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Guerras no Sudão: Uma reflexão sobre os conflitos na África contemporânea

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Pós-Graduação lato sensu
HISTÓRIA DA ÁFRICA E DO NEGRO NO BRASIL
GUERRAS NO SUDÃO
Uma reflexão sobre os conflitos na 
África contemporânea
Mauro Cesar Manzione
A África Independente: Conflitos na África Contemporânea – Disciplina III, Unidade 23
RIO DE JANEIRO
abril de 2010
MAURO CESAR MANZIONE
GUERRAS NO SUDÃO
Uma reflexão sobre os conflitos na 
África Contemporânea
Trabalho (TCC) apresentado ao Centro de Estudos Afro-Asiáticos do Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes como requisito para conclusão do curso de pós-graduação lato senso em História da África e do Negro no Brasil.
RIO DE JANEIRO – RJ
2010
 AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer à Universidade Candido Mendes, na pessoa do Diretor do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, Professor Beluce Bellucci e demais professores e palestrantes do Curso de História da África e do Negro no Brasil, pela oportunidade de aprender e refletir sobre o que foi aprendido.
 abril de 2010
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................07
NOTAS.......................................................................................................................................09
ANEXO 1..................................................................................................................................10
CAPÍTULO I – NO CORAÇÃO DAS TREVAS: 
Quando se desenvolve uma reflexão teórica sobre as guerras contemporâneas..............11
· Das cargas de cavalaria ao cogumelo atômico..........................................................12
· Meninos e tecno-soldados: as novas guerras............................................................13
· Causas identitárias e interesses econômicos..............................................................15
· O caos como geopolítica..............................................................................................18
· Indústrias da guerra e da paz........................................................................................21
NOTAS..........................................................................................................................................26
CAPÍTULO II – BILAD AL-SUDAN: 
Onde se conhece a história do Sudão Oriental.........................................................................29
· O homem e a terra...........................................................................................................29
· A Antiga Núbia.................................................................................................................31
· Cidades e reinos da Antiga Núbia..................................................................................32
· As cidades cristãs..............................................................................................................35
· Os sultanatos de Sennar e Darfur..................................................................................36
· O domínio Turco-Egípcio...............................................................................................37
· Dominação colonial e mahdismo...................................................................................39
· A República do Sudão – Jumhuriyat as-Sudan.............................................................41
· O conflito de Darfur.........................................................................................................45
NOTAS.............................................................................................................................................48
ANEXO 2........................................................................................................................................51
CAPÍTULO III – KALASH BEGIB AU KASH: 
Quando se pretente entender a causa das armas..........................................................................52
· O clamor indignado do Ocidente: genocídio!.................................................................53
· Os temores ocidentais: o Islã.............................................................................................56
· Os interesses ocidentais: o petróleo................................................................................. 57
· A guerra como ela é: kalash au bilash.............................................................................. 59
NOTAS............................................................................................................................................. 63
CONCLUSÃO...................................................................................................................................66
NOTAS...............................................................................................................................................69
BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................................70
RESUMO
O presente trabalho procura entender os conflitos contemporâneos no continente africano através do estudo das guerras ocorridas na República do Sudão, desde sua independência até o presente. Para isso, utiliza material teórico-conceitual sobre os conflitos mundiais pós-Guerra Fria, realiza o levantamento histórico, de longo tempo, da região do Sudão Oriental e constrói análise sobre os fatos recentes da história sudanesa. Para concluir, relaciona os processos sudanês e africano ao desenvolvimento do imperialismo em tempos de “globalização”.
ABSTRACT
This paper seeks to understand the contemporary conflicts in Africa through the study of wars occurred in the Republic of Sudan from its independence until the present. For this, theoretical material and conceptual world conflict post-Cold War era, conducted the survey history, long time, the eastern region of Sudan and analysis builds on recent events in the history of Sudan. In conclusion, related processes and Sudanese African development of imperialism in times of globalization.
 “borboletas de luz
esvoaçando
de cadáver em cadáver
colhem
o fedor dos mortos em 
vão
e
pelos buracos da renda
dos dias
passam álacres
do mundo do esquecimento
ao país da indiferença
levando consigo
o pólen fatal
das flores da guerra
borboletas de luz”
 Arlindo Barbeitos (2003, 83)
Introdução
 “As imagens da mídia audiovisual de massa são máquinas repetitivas onde proliferam e triunfam, soberbos e estúpidos, os estereótipos”.
 Ramonet (2002, 08)
O circo da Copa do Mundo esta chegando à África! A região que realiza o campeonato mundial de futebol torna-se o paraíso na terra! Ao longo dos últimos meses a África já recebe um tratamento diferente na mídia Ocidental. No geral, os meios de comunicação difundem um estereótipo, bem marcado, do continente africano. Exotismo e barbárie são esses os repetidos temas. Ou se nos apresentam a África na “pujança” de seu ambiente natural e “exotismo” de suas inúmeras nações e povos, ou nos revelam o continente dos golpes, guerras, catástrofes, à beira da “barbárie” absoluta. 
 
Em abril de 2009, a Revista da Semana, publicação da Abril Editores, trouxe como reportagem principal a então discutida situação dos ataques “piratas” na Somália. A capa da revista foi simbólica. Por sobre um fundo negro o mapa da África, como se fosse um perfil humano, emoldurado por duas espadas cruzadas, era uma alusão óbvia ao tradicional símbolo da bandeira pirata. A reportagem não fugia do tom: “Piratas do século 21: os ataques de bandidos da Somália a navios comerciais e de turismo dão vida a um crime passado”. Uma relação superficial criava um clichê para um problema de enorme complexidade. Anexo 1
Negar a instabilidade política do continente africano desde a independência é fechar os olhos. Como afirma acertadamente Dopcke, ao observarmos “... osconflitos em África experimenta (mos) uma verdadeira alternação de sentimentos entre euforia e desespero. Parece que cada vez em que um conflito se encerra com a celebração de um tratado de paz reaparece um novo confronto armado em outro canto do continente”. 
 Importante, é tentar entender! E nisso a imprensa Ocidental colabora muito pouco. Via de regra, são interpretações repetitivas que servem mais para esconder o essencial. Conforme Chauí (1981), o discurso ideológico não é inteiramente falso, mas um discurso com lacunas, de “meias verdades”, ou de informações sonegadas. 
Tentar entender a história contemporânea de África pelo estudo de seus recentes conflitos é um dos objetivos desse trabalho, o objetivo geral. Para isso utilizamos as discussões sobre os conflitos contemporâneos e a chamada “teoria das novas guerras”. Houve, porém, a necessidade de articularmos tal instrumental a análises mais amplas e contextualizar esse processo ao desenvolvimento do imperialismo em tempos de globalização. 
Impunha-se a definição de um objeto específico, um estudo de caso através do qual fosse possível adequar o material teórico aos estudos sobre os conflitos africanos. Ficamos de início entre o geral e o específico. Isto é, ou utilizávamos exemplos de diversos conflitos ou nos detínhamos num caso concreto. Optamos pela segunda via na medida em que nos possibilitava um conhecimento mais detalhado já que, por vezes, generalizações correm o risco de transformarem-se em “salada mista!”. 
A delimitação do objeto específico coincidiu com o estudo de um Estado Nacional: a República do Sudão. Não era a pesquisa mais fácil, apesar dos fatos estarem na “ordem do dia”. Muitas reportagens e foco jornalístico, não garantem uma interpretação acertada, pelo contrário. Era preciso um material autoral (livros, artigos, monografias) de qualidade. Esse foi o trabalho “braçal” da pesquisa. Sem dúvida, é mais fácil encontrar desde o Brasil análises que foquem as ex-colônias portuguesas. Diferente para um país de colonização inglesa e tradição árabe-africana. No entanto, tal fato nos estimulou. Queríamos efetivamente aprender, e fomos pesquisar o que conhecíamos menos. Constatamos, com o desenrolar do trabalho, que o Sudão é exemplo riquíssimo para a análise dos conflitos contemporâneos em África.
No capítulo I desenvolvemos uma reflexão sobre as teorias das guerras presentes, nos arriscando a problematizar sua utilização. No capítulo II, o que pode parecer um exagero nos foi fundamental. Procuramos, de forma resumida, estudar a história do Sudão Oriental desde a antiguidade. Pelo nosso desconhecimento do assunto era obrigatório que o fizéssemos. Percebemos que isso foi importante para as conclusões finais, onde então, arriscamos uma síntese. O capítulo III aborda a contextualização presente da situação sudanesa, quando tentamos entender a razão dos conflitos e suas características principais. Optamos por reduzir ao máximo o recurso à utilização de notas. Em geral, referimos diretamente a fonte e especificamos todo material, detalhadamente, na bibliografia. Além das obras autorais (livros, teses, monografias e artigos), documentos institucionais e reportagens, incluímos também uma lista de obras cinematográficas que nos estimularam.
Consideramos que prevalece em nosso trabalho o método histórico. É através do estudo do longo tempo e da contextualização da realidade presente do Sudão que conseguimos aferir a aplicabilidade do material teórico e construir uma perspectiva de análise. Essa é a natureza intrínseca da pesquisa. Resulta num texto que versa sobre a história do tempo presente do Sudão para jogar luzes sobre a história contemporânea da África. Cremos que conseguimos articular esses objetivos. Recortamos um objeto genérico, os conflitos contemporâneos, e através do estudo de um objeto específico, as guerras no Sudão, inferimos as razões e características das guerras contemporâneas em África.
Contudo, estamos plenamente conscientes das limitações do estudo, não podia ser diferente, dado principalmente à urgência do calendário e cronograma de trabalho. Porém, terminamos particularmente satisfeitos com o resultado final, na medida em que esse trabalho nos foi menos uma demonstração de saber e mais uma excelente oportunidade de aprendizagem e reflexão sobre tudo o que discutimos ao longo do curso.
Notas 
� Levamos em consideração que a maior parte das informações sobre o continente africano nos chega filtradas pelos mass média. Mesmo para os professores dos níveis fundamental e médio, ou aqueles que não estejam diretamente ligados aos estudos sobre África, são os meios de comunicação, em suas escassas abordagens, a fonte principal. Nesse sentido, observa-se uma leitura completamente contaminada pelo discurso das agências noticiosas internacionais que é repetido pela mídia nacional e torna-se senso comum. Interessante estudo sobre o tema é o texto de Renato Silveira, “Simba, o leão sanguinário: revolta dos Mau Mau, cultura de massa e marketing político”. Conferir in “O Olho da História” n° 3, dez. 1996, Salvador, Ufba. Disponível in <www.oolhodahistoria.ufba.br>
� Durante a Guerra Fria a África Austral foi a principal região de guerra: Moçambique, Angola, Zimbábue, Namíbia e África do Sul. Após a pacificação dessa região a África Ocidental passou a ser vista como um dos principais focos de conflitos armados no continente: Serra Leoa; Libéria; Guiné; Guiné Bissau; Senegal; Costa do Marfim. Durante a década de 90 ocorreram pequenos conflitos no Mali, Chade e Níger. Na África Central o eixo conflituoso durante os anos 90 envolveu Uganda, Ruanda, Burundi, Zaire, Congo e no Chifre da África. Na primeira década do século XXI houve um certo refluxo, porém mantiveram-se conflitos localizados no Chade, Mauritânia, República Centro Africana, Nigéria, Saara Ocidental, Zimbabwe e no Sudão onde a guerra interna prolonga-se dede meados do século passado XXI. Conferir Wolfgang Dopcke, “Paz e Guerra na África” in <htp://www.forumibsa.org/.../paz%20e20guerra%20na%20africa.doc.>
� Segundo Chauí(1981, 115), o discurso ideológico é coerente e racional porque entre suas partes ou entre suas frases há brancos ou vazios responsáveis pela coerência. Assim, ele é coerente não apesar das lacunas, mas por causa ou graças às lacunas. Ele é coerente como ciência, como moral, como tecnologia, como filosofia, como religião, como pedagogia, como explicação e como ação apenas porque não diz tudo e não pode dizer tudo. Se dissesse tudo, se quebraria por dentro. Nesse sentido, com relação ao discurso midiático sobre o continente africano, observamos que ele narra os fatos, expõe as guerras, golpes, conflitos que realmente acontecem, porém, não buscam as causas, não revelam os interesses em jogo, não identificam os reais agentes e, desta forma, sonegam as mais importantes informações, fabricando uma imagem ideológica dos conflitos em África.
“Bilad al-Sudan”
Onde se conhece a história do Sudão Oriental
“Uma esquina do mundo. Mas – é bom não esquecer – uma esquina que fica na África.” 
 Costa e Silva (1996, 148) 
O homem e a terra
Durante a Idade Média, diversos viajantes, aventureiros e geógrafos muçulmanos, referiram-se à região entre o Saara e a floresta tropical, do Atlântico ao Mar Vermelho, como “terra dos negros”: Bilad al-Sudan. Utilizamos a expressão “Sudão Oriental” para localizar a região ao sul do Egito, em torno ao médio e alto Nilo, entre o relevo etíope, a floreta centro-africana e a savana e estepes pantanosas do Chade. Onde hoje se localiza a República do Sudão. Anexo 2 
O maior país da África, com aproximadamente 2,5 milhões de km², tem seu território formado por um imenso tabuleiro, atravessado pelo curso alto e médio do rio Nilo. Essa região é circundada por um relevo montanhoso que chega aos 3187m de altitude e vai descendo lentamente para onorte, a caminho dos desertos da Líbia e Núbia, onde o clima árido é predominante, enquanto no sul, irrigado pela bacia do Nilo, predominam as savanas e a floresta tropical. São 853 km de litoral junto ao mar Vermelho e mais de 7 mil km de fronteiras terrestres, com vários países da África Setentrional, Oriental e Central, constituindo-se o território do Sudão uma encruzilhada “... que fica entre as fronteiras de diferentes mundos culturais – África árabe/África africana, África muçulmana/África cristã, e África anglofônica/África francofônica” (Badmus, 2008). Região de trânsito, encontros, trocas “civilizacionais” ao longo de séculos de história. Caminho de ligação entre Ocidente e Oriente, norte e sul, mercadorias e idéias.
A própria situação do Sudão no contexto geográfico regional da África é fluida, aparecendo, como parte da África Setentrional ou Oriental! Parte integrante da África saariana e subsaariana! Árabe e “africano”, sua população aproxima-se dos 40 milhões de habitantes de múltiplas etnias, muçulmanos sunitas a maioria e também cristãos e animistas, concentrando-se a população árabe no norte nilótico e as diversas outras etnias na região sul, em Darfur e no Cordofã. Apesar do país estar dividido em 25 Estados, para efeito de estudo, consideraremos 4 macro-regiões: o norte-nilótico, compreendendo as terras fronteiriças ao Egito e ribeirinhas ao Nilo; a região central do Cordofã; a atual região autônoma dos Estados do Sul (Novo Sudão), abaixo dos rios Bahr-al Arab e Bahr-al Ghazal; e de Darfur, região mais ocidental, fronteiriça ao Chade.�
Espalham-se pelo país os árabes sudaneses, dinkas, fur, núbios, bejas, nuers, azandes, dentre outros vários povos, etnias, tribos e clãs. O árabe é a língua oficial, mas, são também vários os troncos lingüísticos. O importante é compreendermos que a maior parte da população árabe muçulmana concentra-se no norte do país, enquanto as populações negras cristãs ou animistas habitam o sul. Sem dúvida essa característica regional e demográfica é marcante em sua história e inclusive nos fatos recentes, embora não seja absolutamente evidente a distinção étnica, nem ela determine a opção religiosa, nem foi capaz de levar a uma segregação racial. Nota-se o Sudão como uma nação multi-racial onde as diversas culturas relacionaram-se secularmente. Como afirma Waal:
“... apesar da conversa de ‘árabes’ e ‘africanos’, raramente é possível dizer, com base na cor da pele, a qual grupo um indivíduo pertence(...) há uma história tão longa de migração interna, mistura e casamentos entre grupos diferentes que as fronteiras étnicas são, na maior das vezes, uma questão de conveniência(...) indivíduos, e até grupos inteiros, podem se desprender de um rótulo e adquirir outro” (in Badmus, 2008)
Contudo, as forças de oposição ao governo de Cartum tem sempre ressaltado que, desde a independência a vida sócio-econômica e política do país têm sido dominadas e controladas por três grupos étnicos do norte que falam árabe: os shaigia, os jaaliyeen e os dangala. Constituindo-se assim uma acumulação de poder e riqueza nas mãos de uma “elite nilótica” e a marginalização de amplos segmentos da população nas demais regiões do país. Verificam-se nessas regiões deficiências agudas no campo das políticas públicas infra-estruturais, como saneamento, água, energia, estradas, e serviços sociais como saúde e educação. Vigora no presente uma Constituição Provisória Nacional. O presidente acumula os cargos de Chefe de Estado e Governo e nomeia seu Conselho de Ministros. O Legislativo é bicameral e o Judiciário é composto por um Tribunal Constitucional, pelo Supremo Tribunal Nacional e por tribunais nacionais de recurso.�
Grande parte da população sudanesa encontra-se dispersa em inúmeros vilarejos vivendo das atividades básicas da agricultura e pecuária, por isso é extremamente vulnerável a problemas ambientais característicos do país: desertificação e conseqüente recuo dos mananciais florestais, secas e tempestades de areia periódicas. Tais fenômenos provocam grandes deslocamentos e períodos de fome e mortandade. Porém, algumas cidades como a capital Cartum, Omdurman, Porto Sudão, Kassala, apresentam desenvolvimento típico a uma economia potencial, com recursos naturais e capacidade de diversificação: suas hoje conhecidas reservas petrolíferas; a presença de minério de ferro, cobre, cromo, zinco, tungstênio; seu forte potencial hidrelétrico; assim como sua produção de algodão, goma arábica e sésamo poderiam alavancar o país para um salto da inaceitável 150º posição no IDH e dinamizar seu ainda frágil setor industrial sustentado pela atividade do refino de açúcar, o que deixa o país ainda muito dependente de importações de produtos manufaturados e preso aos organismos financeiros internacionais, como o FMI e Banco Mundial. A China, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito, juntamente com o Japão são seus principais parceiros comerciais.
Sobre as reservas petrolíferas do Sudão, dada sua relevância no desenrolar dos fatos recentes no país, é importante saber que o início de sua exploração ocorreu a partir de finais dos anos 50, na costa do mar Vermelho, através da empresa italiana Agip. Nas décadas de 70 e 80 as atividades de exploração expandiram-se sendo efetuada por concessão a empresas estrangeiras. A produção atual do petróleo bruto é de aproximadamente 300.000 barris/dia, havendo a expectativa de um aumento de mais de 100%. O Sudão já dispõe de 3 oleodutos, estando outro em fase final de construção. O porto de Bashayer, na costa do mar Vermelho é o principal receptor dos oleodutos sudaneses e têm capacidade de armazenamento para 2,2 milhões de barris, expansíveis para 3,2 milhões. Grandes empresas petrolíferas da China, Canadá, Malásia e Índia investiram no setor petrolífero sudanês. De acordo com o Ministério de Investimentos do Sudão, reservas de gás natural também estão sendo descobertas na costa do país.�
É justamente essa fonte de recurso que, por incrível que pareça, e sem trocadilho, tem sido o combustível dos conflitos recentes no Sudão. A longa duração das guerras internas, ao lado de desastres naturais como secas periódicas e desertificação, têm sido empecilhos consideráveis ao desenvolvimento estável do país.
A Antiga Núbia
Sem dúvida, para nosso interesse específico, importa a história contemporânea da República do Sudão. Contudo, é por demais tentador para um historiador a retomada do passado de uma região tão rica em termos históricos, mesmo porque poderemos constatar que vários momentos da história antiga do Sudão Oriental nos farão melhor compreender os fatos atuais.� Não por uma visão historicista, determinista ou evolucionista, porém mais pela compreensão das características específicas da região da antiga Núbia. Terra de múltiplas civilizações, culturas, povos, etnias, como destaca Kropácek (Niane 1988, 427) ao historiar a Núbia medieval:
“A Núbia sempre foi região importante, por estar situada entre as civilizações adiantadas do Mediterrâneo e as da África Tropical. O desaparecimento de seu governo central e a mudança de religião, ocorrendo em meio à miscigenação ou aliança em larga escala de grupos étnicos e lingüísticos, fizeram novamente desse país –atualmente conhecido pelo nome de República Democrática do Sudão- uma encruzilhada de influências, todas absorvidas e remodeladas até se tornarem as partes constitutivas de um conjunto novo e único. A sociedade que então surgiu já apresentava características étnicas e culturais semelhantes, em muitos pontos, às atuais, que fazem do Sudão uma entidade afro-árabe única, um microcosmo da África” 
Geográfica e historicamente podemos destacar a Núbia como um elo entre a África Central e o mundo Mediterrâneo. Uma zona de contatos privilegiada, entre norte e sul, leste e oeste. No dizer de Silva (1996, 148) “Uma esquina do mundo. Mas – é bom não esquecer – uma esquina que fica na África”. Em suas origens, os limites da região são difíceis de serem demarcados. Talvez incluíssem a primeira cataratado Nilo ao norte, até os confins das montanhas etíopes, ao sul. Poderíamos incluir na grande região que formaria a Núbia antiga a extensão do Nilo desde a fronteira com a Etiópia até o Egito atual, compreendendo todo o vale do Nilo, partes do Nilo Branco e Azul, e seus tributários. 
Não só as escavações arqueológicas, mas também fontes egípcias e greco-romanas oferecem informações sobre a região. É certo que a Núbia sempre foi terra ocupada por populações negras. Gregos e romanos chamaram-nos “etíopes” (os de pele queimada), assim como os primeiros viajantes árabes se referiram à “Bilad al-Sudan”, o país dos negros. Seus habitantes, segundo os relatos, não só possuíam pele escura mais traços fenótipos característicos às populações da África Central e Ocidental.
Cidades e Reinos da Antiga Núbia
Desde o VIII milênio a.C. a Núbia foi cenário de uma cultura comum a todo seu território. Por volta de 3000 a.C. ocorreu uma diferenciação entre a Civilização do Baixo Vale do Nilo Egípcio e do Alto Vale do Nilo Núbio. A escrita surgiu por volta de 3200 a.C. e generalizou-se no Egito em torno de 2800 a.C. No sul, as populações negras da Núbia mantiveram sua cultura oral. Duas sociedades distintas surgiram e coexistiram: uma seminômade e pastoril, na Núbia; outra voltada para o cultivo da terra e politicamente centralizada, no Egito. Os primeiros contatos entre elas foram incursões militares e econômicas, ocasionais, desde 3000 a.C, revelando-se desde então a importância do corredor Núbio, como elo entre a África e o Mediterrâneo. Para os períodos mais distantes, entre 2700 a.C. a 2200 a.C, os relatos são egípcios que, provavelmente, desde esses tempos já estavam em contato com a África subsaariana. Adam/Vercoutter (Niane, 1998, 236) conclui “...que os egípcios do Antigo Império mantinham contatos com a África Central e que a Núbia e seus habitantes tiveram um papel importante no estabelecimento dessas relações”.
Por volta de 2300 a.C. as populações do corredor Núbio dividiram-se em numerosas famílias que entre 2200 a.C. e 1580 a.C. permaneceram em estreito contato com o Egito, administrando diretamente a região ou prestando serviços ao Reino de Cuxe, cuja primeira grande cidade deve ter sido Querma (1730/1580 a.C.). Querma parece ter sido o centro de uma cultura núbia nativa e sede de uma dinastia local. Segundo Adam/Vercoutter (Niane, 1998, 238 ) Querma pode ter sido “...o primeiro Império Africano conhecido na história”, tendo dominado a região entre a 3ª catarata e o Nilo Branco. Teria controlado não apenas a artéria norte-sul do Vale do Nilo, mas, também rotas leste-oeste. Querma floresceu durante a época conhecida na história egípcia como 2º Período Intermediário, que parece ter sido a idade de ouro do Reino de Cuxe, constituindo-se mesmo como uma ameaça ao poder egípcio.
Durante os anos de dominação dos Hicsos (1650 a.C./1580 a.C.) o contato entre o Reino Africano de Cuxe e o Egito parece ter se estreitado. Esse período foi marcado pela presença de núbios no Egito e egípcios na Núbia. “O Corredor Núbio tornou-se um cadinho onde, aos poucos, elementos africanos e mediterrâneos se misturaram, produzindo uma cultura mista” (Adam/Vercoutter in Niane, 1998, 240).
Após a expulsão dos Hicsos e reunificação do Egito, principalmente durante o Novo Império, foram organizadas sucessivas campanhas militares para ocupação da Núbia. Durante o reinado de Tutmés I toda a região entre a 2ª e 4ª cataratas foi conquistada. Os egípcios passaram a controlar os caminhos que levavam a Darfur, Cordofã e Chade, podendo-se datar entre 1450 a.C. e 1200 a.C. os contatos dos egípcios com o interior da África. Ocorreu, por um lado, um crescente acesso dos egípcios aos recursos africanos, e por outro, o interesse núbio pela cultura do norte, ocorrendo um intercâmbio contínuo durante os períodos posteriores.�
Após o colapso do Novo Império, os príncipes cuxitas iniciaram sua conquista sobre o Egito, a qual se estendeu desde 750 a.C. por todo um século, até serem repelidos pelo exército Assírio. Neste período, durante o qual o Egito e o Sudão formaram uma grande potência africana o Reino Cuxita tornou-se uma monarquia dupla. Interessante perceber que em seu comportamento geral os soberanos da XXV Dinastia, chamada “Dinastia Etíope”, copiaram os Faraós, porém, seus caracteres físicos confirmavam sua origem negra.
“Os grupos dominantes núbios egipcianizaram-se rapidamente(...) julgavam-se os verdadeiros legatários do Egito, os que mantinham a integridade de seu espírito e tinham a obrigação de fazer renascer a sua glória. Os reis de Cuxe convenceram-se, consequentemente, de que eram os herdeiros legítimos dos antigos faraós.” (Silva, 1996, 112)
No milênio seguinte à sua retirada do Egito, o Reino Cuxe sobreviveu cada vez mais como um Estado africano. Por algum tempo a capital manteve-se em Napata e o centro do império estendeu-se ao longo do Nilo, nas bacias de Napata, Dongola e Kerma. Aproximadamente em 591 a.C. Napata foi tomada por uma expedição egípcia e a capital foi transferida para Méroe, mais ao sul, próxima a 6ª catarata. Em 525 a.C. o reino é ameaçado pelos persas, mas manteve-se. Fato é que, a transferência da capital também poderia ser explicada por motivos climáticos ou econômicos. Méroe se constituia num entreposto ideal para as rotas de caravanas entre o mar Vermelho, o Alto Nilo e o Chade. Méroe tornou-se o centro de uma grande comunidade comercial, florescendo como uma das maiores civilizações antigas da África interior, negociando com povos distantes como Roma, Índia e talvez, China. O povo do Reino de Cuxe espalhou sua influência sobre os povos vizinhos. O poder de Méroe durou próximo aos mil anos e em seu auge os cuxitas dominaram a maior parte do território norte e o centro do Sudão Oriental, governando para o sul até os pântanos do Nilo superior.
“No caso de Méroe, nem sequer há sinais de que tenha exercido ação expansionista fora do vale do Nilo. Combateu muitos vizinhos, mas não parece ter procurado ampliar seus territórios à custa dos nômades do deserto ou das gentes que viviam no Cordofã e no Darfur. Assim, à imagem de um grupo de homens a cavalo, armados com lanças de ponta de ferro, a se impor como senhores sobre as tribos agrícolas da savana sudanesa e a transmitir-lhes os costumes e as técnicas da pátria de onde haviam sido expulsos, contrapõe-se, como predominante, uma outra: a da filtragem, num processo de doação, devolução e escambo, de certos aspectos da cultura meroíta para os povos contíguos e deles para outros mais distantes. Desse processo moroso e complexo, não se excluem a conquista nem a colonização, mas seus principais agentes teriam sido o comércio, o convívio e o contágio.” (Silva, 1996, 149)
A decadência e fim do Reino de Cuxe chegou no século IV d.C. A ascensão do poderoso Estado Mercantil de Axum, para sudeste em torno de 100 d.C, provavelmente reduziu as oportunidades de comércio dos cuxitas ao longo da costa do mar Vermelho e através do oceano Índico. Os meroítas, que já haviam rechaçado ataques de tribos nômades tornaram-se alvo de axumitas, blêmios e nubas. É provável que a queda do Império Meroíta se deva a este último grupo. De qualquer forma, por volta de 320 d.C. o Reino de Axum empreendeu uma expedição que dominou os nubas, marcando o fim de Méroe. Alguns estudiosos alegam que a família real cuxita fugiu para o oeste, estabelecendo-se em Darfur. Qualquer que seja a verdade, fato é que durante mil anos, primeiro em Napata e depois em Méroe, floresceu uma civilização original que mesmo sob influência egípcia, foi profundamente africana.
Após a queda de Méroe desenvolveu-se por toda baixa Núbia, durante o período que vai da primeira metade do século IV até meados do século VI uma cultura ligada a populações nobatas, que eram nômades belicosos, identificados com as tribos bejas, e aos blêmios, identificados aos nubas, portadores da língua nuba, com ramificações até hoje nas regiões altas de Darfur e Núbia. Ao que tudo indica, durante o século VI ocorreua evangelização da Núbia, pela conversão dos nobatas.
As Cidades Cristãs
Expandindo-se com os romanos o cristianismo ganhou raízes e floresceu no norte da África. Missões bizantinas fundaram igrejas e nomearam bispos. No Egito surgiu uma comunidade cristã de características próprias, quase consolidando uma igreja nacional: A Igreja Copta. Na Etiópia, desde o início do século IV os axumitas foram convertidos por monges cristãos sírios. Em sua origem a igreja cristã etíope teve ligações com a Igreja Copta porém, construiu sua identidade e um dos Estados cristãos mais antigos. O cristianismo núbio migrou do Egito e os descendentes núbios convertidos criaram três reinos: Nobácia ao norte; Macúria na região central; Alódia ao sul. No século VII estes reinos aproximaram-se, estabelecendo relações muito estreitas. Em 616 ao invadirem o Egito bizantino os persas detiveram-se na fronteira da Núbia. De qualquer forma, a presença persa prejudicou a comunicação direta entre Núbia e Egito. Com o domínio árabe no norte, desde meados do século VII, a Núbia cristã foi isolada durante séculos da cultura mediterrânea.
 À princípio os árabes limitaram-se a incursões armadas as terras do norte da Núbia. Dominando o Egito, assinaram com os Reinos Cristãos o “Baqt”, tratado de convivência que durante sete séculos foi respeitado mantendo-se entre cristãos e muçulmanos um comércio permanente. O século IX foi o auge da Civilização Cristão Núbia e sob o regime árabe dos fatímidas no Egito as relações mantiveram-se estáveis, vindo a se deteriorar progressivamente do século XII até o XVI, com a preponderância dos sarracenos e mamelucos ao norte. 
 O declínio da Núbia cristã e sua conseqüente “arabização” foi um processo de séculos com vários fatores decisivos: a pressão desde o Egito; a penetração constante de povos nômades; a atividade dos mercadores islâmicos; a pouca sedimentação local do culto cristão; seu isolamento; etc. Porém, é possível que parcelas da comunidade cristã tenham sobrevivido na região e contribuído para a expansão do cristianismo para a África Central e Ocidental, hipótese sustentada por vários historiadores. 
“No conjunto, somos levados a considerar a hipótese de que pode haver certa relação entre a destruição da Núbia cristã e o que parece ter sido uma reação em cadeia de movimentos populacionais em toda região(...) O Resultado(...) que se seguiu ao desaparecimento dos Estados núbios, há de ter sido uma mesclagem racial em larga escala, na qual predominou a adesão à língua e à cultura árabes. A arabização do povo andou junto, porém, a uma africanização igualmente pronunciada dos imigrantes, que hoje se evidencia tanto nas características raciais quanto nos traços culturais dos árabes sudaneses, bem adaptados ao ambiente de seu novo país(...)” Kropácek (Niane, 1988, 424)
Foram complexos os movimentos dos inúmeros grupos étnicos da região e sua infiltração gradual durante séculos, a partir do século XII. Ao que parece, a Núbia jamais foi anexada ao Império Muçulmano. As incursões esporádicas não podem ser consideradas uma tentativa sistemática de destruição ou colonização. Hasan (Niane, 1988, 418) referindo-se a "islamizarão" e "arabização" da Núbia destaca que “... o reino núbio foi vítima mais de uma subversão interna do que de uma destruição.” Holt (Niane, 1988, 418) fala na “... absorção de seu poder por imigrantes”. A decadência de Alódia, assim como de Macúria, parece terem seguido o mesmo padrão. Imigrantes árabes começaram a penetrar em regiões periféricas de onde chegaram ao coração dos reinos, casaram-se com seus habitantes e assumiram gradualmente o controle das pastagens. Constantes ataques dos povos negros desde o sul constituíram-se em mais uma ameaça potencial a estabilidade dos Reinos Cristãos. Em inícios do século XVI surgiu na Gezira nova leva de imigrantes que desceu o Nilo Azul. Eram criadores nômades: os funj. Essas novas levas vieram disputar com as populações árabes o direito de pastagem na região, impondo-se e estendendo seus domínios sobre grande parte do Sudão nilótico, iniciando um novo período da história núbia: o Sultanato de Sennar. 
Os Sultanatos de Sennar e Darfur
No início do século XIX havia dois fortes sultanatos onde hoje existe o Sudão: Sennar a leste e Darfur à ocidente. Eram Estados escravistas que tiveram seu apogeu durante o século XVIII e mantiveram certa rivalidade principalmente pela disputa da região do Cordofã.
No caso de Darfur, junto ao processo de assentamento da população fur na região houve a "islamização" dos demais povos. A chamada “rota dos 40 dias”, que ligava Darfur até o Egito e era itinerário dos mercadores de escravos, parece ter sido fundamental para a constituição do sultanato.
O Sultanato de Sennar foi um reino muçulmano que se localizou ao norte do atual Sudão. Sua capital foi a cidade de Sennar e sua população pertencia ao povo funj, de origem africana, e ficou conhecido como “Sultanato Negro”. A expansão dos funj iniciou-se no século XVI, daí em diante a metade norte do Sudão abrigaria povos racialmente miscigenados, mas em sua maioria de muçulmanos e árabes. Os funj governaram grande parte do centro do Sudão até o século XIX.
A riqueza e o poder dos sultões era sustentada pelo controle das tropas de comércio que passavam pelo reino. Todas as caravanas que atravessavam o deserto em direção ao Mar Vermelho eram controladas pelo Sultão. Assim, o comércio floresceu em Sennar, criou uma classe de comerciantes rica e educada que se interessou pelo islamismo, preocupada com a ausência de uma ortodoxia religiosa mais rigorosa. Sendo assim, o árabe converteu-se na língua do reino e o Islã foi declarado como religião oficial do Sultanato no século XVI.
“Quando, em 1699, um médico francês, o Dr. Charles-Jacques Poncet, viajou, pelo Nilo, do Cairo à Etiópia, o Império Funj estendia-se do mar Vermelho, a leste, ao Nilo Branco, a oeste, das montanhas etíopes, a sudeste, quase que às fronteiras do Egito, aio norte. Sennar era uma grande cidade...
Todos os anos montavam-se no sultanato grandes caravanas para o Egito, levando marfim, goma-arábica, plumas de avestruz, sene e camelos. O principal artigo era, porém, o escravo, e mais de um milhar seguia para o norte anualmente.” (Silva, 2002, 568-569)
O Sultanato expandiu-se rapidamente pelas regiões de Gezira, Butana e Bayuda e ao sul do Cordofã. Essa expansão provocou tensões com a Etiópia e com o Império Otomano que já dominavam o norte da Núbia. Permanentes conflitos com etíopes, dinkas, e revoltas internas fracionaram o reino. A autonomia de regiões como Dongola e Hamaja enfraqueceram o Sultanato. Em finais do século XVIII cresceu a influência turca no reino, com a ascensão de Tahir Al-Agha que abriu caminho para a assimilação do Sultanato ao Império Otomano. Nessa época era o Egito uma província do Império Otomano que ocupou grande parte da região norte e desenvolveu o comércio de marfim e escravos. O domínio turco-egípcio manteve-se na região por aproximadamente 60 anos. Em 1821 quando o Vice-Rei do Egito Otomano invadiu Sennar, não encontrou maiores resistências. Expedições egípcias conseguiram conquistar todo o Sudão em 1874. Começava no Sudão o período histórico chamado Turkiyya. 
O Domínio Turco-Egípcio
A expansão do Egito para o sul iniciou-se com o Vice-Rei Muhammadi Ali e concretizou-se em finais do século XIX com seu filho, Quediva Ismail Paxá.� Cartum tornou-se o Quartel General do exército egípcio e cidade mais importante da região. Escravos e ouro moviam o avanço egípcio. Muhammadi Ali implementou uma ação modernizadora no Egito aproximando-se da Europa e conseguindo uma independência maior diante do Grande Sultão. Porém, tal processo custou ao Egito e a toda região nilótica um preço alto.
“Sua independência política do Império Otomano caminhava de mãos dadas com a integração cada vez maior no sistema econômico internacional controlado pela Europa. A modernização e internacionalização foram, por conseguinte,resultado da sede de tornar-se independente da Turquia. No final das contas, levaram à crescente dependência da Europa” (Wesseling, 2008, 47)
Durante muito tempo o Egito foi província turca. Sua classe dominante era formada por turco-egípcios que controlavam o exército e o governo, e os europeus controlavam cada vez mais a economia. Era uma sociedade multirracial com uma grande colônia de “europeu-nativos”. Em 1863 a ascensão de Ismail Paxá, começou um novo período da história egípcia. Sob seu reino o Sudão teve de enfrentar a superioridade bélica do exército egípcio, importada da Europa. Darfur, governado por um Sultanato independente desde o século XVI, caiu e o sul do Sudão foi dividido nas províncias de Bahr-el-Ghazal e Equatória. Como o financiamento dessas incursões vinha da Europa, também a política de abolição teve de ser seguida. Os esforços nesse sentido não foram bem sucedidos e ainda trouxeram grande impopularidade ao Quediva. Na região de Bahr-el-Ghazal o principal traficante de escravos Al-Zubayr tomou o poder e fez malograr sua política. Na província de Equatória, Samuel Baker, seu governador britânico foi mais bem sucedido. À pedido do Vice-Rei, Baker penetrou nas regiões mais ao sul e controlou as insatisfações. Seu sucessor foi George Gordon, que em 1877 tornou-se Governador Geral de todo o Egito. Cercou-se de auxiliares europeus e americanos, nomeou-os governadores de província e manteve os interesses britânicos abolicionistas. Viajou todo o país reprimindo os mercadores de escravos e prendendo traficantes. Acabou por estender o domínio egípcio cerca de 75 km além do Lago Vitória. Sua política de linha dura, apesar do sucesso, trouxe grande insatisfação não só entre os mercadores de escravos como entre o povo comum, que considerava a presença dos cristãos uma ameaça ao Islã. Gordon renunciou em 1879 logo após a deposição do Quediva. Deixou sua região, e principalmente o Cordofã e Darfur, sob controle. De qualquer forma, o antigo ressentimento contra os turcos juntava-se com ódio aos invasores europeus. Em junho de 1881 Muhammad Ahmed ergueu-se na ilha de Aba e proclamou-se “Libertador”.
Dominação Colonial e o Mahdismo
O mahdismo, movimento político-social, de conteúdo religioso e militar que incendiou o Sudão em finais do século XIX, foi uma das mais importantes manifestações históricas do islamismo. O islamismo, sunita ou xiita, desenvolveu também a idéia, messiânica e milenarista, do retorno de um grande líder libertador no final dos tempos. Desde jovem, Muhammad Ahmed percorreu o Sudão pregando uma mensagem não só de cunho religioso, mas também social, já que ensinava o amor aos pobres e a condenação aos poderosos. Quando se proclamou “Mahdi” os sudaneses, sunitas em sua maioria, não hesitaram em segui-lo, mesmo com a reprovação dos teólogos. Em verdade, naquela conjuntura havia condições concretas para a generalização de um movimento com tais características. Os vocacionados, traficantes, camponeses, todos tinham forte rejeição, tanto pelo domínio turco-egípcio quanto pela presença dos europeus. As próprias tentativas modernizantes dos últimos Vice-Reis afrontavam a fé. O desmoronamento da autoridade com a queda do Quediva foi o estopim do movimento. Logo, expedições militares, modernamente equipadas, confrontaram-se com os “dervixes”, em lanças, espadas, porretes e... Foram batidas! A captura de El Obeid, no Cordofã, em janeiro de 1883, foi a maior vitória do Mahdi. Desde Obeid os seguidores do “Libertador” começaram a consolidar seu Império. 
Num movimento paralelo, enquanto os mahdistas fervilhavam pelo Sudão, os ingleses ocupavam o Egito falido, dado a dívida assumida por sucessivos Vice-Reis, principalmente pela construção do Canal de Suez. A principio os britânicos reagiram com indiferença à conturbação no sul, encarando o Sudão como um problema egípcio. Após a derrota de El Obeid os ingleses organizaram a retirada, deixando o Sudão para as mahdistas. Para tal foi convocada a figura, algo épica, de G. Gordon. Ainda que os britânicos desejassem de Gordon tão somente o reconhecimento e informações sobre a situação sudanesa, e dos governadores locais que organizassem a retirada, Gordon, em ares de cruzado moderno, queria salvar o Sudão a todo custo.
Ao chegar, Gordon foi nomeado Governador Geral, e logo ao deixar o Cairo iniciou sua política tentando encontrar um governante sudanês para o Sudão. Era de sua preferência o escravagista Zubayr, porém, tentou também contatos frustrados com o Mahdi. Em pouco tempo decidiu-se pela via militar, porém não teve tempo para nenhuma ofensiva. Em maio de 1884 iniciou-se o cerco a Cartum. O socorro não foi eficaz e os rebeldes ocuparam a cidade e executaram Gordon. Foi uma execução exemplar! 
O Estado Mahdi estabeleceu sua capital em Omdurman e iniciou a expansão e consolidação de seu Império. Após a estranha morte do Mahdi, seu antigo mentor assumiu o poder e expandiu o Império para Darfur, Etiópia, terras egípcias ao norte e para o sul, somente sendo contido pelo “Estado Livre do Congo”. Em finais do século XIX o Califa reinava sobre um imenso Império, até que novas forças britânicas, sob o comando do General Kitchener recapturaram Dongola e Omdurman, a capital mahdista. O repórter W. Churchill (in Wesseling, 2008, 279) referiu-se ao episódio como o “...triunfo extraordinário(...) da ciência contra a barbárie”. Contudo, os refinados britânicos não impediram a violação da tumba e a profanação dos restos mortais do Mahdi. O Califa foi morto em 1899 após anos de resistência empedernida dos “fuzzy-wuzzy”. A batalha de Omdurman pôs fim ao Império Mahdista.
Ao chegar à região de Fashoda o General britânico encontrou-se com o General Marchand, caracterizando-se uma crise internacional entre França e Inglaterra. Na verdade, com a intervenção direta da Grã-Bretanha no Egito, a cidade do Cairo tornou-se alvo dos interesses imperialistas. A presença preponderante da Inglaterra no Egito e Sudão era inaceitável para a França. Essa disputa materializou-se no encontro dos generais em Fashoda. Em meio ao conflito eram desfraldados quiméricos planos de atravessar a África e ligar oceanos. De certa forma a crise de Fashoda desnudou a aventura européia na África e colocou frente a frente os interesses estratégicos das duas potências ocidentais. Derrotado o Estado Mahdista as potências européias mergulharam na disputa pelo árido Sudão.
“A penetração européia na região do Sudão apresentou características específicas. Em outras regiões a assinatura de tratados pautava a ocupação, no Sudão assinaram-se também, porém sua importância foi menor já que havia forte resistência a expansão européia e o mahdismo foi exemplo disso. O Islã oferecia uma coesão aos Reinos ali fundados que porém fracaçaram em construir uma união. Na divisão estava sua fraqueza” (Wesseling, 2008, 205)
A retirada das tropas francesas da região, em desvantagem obvia diante do entusiasmado exército britânico, consolidou a vitória inglesa e sua posição no Sudão. O tratado anglo-egípcio de 1899 declarou o Sudão condomínio anglo-egípcio, onde quem mandava eram os britânicos. As fronteiras com as possessões francesas foram fixadas. Em 1902 um tratado com a Etiópia definiu as bases territoriais do moderno Estado Etíope. Ocupando a região sul do Sudão e incorporando Darfur e o Cordofã a fim de bloquear definitivamente o avanço francês, a Inglaterra desenhava os contornos do Estado moderno do Sudão mas, ao mesmo tempo, construía uma política de quarentena para barrar o avanço do Islã. Era o ovo da serpente!
A República do Sudão – Jumhuriyat as-Sudan
As fronteiras atuais do Sudão foram sendo construídas ao longo do século XIX em decorrência da várias conquistas militares do Império Otomano, que se expandiu para o sul, e depois, através das campanhas do exército britânico que destruiu o Império Mahdista e conquistou o Sultanato da Darfur.� Ao norte várias comunidades tribais foram unificadas e ao sul a necessidade de captura de escravos estendeu o territóriosob domínio do Império Turco. Nesse sentido, como afirma Wesseling (2008, 66): “A unidade do Sudão,- se algum dia existiu- originou-se de acontecimentos políticos. Não existe nada que se assemelhe a uma unidade sudanesa natural...”
O período colonial, marcado por um governo anglo-egípcio acabou por aprofundar as diferenças econômicas entre as regiões do norte e do sul, além do que, a chamada “close door policy”, limitou o avanço islâmico para o sul, produzindo a rigidez identitária dessas regiões.� Desde 1901 o Sudão Anglo-Egípcio foi dividiu em sete províncias governadas por oficiais egípcios sob ordens britânicas. Logo surgiram resistências, nacionalistas e religiosas. Em 1922 o governo inglês iniciou um processo de transição administrativa, tentando cooptar chefes tradicionais da região. Porém, a luta armada prosseguiu, mobilizando vários militares de origem dinka e nuer do sul do país. A principal bandeira da revolta era a “unidade do vale do Nilo”, isto é, a independência deveria vir com a união de todo vale do Nilo, egípcio e sudanês. Nesse contexto o sentimento pró-egípcio avolumou-se, na mesma proporção do ódio aos ingleses, que procuravam aplicar na região sua tradicional política do “dividir para dominar” ao lado da cooptação. Em 1922 foi regulamentada a autonomia de vários municípios.
Havia na resistência sudanesa movimentos populares de conteúdo e fundamentação religiosa e aqueles de cunho político com contornos nacionalistas, encabeçados pelas elites culturais. Na década de 30 esses movimentos distanciaram-se provocando uma disjunção entre elites e massas populares. Em 1936 um acordo Anglo-Egípcio restituiria os direitos do Egito sobre o Sudão. Tal acordo provocou a revolta das elites sudanesas que organizaram em 1938 o Congresso Geral dos Diplomatas que progressivamente foi marcando sua atuação política e em 1942 apresentou ao Governo um conjunto de 12 reivindicações de cunho autonomista. O próprio Congresso não era absolutamente coeso, com facções defendendo posições mais ou menos duras, diante dos colonizadores. Tais discordâncias referiam-se a independência unificada com o Egito e ao grau de autonomia das terras do sul.
Às pretensões autonomistas do Sudão o Egito respondeu proclamando, em 1936, Faruk, Rei do Egito e do Sudão. Tal fato não impediu aos britânicos de concederem em 1952 um regime de autonomia ao Sudão, preocupados com o fortalecimento da influência egípcia na área. O primeiro governo sudanês a tomar posse em 1954 iniciou o programa de “sudanização” do país, substituindo cargos administrativos. Em 1956 a independência sudanesa é formalmente declarada e seu primeiro regime, entre 1956 e 1964, foi uma ditadura militar sob comando de Ibrahim Abboud, que implementou de imediato a ‘’arabização’’ do país.
 “O ensino da língua árabe tornou-se obrigatório, foram construídas inúmeras mesquitas e a conversão ao islã passou a constiuir pré-requisito fundamental para o acesso a qualquer cargo administrativo. Os missionários cristãos(...) foram expulsos com base em acusações de incentivo a revolta e ameaça à integridade territorial sudanesa.” (Ferreira, 2001, 27) 
Organizaram-se no sul vários movimentos de guerrilha, a Anyanya, contra a predominância do norte, iniciando-se a primeira guerra civil do Sudão, envolvendo bantus, nilotic e o governo central, que decorreu de 1956 a 1972. Em 1964 ocorreu um movimento civil que governou através de um Conselho de Estado. Contudo, a nova administração civil falhou ao lidar com os graves problemas econômicos e com o conflito interno do Sudão abrindo espaço para que os militares colocassem os tanques nas ruas de Cartum. Em 69 o Cel. Muhammad al-Nimeiry,� assumiu o governo e, em 1972 tornou-se o primeiro presidente eleito. A princípio, apoiado pela URSS e Líbia, assumiu ares esquerdistas, mas depois se aproximou do Egito e Estados Árabes. Sendo o primeiro país árabe a manter relações com os EUA após a guerra dos Seis Dias. Nimeiry conseguiu governar durante um período com certa estabilidade, principalmente porque conseguiu a interrupção do conflito norte/sul durante 11 anos, após o Acordo de Addis Abeba.
“Este Acordo de Paz reconheceu as três províncias do sul como uma região autônoma, 'autogovernaste'. Isso se constituiu em um desenvolvimento político positivo porque a devolução do poder às autoridades regionais, a introdução de uma Constituição permanente em 1973, a reconciliação nacional de 1977 e a extensão do Ato de Autogoverno do Sul de 1972, incluindo outra parte do país, ajudaram a restaurar a estabilidade na região sul do Sudão.” (Badmus, 2008)
 Contudo, o líder sudanês não conseguiu dominar de forma definitiva os focos de instabilidade, tanto internos quanto externos. O assassinato de Anwar al-Sadat, o grande fluxo de refugiados e a permanente instabilidade no sul ameaçavam constantemente seu governo. O compromisso de desenvolvimento sócio-econômico da região sul não foi cumprido e a descoberta de reservas de petróleo na região aprofundou ainda mais as exigências e expectativas. Em junho de 1983 o presidente anulou unilateralmente o Acordo de Paz, repartiu o sul em três regiões, e dissolveu suas instituições de autogoverno. Uma série de medidas governamentais, principalmente a imposição da Sharia, apontavam para uma "islamização" do regime e a conseqüente retomada dos combates. Iniciava-se a Segunda Guerra Civil sudanesa, no momento em que a Petrolífera norte-americana Chevron encontrava grandes reservas na região sul e começava a construir uma infra-estrutura para explorá-lo, que não resultou dado o acirramento dos conflitos. A Chevron acabou por vender sua concessão em 1992. Desde 1983 o Tenente-Coronel John Garang, ex-integrante do governo de Nimeiry, cristão e treinado nos EUA, passou a liderar no sul o Movimento de Libertação do Povo do Sudão (SPLM) e seu braço armado, o SPLA, formado por militares do exército sudanês de origem sulista. O movimento recusava a islamização e exigia a cogestão dos recursos da região, chegando a defender o separatismo.�
Mesmo reeleito Nimeiry não conseguiu manter-se no poder, sendo derrubado em 1985. Passado um ano, Sadq al-Mahdi assumiu o cargo de Primeiro Ministro, em decorrência de resultados eleitorais. Em 1988 a guerra atingiu forte intensidade e al-Mahdi fez concessões políticas, admitindo a suspensão da Sharia. Tais medidas foram observadas como uma traição e em 30 de junho de 1989 os militares, sob o nome de Conselho de Comando Revolucionário para a Salvação Nacional, tomaram o poder e declararam Estado de Emergência. Surgiam no cenário político do Sudão o general de brigada Osmar Hassam al-Bashir o líder espiritual do movimento Hassan al Turabi e a Frente Islâmica Nacional – NIF. Em 1996 ocorreram eleições presidenciais e legislativas e al-Bashir venceu com mais de 75% dos votos. Em 1998 uma nova Constituição foi aprovada por referendo. Em 2000, num contexto de lutas políticas, eleições gerais foram conduzidas em dezembro, resultando na reeleição de Bashir e a NIF ocupou a maioria dos 360 assentos da nova Assembléia Nacional. Em 2002 emendas constitucionais concederam maiores poderes executivos ao presidente, estendendo seu mandato por tempo ilimitado.
A Frente Nacional Islâmica representava o alinhamento do Sudão as facções ortodoxas do mundo árabe. Internamente o regime concentrou seus esforços no combate e esmagamento da oposição política, resgatando a Sharia e promovendo uma verdadeira Jirad no sul, legalizando a ação de grupos milicianos (os murahaleen) e apoiando grupos rebeldes islâmicos em outros países, principalmente na Etiópia, Eritréia e Uganda, que por sua vez passaram a apoiar os movimentos de oposição sudaneses, principalmente a Aliança Democrática Nacional (NDA) e ajudar militarmente ao SPLA. No sul, apesar do apoio de diversas organizações cristãs americanas e do apoio indireto dos EUA, a resistência armada acabou sofrendo um processo de fracionamento. Neste mesmo momento o governo sudanêsabria portas a novas petroleiras da China, Malásia, Indonésia e Canadá que retomaram a prospecção no sul e a construção de oleodutos até Porto Sudão, no mar Vermelho.
A radicalização do regime islâmico e suas novas parcerias provocaram imediata reação do ocidente. Os EUA acusaram o regime sudanês de acolhimento a grupos terroristas, incluindo Osama Bin Laden, e bombardearam, em 1998, uma fábrica de medicamentos em Cartum, que supostamente produzia “armas químicas”. O Sudão juntava-se ao Iraque, Irã e Líbia na lista negra de Washington. Tal situação, sem dúvida, criou uma cisão no regime e na NIF. Bashir procurou fugir do isolamento internacional, enquanto Turabi defendia a expansão do fundamentalismo. Em dezembro de 1999 a Assembléia Parlamentar, da qual Turabi era presidente, foi dissolvida e a disputa entre os antigos aliados intensificou-se culminando com a suspensão de Turabi de suas funções políticas e afastamento do governo em 2001. Turabi fundou uma nova organização política, o Congresso Nacional Popular (PNC) e foi imediatamente acusado de alta traição, sendo preso. Segundo o presidente Bashir, seu antigo mentor teria sido o idealizador do Movimento pela Justiça e Liberdade, grupo rebelde que surgiu em Darfur no início de 2003.
No início do novo milênio os rebeldes no sul confluíram para uma aliança e atacaram continuamente a infra-estrutura petrolífera na região, criando um impasse militar. Em 2002, no Quênia, abriram-se negociações de paz. Pactua-se um cessar fogo que perdura durante todo ano de 2003. Em janeiro de 2004 as partes dividem as riquezas petrolíferas do país. Um ano depois o vice-presidente do Sudão, Osman Taha e o líder do SPLA, John Garang firmam um acordo que pôs fim a segunda guerra civil do Sudão. O Acordo...
“(...) possibilitou a formação de um Governo de União Nacional: a divisão do rendimento de petróleo entre o governo de Cartum e o M/EPLS: um período de seis anos de autonomia para o sul, a ser seguido por um referendo, em 2011, sobre sua possível secessão em relação ao resto do Sudão; e limitou a aplicação da Shari’ah somente a comunidade muçulmana.” (Badmus, 2008)
 Em agosto de 2005 John Garang, que se tornara vice-presidente do Governo de Unidade morreu num dos inúmeros desastres aéreos que vitimam políticos em África. Após protestos e alguma instabilidade a situação no sul estabilizou-se em torno de conflitos localizados entre grupos tribais (principalmente dinkas e nuers) na disputa por poços de água, gado e pastagens. Tais conflitos geraram denúncias e as autoridades locais iniciaram apelos ao povo do sul pela separação. Recentemente, em cerimônia na Catedral da cidade de Juba, que lançava a campanha de orações pelas eleições de 2010 e o referendo de 2011, o presidente do Sudão do Sul, Salva Mayardit, fez um apelo a população: 
“Quando você chegar a urna, a escolha é sua: você quer votar pela unidade para se tornar segunda classe no seu próprio país, essa é a sua escolha(...) Se você quiser votar pela independência, para que você seja uma pessoa livre no seu Estado independente, essa vai ser sua própria escolha e nós vamos respeitar a escolha das pessoas”�
O Conflito de Darfur
Mal e mal a paz chegava ao sul e um novo conflito explodia na região de Darfur. Em 2003, dois grupos rebeldes, o Exército de Libertação Sudanesa (SLA) e o Movimento de Justiça e Igualdade (JEM) iniciaram ação militar e acusaram Cartum de oprimir as populações não-árabes. Em verdade, a região desde muito se caracterizou pela oposição entre os grupos de povos nômades, árabe-islâmicos, chamados de baggaras (misseriya e rizeigat) e as populações sedentárias de agricultores e criadores, principalmente fur, masalit, tungur e zaghawa. Tal relacionamento instável dava-se, não pelas diferenças étnicas, quase inexistentes no biótipo desses povos, ou religiosas, já que todos são muçulmanos, mas pela disputa por água, pastos e terras aráveis. Alguns analistas chegam a afirmar que o atual conflito em Darfur tem suas origens na fome devastadora de 1983/84, que tirou a vida de cerca de 175 mil pessoas. Diante do fracasso governamental em aliviar o impacto de tal evento, o resultado teria sido um deslocamento de grande número de povos do norte para a área do cinturão de lavoura, tradicionalmente dominada por uma população de agricultores sedentários. Tais confrontos entre fazendeiros africanos e nômades árabes (criadores de camelos) sempre foram contornados pelas tradições culturais, quando os camelos além de fertilizar o solo, ainda transportavam as mercadorias dos fazendeiros até o mercado, mas disputas geopolíticas na região e o conseqüente armamento, agravaram tais confrontos.
“(...) O rifle kalashnikov alterou a ordem moral de Darfur. Os Zabhala haviam vivido segundo um código de honra que incluía lealdade, hospitalidade, uma autodisciplina zelosa quando estavam pastoreando camelos e responsabilidade conjunta por homicídio. O princípio do pagamento do dinheiro sanguinário para o parente de um indivíduo assassinado por uma rixa assegurava que a violência era uma responsabilidade coletiva. Na época de lanças e espadas e até os primeiros rifles assassinato era um ato deliberado e individual, onde o homem responsável podia ser rastreado, as lutas raramente tinham mais do que um punhado de fatalidades. O AK-47, capaz de massacrar um pelotão inteiro, um caminhão carregado de pessoas ou uma família, deixou isto de lado. O dinheiro sanguinário por um único massacre poderia exceder a riqueza de camelos de uma linhagem inteira. O número total de projéteis disparados tornou impossível apurar quem havia atirado em quem. Os jovens com armas não eram capazes apenas de aterrorizar a população como um todo, mas também estavam livres do controle dos seus anciãos(...) Em 1990 um kalashinikov poderia ser comprado por 40 dólares num mercado de Darfur, um enunciado da época dizia “o kalash traz dinheiro, sem um kalash você é um lixo”( Waal & Flint, 2009, parte 6)
Tal processo de crescente armamento da região acelerou-se desde 1987, quando a milícia árabe chadiana (apoiada por Kadafi) foi derrotada no país vizinho e empurrada para Darfur.� No período entre 1987 e 1989 ocorreu uma intensa batalha entre os fazendeiros Fur e os pastores de camelos árabes. Em 1991, o SPLA tentou organizar uma rebelião em Darfur mas foi esmagada pelo exército sudanês. Durante toda a década de 90 conflitos ocorreram alimentados pelo tráfico de armas internacional. Em 2002, grupos de defesa fur começaram a se organizar e os zaghawa armaram-se captando armas de seus parentes chadianos. Com o apoio do SPLA, um agressivo grupo nacionalista conhecido como Frente de Libertação de Darfur se transformou no Exército de Libertação do Sudão(SLA), que em 2003 promoveu ataques a guarnições do governo e divulgou um manifesto. Porém, o equilíbrio sempre foi difícil entre as alas fur e zaghawa. Enquanto o SLA de Abdel Wahid contava com apoio popular, a ala zaghawa, liderada por Minni Minawi era militarmente mais agressiva. Em março de 2003 os islamitas dissidentes recém derrubados em Cartum, muitos ligados a Turabi, criaram o Movimento de Justiça e Igualdade que se juntou à rebelião do SLA. Menor e mais coeso, porém com menos penetração popular, o JEM apóia-se na base de seu líder, Khalil Ibrahim, do clã Kobe de zaghawa. Nesse mesmo momento, do outro lado da fronteira as petroleiras norte americanas Chevron e Exxon Mobil iniciavam o transporte de petróleo pelo oleoduto Chade-Camarões. O bem sucedido ataque conjunto dos grupos rebeldes ao aeroporto de El-Fasher, a destruição de naves militares e tomada de prisioneiros acordou o governo.
Cartum reagiu imediatamente a atuação dos rebeldes lançando ataques aéreos contra a região em apoio estratégico a milícias árabes, supostamente formada pelos baggara, que passaram a ser designadas na imprensa ocidental como “janjaweeds”, acusados internacionalmente de diversas violações dos direitos humanos das populações locais. Em setembro de 2004 o Conselho de Segurança da ONU formou umaComissão de Inquérito em Darfur para avaliar o conflito. No mesmo ano, o Secretário de Estado Norte-Americano Colin Powell pôs fogo na fervura ao qualificar como “genocídio” os fatos ocorridos em Darfur. Imediatamente irrompe uma enorme polêmica dentre os meios diplomáticos, organizações de direitos humanos, agências humanitárias e na mídia internacional, iniciando-se uma “campanha humanitária” que chegou a reunir milhares de pessoas em várias cidades pelo mundo em 2006, desde a Sec. de Estado Madeleine Albright até “estrelíssimas” de Holiwood, que passaram a circular pelos campos de refugiados da região.
Em maio de 2006 o Exército de Libertação Sudanesa concordou com uma proposta de paz, assinada em Abuja, pela facção dos rebeldes liderada por Minni Minawi, que aproveitou a ausência de Abdel Wahid. Caracterizou-se, assim, uma divisão do SLA em facções que passaram a confrontar-se. No entanto, tal acordo foi rechaçado tanto pelo Movimento Justiça e Igualdade, como pela facção do próprio SLA. Desta forma, muitos grupos militares agindo na região, passaram a exercer um poder autônomo, sem responder aos grupos dos quais se originaram, o que gerou quebra de mando e milícias que combatem para defender seus interesses específicos e imediatos, o que levou a ONU a anunciar, através do Chefe da Unamid, Rodolphe Adada, em discurso ao Conselho de Segurança, que “o conflito de Darfur originou uma luta de todos contra todos”.�
Em agosto de 2006 o Conselho de Segurança da ONU alocou mais efetivos das tropas de paz da Unamid para suplementar os contingentes das tropas da União Africana na região. O governo do Sudão protestou e declarou considerar a presença dos capacetes azuis como invasão estrangeira. Em represália lançou nova ofensiva contra a região. Em 2008, a Corte Penal Internacional processou o Presidente al-Bashir por crimes contra a humanidade e no ano seguinte, o TPI emitiu um mandado de prisão contra o Chefe de Estado. Quase que imediatamente Bashir expulsou cerca de 10 ONGs que exerciam função humanitária na região acusando-as de prestar informações falsas ao Tribunal Penal Internacional. Por conseqüência, o JEM anunciou a suspensão das negociações de paz (reiniciadas em 2009), não fossem readmitidas as organizações internacionais expulsas. Fato é que, em todo esse episódio, Bashir acabou ganhando o apoio da 21ª Cúpula da Liga Árabe.
A guerra em Darfur trouxe uma conseqüente instabilidade na já delicada fronteira entre Chade e Sudão, com movimentos rebeldes de ambas as nações trafegando de um território a outro em ataques ou fugas. Governos de ambos os países passaram a acusar-se mutuamente de apoio a seus respectivos grupos de oposição e as tentativas de reaproximação não surtaram pleno efeito até então pois tem sido sempre sucedidas por novas denúncias de ataques e escaramuças, na medida em que ambos os governos sofrem com oposição internas e fortes interesses regionais e internacionais. É necessário ressaltar que os problemas políticos internos do Chade envolviam interesses Líbios e, em contrapartida, a atuação de tropas francesas, o que contribuiu para a militarização da região e o armamento de grupos tribais.
Mesmo assim, em finais de 2008, pouco antes de passar o cargo, o chefe das Forças Militares da ONU, Martim Agwai, declarou que a violência em Darfur estava controlada e a guerra praticamente terminada. Enquanto isso, um grupo de organizações humanitárias (Oxfam, Cristian Aid, Save the Children), previa que o acordo de paz de 2005 estava sob sério risco... O exército sudanês declarou que permanecia atuante em Darfur contra facções rebeldes que continuavam atuando na região. No sul avolumavam-se casos de choques tribais, com saldo de dezenas de mortos...
Fato é que, duas datas futuras são de extrema importância para a República do Sudão: abril de 2010, quando o cidadão sudanês escolherá novo presidente, chefe de governo da região sul, membros do parlamento federal, governadores de província e membros dos legislativos regionais; janeiro de 2011, quando ocorrerá a votação sobre a independência do Sudão do Sul. Acontecimentos de extrema importância para um país que vive, desde sua independência, mais de 40 anos de guerra.
Notas 
� Em abril de 2008 iniciou-se um Censo Nacional para definir a divisão de recursos naturais e o poder político no Sudão. A realização desse levantamento foi uma das cláusulas do Acordo de Paz de 2005. Porém, fortes discordâncias dificultaram o andamento e a finalização dos trabalhos. A última contagem oficial foi em 1993 e desde então os números e estimativas de pesquisas várias se repetem nas mais diversas fontes, com alto grau de variação. Utilizamos como referência básica o PNUD-2009, os Atlas de Smith e Braein, o site da Wikipédia, o Perfil Econômico divulgado pela CCAB. Todas as fontes indicadas estão referenciadas na bibliografia.
� A população do Sudão foi estimada em 40 milhões (2008) com densidade de 16,04 hab./km². Natalidade em torno de 43,53% e taxa de mortalidade em 13,64%, com esperança média de vida em aproximadamente 50 anos. No começo do século estimou-se em torno de 400 mil o número de infectados pela AIDS. No conjunto do país identificam-se 19 grupos étnicos principais e 597 subgrupos que falam mais de 100 idiomas e dialetos. Os principais grupos étnicos seriam os árabes sudaneses (49%), os dinkas (12%), os núbios (8%), os bejas (6%), os nuers (5%), e os azandes (3%). A religião predominante é o islamismo sunita (72%) que convive com crenças tradicionais (17%) e com o cristianismo (11%). Em 2003 estimou-se que 60% da população estava alfabetizada. Conferir op. cit.
� O Sudão ocupa a 150º posição na classificação do índice de desenvolvimento humano publicada em 2009 pelo PNUD. Seu PIB estimado em 2008 foi de $62,19 bi e $1.631 per capita. Dívida externa em trono de $29,6 bi (2007) com taxa de inflação de 5,3% (2007). O desemprego em 2002 estava na casa dos 18,7% com aproximadamente 40% da população abaixo da linha de pobreza. A agricultura concentra cerca de 80% da mão de obra. O país possui 4320 km de estradas pavimentadas, 5978 km de linhas de ferro, 16 aeroportos com pistas pavimentadas e um porto terminal. Conferir op. cit.
� O nosso estudo que corresponderia a História Antiga e Medieval do Sudão, desde os primeiros Reinos Núbios no III milênio a.C. até a ascensão do Sultanato de Sennar no século XVI, teve como referência as obras de Alberto Costa e Silva, o volume IV da História Geral da África, a obra de Jean-Marc Brissaud, a Breve História da África e o primeiro volume de Ki-Zerbo. Todas citadas na bibliografia.
� Interessante notarmos, nos estudos sobre a História Antiga e Medieval do Sudão Oriental que, diferentes autores, com abordagens diversas, como Silva, Wall, Vercoutter, Kropácek, Brissaud, Fage, destacam a região sudanesa como ponto de encontro e inter-relação de Civilizações diversas, o que provocou um processo de trocas culturais e contatos étnicos no longo tempo. Resultando no amalgama, mais do que na sobreposição de culturas. Tal característica irá se alterar com a dominação colonial egípcia, turca e inglesa, no século XIX.
� O estudo que aborda o processo de dominação colonial no século XIX, até a independência do Sudão, na década de 50 do século XX, teve como principais referências as obras de Wesseling, o volume II da História da África Negra de Ki-Zerbo, o livro de Hernandez, a História Geral da África volume VII. Obras relacionadas na bibliografia.
� O estudo sobre o Sudão contemporâneo e a crise de Darfur teve como principais referências o “audiobook” de Wall e Flint, os Atlas de Smith e Braein, os artigos de Ferreira, Badmus e Santos, a ficção de Tayeb Salih, o relato de Egger, diversas reportagens e artigos de jornais online, periódicos e sites especializados. Fontes relacionadas na bibliografia.
� Desde o início do Condomínio Anglo-Egípcio os britânicos procuraram introduzir tecnologia e idéias políticas ocidentais, principalmente na região norte do Sudão. As províncias ao sul forammarginalizadas nesse processo, sob o argumento de que não estavam preparadas para as relações capitalistas. A região ficou, por algum tempo, sob controle de comerciantes árabes e missões cristãs instrumentadas pelos ingleses. A “close door policy” estabeleceu, através de uma série de ordenanças, o isolamento do sul e seu antagonismo em relação ao norte: habitantes do norte não mais podiam trabalhar no sul; os mercadores árabes foram expulsos; foram desencorajados os costumes árabes, até mesmo o uso de trajes; os costumes africanos e a vida tribal foram estimulados; foi declarada oficialmente a distinção entre muçulmanos e negros no sul; foi estimulada a evangelização como forma de bloquear o avanço do islamismo; os funcionários do norte, retirados do serviço diplomático e consular, eram arabistas, enquanto no sul, os funcionários oriundos do exército eram compelidos a manter sua fidelidade a Inglaterra. Podemos considerar a “close door policy” como origem do antagonismo norte/sul no Sudão contemporâneo. Conferir op. cit.
� Principais personalidades políticas envolvidas nos acontecimentos da história recente do Sudão: Muhammad al-Nimeiry, Presidente do Sudão entre 1972 e 1985; Osmar Hassan al-Bashir, atual Presidente desde 1989; Hassan al-Turabi, líder espiritual e político da Frente Islâmica Nacional; John Garang, militar líder do SPLA; Abdel Wahid e Minni Minawi, primeiros líderes do SLA; Khalil Ibrahim, líder do Movimento de Justiça e Igualdade. 
10 Serão várias as siglas utilizadas designando grupos rebeldes, partidos ou movimentos políticos. Optamos por manter a sigla grafada em inglês, por ser o uso mais corrente. Ao especificarmos a denominação usamos a grafia em português: Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA); Movimento de Libertação do Povo do Sudão (SPLM); Exército de Libertação do Sudão (SLA); Movimento de Justiça e Igualdade (JEM); Frente Nacional Islâmica (NIF); Congresso Nacional Popular (PNC); Aliança Democrática Nacional (NDA).
11 Depoimento colhido em abril de 2009 no site da Folha online disponível in � HYPERLINK "http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u646121.shtml" �http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u646121.shtml�. É considerável a influência de igrejas cristãs, católicas e protestantes no sul do Sudão. Os primeiros missionários cristãos eram os “Padres de Verona”, uma ordem religiosa católica que estabeleceu missões no sul antes do mahdismo. Outros grupos missionários incluíam presbiterianos dos EUA e a Sociedade Missionária d Igreja Anglicana. Não houve competição entre essas missões, pois, elas estabeleceram áreas de influência distintas. Durante a dominação inglesa muitas das escolas dessas missões eram subsiadas, pois formavam quadros para o serviço provincial civil. Os poucos sulistas que receberam formação universitária estudaram na África Oriental Britânica (Quênia, Uganda, Tanzânia) e não em Cartum. Muitos nortistas consideravam essas missões como instrumentos do imperialismo britânico. Fato é que a semente foi plantada e o Sudão independente colhe seus frutos.
12 São as chamadas “armas leves” que alimentam os conflitos em África, não só através do comércio aberto, como na circulação ilegal: pistolas, fuzis de assalto, metralhadoras e submetralhadoras, morteiros, canhões automáticos, lança-granadas, minas terrestres. Produtos como a pistola italiana bereta, a submetralhadora israelense UZI, os fuzis AR-15 e M-16 americanos e o AK-47 russo-suiço circulam com enorme facilidade no mercado africano. Os exércitos africanos sempre se abasteceram por meio das ex-potências coloniais ou das superpotências durante a Guerra Fria. Com o fim da bipolarização o mercado fragmentou-se e a oferta se diversificou, tornando-se as guerras localizadas uma oportunidade de lucro para países grandes e médios produtores de armas. Hoje, a disponibilidade de armamento é garantida, principalmente, pelos seguintes fatores: a)migração de estoques de um conflito para outro e reciclagem de armamento; b)comercialização dos estoques dos arsenais da OTAN e do Pacto de Varsóvia; c)novas e contínuas produções e comercialização, não só dos EUA e países europeus, como também de Israel, China, Irã, Chile, Coréias. No próprio continente africano, a África do Sul destaca-se, também o Egito, Zimbábue, Nigéria, Namíbia, Uganda, Quênia e Tanzânia. Conferir in Uesseler(2008), Pimenta et(2008).
13 Depoimento colhido em abril de 2009 no site da Folha online. Disponível in <� HYPERLINK "http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo" ��http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo�>
Kalash begib au Kash�
Quando se pretende entender a causa das armas
“... há países produtores de armas e outros que as compram. As armas alimentam a guerra e a guerra alimenta a produção de armas!"
 Ki-Zerbo (2006, 57)
Exatamente 38 anos de luta se levarmos em conta a primeira e segunda guerra civil no Sudão. Incluindo-se o conflito de Darfur, que se iniciou oficialmente em 2003, são mais de 40 anos de guerra fratricida no país. Todos os números respectivos a esses conflitos são polêmicos. No entanto, afiguram-se em torno de 1,2 a 2 milhões de mortos e 4 milhões de pessoas desalojadas nas duas últimas décadas. Darfur possuiu os números mais discutidos: o governo de Cartum afirma reconhecer oficialmente não mais do que 10 mil mortos; em 2006 o GAO(Dixon, 2009), organismo ligado ao Congresso norte-americano divulgou estimativas em torno de 50 a 70 mil mortos; a mídia repete com ênfase a cifra de 200 a 400 mil mortos!�
A realidade do Sudão é de tal modo complexa que qualquer ponto de vista sobre as razões da violência no país será justificado de forma plausível. Como vimos no capítulo anterior o Sudão Oriental possui uma história milenar que fez da região um cadinho de povos e culturas. Como toda a África sofreu um processo de dominação colonial que se iniciou no século XIX com a presença Turco-Egípcia e prolongou-se com a Grã-Bretanha. Como afirma Ki-Zerbo (2006, 52), “...podemos dizer que as principais causas das guerras e dos conflitos remontam à segunda metade do século XIX”. Tal período acabou por delinear suas fronteiras e acentuar a dicotomia entre o norte e o sul. Esta é a mesma perspectiva de M. Hassan, ex-diplomata etíope:
“Como em qualquer outra colônia africana a Grã-Bretanha aplicou a política do ‘divide e vencerás’. Então o Sudão foi fragmentado em duas partes: no norte, conservou-se o árabe como língua oficial e manteve-se o Islão, no sul impôs-se o inglês e os missionários converterem a população ao protestantismo. Não devia existir intercâmbio nenhum entre as duas novas regiões constituídas. Inclusive os britânicos levaram para lá minorias gregas e armênias para constituírem um colchão de separação entre o norte e o sul( ...) Por escolha dos britânicos, Cartum transformou-se numa cidade muito dinâmica no plano econômico e ali emergiu uma burguesia. A divisão do Sudão entre o norte e o sul levada a cabo pela Grã-Bretanha e a escolha de Cartum como centro de atividade colonial iam ter um impacto desastroso na história do Sudão.” (Laulieu et, 2009)
 A independência sob influência e administração britânica gerou um Estado Nacional que até o presente não conseguiu estender efetivamente sua soberania por todo o território. Que oscila entre um projeto islâmico ortodoxo e a moderação conveniente ao Ocidente. Que produziu um processo político repleto de golpes, revisões constitucionais e embates regionais.� 
Tais embates relacionam-se objetivamente com a concentração de poder nas mãos de um segmento da sociedade e conseqüente manipulação da riqueza. O aparelho de Estado, quase ausente nas regiões periféricas do país (políticas públicas, sociais e infra-estruturais) produz uma realidade de enorme carência para grande parte da população. Como no território nacional espalham-se povos de origens étnicas e culturais diversas e as carências políticas e sociais confundem-se com esse

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