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Imagem antiga do Seminário Concór- dia (IELB): igreja e escola juntos Im ag em 5 7: IE LB Cultura Religiosa 70 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão O passado Em 1517, acontecimento já visto em tópi-co anterior, os fatos não se sucederam ao acaso, e isso por duas razões. Uma, e fun- damental, é a compreensão de que no universo, como na vida, as coisas não acontecem ao acaso. Deus, o criador e o mantenedor, é quem conduz a bom fim todas as coisas. Outra, decorrente des- ta, é que os acontecimentos que cercaram aquela data prepararam o evento atualmente denomina- do Reforma. Lutero, hoje o reformador, com a publicação de suas 95 Teses, desejava à época sustentar que a libertação das almas do purgatório dava-se por obra e graça divina, em Cristo Jesus, e que ne- nhum valor em dinheiro era capaz de fazer isso. Os fatos foram sendo desencadeados à medi- da que as discussões ocorriam. Inevitável, veio à tona o debate sobre o poder do papa e dos bispos sobre o sacramento da penitência. Acirraram-se as divergências. Para Lutero, a situação teológica definiu-se com a compreensão de que o justo é salvo pela fé nas promessas e nas realizações divinas já garan- tidas. A justiça é ato divino e sem nenhum me- recimento por parte do ser humano. Se assim é, como ficam as boas obras? Boas obras não obtêm a sal- vação. Elas são agradecimen- to pela salvação já dada na promessa divina. Num escrito de 1520, Sobre as boas obras, Lutero define o novo rumo do agir humano. A IGREJA LUTERANA E EDUCAÇÃO Discorrer sobre o vínculo existente entre a Igreja Luterana e a educação re- quer, inicialmente, uma volta ao passado – buscar as raízes, compreender o pre- sente e vislumbrar a caminhada futura. Por Prof. Ronaldo Steffen 70 Cultura Religiosa 71 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão fé é certeza de que a promessa divina de salva- ção será cumprida, e Deus faz isso como favor aos seres humanos. Receber um presente dessa natureza, ser considerado justo e salvo sem me- recer, provoca uma reação de agradecimento, a única possível: amar a quem nos presenteou e aos outros presenteados, também tornados justos por puro favor. Não é preciso mandar agradecer. É espontâneo, a partir do amor que Deus teve com a humanidade. Para agradar, o beneficiado não se eximirá de esforços agradecidos. Numa sociedade fortemente regulada pelas orientações emanadas das autoridades religio- sas, e por vezes cumpridas ou à força, ou contra a vontade, as implicações sociais e políticas de- correntes da idéia de que as boas obras não são definidoras nem da justiça, nem da salvação logo se evidenciam. Em outro escrito, também de 1520, À no- breza cristã da nação alemã sobre a reforma da Cristandade, Lutero propõe reformas no corpo cristão composto por todos os cristãos, indepen- dente dos papéis que desempenham. Príncipes, senhores, artesãos, camponeses, clérigos, todos, pelo batismo, fazem parte do corpo de Cristo, nele integrados pelo mesmo favor divino. Todos, religiosos ou clérigos, receberam a graça da salvação e podem agir, também na vida da cidade, por agradecimento. Todos estão no mesmo barco e na mesma di- reção: agem por agradecimento. As autoridades religiosas, cuja competência é veicular a Palavra de Deus e aplicar os sacramentos, agem com amor por terem sido amadas primeiro. As auto- ridades seculares, cuja competência é manter em boa ordem o corpo cristão, agem igualmente com amor por terem sido amadas primeiro. Quando uma parte falha, é preciso que a outra intervenha. Naquele momento, Lutero entendia que as auto- ridades religiosas estavam falhando e as autori- dades seculares deveriam intervir, empreenden- do as necessárias reformas, movidos por amor ao corpo de Cristo. Reflita:Diante de Deus, auto- ridades religiosas e civis têm a mesma direção: agir por agra- decimento. Quando uma falha, a outra deve intervir. Qual sua opinião? Entre as reformas necessárias, insere-se a das universidades e escolas. Lutero sugere que a Sagrada Escritura constitua a matriz do currícu- lo. Nas séries iniciais, meninos e meninas estuda- riam o Evangelho, em latim ou alemão. Continu- ariam os estudos superiores aqueles alunos que se destacassem nesse período, escolhidos pelos príncipes e conselhos das cidades. Nas escolas intermediárias, deveriam ser realizados estudos que remetessem à reflexão e à observação da na- tureza, além do estudo das línguas (latim, grego, hebraico), da matemática e da história. Em rela- ção aos cursos superiores de Direito, seria neces- sário dar ênfase ao direito civil e, quanto aos de Teologia, as Escrituras deveriam ser enfatizadas como objeto principal dos estudos. A dimensão política do amor seria amplia- da em outro escrito, de 1523, Sobre a autoridade secular. Lutero torna mais transparente que exis- tem dois reinos ou regimes, o de Deus e o do mundo. O reino de Deus é integrado por todos aqueles que, agradecidos pelo favor recebido, já atuam movidos por amor. Em tese, não preci- sam do regime secular, mas submetem-se a ele e preservam-no a fim de que seu próximo seja beneficiado. O reino do mundo é integrado por todos aqueles que também receberam o favor, muito embora alguns ainda ajam movidos pelo egoísmo e precisem ser controlados para que no corpo cristão haja dignidade. Em tese, o cristão não precisa das regras do mundo secular, mas a elas se submete devi- do aos não-cristãos, a fim de manter a boa ordem do mundo. Analise essa afirmação tendo em vista a questão do aborto. Cabe à educação, nos diferentes níveis, um Cultura Religiosa 72 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão papel relevante. Orientar as consciências para que as pessoas saibam como se conduzirem é tarefa que cabe não somente aos religiosos, mas também às autoridades e aos pais. À medida que se aprofundam as diferenças entre Lutero e seus seguidores e a Igreja Católica Apostólica Romana, também seus escritos com referência à educação vão se tornando mais espe- cíficos. É assim na carta aberta Aos prefeitos das cidades alemãs, escrita em 1524. A Reforma provocara um desestímulo à entrada nos mosteiros, justamente onde se en- contravam as escolas. Sozinhos, os pais não conseguiriam educar seus filhos. Lutero apela às autoridades civis cristãs para que tomem a si a responsabilidade da educação, movidas por amor. Zelar pelo bem-estar da cidade inclui a formação de cidadãos instruídos, hábeis e sábios, que tenham condições de adquirir e aumentar terras e propriedades. Daí que investir em edu- cação e na formação de cidadãos é concretizar a ética do amor. No que se refere ao reino do mundo, Lutero entende que o estudo das artes e das línguas é que proporciona a formação de homens capazes de reger domínios e mulheres habilitadas para governar filhos e empregados. No tocante ao rei- no de Deus, entende que, igualmente, é preciso estudar as artes e as línguas a fim de melhor en- tender as Escrituras e saber conduzir os negócios seculares. Educação por amor, na vida secular, habilita homens e mu- lheres ao governo das cidades e das famílias. Educação por amor, na vida religiosa, habilita a uma melhor compreensão das Escrituras. Lutero recomenda, ainda, que, ao criarem escolas, os conselhos municipais deveriam ter o cuidado de formar boas bibliotecas em torno das Escrituras, das línguas e das artes. A preocupação de Lutero com a educação não se limita às autoridades civis. Ele defende que, se estas realizarem a sua parte, resta, ain- da, aos pais fazerem a sua enviando seus filhos à escola. Em 1530, numa pregação conhecida como Sermãosobre o dever de mandar os filhos à escola, Lutero faz um alerta aos pais que pre- feriam colocar seus filhos no trabalho ao invés de enviá-los às escolas criadas pelas autoridades civis. Ele entende que há proveito ou prejuízo em educar ou deixar de educar os filhos. Em ambos os casos, os pais estão beneficiando ou prejudi- cando o próprio Deus, que rege o mundo, o qual precisa de pessoas que se apliquem ao estudo e ao ensino das Escrituras, bem como de pessoas que se apliquem ao estudo a fim de assegurarem a sobrevivência e a harmonia da sociedade tanto com relação às leis como com relação à medicina e às artes liberais. Este é o entendimento teocêntrico da edu- cação: é meio e instrumento de Deus. Mais uma vez é a ética do amor decorrente da fé que funda- menta a responsabilidade dos pais pela educação cristã das novas gerações, a fim de realizarem Deus em dois seguimentos: um buscando a sal- vação de todos os homens e outro construindo a paz no mundo. A educação, dever dos pais e do Estado, e o progresso dela decorrente devem assegurar a sobrevivência e a harmonia da sociedade. A compreensão está na direção do bem-estar coletivo. O que impele Lutero a escrever sobre educa- ção? Esta foi a indagação que motivou as refle- xões que seguem, desenvolvidas pelo Dr. Martin N. Dreher no 1º Fórum de Lutero, na Ulbra – Ca- noas, sob o título Lutero, Teólogo para a Univer- sidade. O desencadeamento do movimento re- formatório tornara evidente a necessida- de de uma reforma educacional. O sistema educacional medieval estava em crise em virtude das transformações pelas quais pas- sava a sociedade, em especial o surgimento do mercantilismo. Estava surgindo um novo tipo de sociedade, na qual o comércio come- çava a ter uma importância muito grande. As escolas, nas quais se estudava Filosofia e Teologia em altíssimo nível, eram escolas 72 Cultura Religiosa 73 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão monásticas. A educação superior era toda ela eclesiástica. Mas o novo tipo de socie- dade que surgia estava a exigir novo tipo de educação. Necessário se fazia que houvesse forma- ção para as áreas do comércio, para a dire- ção dos negócios do Estado, pois também um novo tipo de Estado, mais centralizado, esta- va surgindo. Era necessário que se formas- sem conselheiros, administradores e juristas. O crescimento do comércio, principalmente, requeria economistas. Havia, porém, outro motivo que reque- ria a reforma do ensino. Até agora, o ensino fora religioso; seu alvo era o céu. Pais que optassem pelo “estudo” para seus filhos faziam-no no sentido de garantir e alcançar méritos para si e para seus filhos. O filho ia “estudar” para se tornar sacerdote e, assim, garantir sua própria salvação e a salvação dos pais. A salvação do mundo pouco ou nada importava. Quando Lutero descobriu a salvação gratuita, a justificação por graça e fé, esse tipo de educação não tinha mais fun- damento e ruiu. O alvo da ética não era mais o céu, mas a terra, a preservação das coisas criadas por Deus. A descoberta da justifica- ção por graça colocaria, além disso, a ênfase do estudo teológico na pregação e no estudo da Bíblia, e não mais no aspecto sacerdotal. Outros, pois, deveriam ser os conteúdos pre- paratórios para o ensino superior. Os príncipes haviam aproveitado o mo- vimento reformatório para se apossarem dos bens eclesiásticos. Ora, das rendas dos bens eclesiásticos havia sido mantida até então a educação dos sacerdotes. Agora, não havia mais recursos para manter a educação. A educação fora privilégio de minorias religio- sas. Lutero, em contraposição, vai anunciar a necessidade de um sistema educacional que esteja ao alcance de toda a população. Daí vem seu apelo para que as cidades criem e mantenham escolas. Se antes se gastava di- nheiro com a salvação, é necessário que ago- ra se use o dinheiro para a educação, consi- derada por ele a atividade mais importante. Fundamentalmente, para ele, a educação é de responsabilidade da autoridade civil e não da autoridade eclesiástica. A argumentação de Lutero vai mais lon- ge. Centro da Reforma é a redescoberta do Evangelho. Essa redescoberta não deveria ser deixada de lado na reforma educacional. Aliás, assim pensa Lutero, se não acontecer uma reforma educacional que dê acesso ao ensino para toda a população, a redescober- ta do Evangelho estará sendo posta em peri- go! Caso a população não puder se educar, ter acesso à leitura do Evangelho, em pouco tempo o Evangelho estará encoberto nova- mente. Interessante é a fundamentação de Lu- tero. A educação é, para ele, uma ordem de Deus. Deus quer que existam e sejam criadas escolas, pois é nelas que poderão ser apre- endidas as profissões e Lutero entende que é através da profissão que Deus chama as pes- soas para o Sacerdócio Universal de Todos os Crentes. Essa é a base para a educação universal. (...) Resta a pergunta: Quem será o sujeito da reforma educacional? Segundo Lutero, é dever dos pais enviar os filhos à escola. As pessoas com recursos nas cidades são por ele convocadas a financiar e a manter escolas. Mas não só elas. A educação deve ser tarefa política. Quem deve, então, criar e manter escolas? Poder-se-ia pensar nos príncipes. No governador, para usar uma pa- lavra de nossos dias. Lutero não pensa neles. Ele propõe que os conselheiros das cidades, os vereadores, assumam essa tarefa. Educa- ção é tarefa do Estado. Segundo Lutero, sem- pre que for investido um florim em gastos mi- litares, devem ser investidos cem florins em educação. Os conselhos municipais devem obrigar os pais a enviarem os filhos à escola. Aqui a exigência da obrigatoriedade escolar, As 95 Teses deflagram a pregação da salvação pela fé Im ag em 5 8: P or ta l L ut er an os Cultura Religiosa 74 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão mas também a orientação precisa quanto às prioridades da política. Para Lutero está cla- ro que governar é criar escolas e mantê-las. Fica a pergunta: quem é que se bene- ficia com a educação, segundo Lutero? A resposta é simples: a Igreja e o Estado. A Igreja se beneficia em sua tarefa de prega- ção. É necessário que se formem pregadores que anunciem o Evangelho. Os pais devem enviar os filhos à escola para que sejam pas- tores ou professores. Ambos dedicar-se-ão à tarefa mais nobre: a de pregar o Evangelho. Lutero pensa, em seu tempo, que se deve en- sinar as línguas bíblicas, para que todos te- nham acesso à Bíblia no original. A Bíblia é, aliás, o livro escolar mais importante. Além das línguas deve-se estudar a história, pois se aprende das experiências, dos êxitos e dos erros do passado. Estudando história, evita- se a repetição dos erros do passado. O outro beneficiário da educação é o Estado. Vai ter cidadãos preparados para assumir as tarefas na sociedade. O Estado necessita de funcionários (homens e mu- lheres). É verdade que Lutero ainda limita a função pública da mulher ao magistério. As professoras ensinarão nas escolas de me- ninas. Mas ele cria espaços para os estudos da mulher. O Estado, pensa Lutero, precisa, ainda, de juristas e médicos. Como deve ser a educação? Lutero nega a educação repressiva (surras, pressão...). A educação deve ser lúdica, isso é, deve-se aprender, jogando, cantando e dançando. Mas a escola também deve estar vinculada ao trabalho. Ao lado das matérias comuns a todos os alunos, deveria haver aprendizado artesanal. Nas escolas devem existir boas bi- bliotecas que deveriam ter a Bíblia e outras obras básicas. Finalmente, Lutero propõe uma escola cristã, gratuita e obrigatória. Os professores não são apenas funcionários pú- blicos,mas também pessoas que exercem um ofício espiritual. Quais os valores da propos- ta de Lutero? Fundamental na proposta de Lutero é que com a educação se mantenha a liberdade evangélica. Através da educa- ção se tem acesso à verdade do Evangelho e a liberdade dele decorrente. É a liberda- de evangélica que possibilita a participação crítica na sociedade. Depois, Lutero advoga- va a popularização da educação. Ela não é questão de elite leiga ou religiosa. É direito fundamental de todo cristão. Finalmente, é importante ver que Lutero propõe um novo tipo de pedagogia: aprender brincando. (...) Lutero considera que a atividade do(a) professor(a) é, ao lado do ministério da pre- gação, a atividade “mais útil, maior e me- lhor” que existe. O mundo é dádiva de Deus, mas, para que haja paz e ordem na terra, é necessário que existam muitos professores e cientistas crentes e sérios. Esta necessidade é para ele uma das razões de se enviar filhos à escola. Ao mencionar esta razão, está fa- lando dos professores destas escolas que são pessoas crentes e sérias a exercer a maior função que existe. São eles que levam seres humanos a Cristo. Educar é levar a Cristo. Por isso, educação é dádiva de Deus, ofereci- da através dos pro fessores, nas escolas. É verdade que Lutero falava em tempos de regime de cristandade. É, também, verda- de que seus ideais eram humanísticos. Não vivemos mais em regime de cristandade; os ideais humanísticos também foram abando- nados. A tarefa do educador cristão, porém, continua: preparar pessoas para a salvação do mundo; preparar cidadãos capazes de re- mar contra a correnteza, bons políticos, bons administradores, pessoas capazes de tornar o mundo mais humano. Fonte: DREHER, 2004. Compare: O percentual do Produto Interno Bruto (PIB) que os países desenvolvidos investem em educação em relação ao que se aplica na mesma área no Brasil. Profissão é sacerdócio! A afirmação enquadra-se na idéia do sacerdócio universal de todos os crentes. Proveitosa é a leitura de “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, de Max Weber. Confira: A educação não garante a vida eterna. A educação garante a preservação das coisas criadas por Deus. A finalidade da educação se cumpre no cuidado com o mundo e com tudo o que nele há. Discuta: Escola cristã, gratuita e obrigatória. Reflita e discuta: Qual o valor que se atribui ao magistério hoje? 74 Cultura Religiosa 75 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão O presente Quase 500 anos nos separam de Lutero. Em- bora o mundo tenha mudado, a Igreja Luterana ainda mantém sua perspectiva histórica sobre a educação e dela não se tem descuidado. O pre- sente da educação luterana pode reportar-se ao início do luteranismo no Brasil. Quando chegaram ao País em 1824, os imi- grantes alemães trouxeram tanto a marca do clima cultural que se respirava na Europa como uma história de ensino dentro da própria Igreja em que cresceram. Tradição escolar entre imi- grantes alemães Por ocasião dos 170 anos da imigração ale- mã no Rio Grande do Sul (1994), o Dr. Lúcio Kreutz publicou o artigo Escolas da imigração alemã no Rio Grande do Sul: perspectiva histó- rica, em livro editado pela Ulbra (Os alemães no Sul do Brasil) e do qual extraímos boa parte do texto deste tópico. Até meados do século XVIII, predominou na Alemanha o motivo religioso na educação. A es- cola era concebida como uma instância de apoio à formação religiosa. É nela que ocorriam os pri- meiros passos para a formação do cristão. A es- cola e o professor eram paroquiais. Ao professor atribuía-se importante ação pastoral, pois, além do magistério, deveria exercer ampla liderança social e religiosa. O ensino religioso ocupava lu- gar central em todo o processo educacional. O professor era responsável pela transmissão do conheci- mento e pela formação religiosa e moral. Na segunda metade do século XVIII, houve um avanço na compreensão da educação, realçan- do-se a responsabilidade do Estado na educação. Entendia-se que a prosperidade e a estabilidade nacionais dependiam da educação geral do povo. Assim, a partir de 1763, a freqüência à escola tornou-se obrigatória, estipulou-se remuneração adequada aos professores, organizaram-se livros didáticos e implantou-se a inspeção escolar. No início do século XIX, novos avanços. Implantaram-se escolas normais para melhor formação dos professores, e um novo pressupos- to tomava conta da educação: reforma social e política só é possível pela educação. Essa cultura os alemães trouxeram para o Brasil. É assim que podemos entender o empe- nho dos imigrantes em implantar uma escola ao lado da igreja. A escola seria um mecanismo tanto para a melhor formação religiosa de seus filhos quanto para despertá-los para a vivência da cidadania. Ao lado da igreja, uma escola: formação cristã e de cidadania. Para termos uma idéia do valor atribuído à educação pelos alemães, basta recordar que nas décadas de 1920/30 já havia, só no Rio Grande do Sul, uma rede de 1.041 escolas comunitárias (evangélicas e católicas) com 1.200 professores. É essa cultura de educação que vai pautar o fazer religioso da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, criada em 1900 com a vinda de um mis- sionário americano ao Sul do Brasil. A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) A Ielb tem sua origem, no Brasil, em 1900 e a partir do trabalho desenvolvido pela The Lu- theran Church – Missouri Synod. Esse grupo foi fundado em 1847, em terras norte-americanas, a partir da iniciativa de um pastor que sai da Ale- manha por razões de consciência religiosa. Ocor- rera que em 1817 o rei da Prússia, Frederico Gui- lherme III, decretara em seus domínios a união da Igreja Luterana com a Igreja Reformada em razão de disputas religiosas. A decretada união resultara na Igreja Evangélica Unida. Evangéli- cos luteranos, inconformados com a ingerência do Estado nas questões da Igreja, além de pro- testarem contra o racionalismo que invadira a teologia, emigraram para os Estados Unidos na esperança de desfrutarem liberdade de culto sem a interferência do Estado. É desse grupo que re- Cultura Religiosa 76 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão sulta o Missouri Synod e a Igreja Evangélica Lu- terana do Brasil. Oficialmente a fundação ocorreu apenas em 1904, muito embora já desde 1900 houvesse con- gregações organizadas no interior do Rio Grande do Sul. A herança religiosa e escolar que se trans- ferira da Alemanha para os Estados Unidos se manteve. Escolas eram criadas e mantidas junto com as congregações religiosas. No Brasil não foi diferente. Acabou se consagrando o ditado “ao lado de cada congregação, uma escola”. Essa era uma estratégia empregada entre os imigrantes alemães a fim de fixá-los nos locais que ocupa- ram e não apenas expandir a mensagem religiosa, mas também dar-lhes o conhecimento e a educa- ção necessários a fim de progredirem. À medida que avançava o trabalho religioso, ampliava-se, na mesma medida, a fundação de escolas. Assim, em 1907 já havia 13 escolas e, em 1924, 68 com mais de 2.000 alunos. Na dé- cada de 1970, o número de escolas chegou a 130. Problemas é que não faltaram. Em 1922, uma corrente política pretendia eliminar as es- colas particulares. Em 1938, o Brasil foi toma- do por uma onda de nacionalismo, motivando a proibição do uso de línguas estrangeiras nas es- colas primárias. Isso sem levar em conta os pro- blemas decorrentes de duas guerras mundiais em que a Alemanha esteve envolvida, ocasionando reflexos nos imigrantes aqui residentes e em suas instituições, quer religiosas, quer educacionais. É dentro desse quadro geral que se encon- tram as origensda Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). A Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) A chegada da Igre- ja Luterana – Sínodo de Missouri em Canoas dá- se em 1905, com o atendi- mento religioso feito pelo pastor de São Leopoldo (RS), recebendo a deno- minação de Comunidade Evangélica Luterana São Paulo. Com a expansão do trabalho religioso duas medidas se faziam neces- sárias: uma capela para as atividades religiosas e uma escola para ensinar os filhos dos seus con- gregados. A primeira capela e, ao mesmo tempo, a pri- meira escola foram inauguradas em 1911. Após Vista aérea do Campus ULBRA Canoas Im ag em 5 9: A ld rin B ot te ga 76 Cultura Religiosa 77 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão a Primeira Guerra, passadas as hostilidades con- tra os alemães, a comunidade religiosa sentiu a necessidade de ampliar a capela e a escola. A inauguração dá-se em 1925 e, no mesmo ano, é oficialmente criada a Escola Evangélica Lutera- na São Paulo. A Segunda Guerra sobrevém e com ela uma série de efeitos desastrosos para as colônias ale- mãs, como perseguições e entraves burocráticos. A Comunidade Evangélica Luterana São Paulo também foi afetada nesse período. Seu pastor foi aprisionado em 1942, e o professor responsável pela escola teve de fugir a fim de não ter o mes- mo fim. A escola, que até então ministrava suas aulas em alemão, passou a fazê-lo em português. Alunos da ULBRA No pós-guerra, as atividades gradativamente foram sendo retomadas. A Comunidade São Pau- lo ampliou-se, e a terceira capela foi inaugura- da em 1965. Em 1966, a Comunidade tornara-se independente e recebeu seu primeiro pastor re- sidente, o reverendo Ruben Eugen Becker, que, além das obrigações religiosas, deveria dedicar um turno de suas atividades à escola da comu- nidade. A situação financeira da escola era um grande problema, a ponto de pensar-se em fechá- la. Elaborou-se, para continuarem abertas as portas da escola, um projeto de reformulação com vistas a expandir a escola, aproveitando-se o momento histórico de forte empenho governa- mental na educação. O projeto visava à criação de um ginásio orientado ao trabalho, um giná- sio profissionalizante. Daí para diante não parou mais o avanço da escola. Em 1968, lança-se a pedra angular que daria origem ao Colégio Cristo Redentor, e tornava-se realidade o ensino profissionalizante de segundo grau. A cerimônia oficial de inauguração de fun- cionamento do Colégio Cristo Redentor ocorre em 7 de maio de 1969. Implantado o projeto de ensino profissio- nalizante no segundo grau, tornou-se inevitável pensar em nova expansão, desta vez em direção ao terceiro grau. Já desde 1970 se pensava nessa direção. Encaminhadas as questões burocráti- cas, em janeiro de 1972, foi aprovado o funcio- namento da Faculdade Canoense de Ciências Administrativas, com aulas iniciadas em março do mesmo ano. Logo a seguir, vieram os cursos de Arquitetura, Ciências Contábeis e Educação Física, todos funcionando nas dependências do Colégio Cristo Redentor. Em 1976, novos cursos eram pensados. O projeto para uma universidade estava em andamento e, para tanto, adquiriu-se em 1978 a área onde hoje se encontra o campus central da Universidade. A caminhada foi premiada, em janeiro de 1988, com a autorização da criação da Univer- sidade Luterana do Brasil (Ulbra). Os cursos fo- ram ampliados, a pós-graduação foi implantada, os espaços físicos aumentaram, e novas unidades foram abertas em todo o País, fazendo da Ulbra uma referência nacional. ULBRA - Comprometimento com sua confissão O jeito de ser da Ulbra é reflexo do jeito de ser de sua mantenedora, a Comunidade Evangé- lica Luterana São Paulo. A Ulbra confessa, a par- tir de sua mantenedora, que o mundo é obra de Deus e por Ele regido, e não fruto do acaso ou do arbítrio. Confessa, igualmente, que Jesus Cristo se entregou à morte como sacrifício pela culpa humana e ressuscitou para reger as criaturas, bem como os corações dos crentes, pelo seu Espírito. Entende a Ulbra, como parte da Igreja, que esta se apresenta como assembléia de todos os fiéis que o Senhor congregou pelo evangelho, para o fim específico de proclamar a salvação a todos os homens. A vocação própria da Igreja é, pois, anunciar o evangelho e exercer a caridade à imagem de Jesus Cristo, construindo o reino de Deus. No entanto, ainda vive no reino do mun- Im ag em 6 0: A CS U LB RA Cultura Religiosa 78 www.ulbra.br/ead Ig re ja L ut er an a e Ed uc aç ão do em expectativa pelo reino divino e, por isso, não pode a Igreja nem seus seguidores se man- ter indiferentes às necessidades dos homens e de todas as criaturas. O mesmo amor que salva é o que constrange a Igreja a assistir todo ser huma- no, minorando sofrimentos, suprindo carências, abrindo novas perspectivas de vida. Embora confessional, a Ulbra respeita a liberdade religiosa e rejeita todo e qualquer tipo de preconceito. Essa é uma tarefa a ser construída historica- mente, e a educação é um desses meios históricos disponíveis para chamar o ser humano à comu- nhão com Deus e habilitá-lo à busca de uma so- ciedade melhor. Assim a Ulbra confessa. É em razão de sua visão de Deus, do mundo e do ser humano que a Ulbra, embora transparen- temente luterana, respeita a liberdade religiosa e rejeita preconceitos de qualquer natureza. Ciente de que não é Igreja, a Universidade vê na educa- ção um instrumento para promover a formação integral do ser humano com intuito de construir uma sociedade mais justa e menos carente, sem perder de vista, contudo, que a perfeição e a ide- alidade serão obtidas por obra e graça de Deus, quando um novo céu e uma nova terra serão pre- senteados. A Ulbra não apenas confessa, mas também estimula a vivência diária e constante nas rela- ções decorrentes das atividades educacionais fundamentadas nos preceitos teológicos que as regem e motivam. Para isso, zela e cultiva a práti- ca de virtudes espirituais e rejeita todos os valores negativos da natureza humana. Com isso, o que pretende é formar profissionais capazes, honra- dos, honestos, sábios e humanos, que respeitam os valores morais e éticos, ainda que numa socie- dade marcada pela competitividade. Dos egres- sos da Universidade espera-se o comportamento de guias e líderes humanos e altruístas. Para chegar a esse resultado, a Universidade está ciente de que seus alunos precisam de mo- delos. As pessoas que ocupam qualquer cargo e função na Universidade precisam conhecer, com- preender e defender a qualidade acadêmica e a personalidade confessional da instituição. Em es- pecial, a Ulbra rejeita o comportamento dos ba- juladores, dos confidentes, dos fofoqueiros e dos interessados – que se apresentam como pessoas amigas e de confiança, mas que no íntimo apenas usam a instituição para benefício e proveito pró- prio e egoísta. O futuro Teologicamente, educação não é uma opção, mas um imperativo. Como imperativo, é impen- sável deixar de fazê-la, não apenas no âmbito re- ligioso, apontando diretamente para o reino de Deus, mas também no âmbito secular, apontando para o reino do mundo. O cristianismo e a Igreja Evangélica Lu- terana do Brasil têm ainda muito a oferecer na construção de uma sociedade mais justa, espe- cialmente de uma sociedade, como a brasileira, marcada por tantas e profundas diferenças e desi- gualdades de toda ordem. Enfatizamos, no tópico anterior, a Ulbra como o lugar onde estamos cumprindo a vontade divina. No entanto, a educação na Ielb não é feita apenas pela Ulbra. Seguindo sua historicidade, a Ielb continua a enfatizar a necessidade de escolas cristãs, hoje espalhadas por todoo Brasil, com o mesmo propósito de formar religiosos que se apliquem ao serviço da construção do reino de Deus, educar e preparar bons cristãos para a Igre- ja e o exercício da cidadania, bem como educar e preparar cidadãos livres e altruístas. Incentivo às práticas religiosas na Universidade Im ag em 6 1: E lis an ge la F ag un de s
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