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FEVIT – FUNDAÇÃO EDUCACIONAL VALE DO ITAPEMIRIM FDCI – FACULDADE DE DIREITO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM BACHARELADO EM DIREITO AGOSTINHO TIRELLO NETO O PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TRÂNSITO E AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS PELO NÃO CUMPRIMENTO DOS PRAZOS LEGAIS PELO ÓRGÃO PÚBLICO Cachoeiro de Itapemirim 2018 AGOSTINHO TIRELLO NETO O PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TRÂNSITO E AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS PELO NÃO CUMPRIMENTO DOS PRAZOS LEGAIS PELO ÓRGÃO PÚBLICO Monografia Jurídica apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Prof.: Humberto Dias Viana Junior Cachoeiro de Itapemirim 2018 AGOSTINHO TIRELLO NETO O PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TRÂNSITO E AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS PELO NÃO CUMPRIMENTO DOS PRAZOS LEGAIS PELO ÓRGÃO PÚBLICO Monografia Jurídica apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Aprovada em 20 de setembro de 2018. Nota: ________________ BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Profº: Humberto Dias Viana Junior ______________________________________ Professor(a) ______________________________________ Professor(a): Dedico este trabalho, primeiramente, a Deus, que me deu forças para perseverar diante das dificuldades. A minha família, que nunca mediu esforços para me ajudar. A minha namorada, por nunca deixar de acreditar em meu potencial. E, em especial, ao meu pai Jeremias (in memoriam), que infelizmente não pode estar presente neste momento tão importante da minha vida. "O único lugar aonde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário." (Albert Einstein) RESUMO A presente tem como tema “O processo administrativo de trânsito e as consequências jurídicas pelo não cumprimento dos prazos legais pelo órgão público”. O objetivo da pesquisa é verificar quais são as consequências jurídicas quando a Administração Pública procrastina os prazos legais, assim como a legalidade dos atos administrativos quando praticados após o decurso deste prazo, com base em pesquisa bibliográfica em doutrinas relativas ao Direito Administrativo e Direito de Trânsito, à luz dos princípios aplicáveis e da legislação pertinente. O presente estudo tem o propósito de demonstrar as consequências jurídicas que um simples fluir do tempo pode acarretar à boa administração da justiça, menosprezando os princípios basilares da própria Administração Pública. Palavras-chave: Processo Administrativo. Direito de Trânsito. Legalidade. Consequências Jurídicas. ABSTRACT This has as its theme "The administrative transit process and the legal consequences for the non-compliance of legal deadlines by the public body". The objective of the research is to verify what are the legal consequences when the Public Administration procrastinates the legal deadlines, as well as the legality of the administrative acts when practiced after the course of this term, based on bibliographical research in doctrines related to Administrative Law and Traffic Law , in the light of applicable principles and relevant legislation. The present study has the purpose of demonstrating the legal consequences that a simple flow of time can lead to the good administration of justice, disregarding the basic principles of the Public Administration itself. Keywords: Administrative Process. Right of Transit. Legality. Legal Consequences. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 7 2 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ........................................................... 8 2.1 CONCEITO DE TRÂNSITO ................................................................................. 8 2.2 SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO ................................................................ 9 3 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO EM GERAL ................................................ 12 3.1 DOS PRINCÍPIOS .............................................................................................. 13 3.1.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ........................................................................ 13 3.1.2 PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE ..................................................................... 14 3.1.3 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL .............................................. 15 3.1.4 PRINCÍPIO DA CELERIDADE ........................................................................ 16 3.1.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ........................................................................... 17 3.2 DA APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99 .................................................................... 17 4 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TRÂNSITO .......................................... 18 4.1 AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO .............................................................. 19 4.2 NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO ....................................................................... 20 4.2.1 DEFESA DA AUTUAÇÃO .............................................................................. 22 4.2.2 CONVERSÃO DA PENALIDADE POR ADVERTÊNCIA POR ESCRITO ..... 23 4.3 NOTIFICAÇÃO DE PENALIDADE .................................................................... 24 4.3.1 RECURSO ADMINISTRATIVO ....................................................................... 25 4.3.2 RECURSO DE 2ª INSTÂNCIA ........................................................................ 25 5 DO NÃO CUMPRIMENTO DOS PRAZOS ........................................................... 26 5.1 PRESCRIÇÃO .................................................................................................... 27 5.1.1 DO MOTIVO DE FORÇA MAIOR ................................................................... 28 5.2 ANULAÇÃO DA MULTA DE TRÂNSITO .......................................................... 29 6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 32 REFERÊNCIAS 7 1 INTRODUÇÃO A presente monografia tem como objeto a demonstração das consequências provenientes da inobservância dos prazos legais para realização de atos administrativos no processo administrativo de trânsito. O processo administrativo de trânsito é regido pelo próprio Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97). No entanto, ainda que guarde semelhança com os demais processos administrativos, a Lei nº 9.784/99, norma geral que trata do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, apenas será aplicada de forma subsidiária, devido à especialidade da norma de trânsito. Iniciamos essa pesquisa com a exposição dos conceitos e noções básicas de direito de trânsito, para que se entenda todo o contexto em que se passa o processo administrativo de trânsito. No segundo capítulo, serão abordados os principais princípios do Direito Administrativo aplicáveis ao Direito de Trânsito, já que cada um deles são considerados basilares de formação do todo nosso ordenamento jurídico administrativo, a qual devem ser observadas pela própria Administração, até mesmo, acima de uma norma jurídica. Em seguida, exporá todo o procedimento administrativo para autuação e aplicação de penalidade por cometimento de infração de trânsito, assim como as instâncias recursais. No quarto e último capítulo, será apresentado os prazos legais a serem obedecidos e suas consequências jurídicas pela inobservância destes prazos. O presente relatório de pesquisa encerra-se com as considerações finais, situando a conduta da Administração Pública nos processos administrativos de trânsito e seus reflexos frente à inobservância dos prazos legais. A metodologia aplicada foi o método indutivo, partindodo direito administrativo em sentido estrito e generaliza na atuação da Administração Pública como um todo. Para análise da pesquisa foi utilizado pesquisas bibliográficas, como doutrinas, legislação, vídeos, jornais, revistas, etc. 8 2 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO Com a chegada de veículos automotores ao Brasil, após a Revolução Industrial da França, tendo em vista o crescimento populacional do Brasil no século XX e a expansão do mercado automobilístico, fez-se necessário a criação de normas e regras de circulação para fins de garantir a segurança no trânsito, protegendo os motoristas e pedestres. (FRANZ, 2012) Com isso, foi criado o Decreto nº 2.994 de 28 de janeiro de 1941, que instituiu o primeiro Código Nacional de Trânsito, iniciando-se a tutela do trânsito de veículos automotores em estradas e rodovias em todo o território nacional. (HONORATO, 2004) O antigo Código Nacional de Trânsito, terceiro código de trânsito aprovado, comumente conhecido como CNT – algumas pessoas ainda abreviam o atual Código de Trânsito como “CNT” –, vigorou durante 31 (trinta e um) anos até a aprovação do atual Código de Trânsito Brasileiro – CTB, Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997. (HONORATO, 2004) O atual Código de Trânsito Brasileiro busca proporcionar segurança aos motoristas e pedestres, fluidez no trânsito, eficiência dos órgãos públicos e conforto, devido à manutenção das estradas públicas. (HONORATO, 2004) O Código de Trânsito Brasileiro inovou muito em comparação à seus antecessores, trazendo expressamente a educação no trânsito como pressuposto indispensável para reger a relação entre as pessoas no uso do trânsito. (BERWIG, 2012, p. 13). Entretanto, antes de adentrarmos nos procedimentos administrativos de trânsito, nas consequências jurídicas oriundas por inobservância de prazos legais, dos princípios gerais do Direito Administrativo, importante esclarecermos o que é trânsito, qual o seu conceito sob a égide do Código de Trânsito Brasileiro. 2.1 CONCEITO DE TRÂNSITO O próprio Código de Trânsito Brasileiro conceitua o termo “trânsito” em seu artigo 1º, §1º, como: Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código. 9 § 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga. [...] (BRASIL, 1973) Diante do conceito trazido pelo código, valido mencionar a definição da palavra “trânsito” encontrada no dicionário português, sendo descrita como: Ação de transitar; marcha, trajeto. Movimento de veículos e de pedestres considerado em seu conjunto. Instrumento de agrimensor, destinado a determinar ângulos horizontais. Em trânsito, diz-se do funcionário civil ou militar ao passar de uma função a outra, por motivo de classificação, transferência, ou comissão. Diz-se dos passageiros de um avião ou navio nas escalas sucessivas que fazem antes de chegar ao seu destino final. (DICIO, Disponível em: <https://www.dicio.com.br/transito/>) Ainda que pareça estar sanado o conceito de trânsito, indispensável, ainda, distinguirmos os termos “trânsito” e “tráfego”, pois aparentemente são sinônimos. Entretanto, de acordo com HONORATO: A doutrina distingue trânsito e tráfego. O Desembargador Dr. Geraldo de Farias Lemos Pinheiro, Tráfego e trânsito, com o significado de circulação de veículos e pedestres, são quase sinônimos, quer na linguagem dos técnicos, quer na boca do povo, mas é incontestável uma tendência no sentido do emprego recomendado por Durval Lobo e por Menezes Cortes, [...] tráfego para veículos exclusivamente e trânsito para pedestres e veículos. Mas esta solução ainda é incompleta, pois, embora exista acordo tácito sobre a impropriedade de se dizer tráfego de pedestres, não está decidido quando será mais próprio dizer tráfego de veículos ou trânsito de veículos. Conclui o citado autor que o legítimo seria usar-se sempre trânsito, quer para pedestres, quer para veículos.” (HONORATO, 2000, p. 02) Assim, o termo “trânsito” traz a ideia de (i)mobilização de veículos e pedestres na via pública, não importando a presença ou não de um veículo, pessoas sentadas em um ponto de ônibus, ainda que sozinhas, estarão sendo amparadas pelo Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo. 2.2 DO SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO Primeiramente, o Sistema Nacional de Trânsito, ou SNT, não é um órgão público autônomo, dotado de personalidade jurídica, é apenas um conjunto de órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios. (PROCONDUTOR, 2016, p. 13). De acordo com o art. 5º do Código de Trânsito Brasileiro, no tocante ao conceito e as finalidades do Sistema Nacional de Trânsito: 10 Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades. (BRASIL, 1973) Outrossim, para fins de informação, vejamos o que diz o art. 6º do referido diploma, quanto aos objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito: Art. 6º São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito: I - estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento; II - fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de critérios técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de trânsito; III - estabelecer a sistemática de fluxos permanentes de informações entre os seus diversos órgãos e entidades, a fim de facilitar o processo decisório e a integração do Sistema. O Sistema Nacional de Trânsito – SNT pode ser dividida de acordo com a função e a circunscrição de cada órgão. As funções dos órgãos podem ser: normativas, consultivas ou executivas. (PROCONDUTOR, 2016, p. 13-14) A função normativa diz respeito aos órgãos que determinam normas e regras; a função consultiva refere-se à padronização de procedimentos, oferecem conselhos e emitem pareceres; por último, a executiva, cuja à função é a respectiva execução do trânsito, através de seus agentes, na gestão e fiscalização do trânsito. (PROCONDUTOR, 2016, p. 14). Compõe o Sistema Nacional de Trânsito, nos termos do art. 7º do Código de Trânsito Brasileiro: Art. 7º [...] I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo; II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores; III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; V - a Polícia Rodoviária Federal; VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI. O Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) é o coordenador máximo do Sistema, possuindo caráter normativo e consultivo. Entretanto, de acordo 11 com a Lei 10.683/03 e com o Decreto 4.711/03, o Ministério das Cidades é órgão máximo responsável pelo Sistema, estando o CONTRAN vinculado à este e subordinado o órgão máximo executivo de trânsito da União, o Departamento Nacional de Transito – DENATRAN. (MINISTÉRIO DAS CIDADES. 2015) Já os ConselhosEstaduais de Trânsito – CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal – CONTRANDIFE, são órgãos normativos, consultivos e coordenadores do Sistema, de competência territorial dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente. Suas atribuições são inerentes a atividades de administração do trânsito, como formação de condutores, registro e licenciamento de veículos, bem como julgamento de recursos interpostos contra decisão das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações e dos órgãos estaduais e municipais, entre outras. (BERWIG, 2012, p. 64.) Em seguida, o órgão executivo de trânsito da União, é o Departamento Nacional de Transito - DENATRAN, sendo este o órgão máximo executivo de trânsito, responsável por organizar e manter as Carteiras Nacional de Habilitação - CNH, o Registro Nacional de Carteiras de Habilitação – RENACH, o Registro Nacional de Veículos Automotores – RENAVAM, dentre outras competências reguladas no art. 19 do Código de Trânsito Brasileiro. (BERWIG, 2012, p. 64). Na esfera estadual, encontra-se o Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN), órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, responsáveis por autuar e aplicar medidas administrativas pelo cometimento de infrações de trânsito, aplicar penalidades notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar, dentre outras atribuições previstas no art. 22 do Código de Trânsito Brasileiro. (BRASIL, 1973). Ato contínuo, os órgãos executivos rodoviários (estadual e federal), executam atividades voltadas à estruturação do trânsito, podendo, ainda, fiscalizar, autuar e impor penalidades, de acordo com as competências do art. 21 do Código de Trânsito Brasileiro. Assim, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT é o órgão executivo rodoviário da União, responsável por manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário, além das já citadas acima e outras atribuições definidas em lei. (BERWIG, 2012, p. 65). 12 Os departamentos de estradas e de rodagens, comumente conhecido como DER, são órgãos executivos rodoviários dos Estados e do Distrito Federal, obedecendo-se a legislação estadual ou distrital, com as mesmas atribuições do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, no âmbito de suas competências. (BERWIG, 2012, p. 65). O Departamento da Polícia Rodoviária Federal é órgão da estrutura do Ministério da Justiça e integrante do Sistema Nacional de Trânsito, com competência exclusiva nas rodovias federais do país, cumprindo e fazendo cumprir a legislação e as normas de trânsito – art. 20, I, CTB. (BERWIG, 2012, p. 65). Por outro lado, a Polícia Militar dos Estados e do Distrito Federal, ainda que parte integrante do Sistema Nacional de Trânsito, competente apenas para executar fiscalização de trânsito, somente poderá atuar mediante convênio firmado com o agente do órgão ou entidades executivas/rodoviárias de trânsito, no âmbito de suas circunscrições, conforme art. 23, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro. (BERWIG, 2012, p. 66). Por último e mais importante para nosso estudo, as JARI’s, integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, presente em cada órgão de trânsito, no âmbito federal, estadual, municipal e distrital. São órgãos colegiados com competência para julgar recursos interpostos contra autuações ou penalidades impostas pela Autoridade de Trânsito, sendo esse órgão a segunda ou última instância recursal. 3 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO EM GERAL Sabe-se que existem diversos princípios comuns ao processo administrativo e judicial, tais como: da publicidade, da ampla defesa, do contraditório, do impulso oficial, da obediência à forma e aos procedimentos estabelecidos em lei. De igual forma, existem princípios próprios do Direito Administrativo, como o da oficialidade, o da gratuidade, da atipicidade, dentre outros. (DI PIETRO, 2016, p. 773) A lei geral que trata do processo administrativo no âmbito federal, Lei nº 9.784/99, descreve como os principais princípios do processo administrativo, dentre outros, os da: legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, 13 proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, nos termos do art. 2º da referida lei. (BRASIL, 1999) Entretanto, nessa pesquisa somente serão abordados os princípios aplicáveis ao Direito de Trânsito que guardem relação com os prazos legais durante o processo administrativo de trânsito. São eles: 3.1 DOS PRINCÍPIOS 3.1.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Na relação jurídica entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia de vontade, que permitem as partes a fazer tudo o que lei não proíbe. (DI PIETRO, 2016, p. 96) No entanto, esse princípio não é aplicável à Administração Pública, pois sua vontade decorre da lei, por força do princípio da legalidade, sendo sua observância de caráter obrigatório, conforme determinação do art. 37 da CRFB. (DI PIETRO, 2016, p. 96) Leciona Celso Bandeira de Mello (2009, p. 99-100): “o [princípio] da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria, por isso, considerado princípio basilar do regime jurídico-administrativo.” (apud MARIELA, 2017, p.73) Tanto é que o art. 5º, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe expressamente que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.”. De acordo com a doutrina, podemos dizer, s.m.j., que este princípio possui duas vertentes consubstanciadas em dois princípios, da primazia da lei e da reserva legal. Este primeiro determina que os atos administrativos não podem opor- se aos ditames legais, enquanto o segundo que os atos administrativos dependerão de autorização legal para serem praticados. (MAZZA, 2018, p. 112). Assim, verifica-se que o princípio da legalidade limita a Administração Pública, tendo em vista que não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados. Somente poderá agir assim, se houver lei que a autorize. (DI PIETRO, 2016, p. 96) 14 É possível afirmar, então, que a relação da Administração Pública com a lei é de subordinação, de modo que o silêncio da lei deve ser interpretado como uma proibição de agir, pois trata-se de norma geral proibitiva implícita, o que guarda conformismo com o princípio da legalidade. Já no Direito Privado, a ausência de regramento específico para o caso concreto é tacitamente interpretada como uma permissão genérica, por força do princípio da autonomia da vontade. (MAZZA, 2018, p.115-116). 3.1.2 PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE Nos processos judiciais não cabe ao juiz instaurar a relação processual sem iniciativa da parte interessada, prevalecendo o princípio da inércia. No entanto, depois de estabelecida a relação processual, caberá ao juiz movimentar o procedimento, dentre suas fases, até a decisão final (princípio da oficialidade). (DI PIETRO, 2016, p. 774). De acordo com DI PIETRO: No âmbito administrativo, esse princípio assegura a possibilidade de instauração do processo por iniciativa da Administração, independente de provocação do administrado e ainda a possibilidade de impulsionar o processo, adotando todas as medidas necessárias a sua adequada instrução. (2016, p. 774). Consoante se depreende do trecho citado, essa executoriedade dos atos administrativos existem ainda que não haja previsão legal, devido à obrigatoriedade da Administração Pública em satisfazer os interesses públicos, independentemente da iniciativa do administrado. (DI PIETRO, 2016, p. 774). Neste diapasão, vejamos o que diz os artigos 2º, inciso XII, art. 5ºe art. 29 da Lei 9.784/99, lei que trata dos processos administrativos em geral: Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. [...] XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados; Art. 5o O processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado. Art. 29. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante 15 impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. Sendo assim, o princípio da oficialidade autoriza a Administração Pública a agir de ofício no processo administrativo, no poder de iniciativa para instaurar o processo, na instauração do processo e na revisão de suas decisões. (DI PIETRO, 2016, p. 775). 3.1.3 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL Compulsando o próprio nome deste princípio, verifica-se que há três elementos a serem analisados, “devido”, “processual” e “legal”. O elemento “legal” cinge-se a observância do procedimento previamente estabelecido pela lei, não cabendo a Administração Pública definir o trajeto a ser percorrido em um processo administrativo, estando ela vinculada a trilhar os caminhos impostos pela própria lei. (MAZZA, 2018, p.108-109) Já o caráter “processual” deste princípio, se refere ao próprio rito prévio estabelecido pela lei como forma de dar legalidade ao ato administrativo, ou seja, da mesma forma que um juiz deve ater-se ao rito processual para, ao final, proferir sua sentença, a Administração Pública, caso queria praticar um ato administrativo ou proferir uma decisão em um processo administrativo, deve sujeitar- se ao procedimento/rito legal previamente estabelecido. (MAZZA, 2018, p.109) Por último, o termo “devido”. Este guarda relação com a definição do rito devido/adequado para o caso concreto, pois caso Administração Pública pretenda proferir uma decisão em um recurso administrativo de trânsito, por exemplo, deve essa observar o procedimento definido para este fim e não outro rito qualquer. (MAZZA, 2018, p.109) O princípio do devido processo legal representa um superprincípio, sendo até um direito fundamental, com previsão expressa no art. 5º, LIV, da Constituição Federal. Ora, trilhar um procedimento conforme determina a lei é de observação geral em todos os âmbitos de nosso ordenamento jurídico, diferente não seria para a Administração Pública, que pode ter seus atos anulados por inobservância do devido processo legal, conforme entendimento do STF sobre o tema: (MARINELA, 2017, p. 1128) 16 Concurso público. Nomeações. Anulação. Devido processo legal. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que é necessária a observância do devido processo legal para a anulação de ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses individuais. (STF – RE 501.869. AgR/RS. Segunda Turma. Julgamento: 23/09/2008. Publicação: 30/10/2008. Relator: Min. Eros Grau) Portanto, a observância do princípio do devido processo legal significa, dentro de um processo, observar todas as demais normas pertinentes ao caso, até mesmo os outros princípios apontados. (MARINELA, 2017, p. 1129) 3.1.4 PRINCÍPIO DA CELERIDADE O principal assunto desta pesquisa é exatamente a respeito da inobservância dos prazos no processo administrativo de trânsito, então, nada mais justo que reportar-se ao princípio da celeridade nesse contexto. Para tanto, vejamos o que diz o art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal em relação ao princípio da celeridade: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. O objetivo do princípio da celeridade é exatamente evitar a lentidão processual, assegurando a razoável duração do processo, pois a procrastinação da prestação do serviço público é incompatível com a tutela do interesse público, não permitindo a pratica da autêntica ampla defesa. (MARINELA, 2017, p. 1138) Portanto, esse princípio é essencial frente a observância dos demais princípios, pois fora assegurado a razoável duração do processo, consequentemente dando mais efetividade ao devido processo legal, contraditório, legalidade, dentre outros. Pensar o contrário foge da tutela do interesse público. (MARINELA, 2017, p. 1138). 17 3.1.5 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA Por fim, o princípio da eficiência. Este consiste em submeter a Administração Pública em buscar os melhores resultados por meio da aplicação da lei, a qual transmite exatamente a obrigatoriedade na observância dos prazos no processo administrativo, estando relacionado a economicidade, redução de desperdícios, qualidade, rapidez, produtividade e rendimento funcional. (MAZZA, 2018, p.132) O princípio da eficiência, ainda no âmbito do processo administrativo, com base no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal, visa a celeridade do processo e, dessa forma, um provimento final mais eficiente. (MARINELA, 2017, p. 89). Ora, extrai-se, então, que os prazos previamente estabelecidos pela lei, buscam tanto a celeridade do processo administrativo, quanto uma prestação do serviço público eficiente. 3.2 DA APLICAÇÃO DA LEI 9.784/99 AO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TRÂNSITO Trata-se de norma geral de processo administrativo no âmbito federal, visando definir as normas básicas a serem observadas nos processos administrativos federais. No entanto, o art. 69 da referida lei, reconhece sua aplicação subsidiária aos demais procedimentos administrativos, de modo que continuarão a reger-se por lei própria e, subsidiariamente, aplicar-se os preceitos desta lei. (MARINELA, 2017, p. 1139) Ainda, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a Lei 9.784/99 é aplicável subsidiariamente às demais entidades federativas que não possuam lei própria de processo administrativo (AgRG no Ag 935624/RJ). sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica. (MAZZA, 2018, p. 1174). Sendo assim, verifica-se que no silêncio da Lei nº 9.503/97, vulgo Código de Trânsito Brasileiro, aplicar-se-á subsidiariamente a Lei nº 9.784/99, com base no art. 69 desta. 18 4 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE TRÂNSITO Sabe-se que o processo administrativo de trânsito inicia-se através da autuação do infrator. No entanto, será tratado nesta pesquisa a respeito da matéria recursal, ou seja, quando o infrator, insatisfeito com o ato administrativo, recorre com o fim de anular o auto de infração. Quanto ao processo administrativo de trânsito, KRIGGER (2000, p.85) leciona: O processo administrativo, no trânsito, ainda é jovem, tendo praticamente surgido com o advento da última Carta Magna. Para abordá-lo, a base é o processo administrativo disciplinar, que é o mais comum, e do qual difere apenas num aspecto, pois aquele objetiva apurar as infrações dos integrantes da organização administrativa, enquanto que o de trânsito alcança os demais administrados. Segundo CRETELLA JÚNIOR (1995, p. 591), o termo recurso pode ser definido como: Na acepção lata, recurso é todo meio empregado pela parte litigante a fim de defender o seu direito. Na acepção técnica e restrita, recurso é o meio de provocar, na mesma ou na superior instância, a reforma ou modificação de uma sentença desfavorável(Resende Filho). (apud SILVA e SOPHI, 2001, p. 03) No âmbito administrativo, podemos dizer que o recurso é o ato pelo qual o administrado expõe uma pretensão à Administração Pública, com o intuito de lograr o reconhecimento de um direito ou a retificação de um ato administrativo que tenha lhe causado lesão ou ameaça de lesão. (DI PIETRO, 1998 apud SILVA e SOPHI, 2001, p. 05) Seu fundamento legal encontra-se averbado no art. 5º, XXXIV, alínea a, da Constituição Federal: Art. 5º [...] XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; Sendo assim, quando houver vícios de legalidade ou irregularidade da lavratura do auto de infração, ou até mesmo violação ao direito do autuado, é que se poderá interpor recurso, em matéria de trânsito. (SILVA e SOPHI, 2001, p. 06) 19 Findado essas ponderações, passamos ao processo administrativo de trânsito: 4.1 AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO O termo autuação pressupõe a existência de um auto, o que, neste caso, trata-se do auto de infração de trânsito, podendo ser definido como “um documento escrito, numerado em série, revestido de formalidades, pelo menos com três vias, sendo uma delas obrigatoriamente destinada a quem se impute a infração” (PINHEIRO, 1982, apud SILVA e SOPHI, 2001, p. 17) O fundamento legal do auto de infração de trânsito está previsto no art. 280 do CTB: Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará: I - tipificação da infração; II - local, data e hora do cometimento da infração; III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação; IV - o prontuário do condutor, sempre que possível; V - identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração; VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração. Não obstante, considerando a necessidade de uniformizar, em todo território brasileiro, os campos e informações mínimas que deverão compor o Auto de Infração de Trânsito, o CONTRAN, no uso de suas atribuições, elaborou a Resolução 390/11, que tratava também do processo administrativo de trânsito, o que posteriormente foi estabelecido pela Resolução 619/16, que não revogou a Resolução 390/11. Cometida a infração de trânsito, o infrator será autuado. Lavrado o auto de infração, a autoridade de trânsito verificará sua regularidade e consistência e expedirá, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data da constatação da infração, a Notificação de Autuação, conforme dispõe o art. 4º da Resolução 390/11 do CONTRAN. 20 4.2 NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO O temo “notificação”, em matéria de trânsito, refere-se ao conhecimento que é dado ao infrator, por escrito, de que lhe foi aplicada uma sanção administrativa pecuniária ou restritiva de direito, trazendo consigo os elementos mínimos exigidos pela legislação de trânsito, bem como prazo para interposição do recurso cabível. (SILVA e SOPHI, 2001, p. 31) Em consonância com o artigo 4º da Resolução 390/11 do CONTRAN, deverá conter obrigatoriamente na Notificação de Autuação, os dados constantes do auto de infração, nos termos do anexo I da referida Resolução; a data da expedição da notificação; e data do término do prazo para apresentação da defesa da autuação, não inferior a 15 (quinze) dias, contados da data da notificação de autuação ou da publicação por edital. O art. 2º da Resolução 619/16 diz que entende-se por: Notificação de autuação: é o procedimento que dá ciência ao proprietário do veículo de que foi cometida uma infração de trânsito com seu veículo. Caso a infração não tenha sido cometida pelo proprietário do veículo, deverá ser indicado o condutor responsável pelo cometimento da infração. (CONTRAN. Resolução nº 619/16) Se for utilizada a remessa postal, será considerado a expedição da notificação da autuação a data da entrega desta pelo órgão ou entidade de trânsito à empresa responsável pelo envio, presumindo-se os Correios. (art. 4º, §1º da Resolução 619/16 do CONTRAN). Por outro lado, se for utilizado o sistema eletrônico de notificação, será considerada a expedição da notificação de autuação a data do envio eletrônico pelo órgão ou entidade de trânsito ao proprietário do veículo. (art. 4º, §2º da Resolução 619/16 do CONTRAN). Importa destacar o que diz o art. 281 do Código de Trânsito Brasileiro: Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível. Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente: I - se considerado inconsistente ou irregular; II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação. 21 O Superior Tribunal de Justiça já posicionou seu entendimento no sentido de que a expedição da notificação após o prazo de 30 (trinta) dias, estabelecido pelo art. 281, parágrafo único, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro, constitui vício formal no processo administrativo de trânsito, além de torna-se ilegal a sanção imposta: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUTO DE INFRAÇÃO. NOTIFICAÇÃO. PRAZO. ART. 281, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CTB. NULIDADE. RENOVAÇÃO DE PRAZO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. SÚMULA 7/STJ. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS. POSSIBILIDADE. 1. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) prevê uma primeira notificação de autuação, para apresentação de defesa (art. 280), e uma segunda notificação, posteriormente, informando do prosseguimento do processo, para que se defenda o apenado da sanção aplicada (art. 281). 2. A sanção é ilegal, por cerceamento de defesa, quando inobservados os prazos estabelecidos. 3. O art. 281, parágrafo único, II, do CTB prevê que será arquivado o auto de infração e julgado insubsistente o respectivo registro se não for expedida a notificação da autuação dentro de 30 dias. Por isso, não havendo a notificação do infrator para defesa no prazo de trinta dias, opera-se a decadência do direito de punir do Estado, não havendo que se falar em reinício do procedimento administrativo. 4. Descabe a aplicação analógica dos arts. 219 e 220 do CPC para admitir seja renovada a notificação, no prazo de trinta dias do trânsito em julgado da decisão que anulou parcialmente o procedimento administrativo. 5. A presente controvérsia teve solução quando do julgamento do Recurso Especial 1.092.154/RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, submetido ao regime dos recurso repetitivos. 6. O pagamento da multa imposta pela autoridade de trânsito não configura aceitação da penalidade, nem convalida eventual vício existente no ato administrativo, uma vez que o próprio Código de Trânsito Brasileiro exige o seu pagamento para a interposição de recurso administrativo (art. 288) e prevê a devolução do valor no caso de ser julgada improcedente a penalidade (art. 286, § 2º) 7. Esta Corte tem decidido que, uma vez declarada a ilegalidade do procedimento de aplicação da penalidade, devem ser devolvidos os valores pagos, relativamente aos autos de infração emitidos em desacordo com a legislação de regência. Precedentes. 8. Conforme se depreende da análise do julgado (fls. 660/663), assiste razão aos recorrentes em relação aos autos de infração de trânsito lavrados em flagrante (ns. 311534B, 311903B, 214066B2 e 504813), pois não foi respeitado o prazo para a defesa prévia imposto pela norma legal. 9. Recurso especial provido. (STJ - REsp 947.223/RS. Segunda Turma. Julgamento: 16/12/2010.Publicação: 08/02/2011. Relator: Min. MAURO CAMPBELL MARQUES) Vale acrescentar que é necessária a dupla notificação (notificações da autuação e da aplicação da pena) no processo administrativo para imposição de multa de trânsito decorrente da infração, conforme determinação da Súmula 312 do STJ. Sendo assim, considerando a jurisprudência supracitada e a súmula 312 do Superior Tribunal de Justiça, bem como o art. 281, parágrafo único, inciso II do Código de Trânsito Brasileiro, extrai-se que a ausência de notificação de 22 autuação, ou sua expedição após o prazo de 30 (trinta) dias, são motivos para arquivar o auto de infração de trânsito. Por fim, verificada a regularidade e consistência do Auto de Infração, expedida a Notificação de Autuação e notificado o infrator, abre-se prazo para interposição do respectivo recurso, não sendo inferior a 15 (quinze) dias, chamado de Defesa de Autuação, conforme dispõe o artigo 4º, §4º da Resolução 619/16 do CONTRAN. 4.2.1 DEFESA DE AUTUAÇÃO A Defesa de Autuação, também chamada de Defesa Prévia, é o recurso administrativo cabível contra a Notificação de Autuação no tocante a sua consistência e regularidade e, ainda, quanto ao mérito, cabendo a autoridade competente apreciá-la. (art. 9º da Resolução 619/16 do CONTRAN). A Defesa Prévia é remetida a Comissão Julgadora de Defesa Prévia do órgão competente. A Lei Estadual do Espírito Santo 8.262/06 trata da criação desta Comissão do Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Espírito Sano – DETRAN/ES, para a análise e julgamento de defesas de autuações interpostas em decorrência de multas aplicadas por agentes de trânsito, no âmbito de competência do DETRAN/ES. Diante o silêncio da legislação de trânsito, o prazo de julgamento da Defesa de Autuação é de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, ante justificativa explícita, com base na aplicação subsidiária do art. 59, §1º, da Lei 9.784/99 ao procedimento administrativo de trânsito: Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida. § 1o Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente. § 2o O prazo mencionado no parágrafo anterior poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita. Após o julgamento, sendo deferido o recurso de defesa de autuação, o Auto de Infração de Trânsito será cancelado e seu registro será arquivado, comunicando-se o proprietário do veículo. (art. 9º, §1º da Resolução 619/16 do CONTRAN). 23 Constatando a inconsistência ou irregularidade do auto de infração, este será arquivado e seu registro julgado insubsistente, conforme disposição do inciso I, parágrafo único, artigo 281, do Código de Trânsito Brasileiro. No entanto, caso não seja interposta a Defesa de Autuação no prazo previsto ou resta-la indeferida, a autoridade de trânsito competente aplicará a penalidade. (art. 9º, §2º da Resolução 619/16 do CONTRAN). 4.2.2 CONVERSÃO DA PENALIDADE POR ADVERTÊNCIA POR ESCRITO O art. 267 do Código de Trânsito Brasileiro prevê a possibilidade de conversão da penalidade de multa para advertência por escrito, nos casos de infrações de natureza leve ou média, quando a autoridade de trânsito, considerando o prontuário do infrator e não sendo este reincidente na mesma infração nos últimos doze meses, entender essa providência como mais educativa. Art. 267. Poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa. § 1º A aplicação da advertência por escrito não elide o acréscimo do valor da multa prevista no § 3º do art. 258, imposta por infração posteriormente cometida. § 2º O disposto neste artigo aplica-se igualmente aos pedestres, podendo a multa ser transformada na participação do infrator em cursos de segurança viária, a critério da autoridade de trânsito. O requerimento de conversão da penalidade por advertência por escrito será realizado perante a autoridade de trânsito competente até o prazo limite de apresentação da defesa de autuação, nos termos do art. 10, §1º da Resolução 619/16 do CONTRAN. A decisão que aplicar a penalidade de advertência por escrito não cabe recurso, conforme §2º do art. 10 da referida resolução, exceto quando o requerimento de conversão for concomitante à apresentação da defesa de autuação. Realizada a conversão, a infração não implicará em perda de pontos no prontuário do infrator (art. 10, §7º da Resolução 619/16 do CONTRAN) Caso a autoridade de trânsito não entenda que a conversão seja a providência mais educativa, ou seja, não sendo realizada a conversão, será aplicada 24 a penalidade e, consequentemente expedida a Notificação de Penalidade. (art. 10, §8º da Resolução 619/16 do CONTRAN) 4.3 NOTIFICAÇÃO DE PENALIDADE As penalidades serão impostas ao condutor, exceto nos casos de responsabilidade exclusiva do proprietário (art. 257 do CTB), como, por exemplo, infrações inerentes a conservação do estado do veículo, que são de responsabilidade do proprietário (Anexo I da Portaria nº 03/2016 do DENATRAN) Caso não seja identificado o real condutor dentro do prazo de 15 (quinze) dias (art. 257, §7º do CTB), o proprietário do veículo será responsável pela infração cometida. (GAMA, 2006, p. 100) Aplicada a penalidade, o órgão de trânsito competente expedirá a Notificação de Penalidade ao proprietário do veículo ou ao infrator, para fins de dar ciência da imposição de penalidade, por remessa postal ou qualquer outro meio tecnológico hábil, nos termos do art. 282 do Código de Trânsito Brasileiro. Quanto à sua formalidade, a Notificação de Penalidade deverá conter, segundo o art. 11 da Resolução 619/2016 do CONTRAN: Art. 11. A Notificação da Penalidade de Multa deverá conter: I - os dados mínimos definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica; II - a comunicação do não acolhimento da Defesa da Autuação ou da solicitação de aplicação da Penalidade de Advertência por Escrito; III - o valor da multa e a informação quanto ao desconto previsto no art. 284 do CTB; IV - data do término para apresentação de recurso, que será a mesma data para pagamento da multa, conforme §§ 4º e 5º do art. 282 do CTB; V - campo para a autenticação eletrônica, regulamentado pelo DENATRAN; e VI - instruções para apresentação de recurso, nos termos dos arts. 286 e 287 do CTB. Notificado o infrator, ou o proprietário do veículo, da imposição da penalidade, poderá este apresentar Recurso Administrativo perante o órgão de trânsito que lhe impôs a penalidade, no prazo não inferior a 30 (trinta) dias, conforme art. 282, §4º e art. 285 do Código de Trânsito Brasileiro. 25 4.3.1 RECURSO ADMINISTRATIVO Primeiramente, insta salientar que as Juntas Administrativas de Recursos de Trânsito - JARI são órgãos colegiados responsáveis pelo julgamento dos recursos interpostos contra as penalidades impostas (art. 16 do Código de Trânsito Brasileiro), as quais integram o Sistema Nacional de Trânsito (art. 7º, VII, do CTB), regulamentadas mediante regimento próprio (art. 16, parágrafo único, do CTB). Nos termos do art. 285, o recurso administrativo será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual o remeterá à Junta Administrativa de Recursos de Trânsito (JARI), que deverá julgá-la em até 30 (trinta) dias. Este é o Recurso em 1ª Instância. (SILVA e SOPHI, 2001, p. 39) Entretanto, por motivo de forçamaior, o recurso pode ser julgado fora do prazo previsto, momento no qual a autoridade que impôs a penalidade poderá, de ofício ou a requerimento do interessado, conceder efeito suspensivo ao recurso. (art. 285, §3º do CTB). Sabe-se que a interposição do recurso, no prazo legal, independe do pagamento da multa pecuniária (art. 286 do CTB), todavia, caso o interessado interponha o respectivo recurso administrativo e recolha o valor da multa, e este venha a ser julgado como deferido o recurso, será devolvida a importância paga, devidamente atualizada (art. 286, §2º do CTB). Pelo exposto, sendo o recurso administrativo deferido ou não, o interessado deverá ser notificado da decisão da JARI, a qual lhe abrirá novo prazo para recurso, sendo este de 2ª Instância. (art. 288 do CTB) 4.3.2 RECURSO DE 2ª INSTÂNCIA O Recurso de 2ª Instância, contra a decisão dada pela JARI, será interposta no prazo de 30 (trinta) dias, contadas da notificação da decisão ou de sua publicação. Neste sentido, dispõe o art. 288 do CTB: Art. 288. Das decisões da JARI cabe recurso a ser interposto, na forma do artigo seguinte, no prazo de trinta dias contado da publicação ou da notificação da decisão. 26 § 1º O recurso será interposto, da decisão do não provimento, pelo responsável pela infração, e da decisão de provimento, pela autoridade que impôs a penalidade. O órgão competente para julgar os recursos das decisões da JARI são os CETRAN’s, conforme disposição do art. 14, inciso V, do CTB: Art. 14. Compete aos Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e ao Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE: [...] V - julgar os recursos interpostos contra decisões: a) das JARI; b) dos órgãos e entidades executivos estaduais, nos casos de inaptidão permanente constatados nos exames de aptidão física, mental ou psicológica; Assim como a JARI, o recurso interposto ao CETRAN/CONTRANDIFE será apreciado no prazo de 30 (trinta) dias, sendo importante destacar algumas peculiaridades descritas no art. 289 do CTB a respeito do procedimento de julgamento: Art. 289. O recurso de que trata o artigo anterior será apreciado no prazo de trinta dias: I - tratando-se de penalidade imposta pelo órgão ou entidade de trânsito da União: a) em caso de suspensão do direito de dirigir por mais de seis meses, cassação do documento de habilitação ou penalidade por infrações gravíssimas, pelo CONTRAN; b) nos demais casos, por colegiado especial integrado pelo Coordenador- Geral da JARI, pelo Presidente da Junta que apreciou o recurso e por mais um Presidente de Junta; II - tratando-se de penalidade imposta por órgão ou entidade de trânsito estadual, municipal ou do Distrito Federal, pelos CETRAN E CONTRANDIFE, respectivamente. Parágrafo único. No caso da alínea b do inciso I, quando houver apenas uma JARI, o recurso será julgado por seus próprios membros. Sendo assim, o recurso será analisado, em 2ª instância, pelo Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN ou CONTRANDIFE). Com essa apreciação, encerra-se a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades, consoante dispõe o art. 290 do CTB. (SILVA e SOPHI, 2001, p. 44) 5 DO NÃO CUMPRIMENTO DOS PRAZOS Considerando o que fora apresentado até agora, referente ao processo administrativo de trânsito, verificou-se a existência de diversos prazos, seja para expedição de documentos, seja para julgamentos, o que influencia diretamente 27 na prestação do serviço público, ponderando-se tais aspectos frente aos princípios administrativos já expositados. É cediço e notório que os prazos legais devem ser observados pelo órgão público, em respeito ao princípio da legalidade, devido processo legal e celeridade. Assim leciona JUSTEN FILHO (2011, p.1252/1253): Nesses casos, tem-se defendido a aplicação do instituto da preclusão intercorrente quando a Administração Pública omitir as providências necessárias à conclusão do processo. Preconiza-se que a paralisação do processo administrativo ou a demora imputável à Administração Pública pode acarretar a perda do direito ou do poder cujo exercício depende da conclusão do referido processo. Em síntese, a Administração Pública dispõe de certo prazo para instaurar o processo, sob pena de perda do direito ou poder no caso concreto. Se a Administração instaura o processo dentro do prazo, mas deixa de lhe dar seguimento, a situação deve merecer tratamento jurídico equivalente ao aplicável à ausência de instauração do processo. Contudo, há que se falar sobre a consequência jurídica para a Administração Pública, representada pelos órgãos de trânsito, pelo não cumprimento destes prazos. 5.1 DA PRESCRIÇÃO Inicia-se a análise dos prazos a serem observados pelos órgãos públicos através da prescrição da pretensão punitiva do Estado. A prescrição é uma pena ao negligente. É perda da ação, em sentido material, porque a violação do direito é condição de tal pretensão à tutela jurisdicional. A prescrição atinge a ação em sentido material e não o direito subjetivo; não extingue o direito, gera a exceção, técnica de defesa que alguém tem contra quem não exerceu, dentro do prazo estabelecido em lei, sua pretensão. (DINIZ, 2005, p.375). A lei 9.873/99 estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta. Sendo assim, vejamos o que dispõe seu art. 1º: Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. 28 § 2o Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. Verifica-se, portanto, que o prazo prescricional para apuração da infração de trânsito prescreve em cinco anos contados da data da prática da infração (art. 1º, caput, da referida lei). E, ainda, incide a prescrição nos processos administrativos de trânsito quando paralisados por mais de três anos, pendente de julgamento (§1º do art. 1º). Sobre a prescrição no processo administrativo de trânsito, leciona Celso Bastos (1994, p. 329): A prescrição é um dos institutos mais antigos de direito, porque nada mais contrário a natureza humana do que o fato de algumas situações ficarem pendentes eternamente. Assim, surgiu uma situação de possível exercício do controle da Administração, este há de submeter-se aos prazos prescricionais, que são os prazos definidos em lei para ser exercitada a anulação pela Administração, ou a interposição do competente recurso. (apud SILVA e SOPHI, 2000, p.38) Ressalte-se que, com base na legislação de trânsito, a não expedição da notificação de autuação, no prazo de 30 (trinta) dias, por si só, já enseja o arquivamento do auto de infração e seu registro será julgado insubsistente, por força do art. 281, parágrafo único, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro, não necessitando que o administrado aguarde os cinco anos para incidência da prescrição punitiva do Estado. 5.1.1 DO MOTIVO DE FORÇA MAIOR O termo “por motivo de força maior”, está inserido no art. 285, §3º do CTB: “§ 3º Se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado dentro do prazo previsto neste artigo, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo”. Segundo VENOSA, “a força maior seria caracterizadapor algo também natural ou humano a que não se poderia resistir, ainda que possível prever sua ocorrência” (2013, p. 57). Quanto ao efeito suspensivo, leciona BASTOS (1994, p. 324): Pelo recurso com efeito devolutivo apenas se submete a decisão a uma hierarquia superior, sem contudo impedir-se, pela interposição do recurso, a continuidade da eficácia do ato impugnado. Enquanto o recurso administrativo com efeito suspensivo paralisa, bloqueia a eficácia do ato até 29 a superveniência da decisão sobre o mesmo. (apud SILVA e SOPHI, 2000, p.34) Desse modo, caracterizado o motivo de força maior que impediu que o recurso fosse julgado dentro do prazo legal de 30 (trinta) dias, a autoridade que impôs a penalidade – pode ter havido equívoco do legislador, pois afirmou que o efeito suspensivo poderá ser concedido pela autoridade que impôs a penalidade, só que o recurso estaria sendo apreciado pela JARI, quem deveria conceder efeito suspensivo (SILVA e SOPHI, 2000, p. 35) –, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo (art. 285, §3º do CTB). 5.2 ANULAÇÃO DA MULTA DE TRÂNSITO Um dado pertinente a ser anotado é que no ano de 2017, o Espírito Santo, apenas quanto à JARI do DETRAN/ES, analisou e julgou 6.739 (seis mil, setecentos e trinta e nove) processos, sendo que destes, 507 (quinhentos e sete) foram deferidos e 6.232 (seis mil, duzentos e trinta e dois) foram indeferidos ou não conhecidos, conforme resposta obtida diretamente deste órgão (Processo nº SEP 80413668, protocolado em: 05/12/2017, resposta em: 28/12/2017). É cediço dentre os profissionais que atuam nesta área, advogados ou não, de que grande parte dos processos administrativos de trânsito se tornam ilegais por inobservância de prazos legais, porém estes argumentos não são levados em consideração perante a autoridade de trânsito devido sua fragilidade argumentativa. Primeiramente, é importante destacar que a finalidade da legislação de trânsito é claramente garantir um trânsito em condições seguras, sendo este um direito de todos e dever dos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, nos termos do art. 1º, §2º do Código de Trânsito Brasileiro e não instituir um sistema de arrecadação de multas e, menos ainda, punição excessiva dos usuários da via. Diante de todo exposto na pesquisa, será verificada a consequência jurídica pelo não cumprimento dos prazos, ora já expositados, por parte dos órgãos públicos competentes. O primeiro prazo a ser analisado é o da expedição da notificação de autuação, onde o art. 281, parágrafo único, inciso II, do Código de Trânsito 30 Brasileiro, é cristalino em dizer que se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação, o auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente, portanto, opera-se a decadência do direito de punir do estado. Conforme os julgados: • STJ – EREsp: 803487 RS 2006/0098309-0. S1 - Primeira Seção. Julgamento: 11/10/2006. Publicação: 06/11/2006. Relator: Min. José Delgado; • STJ - REsp 947.223 RS. Segunda Turma, Julgamento: 16/12/2010. Publicação: 08/02/2011. Relator: Min. MAURO CAMPBELL MARQUES Ainda sobre a Notificação de Autuação, válido acrescentar que, para fins de validade do ato administrativo, é necessário a dupla notificação do infrator, conforme Súmula 312 do STJ, onde dispõe: “No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração”. Ainda, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo também tem adotado este entendimento: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR – NÃO CIENTIFICAÇÃO DA IMPOSIÇÃO DE PENALIDADE - INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – SÚMULA 312 DO STJ – NULIDADE – CIENTIFICAÇÃO POR EDITAL SUPERVENIENTE NÃO EXLUI A INVALIDADE ANTERIOR – RECURSO IMPROVIDO. 1 – A Administração Pública deve obediência aos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório. 2 – Para a imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir, exige-se a cientificação do apenado, sob pena de nulidade. Súmula nº 312 do STJ e art. 282 do CTB. Precedentes do STJ e do TJES. 3 – A superveniência de notificação por edital, após a aplicação da penalidade, não convalida os atos nulos. 4 – Recurso improvido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas. ACORDA a Quarta Câmara Cível, na conformidade da ata e notas taquigráficas que integram este julgado, à unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. (TJ/ES. APL 0046609-53.2012.8.08.0024. Quarta Câmara Cível. Julgamento: 07/03/2016. Publicação: 21/03/2016. Relator: Des. Manoel Alves Rabelo) Ato contínuo, os próximos prazos a serem observados pela Administração Pública para imposição de multas, é o prazo de 30 (trinta) dias para julgamento dos Recursos de 1ª e 2ª Instância, pela JARI (art. 285, caput, CTB) e CETRAN/CONTRANDIFE (art. 289, caput, CTB), respectivamente. Entretanto, este prazo pode ser postergado se comprovado motivo de força maior, momento em que a autoridade de trânsito poderá conceder efeito suspensivo (art. 285, §3º, CTB). 31 O Código de Trânsito Brasileiro não prevê uma consequência jurídica pela inobservância destes prazos, então, o que acontece se o órgão julgador apreciar o recurso após estes 30 (trinta) dias? Com base no que foi exposto nessa pesquisa, a solução seria a anulação do ato administrativo por infringir os princípios da legalidade, devido processo legal, celeridade e eficiência (item 3.1). Sendo assim, ultrapassado o prazo para julgamento, tornou-se ilegal o ato administrativo, devendo a Administração Pública anulá-lo (art. 53 da Lei 9.784/99). Entretanto, não é este o entendimento da atual jurisprudência. A jurisprudência tem se posicionado no sentido de que a não observância dos prazos para julgamento, por si só, não invalida o ato administrativo devido a omissão da lei, que prevê apenas que, no caso de postergação do julgamento do recurso, a consequência é a atribuição de efeito suspensivo. Conforme os julgados: • TJ/ES. APL 0027789-15.2014.8.08.0024. Terceira Câmara Cível. Julgamento: 07/06/2016. Publicação: 17/06/2016. Relator: Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira. • TJ/SP. APL 1005559-33.2016.8.26.0236. Oitava Câmara de Direito Público. Julgamento: 26/10/2017. Publicação: 26/10/2017. Relator: Des. Ponte Neto. • TJ/PR. AI 12625126 PR. Quinta Câmara Cível. Julgamento: 24/02/2015. Publicação: 12/03/2015. Relator: Des. Luiz Mateus de Lima. Dessa forma, verifica-se que são bastante controversos os entendimentos a respeito do tema, prevalecendo, s.m.j., os entendimentos jurisprudenciais, pois tratam da aplicação da lei ao caso concreto que, neste caso e perante a omissão da legislação de trânsito, serão supridas pela analogia, os costumes e os princípios gerais do direito (art. 4º da LINDB). 32 6 CONCLUSÃO Desde o início do século XX, com o crescimento automobilístico, a normatização das condutas no trânsito tornou-se necessária, para que fosse garantida a segurança no trânsito. Com isso, a legislação de trânsito brasileira institui um Sistema Nacional de Trânsito para que possam garantir um trânsito seguro. Para tanto, criou-se sanções de caráter punitivo-reparatório, ou seja, um meio coercitivo pelo qual a Administração Pública busca garantir um trânsito seguro, em defesa da vida e da integridade física dos usuários das vias. No entanto, para serem impostas tais sanções, faz-se necessário um processo, respeitando o direito ao contraditório e ampla defesa de todos. O processo administrativo de trânsito é o meio pelo qual a autoridade de trânsito pune os cidadãos que desrespeitaremos códigos de conduta previamente estabelecidos no Código de Trânsito Brasileiro, chamados de infração de trânsito. Este processo administrativo, além de garantir o direito ao contraditório e ampla defesa dos infratores, esta sujeito aos princípios da legalidade, devido processo legal, eficiência, celeridade, dentre outros. A presente pesquisa baseou-se em averiguar, com base na legislação de trânsito, inclusive na jurisprudência e doutrina, quais as consequências jurídicas pela inobservância dos prazos nos processos administrativos de trânsito, isto é, se a inobservância dos prazos no decurso do processo seria capaz de anular o ato administrativo. A doutrina se posiciona no sentido de que, frente ao princípio da legalidade, os prazos estipulados deverão ser observados no processo administrativo, pois os atos administrativos não podem opor-se ditames legais (princípio da primazia da lei), sob pena de tornarem-se ilegais. Outrossim, devido ao fato desses prazos fazerem parte do processo administrativo, integram também o devido processo legal, buscando sempre a eficiência e a celeridade do processo administrativo. Portanto, frente aos princípios constitucionais supracitados, seria lógico que a inobservância dos prazos é causa de anulação do ato administrativo, por afrontar esses princípios. 33 Entretanto, na aplicação da lei, a jurisprudência posiciona-se no sentido de que a não observância dos prazos para julgamento, por si só, não invalida o ato administrativo devido à omissão da lei, que prevê apenas que, no caso de postergação do julgamento do recurso, a consequência é a atribuição de efeito suspensivo. Em momento algum a pesquisa buscou à impunidade dos infratores que, perante o volume laborativo dos órgãos públicos, tende sempre a procrastinar os prazos fazendo com que os atos administrativos sejam anulados; tampouco em defender uma atuação indiscriminada da Administração Pública, que leva mais consideração a punição dos infratores do que a própria finalidade da lei que é garantir um trânsito em condições seguras. Sendo assim, uma solução adequada ao caso seria, desde uma posição jurisprudencial pacificada (súmulas) dos Tribunais Superiores, ou, até mesmo, uma alteração legislativa com o intuito de estabelecer os limites do processo administrativos de trânsito e suas consequências jurídicas pela inobservância dos prazos. REFERÊNCIAS BERWIG, Aldemir. Direito de Trânsito. Ijuí: Editora Unijuí, 2012. 102 p. BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Lei 9.503/97. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm>. Acesso em: 08 jan 2018. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 09 mar 2018. BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em: 09 mar 2018. BRASIL. Lei nº 9.783, de 23 de novembro de 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L9873.htm>. 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