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Concepções de Linguagem (...) A primeira concepção vê a linguagem como expressão do pensamento. Para essa concepção as pessoas não se expressam bem porque não pensam. A expressão se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução. A enunciação é um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece. As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia individual, e da capacidade de o homem organizar de maneira lógica se pensamento dependerá de a exteriorização desse pensamento por meio de uma linguagem articulada e organizada. Presume-se que há regras a serem seguidas para a organização lógica do pensamento e, consequentemente, da linguagem. São elas que se constituem nas normas gramaticais do falar e escrever “bem” que, em geral, aparecem consubstanciadas nos chamados estudos linguísticos tradicionais que resultam no que se tem chamado de gramática normativa ou tradicional (cf. Neder, 1992:35 e ss., que se pauta pelas ideias de Bakhtin, 1986). Portanto, para essa concepção, o modo como o texto, que se usa em cada situação de interação comunicativa, está constituído não depende em nada de para quem se fala, em que situação se fala (onde, como, quando), para que se fala. A segunda concepção vê a linguagem como instrumento de comunicação, como meio objetivo para a comunicação. Nessa concepção a língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor. Esse código deve, portanto, ser dominado pelos falantes para que a comunicação possa ser efetivada. Como o uso do código que é a língua é um ato social, envolvendo consequentemente pelo menos duas pessoas, é necessário que o código seja utilizado de maneira semelhante, preestabelecida, convencionada para que a comunicação se efetive. Dessa forma “o sistema linguístico é percebido como um fato objetivo externo à consciência individual e independente desta. A língua opõe-se ao indivíduo enquanto norma indestrutível, peremptória, que o indivíduo só pode aceitar como tal” (Neder, 1992:38). Essa concepção levou ao estudo da língua enquanto código virtual, isolado de sua utilização – na fala (cf. Saussure) ou no desempenho (cf. Chomsky). Isso fez com que a Linguística não considerasse os interlocutores e a situação de uso como determinantes das unidades e regras que constituem a língua, isto é, afastou o indivíduo falante do processo de produção, do que é social e histórico na língua – e que a separa do homem no seu contexto social. Essa concepção está representada pelos estudos linguísticos realizados pelo estruturalismo (a partir de Saussure) e pelo transformacionalismo (a partir de Chomsky) (cf. Neder, 1992:41, que adota ideias de Frigotto, 1990:20). Para essa concepção o falante tem em sua mente uma mensagem a transmitir a um ouvinte, ou seja, informações que quer que cheguem ao outro. Para isso ele a coloca em código (codificação) e a remete para o outro através de um canal (ondas sonoras ou luminosas). O outro recebe os sinais codificados e os transforma de novo em mensagem (informações). É a decodificação. A terceira concepção vê a linguagem como forma ou processo de interação. Nessa concepção o que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão somente traduzir e exteriorizar um pensamento, ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor). A linguagem é pois um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico. Os usuários da língua ou interlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e “falam” e “ouvem” desses lugares de acordo com formações imaginárias (imagens) que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais (cf. capítulo 6, quando falamos da questão do discurso). Como diz Neder (1992:42 e 43), citando Bakhtin (1986:123), para esta concepção “a verdadeira substância da linguagem não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada pela enunciação ou pelas enunciações (cf. nota 7). A interação verbal constitui, assim, a realidade fundamental da linguagem.” Dessa forma o diálogo em sentido amplo é que caracteriza a linguagem. (...) (TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º. e 2º. Graus. São Paulo: Cortez, 1998. p. 21-23.) Níveis de linguagem Você já deve ter percebido que as pessoas não falam sempre da mesma forma. O uso que cada falante faz da língua varia segundo seu nível de instrução, idade, região e a situação em que ocorre o ato de fala. É facilmente verificável, por exemplo, que uma criança não fala como um adulto; um professor em sala de aula não fala como se estivesse conversando em casa com a família, e um analfabeto não fala, certamente, como uma pessoa estudada. Podemos reconhecer, portanto, vários níveis de linguagem, mas, para efeitos didáticos, vamos agrupá-los basicamente em dois: o coloquial (ou informal) e o culto (ou formal). O nível coloquial é representado pelas formas de linguagem usadas na conversação diária, numa situação de informalidade. O nível culto caracteriza-se por uma linguagem mais obediente às normas gramaticais, estando, pois, menos sujeito a variações. É importante ressaltar, porém, que essa distinção não significa que um nível seja melhor que o outro. O que importa é a adequação do nível empregado à situação em que se produz o ato de fala. Se o objetivo de um indivíduo é falar para ser bem compreendido pelo ouvinte, ele deve saber usar convenientemente os níveis de linguagem. O conhecimento das várias possibilidades de organização de mensagens favorece uma pessoa, pois torna-a capaz de estabelecer contatos com interlocutores de formação variada e em situações diversas. Por outro lado, não devemos nos esquecer de que, em nossa sociedade, o conhecimento da norma culta é um dos meios de valorização social, além de permitir o acesso a formas mais elaboradas de cultura, tanto no campo da arte como no da ciência. Embora a língua escrita esteja sujeita a menos variações que a oral, essas observações também podem ser aplicadas a ela. Toda vez que escrevemos um texto, devemos ter em mente as características de nosso receptor e a natureza do tema. Se formos fazer uma dissertação sobre o problema da poluição, por exemplo, devemos usar o nível culto da linguagem; se, por outro lado, quisermos narrar a conversa de pessoas do povo, devemos saber utilizar adequadamente o nível coloquial. O grau de liberdade linguística de quem redige está relacionado com a adequação da linguagem à situação de comunicação e ao assunto a tratar. (TUFANO, Douglas. Estudos de redação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1985. p. 12-13.) Linguagem literária e não literária Linguagem literária Linguagem não literária Exploração da linguagem nas mais variadas formas de expressividade Precisão vocabular, explicitação de conceitos Fruição por meio do ficcional (recriação da realidade) Imparcialidade e comunicabilidade: exatidão e eficácia na comunicação Caráter subjetivo, pessoalidade Caráter objetivo, impessoalidadeSentido conotativo: plurissignificação Sentido denotativo: única construção do sentido Objetivo: entreter, expressar sentimentos Objetivo: informar, esclarecer Multiplicidade de formas, de estilos Padronização na estrutura, no estilo Liberdade de expressão Observância das regras gramaticais (padrão culto) Exs.: poemas, crônicas, contos, romances Exs.: artigos científicos, relatórios, resenhas, correspondências comerciais (FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. 13. ed. São Paulo: Ática, 1997. p. 349-357.) Variantes linguísticas A língua portuguesa, como qualquer outra, configura-se como um conjunto de variantes, isto é, não é um todo uniforme. Parafraseando Carvalho1, embora se fale português em Manaus, Salvador, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, todos estamos de acordo que, ainda que sejam pequenas as divergências observadas, não se fala em Recife da mesma forma como se fala em Sorocaba ou Piracicaba, cidades do Estado de São Paulo. As divergências aumentam se se compara a Língua Portuguesa falada em Portugal com a falada em qualquer cidade brasileira. É de salientar também que, embora dentro de uma mesma cidade, não se falam de forma idêntica seus moradores. Assim é que existe a diversidade, “realizando-se pois o que, na expressão de Schuchardt, constitui ‘a unidade na variedade e a variedade na unidade’”.2 (...) Segundo Carvalho3, a diversidade provém ou de fator de ordem geográfica (ou local), ou de ordem social (ou cultural). Enfim, a diversidade ou uniformidade de uma língua está condicionada por fatores extralinguísticos. Isto significa que há um processo de estratificação da língua “cuja estrutura e léxico funcionariam como elementos representativos da hierarquia social”.4 1 CARVALHO, José G. Herculano de. Teoria da linguagem. Coimbra: Atlântica, 1967/1973. v. 1, p. 297. 2 Idem, p. 297. 3 Op. cit. P. 297. 4 PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1977. p. 7. As variações extralinguísticas ocorrem devido a fatores: Sociológicos: variações originadas por idade, sexo, profissão, nível de estudo, classe social, raça. Geográficos: compreendem variações regionais. Indivíduos de diferentes regiões tendem a apresentar diversidade no uso da língua, particularmente com relação ao vocabulário e expressões idiomáticas e, no caso da língua falada, também prosódicas (sotaque). Contextuais: envolvem assunto, tipo de interlocutor, lugar em que a comunicação ocorre, relações que unem interlocutores. A língua, como sistema de signos convencionados que é, tem caráter social; ela possibilita que os membros de uma sociedade se comuniquem e estabeleçam relações humanas. Assim, entre língua e sociedade a relação não é de mera casualidade. A vida social supõe sempre o intercâmbio comunicacional que se realiza sobretudo pela língua. (MEDEIROS, João Bosco. Correspondência: técnicas de comunicação criativa. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 60-61.) Língua falada e língua escrita A língua mantém uma profunda vinculação com as situações em que é usada. A comunicação oral normalmente se desenvolve em situações em que o contato entre os interlocutores é direto: na maioria dos casos, eles estão em presença um do outro, num lugar e momento que, por isso, são claramente conhecidos. Dessa forma, quando conversam sobre determinado assunto, elaboram mensagens marcadas por fatos da língua falada. O vocabulário utilizado é fortemente alusivo: o uso de pronome como eu, você, isto, isso, aquilo ou de advérbios como aqui, cá, já, agora, lá possibilita indicar os seres e fatos envolvidos na mensagem sem nomeá-los explicitamente. Note que palavras desse tipo causam problemas de compreensão se não tivermos como detectar a que se referem. Na língua escrita, a elaboração da mensagem requer uma linguagem menos alusiva. O uso de pronomes e certos advérbios, eficiente e suficiente na língua falada, obedece a outros critérios, pois essas palavras passam principalmente a relacionar partes do texto entre si e não mais a designar dados da realidade exterior. Em seu lugar, vemo-nos obrigados a utilizar formas de referência mais precisas, como substantivos e adjetivos, capazes de nomear e caracterizar seres. A língua escrita, assim, demanda um esforço maior de precisão: devem-se indicar datas, descrever lugares e objetos, bem como identificar claramente os interlocutores no caso de representação de diálogos. Toda essa elaboração gera textos cuja compreensão não depende do lugar e do tempo em que são produzidos ou lidos: como a língua escrita busca ser suficiente em si mesma, redator e leitor não precisam da proximidade física para que a mensagem se transmita satisfatoriamente. Não pense, entretanto, que qualquer uma dessas duas formas de língua é melhor ou pior do que a outra: são apenas diferentes, cada uma delas apropriada a uma determinada forma de comunicação. (...) → A língua falada se concretiza por meio da emissão dos sons da língua, os fonemas. Na escrita, utilizam-se as letras, que não mantêm uma correspondência exata com os fonemas: há letras que representam fonemas diferentes (a letra x, por exemplo, em exame, xadrez e sintaxe); há fonemas representados por mais de uma letra (chave, por exemplo); há até casos em que a letra não representa nenhum fonema (h em homem, por exemplo). Fatos como esses fazem como que a ortografia se torne às vezes complexa; ora, é óbvio que essa questão afeta diretamente o manejo da língua escrita, tendo reduzindo influência sobre o código falado. → O código oral conta com elementos de expressividade que o código escrito não consegue reproduzir com muita eficiência. Destacamos a acentuação e a entonação, capazes de modificar claramente o significado de certas frases e que só são parcialmente recuperáveis por certas construções da língua escrita. Há, por exemplo, várias formas de falar a palavra sim, podendo-se atribuir-lhe significação oposta à usual. Na escrita, o que se pode fazer são construções do tipo: “Sim!”, disse ela, alvoroçada. “Sim...”, respondeu uma voz debilitada. “Sim?”, irrompeu, indignado. “Sim!”, observou ele, com profunda ironia. Além disso, a língua escrita utiliza a pontuação para sugerir certas características próprias da língua falada. Não se deve esquecer, entretanto, que a pontuação tem antes de tudo uma função organizadora dos enunciados, permitindo-nos dispô-los dentro de certa lógica. Essa função antecede uma eventual tentativa de reproduzir de forma escrita a melodia própria da língua falada. (INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto. 6. ed. São Paulo: Scipione, 1999. p.31-32.)
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