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1 DIREITO CIVIL IV – DIREITO DAS COISAS PROF. DANIEL PAIVA UNIDADE III – A PROPRIEDADE 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE: A própria noção de propriedade, dinâmica e profundamente articulada com as estruturas sociais, confunde-se com os momentos históricos tracejados pela raça humana ao longo de sua existência. E nesta ordem cronológica, a forma mais antiga de propriedade que se teve notícia, ocorreu em seu aspecto coletivista, em que os membros da primitiva comunidade, eminentemente nômade, detinham o gozo temporário da terra e de seus frutos (compatível com os hábitos de subsistência do homem nesse período pré-histórico).1 Sendo que a transição desta propriedade coletiva para uma propriedade individual e privada decorreu do próprio progresso dos povos antigos e da conversão da comunidade nômade em comunidade sedentarizada e territorial. A raiz histórica do nosso instituto da propriedade vai se prender ao Direito Romano. Dotada de certo caráter místico nos primeiros momentos, o conteúdo da propriedade nesse período histórico, era assente na tríade propriedade-família-religião, guardando então características de ser familiar, individual, absoluta e sagrada. Prosseguindo neste contexto evolucionário, com a queda do Império Romano e a ausência de uma autoridade central dotada de poder efetivo contra as invasões bárbaras que se verificaram na Europa, fatos ocorridos na Idade Média e que acarretaram em êxodo das populações urbanas que passaram a se refugiar no campo junto aos fortes castelos, assinalou-se o início de mudanças substanciais na noção de propriedade, que passou então a se caracterizar, marcadamente, pela identificação do poder com a propriedade e pela fragmentação do domínio2. Com efeito, a concepção tipicamente feudal da propriedade, dividida em vários domínios sobre a mesma coisa, possibilitava que o soberano, tido por titular da propriedade, conservasse para si o domínio direto sobre a terra e concedesse ao ocupante o domínio útil, com ele estabelecendo uma relação de vassalagem, pelo qual o concessionário ocupante cultivaria a terra, pagando ao concedente uma contribuição correlata ao mencionado uso e à proteção que este lhe assegurava. Com o advento da idade moderna e o incremento do comércio, da produção manufatureira e dos grandes impérios financeiros, resgatou-se a concepção unitária da propriedade privada, conferindo ao proprietário uma nova ordem de poder geral e absoluto sobre a coisa, que o libertava das amarras a que o antigo regime feudal o submetia. Esse novo regime patrimonial, substituto do ultrapassado sistema feudal, teve como alicerce teórico a proteção dos direitos 1 “Nesse período primitivo, denominado paleolítico, predominava somente a apropriação dos produtos prontos para serem utilizados, tais como alimentos. Os grupos humanos eram nômades e, acossados pelas intempéries e na busca pelo alimento, viviam em bandos dividindo o espaço e as atividades de forma coletiva.” (PAGANI, Elaine Adelina. O direito de propriedade e o direito à moradia: um diálogo comparativo entre o direito de propriedade urbana imóvel e o direito à moradia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009, p.27). 2 “A terra pertencia ao senhor; a terra era o fundamento do poder, da autoridade. O senhor, concedendo terras, obtinha homens, que lhe deviam prestações, e consequentemente, eram seus vassalos”. (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. 4. ed. atualizada por José de Aguiar Dias. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956. v.I, p.102). 2 fundamentais do homem, em que sobressaiam a liberdade e a igualdade, aditadas, pela ideologia liberal, do referencial de propriedade. Estava surgindo o ambiente perfeito para a positivação da propriedade individual, consagrada como direito fundamental e inviolável pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, editada pela Assembleia Nacional Constituinte Francesa, em agosto de 1789. O status de ser a propriedade um direito inviolável e sagrado do homem foi ratificado pelo Código Civil Francês (Código de Napoleão de 1804), logo seguido pelos demais códigos oitocentistas, delimitando a propriedade privada como o direito de fruir e dispor da coisa da maneira mais absoluta. Vê-se, assim, que a preocupação desse modelo individualista do direito de propriedade era eminentemente com os interesses particulares, uma vez que o discurso liberal não se atinava para uma conotação social. Essa visão espalhou-se pela Europa, durante o século XIX, sendo também recepcionada no continente sul-americano, refletindo-se nas codificações do Chile (1855), da Argentina (1869), da Colômbia (1873) e do Brasil (1916). Ainda no século XIX, em meio a marcante industrialização da Europa e a crescente onda de desigualdade social (resultantes da revolução industrial), a noção de propriedade expandiu-se e passou então a abranger não somente a propriedade imobiliária, mas também a propriedade móvel, como os bens de produção, além das coisas imateriais, tais como: as propriedades industriais, literárias, artísticas e científicas. E, nessa ordem de pensamento, em também sendo considerada um bem de produção, a propriedade não poderia estar concentrada nas mãos de poucas pessoas, mas sim pertencer a toda sociedade. Desencadeou-se, então, a Revolução Russa de 1917, na qual as ideias sociais de que a propriedade não poderia estar concentrada nas mãos de poucas pessoas foram aplicadas, implementando-se o regime da propriedade socialista, que quase chegou a extinguir a propriedade individualmente privada, passando-a para a sociedade sob a austera tutela do Estado, a quem cabia a administração, representando, assim, um extremo do tratamento jurídico da propriedade. Nos países que adotaram os regimes socialistas, a exemplo da extinta União Soviética, o paradigma adotado para a propriedade foi o coletivo, embora persistisse, ainda que de forma rarefeita, a propriedade individual. Já em meados do século XX, o mundo pós-guerra mundial, marcado por discursos em defesa dos direitos humanos, observou o surgimento do referencial do “Welfare State”, como uma resposta à política contencionista do comunismo, numa tentativa de conciliar o desenvolvimento social com o liberalismo. Transmuda-se a propriedade, a partir do Estado Moderno, culminando com o surgimento da propriedade individualista, que, por sua vez, evolui e adquire o caráter social. Sob essa nova perspectiva de ordem mundial, a propriedade passa a ser tratada, nos textos constitucionais, como um direito relativizado pelo interesse social. Observa-se, então, uma completa mudança na concepção da propriedade, ansiando por desvinculá-la de uma visão extremista que se observava tanto no liberalismo individualista quanto no regime socialista, racionalizando, pois, a exploração econômica dos bens. Com efeito, a propriedade ganha status de relação jurídica complexa, carregada de direitos e obrigações, sendo guiada pelos valores constitucionais de funcionalização, de solidariedade e de dignidade da pessoa humana, como fundamento para a repersonalização do direito. Destarte, por esta rápida trajetória histórica do instituto da propriedade, percebe-se que esta não pode ser considerada apenas um fenômeno jurídico isolado, mas sim contida em uma concepção econômica e social presente numa determinada época e nação. 3 A propriedade contemporânea (ou melhor, o que atualmente se entende por propriedade) assume, portanto, feição diversa daquela do início do século XX, até porque, como relação jurídica complexa, não mais se concebe uma relação de completa subordinação de terceiros frente ao interesse do proprietário, nem de vizinhos, nem de outros membros da sociedade, mas sim de situações jurídicas subjetivas do proprietárioe situações jurídicas que entrem em conflito com esta e que representem centros de interesse opostos. Fica claro que a utilização racional e a utilização individual da propriedade privada não são opostas, mas paralelas entre si, podendo perfeitamente estarem resguardadas concomitantemente pelo ordenamento jurídico. 2. CONCEITO – AFINAL, O QUE É A PROPRIEDADE ? Considerando-se apenas os seus elementos essenciais, positivados no art. 1.228 do Código Civil vigente, pode-se definir o direito de propriedade como o “poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos na lei, assim como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.” Ver: Art. 1.228 CC/2002. Contudo, essa noção de propriedade privada não pode ser encarada como apenas um direito subjetivo puro, em que o proprietário somente teria a perspectiva do direito subjetivo de usar, gozar, dispor e reaver a coisa. Antes de qualquer coisa, a propriedade deve ser entendida como uma relação jurídica complexa, de onde flui um conjunto de poderes (leque de faculdades e direitos) e também um conjunto de responsabilidades e deveres, constituindo, por via disso, um direito-dever ou um poder-dever. Noutro aspecto, importante ainda destacar que, apesar de terem sentidos próximos, os vocábulos “propriedade” e “domínio” não significam a mesma coisa. O vocábulo “propriedade” é mais genérico e abrangente do que o “domínio”. Pode-se afirmar que todo o domínio é propriedade, mas nem toda propriedade é domínio, já que propriedade encerra uma ideia de direito patrimonial amplo (assim, fala-se em propriedade artística, literária, científica e industrial), enquanto o domínio abrangeria apenas coisas móveis e imóveis. No Direito Romano, os termos chegaram a ser considerados como sinônimos. Atualmente, nos códigos vigentes, o vocábulo “propriedade” compreende todo gênero de direitos suscetíveis de apreciação pecuniária. Já o termo “domínio” restringe-se às coisas móveis e imóveis, ou seja, somente aos bens corpóreos. 3. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: No direito brasileiro, o direito de propriedade encontra seu fundamento no art.5º, inciso XXII, da Constituição Federal, que o garante; e no próprio art. 1.228 do Código Civil, que assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua. Não obstante, a Constituição Federal de 1988, numa simbiose de cartas políticas puramente liberais e índole social, reafirma o direito à propriedade privada conjugado à sua função social, não só arrolados de modo significativo entre os direitos fundamentais (art.5º, incs. XXII e XXIII), mas também ligados ao interesse social (arts. 182 e 184) e aos valores da ordem econômica (art. 170, III), que confluem para o desenvolvimento da nação. 4 Isto é, sem deixar de ser um direito, com as características de direito subjetivo, a propriedade deve ser exercida em um sentido social, por representar uma relação jurídica complexa, e que, atualmente, no centro dessa relação, encontram-se as figuras do proprietário e da sociedade, e não mais os bens considerados em si. Assim, a função social, sendo um conceito intimamente ligado à igualdade material e à proteção da dignidade da pessoa humana, passou a ser título justificativo dos poderes do titular da propriedade. Ou seja, para cumprir sua função, a propriedade deve produzir de modo a contribuir para a melhoria de condições, não só de seu titular, mas de toda a coletividade, em respeito ao objetivo constitucional de construir uma sociedade justa e solidária. Depreende-se, então, que a função social da propriedade torna-se o fundamento do regime jurídico do instituto da propriedade, de seu reconhecimento e da sua garantia, dizendo respeito ao seu próprio conteúdo, pelo qual o termo “função” designaria o poder de dar à propriedade determinado destino, de vinculá-la a um objetivo, enquanto o qualitativo “social” indicaria que esse objetivo corresponde ao interesse e ao bem estar da coletividade, e não somente ao simples interesse (individualista) do proprietário. Com isto, a função social passou a integrar o próprio conceito de propriedade, justificando-a e legitimando-a. E, nesta ordem de pensamento, o Código Civil de 2002 proclama que o “direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.” Ver: §1º do art. 1.228 CC/2002. Ao passo que o Código ainda proíbe, expressamente, os atos de emulação, ou seja, aqueles atos que não trazem qualquer benefício ou comodidade ao proprietário, sendo praticados tão somente com a intenção de prejudicar outrem.3 Ver: §2º do art. 1.228 CC/2002. 4. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA PROPRIEDADE: Pelo conceito legal de propriedade (entalhado no art. 1.228 do CC/2002), percebe-se que esta é a soma de três faculdades (usar, gozar e dispor) e mais o direito de reaver de terceiros. Sendo estes então considerados os elementos constitutivos da propriedade. Quando todos os aludidos elementos constitutivos estiverem reunidos em uma só pessoa, será ela titular da propriedade plena. Se, entretanto, ocorrer o fenômeno do desmembramento, passando um ou alguns deles a ser exercidos por outra pessoa, diz -se que a propriedade é limitada. É o que sucede, por exemplo, no caso do direito real de usufruto, em que os direitos de usar e gozar da coisa passam para o usufrutuário, permanecendo o nu-proprietário somente com os de dispor e de reivindicá-la. 3 I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF e do Centro de Estudos Jurídicos do CJF - Enunciado 49: A regra do art. 1.228, § 2º do novo Código Civil, interpreta-se restritivamente, em harmonia com o princípio da função social da propriedade e com o disposto no art. 187. 5 No que concerne às três faculdades e ao direito de reaver, importante destacar que: Usar (jus utendi) - Consiste na faculdade de o dono servir -se da coisa e de utilizá-la da maneira que entender mais conveniente, sem, no entanto, alterar -lhe a substância, podendo excluir terceiros de igual uso. A utilização deve ser feita, porém, dentro dos limites legais e de acordo com a função social da propriedade. � Exemplo: Morar numa casa; OU usar um carro para trabalho/lazer. Gozar (jus fruendi) - Consubstancia-se na percepção de frutos e na utilização dos produtos da coisa. Isto é, de aproveitar economicamente a coisa, auferindo seus benefícios e vantagens. � Exemplo: A venda de frutos das árvores do quintal; OU a Locação de um imóvel. Dispor (jus disponendi) - Consiste na faculdade de transferir a coisa, de gravá-la de ônus e de aliená- la a outrem a qualquer título, bem como de submetê-la ao serviço de outrem. A disposição é o poder mais abrangente sobre o bem. � Exemplo: A venda de automóvel por seu proprietário. Reaver (rei vindicatio) - Trata-se do direito de reivindicar a coisa contra quem injustamente a possua ou a detenha. De nada valeria ao proprietário ter a possibilidade de usar, gozar e dispor do bem ou da coisa, se não lhe fosse permitido o direito de reaver de quem injustamente se apossasse. Sendo decorrente da parte final do art. 1.228 do Código Civil (... o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha), municia o titular da propriedade de meios para buscar o bem em mãos alheias, retomá-lo do possuidor ilegítimoe recuperá-lo do detentor. Envolve a proteção específica do direito de propriedade, que se concretiza através da Ação Reivindicatória4. 5. CARACTERÍSTICAS DA PROPRIEDADE EM GERAL: O estudo das características da propriedade conduz à compreensão de sua própria natureza. Assim, a propriedade, na qualidade de direito real máximo, caracteriza-se por ser: Absoluta – O direito de propriedade se exerce em face de todos (erga omnes). O titular do direito de propriedade tem a prerrogativa de opor seu direito sobre a coisa contra todos (coletividade) que venham ameaçar ou efetivamente prejudicar o exercício desse seu direito. Exclusiva - Em virtude do princípio de que a mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. O direito de propriedade sobre um sobre determinado bem exclui o direito de outro sobre o mesmo bem (o direito de seu titular é exercido sem concorrência de outrem). Convém esclarecer que no caso do condomínio não desaparece essa exclusividade, porque os condôminos são, conjuntamente, titulares do direito5. Plena – A plenitude da propriedade decorre da liberdade que o proprietário tem de usá-la como lhe aprouver. Isto é, por ser a propriedade a mais completa de todos os direitos reais, que dela se desmembram, e pelo fato de que o seu titular pode desfrutar e dispor do bem como quiser, sujeitando-se apenas às limitações impostas em razão do interesse público ou da coexistência do direito de propriedade de outros titulares. 4 Ação Reivindicatória - Trata-se de ação judicial a ser manejada pelo “proprietário sem posse” contra o “possuidor não proprietário (aquele que conserva a posse da coisa sem causa jurídica, sem título que a fundamente)”, ficando a cargo do primeiro a prova do seu domínio e da posse injusta do segundo. 5 O condomínio implica uma divisão abstrata da propriedade, pois cada condômino possui uma quota ideal do bem. 6 Perpétua – A perpetuidade da propriedade resulta do fato de que ela subsiste independentemente de exercício, enquanto não sobrevier causa extintiva legal ou oriunda da própria vontade do titular, não se extinguindo, portanto, pelo não uso. 6. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE: O Código Civil limitou a extensão da propriedade (imóvel), tanto no espaço quanto na profundidade, pelo critério da utilidade (até onde lhe for útil). A profundidade e o espaço integram o uso e o gozo do solo superficial até que lhe seja possível plantar ou construir, ou seja, a utilização do domínio do solo envolve o subsolo e o espaço aéreo necessário para exercer a utilização proveitosa da propriedade. Ver: Art. 1.229 CC/2002. Tal limitação é de cunho social, uma vez que a propriedade é também um fato econômico, sendo que a extensão do espaço aéreo e do subsolo se delimita pela utilidade que ao proprietário podem proporcionar. Por conseguinte, não assiste ao proprietário o direito de impugnar a realização de trabalhos que se efetuem a uma altura ou a uma profundidade tais, que não tenha interesse legítimo em impedi-los. Neste raciocínio, por exemplo, o proprietário não poderia opor-se à perfuração do subsolo para instalação de metrô nas grandes metrópoles ou ao sobrevoo de uma aeronave. No que concerne ao subsolo, convém esclarecer que, quanto às minas, jazidas, recursos minerais, energia hidráulica e monumentos arqueológicos, constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, pertencendo então à União. O aproveitamento de tais riquezas depende de autorização ou concessão da União. A propriedade do produto da lavra6 é do concessionário que a explora, cabendo ao proprietário do solo apenas participação nos resultados da lavra. Ver: art. 1.230 CC/2002; e Art. 176 CF/88. Já em relação ao espaço aéreo, o Código Brasileiro da Aeronáutica (Lei Federal nº 7.565/86) fixou expressamente a soberania da União sobre o espaço aéreo, de modo que a utilização particular do solo não poderá embaraçar ou perturbar a segurança dos voos de aeronaves. Igualmente, a conclusão é de que o espaço aéreo independe da propriedade do solo. Por fim, importante ainda mencionar que tudo o que se incorpora ao solo, desde que não possa ser retirado sem destruição de sua substância, bem como tudo que se empregar no imóvel visando sua exploração, aformoseamento ou comodidade constitui sua parte integrante7. Trata-se do princípio da acessoriedade, pela qual pertencem ao proprietário da coisa principal os seus frutos, produtos e benfeitorias. Ver: Art. 1.232 CC/2002. 6 Entende-se por lavra, o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração de substâncias minerais úteis que contiver, até o beneficiamento das mesmas. 7 Código Civil - Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. 7 7. MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA: O Código Civil de 2002, depois do capítulo da propriedade em geral, trata dos diversos modos de aquisição, separando a propriedade imóvel da móvel, conferindo tratamento diferente a uma e a outra. Seguindo a tradição do direito romano, os bens imóveis, denominados bens de raiz, sempre desfrutaram de maior prestígio, ficando os móveis relegados a um plano secundário. O atual Código Civil, embora não tenha especificado os modos de aquisição da propriedade imóvel, acabou por disciplinar os seguintes: o registro do título; a acessão; a usucapião; e o direito hereditário. Cumpre ainda ressaltar que, quanto à procedência ou à causa, a aquisição da propriedade pode ser: Originária - Quando não há transmissão de um sujeito para outro. O indivíduo, em dado momento, torna-se dono de uma coisa por fazê-la sua, sem que lhe tenha sido transmitida por alguém, ou porque jamais esteve sob o domínio de outrem. Não há relação causal entre a propriedade adquirida e o estado jurídico anterior da própria coisa. Tal como ocorre na acessão natural e na usucapião. OU Derivada - Quando resulta de uma relação negocial ou jurídica entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão desta relação, como no registro do título translativo ou na aquisição por direito hereditário. 7.1. AQUISIÇÃO PELO REGISTRO DE TÍTULO: A aquisição da propriedade imóvel por ato inter vivos somente se dá mediante o registro do título no Cartório de Registro Imóveis, possuindo tal registro efeito constitutivo: Aquisição da Propriedade = Título de Aquisição + Registro do Título no Cartório Imobiliário Imóvel (Instrumento) (Tradição Solene) Ver: Art. 1.245 CC/2002. Logo, os instrumentos que materializam os negócios jurídicos, em nosso sistema jurídico, não são hábeis, por si, para transferir o domínio de um bem imóvel. Isto é, sem registro, o direito do adquirente não é direito real, mas sim direito pessoal de eficácia relativa entre os negociantes (adquirente e alienante), não produzindo efeitos, pois, contra terceiros. Para que se possa adquirir a propriedade de um bem imóvel, além do acordo de vontades entre adquirente e transmitente, é imprescindível o registro do título translativo na serventia imobiliária competente (o chamado cartório de registro de imóveis). Esse registro confirma o contrato e dá publicidade ao negócio e segurança na transmissão dos imóveis. E ainda, o registro só produz efeitos a partir da data em que se apresentar o título formal ao oficial do Registro e este o prenotar no protocolo8. Ver: Art. 1.246 CC/2002. 8 O ato de processamento do registrono Cartório de Registro de Imóveis chama-se Prenotação e determina a ordem de prioridade do registro, estabelecendo o marco inicial do direito de propriedade de acordo com a data em que o título foi apresentado. Assim, caso haja duas escrituras, relativas ao mesmo imóvel a serem registradas, a que tiver sido prenotada em primeiro lugar é que constará no Cartório Imobiliário para efeitos de proteção à propriedade. 8 A Lei Federal nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) regula o processo de registro, por meio do qual se dá publicidade aos negócios jurídicos, estabelecendo a autenticidade, a segurança e a validade das obrigações e de certas relações de direito passíveis de tutela legal e sujeitas à transferência, modificação ou extinção. Existem os Cartórios de Notas (onde se fazem escrituras públicas, testamentos, reconhecimentos de firma, autenticações) e Cartórios de Registro de Imóveis (que têm a função pública de organizar os registros de propriedade e verificar a regularidade da titularidade dos imóveis). Nos Cartórios de Registro de Imóveis se registra não só a propriedade, mas qualquer direito real (tais como hipoteca, servidão, superfície, usufruto, etc). O direito de propriedade que recai sobre um determinado bem imóvel deverá estar perfeita e inequivocamente identificado em uma matrícula9, arquivada perante um Cartório de Registro de Imóveis. Daí a importância da individualização, unitarização e especialização de cada imóvel matriculado, com observância dos requisitos dispostos na Lei dos Registros Públicos. Cada imóvel (casa, terreno, apartamento...) deverá ter um assento próprio (matrícula) e estar devidamente arquivado perante o cartório de registro de imóveis competente10. Sendo a matrícula um ato obrigatório para todos os bens imóveis, ela será criada quando for feito o primeiro ato de registro de um determinado bem. Nela ainda deverão constar todas as informações relativas ao imóvel, como os antigos proprietários, quando foi feita a primeira matrícula, se há sobre ele algum ônus real, etc. Por fim, verificam-se ainda as seguintes características atreladas ao registro do título: Publicidade - O ato de registro não é destinado pura e simplesmente às partes que nele intervieram, mas também a todos que eventualmente tenham interesse, ainda que remoto. A eficácia erga omnes da propriedade imóvel só é atingida pelo registro, que confere a devida publicidade à relação dominial. Legalidade do direito do proprietário – Pressupõe a verificação da legalidade e da validade do título para que só então se efetive o seu registro, de modo que o público em geral possa confiar plenamente no registro. Assim, o Cartório só registrará o título se não encontrar quaisquer irregularidades nos documentos apresentados. Força Probante – O imóvel presume-se pertencente a quem registrou. Com o registro do título nasce, perante a sociedade em geral, uma presunção relativa de domínio, que assim prevalecerá até prova em contrário. Isto é, o registro produz todos os efeitos legais, enquanto não for cancelado. Continuidade – Por ser o registro um modo derivado de aquisição da propriedade, tendo ligação ao antecedente. Não estando o imóvel registrado no nome de quem alienou, não poderá ser levado a assento no nome daquele que adquiriu. Especificação - No que é pertinente ao registro de um imóvel torna-se necessário que haja precisão na identidade do imóvel e de seus titulares. E Possibilidade de Retificação – É possível a qualquer tempo que o interessado peça a retificação dos dados que consta do registro. 9 A matrícula é um ato cadastral, é a forma pela qual se caracteriza e se individualiza um imóvel e se lhe confere um número de ordem pelo qual será prontamente identificado. 10 A Lei dos Registros Públicos adotou, assim, o princípio da unicidade da matrícula: cada imóvel terá matrícula própria, de maneira que nenhum poderá ser matriculado mais de uma vez, nem duas matrículas poderão ter por objeto o mesmo imóvel, em sua integridade ou partes ideais (frações ideais) do mesmo imóvel. 9 7.2. AQUISIÇÃO POR ACESSÃO: Acessão é um modo de aquisição da propriedade, criado por lei, em virtude do qual tudo o que se incorpora a um bem fica pertencendo ao seu proprietário. Ou, segundo a lição de Clóvis Beviláqua: “É o modo originário de adquirir, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou incorpora ao seu bem”. Em todas as suas formas, a acessão depende do concurso de dois requisitos: - A conjunção entre duas coisas, até então separadas; e - O caráter acessório de uma dessas coisas, em confronto com a outra. Da palavra “acessão” deriva o termo “acessório”. Podendo se afirmar que as coisas acessórias são aquelas que advêm ao bem, ou seja, são coisas postas ao serviço da coisa principal de um modo permanente. Daí porque na acessão predomina, com efeito, o princípio segundo o qual a coisa acessória segue a principal (Princípio da Gravitação Jurídica: accessorium sequitur suum principale). A coisa acedida é a principal, e a coisa acedente, a acessória. A aquisição se produz pela aderência ou união física de uma coisa à outra, de modo natural ou artificialmente, isto é, tanto no caso de surgir por obra da natureza, como na hipótese de se acrescentar por meio da intervenção do homem. O Código Civil contempla 5 (cinco) formas de acessão, no que concerne à propriedade imóvel: Pela Formação de ilhas – A formação de ilha(s) no leito de rios “não navegáveis” dá origem à propriedade desta(s) aos titulares das margens ribeirinhas na proporção de suas testadas. Esse fenômeno pode decorrer da sedimentação paulatina que faz nascer a ilha ou pelo rebaixamento de águas que coloca o solo à mostra no leito do rio. Importante observar que o Código Civil focaliza o problema da atribuição do domínio das ilhas surgidas em rios particulares (ou seja, em rios não navegáveis). Não é objeto deste dispositivo legal a acessão de ilhas ou ilhotas formadas no curso de “rios navegáveis” ou que banhem mais de um Estado, uma vez que tais correntes são consideradas bens públicos (de acordo com o Código de Águas – Decreto nº 24.643/34). Ver: Art. 1.249 CC/2002. Representação gráfica11: 11 Representações gráficas retiradas do livro do prof. Flávio Tartuce: Direito Civil - Vol. 4, 9ª ed., 2017. 10 Por Aluvião – Aluvião seria o acréscimo paulatino de terra, areia, cascalho, argila, matérias orgânicas e inorgânicas, ao terreno localizado à margem de um rio, em função da correnteza, formando lentamente depósitos ou aterros naturais ou desvio das águas. Este acréscimo importa em aquisição da propriedade por parte do dono do imóvel a que se aderem essas terras. Ver: Art. 1.250 CC/2002. Representação gráfica: Por Avulsão – Já avulsão seria o deslocamento brusco de uma porção de terra por força natural da corrente ribeirinha, desprendendo-se de uma propriedade para se juntar a outra. O proprietário do imóvel desfalcado perderá a parte deslocada, mas lhe será lícito exigir indenização, dentro do prazo decadencial de um ano. Agora, se o dono do imóvel que sofreu a avulsão não reclamar indenização dentro do prazo decadencial de um ano, perderá o direito de recebê-la e o proprietário do prédio favorecido adquirirá a propriedade do acréscimo, sem efetuar qualquer pagamento a título indenizatório. Ver: Art. 1.251 CC/2002. Representação gráfica: 11 Por Abandono de álveo – Considera-se “álveo” o lugar por onde as águas de um rio correm entreas duas margens (ou seja, é o leito do rio). Assim, o abandono de álveo ocorreria quando um rio seca ou se desvia seu curso em virtude de fenômeno natural ou de obra humana, passando esse solo “ordinariamente enxuto” a pertencer aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sendo que a divisão se fará tendo por base a linha mediana do álveo abandonado, pertencendo a cada um na extensão de sua testada. Em resumo, este rio seco torna-se propriedade do(s) dono(s) do(s) terreno(s) por onde ele passava. Ver: Art. 1.252 CC/2002. Representação gráfica: Por Plantações ou Construções (acessões artificiais) - São as acessões que derivam de um comportamento ativo do homem, dentre elas as semeaduras, plantações e construções de obras. O legislador parte do pressuposto de que tudo aquilo que se incorpora ao bem em razão de uma ação humana qualquer, cai sob o domínio de seu proprietário (presunção legal em decorrência do princípio da gravitação jurídica: o acessório segue o principal). As acessões artificiais se desdobram em 4 situações: - Semeadura, plantação ou construção em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios; - Semeadura, plantação ou construção em terreno alheio com sementes, plantas ou materiais próprios; - Semeadura, plantação ou construção com sementes, plantas e materiais alheios em terrenos alheios; - Semeadura, plantação ou construção parte em imóvel próprio, parte em imóvel alheio. Ver: do Art. 1.253 ao 1.259 CC/2002. 7.3. AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO: Etimologicamente, usucapião quer dizer “aquisição pelo uso”. Em latim, usucapio é palavra composta, em que usu significa literalmente “pelo uso”, e capio significa captura, tomada, ou, em uma tradução mais livre, aquisição. Em um contexto geral, a posse prolongada de uma coisa poderá conduzir à aquisição extraordinária de sua propriedade, se presentes determinados requisitos estabelecidos em lei. Essa possibilidade de a posse continuada gerar a propriedade justifica-se pelo sentido social das coisas: à sociedade interessa que as terras sejam cultivadas, que as casas sejam habitadas e que os móveis sejam utilizados. 12 Neste sentido, premia-se aquele que se utiliza utilmente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele utilizar-se ou não se insurgindo que outro o faça. Assim, como se percebe, cuida-se a USUCAPIÃO de um modo originário de aquisição, pelo qual a pessoa que exerce a posse sobre um bem, por certo prazo previsto em lei, adquire-lhe o domínio, desde que sua posse tenha satisfeito certos requisitos. Embora destinada tanto aos bens móveis quanto aos bens imóveis, é evidente a maior importância econômica e social da usucapião sobre bens imóveis. Seus requisitos gerais, comuns a todos os tipos de usucapião, compreendem: - Um bem suscetível de apropriação (coisa hábil); - A posse (ad usucapionem);* - O lapso de tempo; e - O reconhecimento por sentença judicial (e agora também por escritura pública) da aquisição da propriedade (isto é, o reconhecimento de que uma situação de fato, consubstanciada no “exercício da posse sobre o bem”, se transformou em uma situação de direito, qual seja: “a aquisição do domínio”). Destaque-se que em relação à posse*, enquanto requisito ensejador da usucapião (a chamada posse ad usucapionem), esta deverá estar lastreada com os seguintes atributos: - Ser duradoura, contínua e publicamente exercida; - Ser exercida com intenção de dono (animus domini); - Ser mansa e pacífica (isto é, sem oposição); e - Ser justa (sem apresentar os vícios de violência, de clandestinidade ou de precariedade).12 Já em relação ao requisito de lapso de tempo, é importante ainda alertar que a usucapião é considerada uma “prescrição aquisitiva”, cujo elemento tempo aparece influindo na aquisição e na extinção de direitos. Neste contexto, em sendo um tipo de prescrição, sujeita-se também às regras que obstam, suspendem e interrompem a contagem de prazo. Ver: Art. 1.244 CC/2002. Consequentemente, dentre outras restrições na contagem do tempo, não se verifica usucapião entre cônjuges na constância do casamento (salvo em caso de abandono do lar) ou entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar. Não corre, ainda, prescrição aquisitiva contra os absolutamente incapazes de que trata o art. 3º. Noutro aspecto, tratando-se de usucapião de bens imóveis, sua dinâmica pode envolver até 6 (seis) tipos distintos: a Usucapião Ordinária, a Usucapião Extraordinária, a Usucapião Especial/Constitucional Rural, a Usucapião Especial/Constitucional Urbana, a Usucapião Especial Urbana Coletiva e a Usucapião Familiar. Cada uma exigindo ainda a combinação dos seguintes requisitos específicos, abaixo relacionados. 12 Se a situação fática for adquirida por meio de atos violentos ou clandestinos, não induzirá posse para os fins de usucapião, enquanto não cessar a violência ou a clandestinidade. Já o vício da precariedade, por jamais convalescer, não induzirá à posse ad usucapionem. 13 Assim, no ordenamento civil, se distinguem os seguintes tipos de usucapião sobre bens imóveis: U S U C A P I Ã O Extraordinária Art. 1.238 CC/2002 - Lapso temporal de 15 anos (podendo ser reduzido para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo); - Posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacífica; - Dispensa-se a comprovação de justo título e da boa-fé. Ordinária Art. 1.242 CC/2002 - Lapso temporal de 10 anos (podendo ser reduzido para 5 anos em caso de cancelamento do registro aquisitivo do imóvel junto ao Cartório de Registro de Imóveis e desde que o possuidor nele tenha estabelecido a sua moradia habitual ou nele tenha realizado investimentos de interesse social e econômico); - Posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacífica; - Necessidade de comprovação de justo título e da boa-fé. Especial Rural (pro labore) Art. 1.239 CC/2002 Art. 191 CF/1988 - Lapso temporal de 5 anos; - Ocupação de área rural não excedente a 50 hectares; - Destinação do imóvel ao cultivo agrícola, à pecuária ou à atividade agroindustrial, por trabalho próprio do possuidor e/ou de sua família, e tendo ainda no imóvel estabelecido sua moradia; - Posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacífica; - Não ser o possuidor proprietário de outro imóvel rural ou urbano; - Dispensa-se a comprovação de justo título e da boa-fé. Especial Urbana (pro misero) Art. 1.240 CC/2002 Art. 183 CF/1988 - Lapso temporal de 5 anos; - Ocupação de área urbana não excedente a 250m²; - Destinação do imóvel para moradia do possuidor e/ou de sua família; - Posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacífica; - Não ser o possuidor proprietário de outro imóvel rural ou urbano; - Dispensa-se a comprovação de justo título e da boa-fé. Especial Urbana Coletiva Art.10 Lei nº 10.257/01 - Lapso temporal de 5 anos; - Ocupação de área urbana com mais de 250m² por coletividade de pessoas de baixa renda; - Impossibilidade de identificação individualizada dos terrenos ocupados por cada possuidor na comunidade; - Destinação do imóvel para moradia do possuidor e/ou de sua família; - Posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacífica; - Não ser o possuidor proprietário de outro imóvel rural ou urbano; - Dispensa-se a comprovação de justo título e da boa-fé.Familiar (por abandono do lar conjugal) Art. 1.240-A CC/2002 - Lapso temporal de 2 anos; - Permanência do(a) ex-cônjuge ou ex-companheiro(a) em imóvel urbano com até 250m²; - Abandono voluntário da posse do imóvel pelo(a) outro(a) consorte, com quem se dividia a propriedade, somado à ausência de assistência à família por parte deste(a) que partiu, independentemente de averiguação de culpa pelo fim do casamento ou união estável; - Destinação do imóvel para moradia do(a) possuidor(a) ainda residente e/ou de sua família; - Posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacífica; - Não ser o possuidor proprietário de outro imóvel rural ou urbano; 14 Por fim, cumpre lembrar que o reconhecimento da aquisição da propriedade de um bem imóvel pela usucapião poderá ocorrer tanto pela via judicial, mediante o ajuizamento de respectiva Ação de Usucapião perante o Poder Judiciário, quanto pela via extrajudicial, por requerimento processado diretamente no Cartório do Registro de Imóveis da localidade. Ver: Art. 1.071 CPC/2015; Art. 216-A da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73). Essa inovação da via extrajudicial para a Usucapião é facultativa, pois o interessado poderá optar pela propositura da ação judicial ainda que não haja litígio, e integra o fenômeno da desjudicialização do direito, no qual se inserem, por exemplo, entre outros procedimentos, o inventário e o divórcio extrajudiciais (introduzidos no ordenamento jurídico pela Lei nº 11.441/2007). 7.4. AQUISIÇÃO POR SUCESSÃO HEREDITÁRIA: A sucessão hereditária é também considerada um modo derivado de aquisição da propriedade imóvel uma vez que, com a morte do proprietário (então considerado o autor da herança), opera-se a transmissão do domínio e da posse da herança aos herdeiros. Ver: Art. 1.784 CC/2002. A aquisição do direito de propriedade se dá simplesmente em razão do falecimento do indivíduo, quando então se considera aberta a sucessão. Trata-se de aplicação direta do princípio da saisine, segundo o qual, no instante da morte do indivíduo, ato que abre a sucessão, transmite-se, sem solução de continuidade, a propriedade e a posse dos bens do falecido aos seus herdeiros, legítimos ou testamentários, que estejam vivos naquele momento, independente de qualquer ato. Todavia, o procedimento de inventário ainda é considerado necessário em função do princípio da continuidade dos registros públicos de imóveis, para que o herdeiro ali figure como titular formal do direito de propriedade. Em sendo assim, pode-se dizer que a propriedade se adquire com a morte, mas se formaliza e individualiza para cada herdeiro com a conclusão do inventário. 8. MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL: A industrialização e o consumismo dos tempos atuais deram uma nova dimensão à importância dos bens móveis. Cada vez mais transitórios e descartáveis, os bens móveis acabam por desempenhar um papel de circulação de riquezas na sociedade. E, neste cenário, sobreleva-se a “tradição”13 como a modalidade mais usual de aquisição dos bens móveis, mas não a única. O Código Civil de 2002 assim considera os diversos modos de aquisição da propriedade de bens móveis: 8.1. AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO: O princípio que norteia a usucapião dos móveis é o mesmo que inspira a usucapião dos imóveis, isto é, o intuito de emprestar juridicidade a situações de fato que se alongaram e se consolidaram no tempo. 13 Na maioria das vezes, os bens móveis passam para o novo dono através de simples tradição, a qual, em geral, é solenizada mediante mero recibo, ou nota fiscal, ou outro documento particular. 15 No entanto, para usucapião de bens móveis, os prazos são reduzidos e os requisitos menos complexos: U S U C A P I Ã O Ordinária Art. 1.260 CC/2002 - Lapso temporal de 3 anos; - Posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua e incontestada; - Necessidade de comprovação de justo título e da boa-fé. Extraordinária Art. 1.261 CC/2002 - Lapso temporal de 5 anos; - Posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua e incontestada; - Dispensa-se a comprovação de justo título e da boa-fé. 8.2. AQUISIÇÃO POR OCUPAÇÃO: Ocupação é modo originário de aquisição de bem móvel que consiste na tomada de posse de coisa sem dono, com a intenção de se tornar seu proprietário. Ver: Art. 1.263 CC/2002. Ocupar é o mesmo que apropriar-se de coisa que nunca pertenceu a ninguém (res nullius); OU de coisa abandonada por seu dono (res derelictae). Historicamente, o direito de ocupação foi o primeiro e o mais importante dos modos de adquirir o domínio. Atualmente, porém, mostra-se bastante restrita sua aplicação, porque extraordinariamente limitado o número de coisas sem dono. 8.3. AQUISIÇÃO POR ACHADO DE TESOURO: Tesouro é considerado como depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória. Se alguém encontrar um tesouro em prédio alheio, dividir-se-á por igual entre o proprietário deste e o que o achar casualmente. Noutro viés, se for o próprio proprietário do prédio que encontrar o tesouro, ocorre acessão e a este pertencerá integralmente o achado. Ver: Arts. 1.264 e 1.265 CC/2002. Importante ressaltar que o tesouro achado deve se tratar de coisa sem dono ou cujo dono não haja memória. Nestes moldes, deixará de ser considerado tesouro o depósito achado, se alguém mostrar que lhe pertence. 8.4. AQUISIÇÃO POR TRADIÇÃO: Para nosso ordenamento jurídico, o domínio dos bens móveis só se transfere pela tradição. Isto é, não basta a celebração do instrumento de contrato de compra e venda, por exemplo, para que o adquirente se torne dono da coisa, é ainda necessário um ato posterior ao contrato (ao acordo de vontades) para que ocorra a transmissão da propriedade. Levando ao entendimento de que a aquisição do domínio de bem móvel só ocorrerá se lhe seguir a tradição. Ver: Art. 1.267 CC/2002. 16 Nestes parâmetros, a tradição seria então considerada como ato de entrega da coisa ao adquirente, transformando a declaração translatícia de vontade em direito real. Por conseguinte, subentende-se que o contrato é a “causa (título)” enquanto que a tradição é o “modo pelo qual efetivamente se transmite”. A tradição pode ocorrer de três formas diferentes: Real, quando envolve a entrega efetiva ou material da coisa; Simbólica, quando envolve a entrega, não da coisa adquirida em si, mas de algo que a simbolize; e Ficta, quando se dá por presunção, sem efetiva entrega da coisa; nada é entregue ao adquirente, que assim mesmo torna-se dono da coisa alienada. 8.5. AQUISIÇÃO POR ESPECIFICAÇÃO: A especificação consiste na transformação de coisa em uma espécie nova, por trabalho do especificador, não sendo mais possível o retorno à forma anterior. Por esta forma, há uma operação que transforma a coisa ou matéria pertencente a outrem em uma nova espécie, isto é, em outra coisa diferente, como é o caso de quem escultura uma estátua de pedra; ou de quem transforma o ouro em uma jóia; enfim, todos que utilizam a matéria-prima e a transformam em uma espécie de coisa nova. Ver: Art. 1.269 CC/2002. Por consequência lógica, não configura especificação uma mera alteração da coisa primitiva. De modo que não tipifica a especificação a encadernação de um livro novo, ou a pintura de um carro. A variação, nestes casos, é da qualidade acidental. Por fim, em observância das regras da especificação, podemos listar as seguintes situações sobre a aquisição da coisa especificada: - Em geral, a espécie nova surgida do trabalho sobre matéria prima em parte alheia será de propriedadedo especificador, se não for possível retornar à situação anterior; - Se toda a matéria-prima for alheia e não se puder reduzir à forma precedente, será do especificador de boa-fé a espécie nova; - Sendo praticável, ou melhor, possível a redução ao estado anterior; ou quando impraticável, se a espécie nova se obteve de má-fé, pertencerá ao dono da matéria-prima; - Em qualquer caso, inclusive no da pintura em relação à tela, da escultura, escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima, a espécie nova será do especificador, se o seu valor exceder consideravelmente o da matéria-prima. 8.6. AQUISIÇÃO POR CONFUSÃO, COMISTÃO E ADJUNÇÃO: Inicialmente, para se ter uma noção sobre essas formas de aquisição da propriedade móvel, é preciso entender que: - Confusão é a mistura de coisas líquidas (exemplo: mistura de álcool na gasolina); - Comistão é a mistura de coisas sólidas ou secas (exemplo: mistura do cimento na areia); e - Adjunção é a justaposição de uma coisa à outra (exemplo: a aplicação de tinta à parede). 17 Se as coisas pertencem a donos diversos e foram misturadas sem o consentimento deles, continuam a pertencer-lhes, sendo possível separar a matéria -prima sem deterioração. Não o sendo, ou exigindo a separação dispêndio excessivo, subsiste indiviso o todo. A espécie nova pertencerá aos donos da matéria-prima, cada qual com direito proporcional ao valor do seu material. Ver: Art. 1.272 CC/2002. Todavia, se uma das coisas puder ser considerada principal em relação às outras, a propriedade da espécie nova será atribuída ao dono da coisa principal, tendo este, contudo, a obrigação de indenizar os outros. Ver: §1º e §2º do art. 1.272 CC/2002. 8.7. AQUISIÇÃO POR SUCESSÃO HEREDITÁRIA: Como já estudado anteriormente, segundo nosso sistema, os herdeiros se tornam donos dos bens da herança, no exato momento em que o antigo dono morre. Ainda que não saibam, já são proprietários. A morte tem, pois, o poder de transferir, por si só, a propriedade de bens móveis e de bens imóveis, independentemente de qualquer ato complementar. 9. PERDA DA PROPRIEDADE: Sem prejuízo dos casos já estudados, em que ocorre de forma concomitante a aquisição e a perda da propriedade (tal como ocorre com a tradição), o art. 1.275 do Código Civil elenca outras hipóteses de perda da propriedade, seja imóvel ou móvel, a saber: a) Pela Alienação – A alienação consiste em transmissão do direito de propriedade de um patrimônio a outro. Em casos envolvendo imóveis, há necessidade do registro no Cartório de Registro Imobiliário. Quanto aos móveis, é necessária a tradição. � Exemplo: a alienação que ocorre por força dos contratos de compra e venda, de permuta e no de doação. b) Pela Renúncia – Constitui o ato unilateral pelo qual o proprietário declara, de forma expressa, a sua vontade de abrir mão de seu direito sobre a coisa. � Exemplo: a renúncia do herdeiro à própria herança que receberia e consequentemente aos bens que a compõe. c) Por Abandono – O abandono também é ato unilateral, pelo qual o titular abre mão de seus direitos sobre a coisa. Embora não seja declarado expressamente, para se verificar o abandono é essencial a intenção do proprietário de se despojar da propriedade sobre o bem: o proprietário deixa a coisa com a intenção de não mais tê-la consigo, surgindo daí o conceito de res derelicta, diante da derrelição. Quanto ao abandono de imóvel, importante observar o que prediz o art. 1.276 do Código Civil. � Exemplo: o abandono de um aparelho quebrado na lixeira em frente de casa. d) Por Perecimento da coisa – Com o perecimento da coisa, há necessariamente a perda da propriedade, pois se a coisa objeto da propriedade perece, não sobrevive o direito que autoriza a propriedade. Sem objeto não há direito. � Exemplo: um veículo que é incendiado. 18 e) Por Desapropriação – A desapropriação configura-se em um procedimento complexo em que o Poder Público retira o bem móvel ou imóvel de seu proprietário mediante justa indenização. Trata-se de uma forma especial de perda da propriedade, imposta pelo Poder Público, para alguma das finalidades que a lei prevê, tais como a desapropriação para fins de necessidade e interesse público (§3º do art. 1.228 CC/2002), a desapropriação no interesse privado, diante da posse-trabalho (§4º e §5º do art. 1.228 CC/2002), a desapropriação pelo não atendimento da função social da propriedade urbana, no contexto da política urbana e diante do não pagamento do IPTU progressivo (art. 8º da Lei 10.257/01). � Exemplo: A desapropriação de um terreno para construção de um hospital público ou para construção de uma estrada. QUESTÕES PARA REVISÃO DA UNIDADE 01. (TJ/MG/Juiz de Direito/2005) De acordo com o Código Civil, são formas de aquisição da propriedade móvel, EXCETO: a) a usucapião. b) a ocupação. c) a tradição. d) a acessão. 02. (TJ/AM/Notários/2005) Segundo o Código Civil, a aquisição por acessão não pode se dar: a) por avulsão. b) pela formação de ilhas. c) por aluvião. d) por usucapião. e) por plantações e construções. 03. (TRF 3.ª Região – 11.º Concurso) Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio: a) ganha, em desfavor do proprietário, as sementes, plantas e construções; b) perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; c) perde, em proveito do proprietário, o que plantou e construiu, mas tem direito à indenização, caso tenha procedido de boa-fé; d) deverá pagar ao proprietário pelas benfeitorias realizadas no imóvel sem a devida autorização. 04. (OAB/FGV 2011) Diogo, proprietário de um terreno urbano localizado no Município de Vila Formosa, autorizou Rafael, dono de uma transportadora, a utilizar parte desse terreno como garagem. Passados alguns meses de uso, Rafael, sem autorização de Diogo, construiu um galpão coberto com objetivo de proteger sua frota da chuva e do sol. Com o crescimento dos negócios, Rafael ampliou o galpão e ali montou uma oficina para realizar a manutenção dos seus veículos. Verificando uma oportunidade de negócio, Rafael passou a prestar serviços mecânicos a terceiros. Considerando a situação hipotética e as regras atinentes à acessão artificial, assinale a alternativa correta. a) Configurará aquisição por acessão invertida se o valor das construções realizadas por Rafael ultrapassar consideravelmente o valor do terreno. b) Mesmo que Rafael estivesse agindo de má-fé quando da realização da construção no terreno de Diogo, teria direito à indenização das benfeitorias úteis para evitar enriquecimento sem causa deste. c) A acessão decorrente de construção é forma de aquisição derivada da propriedade. d) As acessões artificiais podem ser equiparadas às benfeitorias úteis, sobretudo quando representarem instrumento apropriado para conservação do bem principal. 05. (TJ/SC 2008) Assinale a alternativa INCORRETA em relação ao direito de propriedade, previsto nos arts. 1.128 e seguintes do Código Civil brasileiro: a) O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. b) A propriedade do solo abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por lei s especiais, sem restrição. c) O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social. d) Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda que separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito legal, couberem a outrem. e) O proprietário pode ser privado da coisa, por requisição, em caso de perigo público iminente. 19 06. (VUNESP/2010 – Analistade Promotoria – 1ª fase) “X” edificou casa, em área urbana, na certeza de lhe pertencer a totalidade da área descrita junto à matrícula imobiliária. Constatou, porém, já concluída a construção, que por um erro na descrição das linhas limítrofes, a edificação invadiu uma vigésima parte do terreno de seu vizinho. Considerando isso, assinale a seguir a alternativa correta. a) “X” adquirirá a propriedade da área invadida, devendo pagar o décuplo do valor do terreno lindeiro e a desvalorização da área remanescente. b) Embora “X” estivesse de boa-fé, deverá demolir a parte da construção que invadiu o terreno alheio, ainda que com grave prejuízo para a edificação. c) Estando “X” de má-fé, adquire a propriedade da área invadida apenas se o valor da construção exceder o do terreno. d) Estando “X” de boa-fé, adquire a propriedade da parte do solo invadido e responde, por perdas e danos, correspondentes ao valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente. e) A posse justa exercida por “X” e a boa-fé empreendida na construção serão suficientes para justificar pedido de usucapião da área invadida, o que deve ser requerido, porém, no lapso de 3 anos após a edificação. 07. (MP/BA 2004) Sobre Usucapião, pode-se afirmar: I – Verifica-se usucapião entre cônjuges, na constância do casamento, assim como entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar e contra os absolutamente incapazes. II – Sem justo título e boa-fé não pode haver usucapião extraordinária. III – Posse de dez anos, exercida com ânimo de dono, de forma contínua, mansa e pacificamente, o justo título e a boa-fé são requisitos da ação de usucapião ordinária. IV – Gera usucapião a posse ininterrupta e sem oposição, com animus domini, pelo prazo de 5 (cinco) anos, de área urbana não superior a 500m2 (quinhentos metros quadrados), utilizada para fins comerciais ou de moradia, e desde que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel. V – Gera usucapião a posse ininterrupta e sem oposição, com animus domini, pelo prazo de 5 (cinco) anos, de área de terra em zona rural não superior a 60 (sessenta) hectares, utilizada pelo possuidor para fins de moradia e tornada produtiva pelo seu trabalho, não sendo aquele proprietário de outro imóvel. a) IV e V estão corretas. b) IV apenas está correta. c) V apenas está correta. d) III apenas está correta. e) I e II estão corretas. 08. SUBJETIVA - Imagine a situação em que um mesmo imóvel foi ardilosamente vendido a duas pessoas distintas. Considerando a situação hipotética acima e as disposições do Código Civil, responda: Quem será considerado o proprietário ? Explique fundamentadamente.