player characters). Às vezes um único jogador pode 
 
 
 
controlar vários personagens de um jogador 
(frequentemente em grupo, como em uma equipe 
esportiva ou em tropas militares). (NOVAK, 2011, p. 
154). 
 
Mundos Transmídia 
 
A narrativa transmídia é diferente de uma adaptação. Ela é uma história que é 
contada por meio de múltiplas mídias. Não se trata de contar a mesma história em 
diferentes mídias. Como Henry Jenkins destacou em seu livro Cultura da 
convergência, “a narrativa transmídia se desdobra por meio de diferentes 
plataformas de mídia, onde cada texto de cada meio produz uma distintiva e 
valorosa contribuição para o todo”. (JENKINS, 2009, p. 29). 
O cinema, a literatura, os games e a teledramaturgia necessitam avidamente de 
histórias. E tramas, de preferência recheadas de aventura, romance, sexo e 
imagens sugestivas. 
Para Henri Jenkins: 
Uma história transmídia desenrola-se através de 
múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto 
contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. 
Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o 
que faz de melhor - a fim de que uma história possa ser 
introduzida num filme, serexpandida pela televisão, 
romances e quadrinhos, seu universo possa ser 
explorado em games ou experimentando como atração 
de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve 
ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme 
para gostar do game e vice-versa. Cada produto 
determinado é um ponto de acesso à franquia como um 
todo. (JENKINS, 2009, p. 138) 
O interesse do público é assistir a uma história bem contada. Uma grande obra é 
aquela em que o autor oferece várias possibilidades de ampliação dos seus 
núcleos e que possam ser explorados em diferentes mídias. Hutcheon avalia que 
 
 
 
uma adaptação “envolve, para seu público conhecedor, uma duplicação 
interpretativa, um movimento conceitual para frente para trás entre a obra que 
conhecemos e aquela que estamos experienciando.” (HUTCHEON, 2011, p. 189). 
E o audiovisual faz isso, juntando o referencial ao sonho, à magia. 
 
No mundo dos games, Jeannie Novak, destaca que “a narrativa de um game 
desempenha um papel significativo naquilo que é conhecido como imersão, 
situação em que a história, os personagens e o modo de jogar são tão poderosos 
e absorventes que os jogadores envolvem-se profundamente no mundo do 
game.” (NOVAK, 2011, p. 144) 
 
Com a narrativa interativa, hoje, faz-se necessário que o roteirista possa propor 
outros caminhos no ato da criação que, segundo Newton Cannito (2010), tenham 
não somente uma narrativa, mas um universo, incentivem rituais e, 
principalmente, favoreçam a formação de comunidades. 
 
Um exemplo que podemos destacar é o caso do seriado Lost. Segundo Cannito, 
em Lost “a narrativa é aparentemente tradicional, mas inova ao se expandir por 
outras mídias. O sucesso da série está relacionado às estratégias interativas.” 
(CANNITO, 2010, p. 193). O planejamento de interatividade levou o seriado muito 
além da televisão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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