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Atualidades Conflitos Africanos

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3
Conflitos afriCanos
“A liberdade de um homem é o jugo de outro.”
Provérbio africano, Benim
Uma breve história da África pré-colonial: 
aspectos físicos, povos e cultura
A ideia de que o continente africano evoluiu isolado dos grandes fluxos internacionais é enganosa. Desde o início 
dos tempos históricos, a metade norte e leste do continente mantiveram contatos regulares com a Ásia e a Europa. 
Por essa razão, qualquer estudo que deseje colocar o continente numa perspectiva global deve iniciar pelo conhe-
cimento e pela análise da dimensão pré-colonial e faz estruturas profundas da história do continente. Da mesma 
forma, conhecer sua configuração geográfica é indispensável, especialmente a partir da formação de um sistema 
mundial calcado nos fluxos comerciais dos grandes espaços oceânicos a partir do século XV.
É errônea a percepção de uma África cristalizada em dezenas de povos e centenas de “tribos”, com suas 
estruturas específicas consolidadas. O quadro é mais o de um intenso deslocamento, interação, fusões e o sur-
gimento de novas entidades. Da ocupação de espaços e seus conflitos, do desenvolvimento de novas formas de 
produzir e das conexões com outros povos africanos e extracontinentais foi emergindo uma espécie de sistemas de 
“relações internacionais” que terá uma dinâmica apenas parcialmente determinada pelos estrangeiros e que não 
desaparecerá por completo, mesmo com a ocupação europeia.
O continente africano está separado da Europa pelo mar Mediterrâneo e da Ásia pelo mar Vermelho, mas 
liga-se a ela por meio de sua extremidade nordeste, o Istmo de Suez. A principal subdivisão da África refere-se às 
duas regiões que ficam ao norte e ao sul do Deserto do Saara – África Subsaariana ou África Negra, e ao norte da 
África, ou Magreb (ocidente, em árabe). Sendo o terceiro maior continente da Terra, a África ocupa, juntamente com 
as ilhas adjacentes, uma superfície de 30 milhões de Km2, mais de 20% do total das massas terrestres, formando 
um espaço compacto. Com exceção dos montes Atlas, no norte, do maciço etíope e do Drakensberg sul-africano, 
o território africano é um planalto vasto e ondulado, marcado por quatro grandes bacias hidrográficas: a do Nilo, 
do Níger, do Congo e a do Zambeze.
4
A África pode ser dividida geograficamente em três regiões distintas: o planalto setentrional, os planaltos 
central e meridional e as montanhas do leste. Em geral, a altitude do continente aumenta de noroeste para sudes-
te. A característica peculiar do planalto setentrional é o Deserto do Saara, que se estende por mais de um quarto 
do território africano. As faixas litorâneas baixas, com exceção da costa mediterrânea e da costa da Guiné, são 
estreitas e elevam-se bruscamente em direção ao planalto. O litoral se caracteriza por dimensões contínuas, quase 
sem reentrâncias e portos de águas profundas e com plataforma continental muito exígua, o que limita as possi-
bilidades de pesca e jazidas de petróleo off-shore. Por fim, os rios, em sua maioria, não são navegáveis a grandes 
embarcações, devido a um grande número de corredeiras, dificultando o acesso ao interior do continente. Outra 
característica peculiar é que boa parte dos rios africanos tem drenagem endorreica, ou seja, correm para o interior 
do continente, não atingindo o mar.
A África é riquíssima em recursos minerais, possuindo em seu subsolo, a maioria dos minerais conhecidos, 
sobretudo os mais raros e valiosos, muitos deles em quantidade e qualidade notáveis. Sua principal atividade 
econômica é a mineração, principalmente nas grandes jazidas de carvão, reservas de petróleo e gás natural, bem 
como as maiores reservas de ouro do mundo, diamantes, bauxita, cobre, manganês, níquel, germânio, lítio, fosfato, 
rádio e titânio. Os principais países produtores desses minérios são República Democrática do Congo, África do Sul 
5
e Namíbia, que juntos representam aproximadamente 
98% da produção mundial de diamantes.
A profunda contradição do continente africano 
fica explícita numa comparação referente à energia, 
pois há aproximadamente 66 bilhões de barris de pe-
tróleo apenas ao sul do Saara e inúmeras jazidas de gás 
natural, entretanto, a maior parte da energia consumida 
na África provém da lenha (90%). A segunda atividade 
econômica mais importante no continente é a agricul-
tura, praticada de três formas específicas: a de subsis-
tência, em sistemas de rotação de terras, desenvolvida 
por nativos nas áreas de floresta e savana; a permanen-
te, realizada por povos berberes no Marrocos, felás no 
Egito e alguns povos negros da África Ocidental e da 
Meridional; e a plantation, cultivo de produtos tropicais 
em grande escala, direcionada para exportação. Dentre 
esses produtos agrícolas exportados encontram-se o 
café, o cacau, a borracha, a cana-de-açúcar, o algodão, 
o amendoim e o azeite de dendê.
A pecuária é pouco praticada nas áreas equa-
toriais e tropicais, mas, na zona norte africana (Egito, 
Líbia, Marrocos, Argélia e Tunísia), há grandes criações 
de camelos, ovinos e caprinos. O nível de industrializa-
ção africana é baixo, existindo, no entanto, no norte do 
continente, indústrias relativamente bem desenvolvidas, 
especialmente no Egito (alimentícia, petrolífera, têxtil 
e siderúrgica) e na Argélia (óleos vegetais e máquinas 
agrícolas). No sul africano, também há industrialização 
média no Zimbábue (alimentícia e de energia) e na Áfri-
ca do Sul (têxtil, alimentícia, química, siderúrgica, meta-
lúrgica e de equipamentos de transporte).
Atualmente vive no continente africano quase 
um bilhão de pessoas, com densidade demográfica de 
30 habitantes por Km2. A população urbana é de, apro-
ximadamente, 40%, ao passo que a rural é de 60%. O 
continente está dividido em cerca de oitocentos grupos 
étnicos, cada qual com sua própria língua e cultura. A 
distribuição populacional da África é muito irregular. As 
regiões desérticas são quase desabitadas. Em compen-
sação, nas regiões às margens do rio Nilo, nos vales do 
Marrocos, na Tunísia, na Nigéria, na área urbano-indus-
trial da África do Sul e na região dos grandes lagos a 
densidade é bastante elevada. Ruanda e Burundi, por 
exemplo, destacam-se por estarem entre as mais altas 
densidades demográficas do mundo.
Obá Ovonramwen de Benin e sua família
Na África são faladas mais de mil línguas diferentes, 
que são divididas em quatro famílias: as afro-asiáticas, 
as Khoisan, as nígero-congolesas e as nilo-saarianas. 
Além do árabe, as mais faladas são o suaíle e o hau-
çá. Há também várias línguas que pertencem a famílias 
de línguas não africanas, como a malgaxe, que é uma 
língua austronésia (malaia), e o afrikaaner (derivado 
do holandês), pertencente à família das línguas indo-
-europeias, assim como a maioria das línguas crioulas 
da África. Além disso, a maior parte dos países africanos 
adotou, pelo menos como uma de suas línguas oficiais, 
uma língua europeia (português, francês e inglês nas 
respectivas ex-colônias), sendo que essas línguas são, 
geralmente faladas pela população urbana desses pa-
íses e, particularmente, por todas as pessoas com uma 
escolaridade significativa. As línguas alemã, italiana e 
espanhola são ainda faladas por minorias na Namíbia, 
Camarões, Eritréia, Líbia, Somália, Marrocos e Guiné 
Equatorial.
Muitas foram as tentativas de classificar os gru-
pos étnicos na África, seja pela cor da pele, pela identi-
dade linguística ou pelas características culturais. Uma 
das primeiras tentativas nessa direção foi a de definir 
os habitantes do norte da África como caucasoides e 
os habitantes ao sul do Saara de negroides. Entre esses 
dois grupos podem-se encontrar variações e, além disso, 
entre todos esses povos houve cruzamentos, de forma 
que múltiplos graus de mestiçagem ocorreram e ainda 
são esperados. Originalmente, também as fronteiras ge-
ográficas não eram tão rigorosas como atualmente.
A África pré-colonial era dividida em grandesrei-
nos ou impérios que funcionavam com uma organiza-
ção política e socioeconômica assentada em estruturas 
6
específicas, cujo núcleo de base é a família estendida. 
A sociedade africana tradicional era dividida em várias 
categorias sociais ou castas, que exerciam de forma 
exclusiva uma função ou uma atividade socioeconômi-
ca específica. Essa organização sócia, apesar de suas 
características complexas, tanto do ponto de vista po-
lítico e cultural, quanto do ponto de vista econômico, 
teve um papel fundamental nas relações internacionais 
da época. Outro ponto importante refere-se à questão 
da posse de terra. Na Idade Média, o sistema feudal 
derivava da posse da terra, frustrando os habitantes, 
teoricamente protegidos pelo Estado, e resultando na 
formação de uma nobreza na Europa e em outras partes 
do mundo. Já na África Negra nem o rei, ou qualquer 
outro senhor, tinha o sentimento pela da posse da terra, 
ou seja, a consciência do poder político derivava, prin-
cipalmente de concepções religiosas e morais. O rei, um 
pequeno senhor local, possuía escravos e reinava sobre 
toda região, cujos limites conhecia perfeitamente. A fon-
te de recursos do Estado tradicional africano sempre foi 
baseada em um sistema de taxas, extração e dos bens 
provindos da guerra.
Do ponto de vista religioso, o continente africa-
no apresenta uma rica variedade que reflete o impor-
tante papel das crenças nas organizações políticas e 
socioeconômicas. Isso mostra a importância da religião, 
da divindade ou do sagrado na vida dos africanos, bem 
antes da chegada das chamadas religiões reveladas 
(cristianismo e islamismo). Nesse sentido, a África tem 
sido uma grande precursora dos valores humanos in-
corporados pelas religiões reveladas, apesar do discurso 
que anunciava a tarefa de “civilizar” os povos africanos 
a partir de seus valores. Da mesma maneira, a diversi-
dade dos grupos linguísticos, bem como a organização 
sociopolítica da África pré-colonial, continua pouco co-
nhecida ou simplesmente desvalorizada. A religião tra-
dicional africana teve um papel importante na formação 
política, social, econômica e cultural do continente, da 
mesma maneira que outras religiões e crenças em ou-
tras partes do mundo.
O continente africano é conhecido pela diversi-
dade e pela riqueza de suas culturas e religiões, mas 
sobre o período pré-colonial a maioria dos filmes e do-
cumentários mostra uma imagem essencialmente pri-
mitiva e “bárbara”. No entanto, essa visão não passa 
de um olhar racista e ideológico que busca descaracte-
rizar o continente para poder controlá-lo com facilidade. 
Apesar disso, nenhuma das classificações pode apagar 
a história da mais antiga região do mundo, que é, cul-
turalmente, um conjunto plural, um mosaico de nações 
étnicas correspondentes a identidades distintas.
O legado colonial
No final do século XIX, o capitalismo caminhava em 
passos largos para a monopolização da economia a que 
assistimos atualmente; os trustes nascidos no continen-
te europeu atingiram uma força tão grande, que os mes-
mos Estados aos quais estavam associados lançaram-se 
sobre novas bases territoriais, procurando garantir o 
acesso facilitado às fontes de matérias-primas existen-
tes na África e na Ásia.
Assim, na busca por novas áreas que garantissem 
a expansão capitalista, em 1885 deu-se a Conferência 
de Berlim, que instituiu uma divisão do continente em 
territórios coloniais, submetidos ao poder e aos interes-
ses das potências europias. Essa “partilha da África” 
não respeitou os limites culturais dos povos africanos, 
fazendo com que populações milenarmente ligadas fos-
sem separadas, enquanto outras, muitas vezes inimigas, 
fossem submetidas a um mesmo poder central. Iniciava-
-se então, o neocolonialismo e um intenso processo de 
expropriação das riquezas africanas.
A África foi retalhada de acordo com as possibili-
dades de exploração e submetida ao sistema capitalista 
na sua mais cruel forma de espoliação. Assim, os solos 
mais férteis foram destinados à agricultura do tipo plan-
tation, e dedicados à produção de café, cana, cacau e 
algodão, produtos que não abasteciam as populações 
locais, mas sim, eram exportados para a Europa, onde 
eram industrializados.
As imensas riquezas minerais estimularam a 
corrida imperialista que, além de prioritária aquisição 
das fontes de matéria-prima, também visava converter 
aqueles habitantes em mão-de-obra capaz de dar vazão 
à produção. Os africanos foram introduzidos em rela-
ções de trabalho destoante dos padrões culturais até 
então vigentes, e a novas formas de organização social 
e política que lhes eram estranhas: o Estado-nação, o 
modo de produzir, o salário.
7
A Conferencia de Berlim
A intensificação da corrida por esferas de influência 
no território africano, originada pela disputa entre ca-
pitalistas europeus e Estados africanos como Ashanti, 
Benim e N’Gola, que controlavam ferreamente as expor-
tações de novos produtos (óleo de palma, amendoim, 
ouro e marfim), foi potencializada pela crise econômi-
ca que eclodiu na década de 1870. Para os europeus, 
era necessário abrir o comércio direto para os produtos 
africanos e manufaturados europeus. Nesse quadro, tor-
nou-se necessária uma ruptura do controle do acesso 
ao interior, que era mantido pelos Estados do litoral. Tais 
Estados vinham, ao longo do século XIX, estabelecendo 
impérios tributários com a subjugação dos vizinhos me-
nos poderosos e, assim, compensando a repressão ao 
tráfico internacional de escravos.
Reinos africanos
Possessões europeias (1875)
Africânder
Britânica
Espanhola
Francesa
Portuguesa
Estados sob domínio 
otomano
Outro aspecto decorrente do processo foi a in-
ternacionalização, no continente, da escravidão moder-
na, para atender a demanda do comércio legítimo dos 
novos produtos. A utilização de escravos na produção 
africana provocava o aumento da intervenção filantró-
pica (via missionários) e da pressão sobre os Estados 
europeus para intervir, com o estabelecimento de con-
sulados e agentes para firmar acordos de proibição do 
tráfico de escravos e da liberalização de mercados, além 
de estabelecimentos de esferas de interesse.
Frente aos tradicionais parceiros nas relações da 
Europa com o continente africano – Inglaterra, França 
e Portugal –, que deslocaram os outros da época mer-
cantilista, surgiram novos competidores: o rei Leopoldo 
II, da Bélgica, e empresários alemães. Se o primeiro pre-
tendia construir um império colonial privado na África 
Central, os segundos desejavam estabelecer esferas de 
influência no litoral dos territórios com projeção para o 
interior, nas áreas não controladas por potências tradi-
cionais. Métodos privados, através de empresas que re-
cebiam apoio estatal e de entidades filantrópicas, foram 
empregados. Associações aparentemente internacio-
nais de exploração, além de companhias com carta de 
direitos emitidos por potências europeias, mesclaram-se 
nessa corrida gerando desconfiança recíproca e insta-
bilidade.
Exploradores e viajantes, agindo por represen-
tação ou autonomamente, estabeleciam por onde pas-
savam, tratados e acordos pessoais em benefício de 
Estados europeus, sob a forma de cessão de soberania 
ou de estabelecimento de esferas monopólicas de pro-
teção. Portugal tentou fortalecer, com reconhecimento 
internacional, seu controle sob a foz do rio do Congo, 
sendo barrado pelo governo britânico. Essa situação, 
numa área de intensa disputa, proporcionou condições 
para a convocação de uma conferência internacional na 
cidade de Berlim, de novembro de 1884 a fevereiro de 
1885. Na conferência, foram estabelecidas regras para 
a liberdade de comércio e igualdade de condições para 
os capitais concorrentes. O mundo liberal vencia o pro-
tecionismo.
Paralelamente aos tratados de navegação, foi 
reconhecida a esfera de influência da Alemanha sobre 
os territórios litorâneos conquistados ou ocupados por 
suas Chartered Companies e oEstado Livre do Congo, 
propriedade pessoal do rei da Bélgica. Definiam-se, 
também, a legitimidade e inviolabilidade das esferas 
dos antigos ocupantes do litoral da África – Inglaterra, 
França e Portugal. A conferência estabeleceu ainda as 
regras para a legitimidade da dominação: a prova de 
ocupação definitiva e a declaração de tais normas para 
possível contestação por outras potências europeias e 
assinaturas de acordos.
Após a conferência, os beneficiários trataram de 
impor sua dominação no interior e de remodelar geo-
política, social e economicamente o continente trans-
formado em objeto pelo imperialismo de novo tipo que 
surgia na Europa. Para isso, usavam os mesmos argu-
mentos de sua instalação no litoral: fim da escravidão, 
civilização, cristianismo e abertura do território para o 
comércio internacional. Iniciaram-se as guerras de con-
quista e a dependência econômica do continente às 
economias industriais das potências europeias.
8
Tendo o Congresso de Berlim estabelecido as 
regras para a partilha da África e reconhecido a supre-
macia das potências europeias, cabia realizar ajustes 
das fronteiras litorâneas e a incorporação do interior 
do continente. Diplomacia e armas modernas seriam 
utilizadas. A primeira, para as relações entre os euro-
peus; as segundas, para as relações com os africanos. 
A dominação efetiva do continente gerou guerras de 
conquista territorial e para a submissão dos africanos 
até as vésperas da Primeira Guerra Mundial. Os natu-
rais do continente resistiam à perda de uma soberania 
e às transformações econômicas, fiscais e políticas que, 
junto com a exploração predatória de recursos naturais 
e demográficos, impunham a transformação da África.
Os defensores do imperialismo visavam explorar 
economicamente o continente e adaptá-lo à nova divi-
são internacional do trabalho como região periférica e 
subordinada. A riqueza produzida com o atendimento 
da demanda de minerais, matérias-primas e gêneros 
tropicais da nova sociedade fabril, monopolista e urba-
nizada deveria ser acumulada na metrópole para ga-
rantir lucro e custo de produção, além de reservas que 
possibilitassem a liberdade de ação e produção das po-
tências imperialistas. Para isso, era necessário submeter 
territórios e populações, reorganizar a produção, o sis-
tema de propriedade e obrigar a população ao trabalho 
orientado pelos novos objetos e volumes de produtos. 
Esse imenso processo de expropriação da economia, 
do tempo, da cultura e das condições de vida originou 
rebeliões e resistências, principalmente nas sociedades 
sem organização estatal. A anulação da soberania e a 
subordinação das sociedades organizadas sob formas 
estatais foram efetivadas através de guerras de conquis-
ta. A superioridade em armamentos e meios de locomo-
ção proporcionada pela nova tecnologia foi a garantia 
da vitória na repressão às resistências e nas guerras.
Enquanto a violência física e simbólica marcou 
as relações de conquista, as diferenças entre as potên-
cias eram resolvidas entre os diplomatas por meio de 
mapas incompletos e falhos. Isso resultou no estabele-
cimento de fronteiras em linhas retas que reuniam, em 
uma unidade administrativa, povos diferentes e até ini-
migos e dividiam conjuntos étnico-linguísticos com uma 
longa história de unidade.
O processo de descolonização
A expansão colonial europeia na África havia dividido o 
continente entre quatro potências – Grã-Bretanha, Fran-
ça, Bélgica e Portugal. Essas potências coloniais diferiam 
em níveis de desenvolvimento, riquezas e necessidades. 
Tal situação determinou diferenças secundárias, porque 
as colônias eram predominantemente de exploração 
e não de povoamento. Determinou também uma reor-
ganização na geografia política africana, voltada para 
o comércio metropolitano, unindo e separando áreas e 
economias, sociedades e povos. Tal reorientação geoeco-
nômica manifestou-se pelas criações de novas “regiões” 
na África, regiões que entravam em contradição com a 
tradicional ordenação continental, externalizando sua 
economia e criando novas realidades sociais e políticas.
O domínio colonial clássico na África durou apro-
ximadamente 75 anos, tempo suficiente para o amadure-
cimento de sua incorporação na economia mundial, das 
economias capitalistas monopolistas e para a emergência 
de um movimento emancipacionista bastante problemá-
tico. Nesse período, os impérios coloniais submeteram 
ou cooptaram tanto as resistências tradicionais como as 
“modernizantes”, ordenaram o continente e mudaram 
seu perfil. O auge da dominação e reordenação deu-se 
no período entre guerras, com marcada participação da 
crise econômica de 1929 e a posterior recessão.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, a situa-
ção crítica das metrópoles europeias e sua necessidade 
de riquezas entraram em contradição com os ideais dos 
social-democratas que chegaram ao poder em 1945. Isso 
levantou o problema da evolução dos impérios. Por ou-
tro lado, certos grupos empresariais já haviam alcançado 
um nível de desenvolvimento que podia prescindir da 
subordinação direta à metrópole. A solução era apresen-
tada por um longo e quase secular processo evolutivo de 
emancipação. Frente a tal projeto, classificaram-se vários 
elementos de oposição: a ascensão dos Estados Unidos 
e da URSS como potências mundiais e anticolonialistas, 
o sistema das Nações Unidas com seu comitê de desco-
lonização, as reivindicações africanas de emancipação e 
os interesses econômicos das emergentes multinacionais 
estadunidenses – obstaculizados pelas políticas dos im-
périos coloniais. Tais fatores são determinantes nos pro-
cessos de descolonização. Na África, onde os colonizados 
e suas reivindicações são protagonistas preponderantes, 
deve-se agregar o papel das decisões da Conferência de 
9
Bandung e das guerras anticoloniais da Ásia como ele-
mentos-chave da descolonização.
Embora o auge da descolonização da África tenha 
acontecido na passagem da década de 1950 para a de 
1960, a reivindicação pacífica ou violenta pela indepen-
dência iniciou-se no imediato pós-guerra. Ela se aprofun-
dou e se radicalizou com as tentativas metropolitanas 
que buscaram criar mecanismos de autonomização lenta 
e controlada. Isso favorecia as forças internas arcaicas e 
a permanência das colônias subordinadas à metrópole. 
A regionalização geopolítica da África 
contemporânea e seus principais 
conflitos
A África adentrou o século XXI apresentando um me-
lancólico estado econômico, social e também geopolí-
tico. Esquecido pela globalização, o continente assiste 
impotente à degradação humana e a proliferação da 
pobreza. Guerras, fome e AIDS figuram entre os com-
ponentes da realidade de boa parte do continente. Para 
onde quer que se olhe, vêem, conflitos de ordem étni-
ca, religiosa ou política. Na porção centro meridional, a 
trágica situação social da África Subsaariana faz dessa 
região a mais pobre do planeta. Eis o legado colonial.
Sudão e o conflito norte-sul
O cenário geopolítico do maior país africano é marcado 
por uma guerra civil que perdurou por mais de 20 anos 
e tem conduzido ao genocídio da população. A guerra 
tem razões religiosas e envolve de um lado, a maioria 
muçulmana ao norte do país, e de outro, uma forte mi-
noria cristã e animista do sul.
Essa situação de instabilidade vem desde a inde-
pendência do Sudão em 1956, mais se agravou a partir 
de 1983. Naquele ano, o governo muçulmano impôs a 
sharia (lei corânica) a todo o conjunto da sociedade fo-
mentando a imediata reação das populações cristã e ani-
mista do sul. Começava então uma sangrenta guerra civil.
O Sudão é ex-domínio egípcio e ex-colônia britâ-
nica: para além da questão religiosa, o fator étnico é dos 
mais complicados, uma vez que se contabilizam no país, 
aproximadamente 570 grupos distintos e mais de cem 
idiomas. Árabes e núbios concentrados no norte somam 
aproximadamente 50% da população. A outra metade 
está divididaem inúmeros grupos minoritários.
Após a radicalização islâmica do governo de Car-
tum (capital sudanesa), surgiu nos anos 1980, no sul do 
país, um movimento denominado MPLS (Movimento Po-
pular de Libertação do Sudão). Com um viés ideológico 
e empunhando a bandeira do socialismo, o MPLS propu-
nha um novo governo de unidade nacional, com respeito 
à diversidade religiosa que caracteriza o Sudão, opondo-
-se ao modelo teocrático de imposição do islã como re-
ligião oficial. Para fazer frente à repressão do governo 
central, derivou do MPLS uma facção armada, o SPLA 
(Exército Popular de Libertação do Sudão). A guerra civil 
se agravaria a partir de então. O que motivava a guerrilha 
do sul a insistir na ação armada era o desprezo com que 
o governo muçulmano do país tratava as áreas cristãs e 
animistas.
Alternando golpes militares intrínsecos ao gover-
no sudanês e frágeis eleições, o país seguiu praticamente 
dividido entre o norte e o sul, prolongando a guerra.
Algumas publicações internacionais relataram 
que os EUA passaram a apoiar e armar os guerrilheiros 
do sul. Especula-se que, em represália, o governo suda-
nês tenha passado a dar abrigo a militantes da Al-Qaeda.
No meio desse emaranhado encontra-se a popu-
lação sudanesa que sofreu as mais duras consequências. 
A maioria muçulmana do norte foi atacada constante-
mente por guerrilhas cristãs, enquanto o governo central 
de Cartum isolava as aldeias e tribos simpatizantes dos 
guerrilheiros cristãos, levando-as à miséria. Com uma ge-
ografia natural não muito favorável em grandes trechos 
do país, o Sudão teve uma seca longa e intensa, o que 
agravou as condições da agricultura, principal atividade 
nacional. O resultado de tantas situações críticas foi uma 
gravíssima crise humanitária: de 1983 até 2005, a guerra 
provocou dois milhões de mortes e mais de seis milhões 
de refugiados. Isso é aproximadamente o total da popu-
10
lação do país. É isso o que está por trás das cenas de 
crianças africanas abandonadas e da degradação huma-
na no Sudão, que por vezes a mídia veicula.
Aproximando-se sobremaneira da opção fun-
damentalista, o governo sudanês se envolveria ainda 
em duas contendas internacionais. A primeira foi uma 
disputa territorial na zona da fronteira com o Egito: os 
sudaneses requerem o direito sobre a região de Halaíb 
(rica em minérios, particularmente o fosfato). O Egito, 
por sua vez, acusou o Sudão de apoiar grupos funda-
mentalistas egípcios. A segunda se deu após ataques 
terroristas à embaixada norte-americana em Nairó-
be (Quênia) e Dar Asslaan (Tanzânia), quando os EUA 
acusaram o Sudão de ter dado abrigo e proteção aos 
terroristas que realizaram os atentados, atribuídos à Al-
-Qaeda. Em represália a essa hipótese, os EUA bom-
bardearam uma fábrica em Cartum, a qual, segundo 
os americanos, produzia armas químicas. O governo 
do Sudão afirmou tratar-se apenas de uma fábrica de 
remédios. 
Depois de vinte anos sem guerra, foi assinado 
me 2005, um acordo de paz entre o governo de Car-
tum e os rebeldes do sul liderados por John Garang (do 
MPLS). O que parecia impossível há alguns anos, enfim 
aconteceu: o Sudão seria dividido em duas porções geo-
políticas, uma ao norte, outra ao sul. Cada uma teria leis 
e exércitos próprios, mas continuariam fazendo parte de 
uma só nação, ao menos até 2011, quando foi realizado 
um plebiscito pelo status final do país. O que realmente 
permitiu o acordo foi um fator econômico e não geopo-
lítico: o petróleo. Norte e sul ainda precisariam chegar 
a um acordo com relação ao traçado da nova fronteira 
e como ela será controlada, como dividir a dívida do 
Sudão e os royalties do petróleo do novo país e que 
moeda será adotada pelo novo país.
A questão de Darfur
Localizada no oeste do Sudão, a região de Darfur tem o 
tamanho da França e apresenta acelerado crescimento 
demográfico. Os violentos conflitos – a que um obser-
vador da ONU, Mukesh Kapila, caracterizou como “a 
maior crise humanitária do mundo” – iniciaram-se em 
2003.
Trata-se novamente de uma questão territorial 
separatista. Representantes da população local acusam 
o governo central de desprezar Darfur, entregando-a à 
própria sorte. Nesse contexto, enquanto o governo su-
danês empregava todas as suas forças no sul, organi-
zou-se em Darfur um movimento contestatório denomi-
nado Frente de Libertação de Darfur (FLD) e igualmente 
um braço armado, o Exército de Libertação de Darfur 
(ELD ou SLAN, das iniciais em inglês Sudan Liberation 
Moviment Army).
Esse movimento realizou uma ofensiva para o 
leste, conquistando partes do território do país. O go-
verno, ocupado com os combates no sul confiou então 
a grupos de mercenários e saqueadores tribais armados 
a função de combater a nova insurgência. Ou seja, o 
governo de Cartum delegou uma responsabilidade de 
Estado a grupos paramilitares, localmente denominados 
janjawid. Segundo analistas, esses grupos de extermínio 
existem a muito tempo e antes da explosão da crise 
separatista, já saqueavam as aldeias de Darfur, promo-
vendo uma verdadeira limpeza étnica, com a conivência 
de Cartum. O governo, obviamente, nega.
A ONU, os Estados Unidos e a comunidade in-
ternacional passaram a pressionar o governo sudanês 
para intervir mais energicamente e suspender o genocí-
dio que já se verificava em Darfur.
A descoberta de petróleo nessa região fez com 
que os países olhassem com mais atenção para essa 
região. Durante encontros internacionais em Nairóbe, os 
Estados Unidos manifestaram a intenção de uma inter-
11
venção “humanitária” em Darfur – ideia imediatamente 
frustrada pela China que anunciou que vetaria qualquer 
iniciativa nessa direção no âmbito do Conselho de Se-
gurança da ONU. Atualmente, o Sudão é um importante 
fornecedor de petróleo à China, país que tem investido 
em oleodutos sudaneses.
O conflito já causou 70 mil mortes, mais de 2 mi-
lhões de refugiados (principalmente no vizinho a oeste, 
o Chade) e aproximadamente 3,2 milhões de depen-
dentes diretos de assistência humanitária dentro e fora 
de Darfur. Uma acordo foi assinado em abril de 2004, 
mas não trouxe segurança. Ainda há milhões de pesso-
as desabrigadas por conta desse conflito.
Somália: um país de guerra e fome
Situada numa estratégica posição no Golfo de Áden, 
a Somália dividi com Dijibuti o controle do estreito de 
Bab el Mandeb, em sua vertente ocidental. Encontra-se 
em estado técnico de guerra civil desde 1991. Diferen-
temente dos casos anteriores, o país apresenta certa 
homogeneidade étnica. Fala-se predominantemente a 
língua somali; o árabe é uma forte minoria, mas é o 
mesmo grupo étnico falando uma língua diferente, he-
rança que remonta ao período de arabização promovida 
pela expansão do islã. Apesar da uniformidade, o país 
se encontra fragmentado em diversos clãs rivais – os 
protagonistas deste estado de guerra.
Colonizada por italianos e britânicos, a Somália 
alcançou a independência em 1960, quando se firmou 
como uma república. Nove anos mais tarde um regime 
comunistas alinha com Moscou chegaria ao poder por 
meio de um golpe militar.
Em 1977, travou uma guerra contra a Etiópia 
pela disputa de Ogaden (Guerra do chifre africano), re-
gião que os britânicos concederam à Etiópia, o que os 
somalis nunca aceitaram. A Somália saiu derrotada e 
ainda perdeu a ajuda de Moscou, que optou por apoiar 
o inimigo. Soldados cubanos que davam suporte à Etió-
pia ajudaram a derrotar a Somália.
Em 1991, o regime militar somali foi derruba-
do por um emaranhado de tribos que combatiam ana-
quicamente o governo. O único fator de convergência 
entre essas tribos era o ódio que todas nutriam contra 
o regime centralizado do governo somali. Diante do 
caos, o presidente se exilou e o país ficou literalmente 
desgovernado. Os vários clãs – aproximadamente vinte 
milícias tribais – não se entenderam e mergulharam em 
intensa guerracivil, todos contra todos.
Com o caos instalado, a fome se alastrou pelo 
país, já prejudicado pela natural aridez. Diante da situ-
ação, grupos de ajuda humanitária limitavam-se a so-
brevoar e despejar pacotes de alimentos junto às áreas 
castigadas. Mas os donativos eram confiscados pelas 
milícias, que assim impediam aos rivais o acesso à co-
mida. As plantações também eram atacadas por grupos 
inimigos.
Em 1992, houve uma fracassada intervenção 
estadunidense, que permitiu duas leituras: os Estados 
Unidos tentavam conter o quadro generalizado de guer-
ra e a degradação humana na Somália; os Estados Uni-
dos estavam se aproveitando do cenário caótico para 
posicionar-se estrategicamente no estreito de Bab el 
Mandeb, controlando assim a rota do petróleo, uma vez 
que já haviam saído vitoriosos da Guerra do Golfo, no 
mesmo ano. Uma mistura de duas hipóteses talvez seja 
o mais provável.
Mas a Somália se converteu numa espécie de 
“breve Vietnã” aos Estados Unidos que, derrotados, 
após três anos, se retiraram.
12
No transcorrer dos conflitos, varias regiões so-
malis anunciaram suas respectivas “independências”: 
a república da Somalilância, Puntland, Somália do Su-
doeste, entre outras. Diante da obscuridade da guerra, 
nenhuma das pseudo-repúblicas foi reconhecida por 
regime algum e muito menos pela ONU.
O cenário beligerante e a prolongada seca de 
1997 levaram a uma nova crise humanitária. Os anos 
de guerra em que todos perderam e a triste realidade 
do país fizeram com que as principais lideranças dos 
inúmeros meros grupos sentassem em uma mesa de 
negociação em 2000, no Dijibuti. Mas líderes tribais 
não contemplados na conferência continuaram a luta 
armada.
Uma conferência maior em 2004, contando com 
quase todos os chefes tribais, levou a um acordo mais 
consistente. Criou-se um parlamento transitório cuja 
composição obedeceria à proporcionalidade demográ-
fica das tribos, mas que, por motivos de segurança, per-
maneceria instalado provisoriamente no Quênia, país 
que patrocinou o mais bem sucedido acordo de paz até 
então.
O caso da Nigéria
Potência regional africana, a Nigéria é o país mais po-
puloso do continente, muito rico em petróleo e membro 
da Opep.
Contudo, também vive há longos anos sob ins-
tabilidade política. A causa maior é a dificuldade de 
convivência harmônica entre muçulmanos do norte e os 
cristãos ao sul, diferenças que já puseram o país em 
guerra civil.
A Nigéria abriga mais de 200 etnias, que abra-
çam três religiões; islamismo, cristianismo e animismo. 
Dentre os diversos grupos, destacam-se os hauçás, fula-
nis e iorubas. Os ibos, uma forte minoria, tentaram sem 
sucesso em 1996, construir um Estado independente na 
região de Biafra, o que levou, diante da negativa do go-
verno central, a uma violenta guerra civil. As duas reli-
giões dominantes são o cristianismo (sul) e o islamismo 
(norte), que aproximadamente se equivalem em número 
de seguidores: cerca de 45% da população para cada. 
O restante pratica ritos tribais do animismo. Há minorias 
religiosas cristãs no sul e no norte.
A formação política e cultural nigeriana foi in-
fluenciada por essas três fontes distintas: a cultura islâ-
mica, levada à Nigéria com a expansão muçulmana; a 
influência cristã, trazida pelo colonizador britânico; ritos 
tradicionais do milenar animismo africano. Apesar da 
relativa liberdade política e de culto, essa convivência 
não foi pacífica. Alguns estados nigerianos (de um total 
de 36) adotam a sharia (lei islâmica), e isto é fator de 
tensão, pois os cristãos não a aceitam.
Desde sua independência, em 1960, a Nigéria é uma 
República Federativa, apresentando três regiões princi-
pais e autônomas. Também com um passado de golpes 
militares, o país tem, desde 1999, um presidente (cris-
tão) democraticamente eleito e que tentou, com muita 
dificuldade, minimizar a instabilidade política decorren-
te dos conflitos religiosos.
Os conflitos são mais intensos no norte do país, 
onde a maioria islâmica persiste na aplicação da sharia 
e pretende fazer valer a sua jurisdição sobre as minorias 
não-muçulmanas. Apesar de os políticos muçulmanos 
afirmarem que a sharia não atingiria os cristãos, na prá-
tica foi o contrário que aconteceu. Discriminados, mui-
tos fugiram para outras áreas.
A séria crise em 2002 deu-se porque, ignorando 
a fragilidade da convivência entre cristãos e muçulma-
nos, organizou-se no país o concurso de “miss univer-
so”. O presidente, um cristão anglicano, deu apoio à re-
alização do evento. Os muçulmanos consideraram uma 
profanação ao Islã aquela exposição de mulheres semi-
-nuas em pleno mês do Ramadã, período sagrado para 
eles. A situação se agravou com uma frase divulgada no 
jornal mais importante do país: “até Maomé se renderia 
àquelas beldades”. Isso bastou para que muçulmanos 
e cristãos se armassem com o que podiam rumo a uma 
batalha campal que deixou mais de cem mortos. O epi-
sódio pôs à mostra a instabilidade do país.
Assim, em linha gerais, o cenário geopolítico que 
caracteriza o mais populoso país africano pode ser sin-
tetizado da seguinte leitura religiosa: muçulmanos de 
13
um lado, cristãos e animistas do outro. Essa divisão gera 
um constante quadro de tensão, levantes separatistas e 
frequentes distúrbios.
Boko Haram
O Boko Haram é um grupo terrorista surgido na Nigéria 
que, muitas vezes, é denominado como “grupo radical 
islâmico”, pois as suas ações correspondem ao funda-
mentalismo religioso de combate à influência ociden-
tal e de implantação radical da lei islâmica, a sharia. O 
nome Boko Haram significa “a educação não islâmica é 
pecado” ou “a educação ocidental é pecado” na língua 
Hausa, um idioma bastante falado no norte do território 
nigeriano.
Logomarca do grupo terrorista Boko Haram
O surgimento do Boko Haram ocorreu em 2002 
como uma seita religiosa, fundada por Mohammed Yu-
suf na cidade de Maiduguri, capital do estado de Borno, 
na Nigéria. Para Yusuf e os seus seguidores, a cultura 
ocidental reproduzida na sociedade seria a principal 
razão para os males do país, sendo necessária a sua 
erradicação para combater a corrupção e o descaso das 
autoridades para com o povo. O líder atual do Boko Ha-
ram é Abubakar Shekau.
Com o passar do tempo, o Boko Haram foi se 
tornando um grupo militar cada vez mais bem armado, 
recebendo vários treinamentos e ações de formação por 
parte da Al-Qaeda do Magrebe de alguns outros gru-
pos militares radicais existentes na região setentrional 
da África. Em 2009, com a morte de Mohammed Yusuf 
durante um confronto armado, o Boko Haram tornou-se 
uma organização militar totalmente radical. No entanto, 
somente em 2013 os Estados Unidos passaram a consi-
derar, oficialmente, o Boko Haram como grupo terroris-
ta, que é hoje um dos maiores da atualidade.
O principal objetivo do Boko Haram atualmente, 
além de combater os princípios e legados ocidentais dei-
xados pela colonização britânica no país, é a construção 
de uma república islâmica. Para conseguir esse objetivo, 
o grupo terrorista utiliza muitos métodos radicais, in-
cluindo a realização de atentados e o sequestro para 
realizar avanços territoriais. O Boko Haram também age 
por meio do sequestro de mulheres, utilizando-as para a 
obtenção de resgates e, principalmente, negociando-as 
como escravas sexuais.
A ação mais notória do grupo até hoje ocorreu em 
abril de 2014, quando o Boko Haram sequestrou cerca 
de 276 mulheres entre 16 e 18 anos. Segundo relatos 
de algumas das que conseguiram escapar, os militantes 
utilizavam-nas como escravas sexuais e vendiam-nas 
para membros da organização a um preço médio de 12 
dólares. Indícios posteriores também afirmaram que boa 
parte das mulheres foi utilizada em diversos combates.
Grupo de nigerianos protestam contra o Boko Haram na cidade de 
Alicante, Espanha.
Não há números concretos sobre a ação do Boko 
Haram, mas estima-se que o grupo terrorista já tenha 
executadomais de três mil pessoas, número que se ele-
va continuamente a cada conflito ocorrido. O grupo já 
tomou boa parte do território da Nigéria, sobretudo as 
suas áreas ao norte e a nordeste, em um mapa difícil de 
ser representado, pois, a cada mês ou semana, um nova 
cidade é tomada ou perdida para as tropas do governo 
nigeriano, realinhando as fronteiras da república radical 
islâmica.
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Os milhares de combatentes e militantes do 
Boko Haram vêm lutando não tão somente contra as 
tropas governamentais da Nigéria, mas também contra o 
apoio de outros países. Chade e Níger, que formam uma 
coalização africana, vêm atuando no território nigeriano 
para combater as ações da milícia terrorista, que eventu-
almente realiza atividades fora da Nigéria e ameaça, com 
uma possível expansão, os países circunvizinhos, princi-
palmente Camarões, que já sofreu alguns atentados.
As ações do Boko Haram são uma demonstra-
ção da expansão da atividade de grupos terroristas pelo 
mundo, algo que se intensificou nos períodos posterio-
res à Guerra Fria. O líder Abubakar Shekau jurou, in-
clusive, uma lealdade a outro grupo terrorista radical, 
o Estado Islâmico. Essa postura não se trata, ao menos 
por enquanto, de uma aliança entre os dois grupos, mas 
pode indicar um paralelo sem igual para o crescimento 
da ação de grupos radicais pelo mundo.

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