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9 9 CECÍLIA REGINA ALVES LOPES ADOÇÃO Aspectos Históricos, Sociais e Jurídicos da Inclusão de Crianças e Adolescentes em Famílias Substitutas UNISAL LORENA 2008 10 10 CECÍLIA REGINA ALVES LOPES ADOÇÃO Aspectos Históricos, Sociais e Jurídicos da Inclusão de Crianças e Adolescentes em Famílias Substitutas Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, área de concentração Biodireito, Ética e Cidadania, na Linha de Pesquisa Direitos Sociais e Cidadania, à Comissão Julgadora do Centro Universtiário Salesiano, sob a orientação da Profª Drª Ana Maria Viola de Sousa. UNISAL LORENA 2008 11 11 Ficha catalográfica: ________________________________________________________________ Lopes, Cecília Regina Alves L881a Adoção: Aspectos históricos, sociais e jurídicos da inclusão de crianças e adolescentes em famílias substitutas / Cecília Regina Alves Lopes – Lorena: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2008. 195 f. Dissertação (Mestrado em Direito). UNISAL – SP Orientadora: Profª. Drª. Ana Maria Viola de Sousa Inclui bibliografia. 1.Adoção. 2. Família substituta. 3. Infância e Juventude - Legislação atual. 4. Abrigo. I. Título. CDU 347.633 ________________________________________________________________ 12 12 FOLHA DE APROVAÇÃO Lorena, 29 de Agosto de 2008. COMISSÃO JULGADORA: _______________________________________________ Prof. Dr. Maurílio José de Oliveira Camello ________________________________________________ Profª Dra. Regina Vera Villas Bôas _______________________________________________ Profª Drª Ana Maria Viola de Sousa Orientadora 13 13 DEDICATÓRIA Aos meus pais, José Benedicto e Rhéa Sylvia, por terem me ensinado o caminho. Ao meu esposo, Antonio Lopes, que trilha este caminho ao meu lado, todos os dias. Aos meus filhos, Ana Laura e Antonio Gustavo para que prossigam no mesmo caminho. Com Amor. AGRADECIMENTOS A Deus, que me permitiu viver este momento. Aos Salesianos, que cativaram meu coração para sempre. À minha Orientadora, Profª Drª Ana Maria Viola de Sousa, que soube me conduzir com sabedoria, carinho e generosidade. Ao Prof. Dr. Lino Rampazzo, que com paciência me ensinou as técnicas da metodologia científica, mas também me ensinou a arte de lecionar com amor. À Coordenação do Curso de Mestrado em Direito do UNISAL, a todos os Professores, Mestrandos e Funcionários minha eterna gratidão pela maneira respeitosa e amável com que me trataram durante estes anos. 14 14 RESUMO Este trabalho tem a finalidade de realizar um estudo sobre a inclusão de crianças e adolescentes em famílias substitutas, através da adoção. Delimitamos o tema em seus aspectos históricos, sociais e jurídicos. A história da adoção no tempo. Os motivos sócio- econômicos e estruturais que levam crianças e adolescentes a serem afastados de suas famílias de origem e inseridos em abrigos. O ordenamento legal nacional e internacional sobre adoção. As mudanças que o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Novo Código Civil trouxeram para o tema. O projeto de lei que institui o Programa Nacional de Adoção. Quem são as crianças e adolescentes que estão abrigados. O cadastro central dos brasileiros e estrangeiros interessados em adoção. A dicotomia entre o desejo dos que querem adotar e a realidade das crianças e adolescentes abrigados. Os abrigos: histórico, funcionamento na atualidade e fiscalização. A ação e atuação dos profissionais que atuam nos casos. A adoção tardia, adoção inter-racial, adoção de crianças com problemas de saúde. A paternidade responsável através da adoção. PALAVRAS CHAVES 1.Adoção. 2. Família substituta. 3. Infância e Juventude – legislação atual. 4. Abrigo. 15 15 ABSTRACT This paper intends to realize a study about the inclusion of children and teenagers in substitute families through adoption. The historical, social and legal aspects of adoption is also emphasized, as its history.The economical, social and structural reasons that lead children and teenagers in shelters, leaving them away from their families.The national and international legal system about adoption.The modifications that the “Child and Teenager Statute” and the New Civil Code brought to the theme.The bill that establishes the New Adoption Program. The characteristics of children and teenagers that are in shelters. The main registration of brazilians and foreigns that are interested in adoption.The difference between the wish of those who want to adopt and the reality of children and teenagers that are in shelters.The shelters: history, functioning at present, and inspection. The action of those professionals that deal with adoption. A later adoption, the adoption by different races, the adoption of children with health problems. The responsible paternity through adoption. KEY WORDS 1. Adoption. 2. Substitute Family. 3.Childhood and Youth – Legal System at present. 4.Shelter 16 16 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................09 1. EVOLUÇÃOHISTÓRICADO INSTITUTO......................................................14 1.1. Código de Hammurabi........................................................................................15 1.2. Direito Romano...................................................................................................20 1.2.1. Ad Rogação................................................................................................24 1.2.2. Adoção Stricto Sensu.................................................................................28 1.3. Direito Moderno...................................................................................................32 1.4. Direito Brasileiro..................................................................................................34 1.4.1. Adoção Simples..........................................................................................40 1.4.2. Adoção Plena..............................................................................................43 2. ATUAL POLÍTICA DA ADOÇÃO NO ORDENAMENTO NACIONAL E INTERNACIONAL............................................................................................48 2.1. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).......................................48 2.2. Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)..................................................50 2.3. Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).......................................................53 2.4. Código Civil (2002)..............................................................................................57 2.5. Projeto de Lei n.1756/03 – Projeto de Lei Nacional de Adoção...........................65 3. CONCEITOS JURÍDICOS DO INSTITUTO .....................................................723.1. A adoção e a dignidade humana...........................................................................72 3.2. A adoção como exercício do direito à família substituta......................................75 3.3. A adoção como forma de inclusão social..............................................................77 17 17 4. REQUISITOS GERAIS E ESPECÍFICOS DA INCLUSÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM FAMÍLIA SUBSTITUTA......................................................................................................................81 4.1 Conceito de Família Substituta...............................................................................81 4.2 Modalidades de inclusão em família substituta......................................................81 4.2.1 Guarda.......................................................................................................81 4.2.2 Tutela........................................................................................................84 4.2.3 Adoção......................................................................................................86 4.3 Quem pode e quem não pode adotar......................................................................88 4.3.1 Estado Civil..............................................................................................89 4.3.2 Preferência sexual....................................................................................91 4.3.3 Grau de parentesco..................................................................................99 4.3.4 Nacionalidade.........................................................................................100 4.4 Procedimentos para adotar...................................................................................106 4.4.1 Tipos de Adoção....................................................................................106 4.4.2 Procedimento para o Cadastramento de Pessoas Interessadas em Adoção.................................................................................................109 4.4.3 Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional - CEJAI ...............................................................................................................................112 4.4.3.1. Características das crianças e adolescentes pretendidos pelos brasileiros interessados em adoção...........................115 4.4.3.2. Características das crianças e adolescentes pretendidos pelos estrangeiros interessados em adoção.........................117 4.4.4 Cadastro Nacional da Adoção – CNA..................................................120 5. ABRIGOS: INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO PROVISÓRIO...............122 18 18 5.1. A prática dos abrigos.................................................................................126 5.1.1. Funcionamento .........................................................................................129 5.1.2. Fiscalização...............................................................................................138 5.2. Características físicas e mentais das crianças e adolescentes abrigados em instituições aguardando uma família substituta.................................139 5.3. Um estado de ausência de lar e insegurança por parte da criança ou adolescente abrigado..........................................................................142 5.4. As adoções mais difíceis ...................................................................144 5.4.1 Adoção Tardia....................................................................................144 5.4.2 Adoção Inter-Racial...........................................................................148 5.4.3 Adoção de crianças com problemas de saúde....................................151 CONCLUSÃO................................................................................................................154 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................158 ANEXOS Anexo A – PROJETO DE LEI NACIONAL DA ADOÇÃO.........................163 Anexo B – CADASTRO NACIONAL DA ADOÇÃO – Resolução nº 54 CNJ....................................................................................................189 Anexo C – PROVIMENTO CG Nº 05/2005 – TJSP......................................191 19 19 INTRODUÇÃO Neste trabalho definimos que o objeto de estudo é o instituto da adoção em seus amplos aspectos, que se inicia com a evolução histórica, passando pelas referências no direito internacional e nacional, até chegar a demonstrar como é possível, no Brasil, fazer a inserção de crianças e adolescentes em famílias substitutas, como forma de inclusão social. O principal objetivo desta obra é analisar o instituto da adoção sob a perspectiva multidisciplinar, para onde concorrem as ciências sociais e jurídicas. Esta pesquisa visa comprovar que a adoção está dentro do direito da criança e do adolescente que vivem em situação de risco, como uma resposta possível de paternidade responsável. Justifica-se a importância do tema quando se identificam duas questões principais, que o inspiram e norteiam: a questão social e a questão jurídica. Do ponto de vista social, a adoção vem atender às crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco, isto é, os casos dos abandonados, órfãos ou ainda as vítimas de maus-tratos e violência doméstica. Desde o início da pesquisa identificamos que as principais causas das situações de risco que afligem crianças e adolescentes são a pobreza e a fragilidade da própria estrutura familiar entre a população mais carente. No âmbito familiar, crianças em situação de risco envolvem sempre atos e omissões de seus pais ou responsáveis, que, muitas vezes, em situação de desespero, os abandonam em metrôs, em ruas movimentadas, em casas de pessoas mais ou menos conhecidas, nas portas de domicílios, em latões de lixo ou, simplesmente, jogam-nas em ribeirões. 20 20 Na sociedade atual, nutre-se um sentimento coletivo de repúdio aos pais que abandonam sua prole. Em relação aos que são abandonados, há uma comiseração, mas, apesar disso, poucas vezes o abandono é visto como um crime e, raramente, os pais respondem por seus atos. No âmbito institucional, tenta-se solucionar o problema do filho abandonado e ignoram-se os pais, seus motivos, sua história de vida. As diferentes formas de tratamento para as crianças e adolescentes abandonados também chamam a atenção. Pois, quando se trata de um recém-nascido, a comoção é geral, e todos vão ao seu encontro e defesa, pois se sabe que ele não sobrevive muito tempo sozinho, sem assistência. Porém, muitas crianças e adolescentes são igualmente abandonados e, devido à sua idade, sequer são notados. Crianças e adolescentes permanecem perambulando pelas ruas, pelas cidades, por tempo indeterminado, sem destino, sem norte. Como forma de se defender, eles se associam a outros meninos e meninas em igualdade de situação. Algumas vezes vivem em bandos; outras vezes, tornam-se reféns de adultos inescrupulosos, que se aproveitam de sua condição. Na história do Brasil, desde o século XVIII, o acolhimento dos órfãos através da roda dos expostos já existia, e cabia à Santa Casa de Misericórdia a responsabilidade pelo acolhimento e assistência às crianças, que eram entregues anonimamente. Na atualidade, há um contingente considerável de crianças e adolescentes órfãos que, não tendo parentes ou pessoas que se interessem por seu destino, ficamexpostos às situações de risco. Alguns fogem de qualquer ajuda, temendo ir para instituições, onde julgam que irão perder o que lhes resta, a liberdade. 21 21 Crianças conhecem a vida longe das famílias, quando são exploradas e obrigadas a sair em busca de dinheiro que garantirá o sustento dos pais e dos irmãos. Começam trabalhando, vendendo coisas no trânsito, sendo “flanelinhas”, guardadores de carros etc., para depois perceberem que, mesmo se esforçando, não conseguem o suficiente para seus pais e padrastos; sendo, a partir daí, alvos de espancamentos, agressões físicas, verbais e até mesmo sexuais. Já sem esperanças, eles fogem de suas casas, de seus pais, de seu passado triste, e, quando se arrependem, alguns tentam voltar, mas seus pais mudaram de endereço, ou a recepção é por demais decepcionante. A fuga torna-se rotina e a luta desenfreada pela sobrevivência transforma crianças e adolescentes em vítimas e algozes, marginalizados e marginais. Eles deixam a infância e a juventude e começam a viver um outro estágio que, na maioria das vezes, não é compreendido pela sociedade, que começa a buscar soluções disciplinadoras e punitivas. Por trás de todas as histórias de abandono, fugas, orfandade, exploração e violência, que envolvem crianças e adolescentes, está a desigualdade social, onde populações inteiras vivem em condições precárias, resultado do sistema de produção capitalista. A classe pobre vive desempregada, no subemprego, no emprego intermitente, ou mesmo, emprego de baixos salários; e seus filhos ficam expostos a todo tipo de risco. Depois desse colapso econômico e emocional, que culmina com a retirada forçada ou a saída espontânea dos filhos da família de origem, crianças e adolescentes passam pela falência de todos os órgãos e instituições públicas e privadas. 22 22 Do ponto de vista jurídico, faz-se necessária uma análise e uma discussão sobre o papel do Estado, enquanto tutor jurisdicional da criança e do adolescente, e que desde que se tornou signatário da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, o estado brasileiro vem sendo chamado a apresentar uma resposta para a questão da menoridade. A Constituição da República de 1988 assegura todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e a proteção integral às crianças e adolescentes, a começar pelo nascituro. Autores consagrados, como o Prof. Sérgio Garcez1, atentam para o fato de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, mas pouco fez com relação à disposição de um tutela estatal de conteúdo civil. As relações sócio-econômicas e políticas no Brasil apontam no sentido inverso do que estabelece a legislação. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a doutrina de proteção integral e garante o acesso à Justiça, mas as crianças e adolescentes estão muito longe de serem assistidos e protegidos. Isso não significa que não se possa mudar essa realidade e que nada esteja sendo feito. Existem centenas de instituições públicas e privadas que estão lutando para isso, realizando um trabalho assistencial de amparo à criança e ao adolescente em situação de risco através dos abrigos e incentivo à sua colocação em família 1 Como reza o artigo 1º, o Estatuto pretendeu dispor sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, estabelecendo inovações de cunho terminológico para questões referentes à pessoa do menor, e de cunho institucional na questão referente aos novos institutos de proteção ao incapaz por defeito de idade. Com relação à disposição de uma tutela estatal de conteúdo civil pouco se fez. A nova lei dispôs, em sua Parte Geral – Livro I, uma série de princípios aplicáveis à proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes, e adotou uma nova terminologia de classificação de incapazes, do zero aos vinte e um anos incompletos. Reconduziu, ainda na Parte Geral, os antigos e já consagrados institutos de colocação em família substitutiva da família natural, institutos esses concedidos pelo Poder Judiciário. 23 23 substituta. Daí a importância do trabalho em parceria com os técnicos do Poder Judiciário que atuam nos processos de adoção. Por todos esses motivos, justifica-se o presente estudo, que se propõe aprofundar nas pesquisas sobre a realidade social e jurídica que envolve a criança e o adolescente em situação de risco, paralelamente, a situação das pessoas interessadas em adoção, o funcionamento dos abrigos e seu importante papel para a inserção das crianças e adolescentes nas famílias substitutas. O método utilizado para realização deste trabalho sobre o instituto da Adoção é a pesquisa bibliográfica e documental, o trabalho está dividido em cinco partes: 1. A evolução histórica do instituto; 2. Atual política da adoção no ordenamento nacional e internacional; 3. Conceitos Jurídicos do instituto; 4. Requisitos gerais e específicos da adoção; 5. Abrigos: instituições de acolhimento provisório. 24 24 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO Pelo crescente número de obras literárias a respeito do tema, pode-se afirmar, sem medo de exagerar, que nunca se deu tanta atenção ao instituto da adoção no Brasil como na atualidade. Poder-se-ia até mesmo imaginar que se trata de um instituto há pouco tempo instituído. De grande complexidade, o instituto da adoção apresenta fundamentos que forçam a buscar sua origem, para que se possa entender melhor seus princípios e conceitos. É importante esclarecer que a prática da adoção remonta à Antigüidade, como comprovam os primeiros textos legais de que se têm notícias. Clovis Bevilacqua nos ensina que a necessidade de propiciar os deuses familiares levou os povos antigos a criar situações jurídicas especiais destinadas a assegurar um continuador do culto doméstico, a quem não tivesse descendente. Um dos mais difundidos foi a adoção, que funcionava como uma fictio iuris, pela qual “uma pessoa recebia na família um estranho na qualidade de filho”.2 Na Índia antiga, preservou-se um código atribuído a Manú, personagem mítico, considerado “Filho de Brama e Pai dos Homens”. Escrito em sânscrito e elaborado entre o século II a.C. e o século II d.C, o Código de Manú é a legislação mais antiga da Índia. As leis de Manú representam historicamente uma primeira organização geral da sociedade, sob forte motivação religiosa e política. Elas exemplificam a situação do direito nos povos que não chegaram a distinguir a ordem jurídica dos demais planos da vida social3 2 Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Família. São Paulo: Forense, 2007. v. 5, p. 387. 3 OLIVEIRA, Adriane Stoll de. A Codificação do Direito. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3549>. Acesso em: 16 jun. 2008. 25 25 Há relatos a respeito da adoção na sociedade Hindu (Código de Manu), no Egito e na Palestina. A Bíblia apresenta casos de adoção entre os Hebreus. Na Grécia, em Esparta, a existência da adoção está registrada, mas apresentava contornos diferentes do que se entende hoje por adoção, pois as crianças eram removidas de suas famílias de origem aos sete anos de idade e encaminhadas, obrigatoriamente, ao treinamento militar, sendo este tipo de adoção confirmada na presença do rei.4 Em Atenas, somente os cidadãos (polites) podiam adotar. Os adotados, por sua vez,podiam ser homens ou mulheres, desde que fossem igualmente cidadãos. Os estrangeiros e os escravos não podiam ser adotados. Constata-se que a adoção foi muito utilizada entre os povos orientais. O Código de Manu, o Código de Hammurabi e a Bíblia nos dão notícias de sua aplicação no tempo. Entretanto, foi no Direito Romano que a adoção difundiu-se e recebeu lugar no ordenamento jurídico. 1.1 Código de Hammurabi – período Pré-Romano Hammurabi, também cognominado Kamu-Rabi, rei da Babilônia, viveu no século XXIII a.C., era filho de Gin-Mabullit e foi o sexto soberano da primeira dinastia babilônica. Espelhou-se Hammurabi nas antigas leis da Caldéia, com maior amplitude de conceitos e também casuísmos, constituindo-se de relevante importância para as futuras leis asiáticas, hebréias, e por que não dizer, um arcabouço histórico do direito.5 4 ALVIN, Eduardo Freitas. A evolução histórica do instituto da adoção. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br> Acesso em: 17 out. 2007. 5 SIQUEIRA, Libórni. Adoção Doutrina e Jurisprudência. 10. ed. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 2004. p. 30. 26 26 Descoberto em 1901 pela expedição francesa de J. Morgan, o Código de Hammurabi, remonta ao período de 1728 a 1686 a.C., já ditava as regras relativas à doação na Babilônia.6 Neste Código, os capítulos IX e X dizem respeito à Injúria e à Difamação – Da Família, nos seus artigos 127 usque194, destacando-se os artigos 185 a 194.7 Ali também está retratado o assunto da adoção. A história antiga da região mesopotâmica apresenta vários povos, dos quais se destacaram, a princípio, os Sumérios e depois os Acádios, dos quais provieram os Caldeus. Hammurábi foi talvez o maior rei da Mesopotâmia antiga e uma das figuras mais eminentes da história universal, o verdadeiro consolidador do Império Babilônico que se compunha de várias raças e nações. De certo modo, o "Código" de Hammurábi revela um esforço de unificar a aplicação do direito, sistematizando a administração da justiça e a estimação das condutas. Há quem ache, que ele foi um reformador avançado para seu tempo. 8 Dos artigos 185 ao 195 do Código de Hammurabi9 observa-se uma preocupação dos escribas do Rei, que eram os legisladores da época, em definir o que era a adoção, as condições em que era possível e em que situações o adotado podia retornar à casa do pai biológico. Art. 185 - Se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como filho, este adotado não poderá mais ser reclamado. Eduardo Alvin destaca que Antonio Chaves, ao comentar o artigo 185 do Código de Hammurabi, demonstra o caráter contratual que a adoção tinha à época, com estas palavras: 6 ALVIN, op. cit., p. 1. 7 SIQUEIRA, op. cit., p. 31. 8 OLIVEIRA, op. cit., p. 4. 9 CÓDIGO HAMMURABI. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/zip/hamurabi.pdf> Acesso em: 23 jun. 2008. 27 27 Enquanto o pai adotivo não criou o adotado, este pode retornar à casa paterna; mas, uma vez educado, tendo o adotante despendido dinheiro e zelo, o filho adotivo não pode sem mais deixá-lo e voltar tranqüilamente à casa do pai de sangue. Estaria lesando aquele princípio de justiça elementar que estabelece que as prestações recíprocas entre os contratantes devam ser iguais, correspondentes, princípio que constitui um dos fulcros do direito babilonense e assírio.10 Sendo a adoção considerada como um contrato, a sua revogabilidade é tratada no Código de Hammurabi mediante certas condições, como por exemplo, em caso de revolta do adotado. Art. 186 - Se alguém adota como filho um menino e depois que o adotou ele se revolta contra seu pai adotivo e sua mãe, este adotado deverá voltar à sua casa paterna. O artigo 187 tem, segundo a interpretação de diversos autores, mais de uma tradução. Liborni Siqueira11, por exemplo, traduz este artigo da seguinte maneira: “O filho adotivo de um funcionário do palácio ou o filho adotivo de uma sacerdotisa não poderá ser reclamado” (grifo nosso). Ao nosso ver, valorizam-se os adotantes pela função que ocupavam na sociedade da época, em relação aos pais biológicos. Vemos que outros pesquisadores traduzem este mesmo artigo como: “o dissoluto a serviço da corte ou a meretriz não poderem reclamar a devolução do filho biológico”, (grifo nosso). 10 Apud ALVIN, op. cit., p. 1. 11 SIQUEIRA, op.cit., p. 31. 28 28 Presume-se que seja diante da insignificância social dos pais biológicos perante a figura do adotante, que pertencia a uma categoria ou classe superior.12 Art. 187 - O filho de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma meretriz não pode ser reclamado. Os artigos 188 e 189, abaixo descritos, reforçam a idéia de prestação recíproca entre as partes, pois tendo o adotante despendido tempo ao ensinar seu ofício e recursos com a educação do adotado, a revogação da adoção implicaria em uma lesão financeira injusta ao adotante, mas se ao contrário fosse, o adotado poderia voltar à casa paterna. Art. 188 - Se o membro de uma corporação operária, (operário) toma para criar um menino e lhe ensina o seu ofício, este não pode mais ser reclamado. Art. 189 - Se ele não lhe ensinou o seu ofício, o adotado pode voltar à sua casa paterna. Foi nos artigos 190 e 191 que observamos o início do direito de igualdade e equiparação entre os filhos adotivos e os filhos naturais. Estes artigos não proíbem o adotante de qualquer forma de discriminação, mas facultam ao adotado a possibilidade de retornar ao convívio de sua família de origem, caso sinta-se discriminado, não sem antes ser indenizado com um terço do próximo patrimônio do adotante. Art. 190 - Se alguém não considera entre seus filhos aquele que tomou e criou como filho, o adotado pode voltar à sua casa paterna. Art. 191 - Se alguém que tomou e criou um menino como seu filho, põe sua casa e tem filhos e quer renegar o adotado, o filho adotivo não deverá ir-se embora. O pai adotivo lhe deverá dar do próprio patrimônio um terço da sua quota de filho e então ele deverá afasta-se. Do campo, do horto e da casa não deverá dar-lhe nada. 12 CÓDIGO HAMMURABI. op. cit. 29 29 Nos artigos 192 e 193, Libórni Siqueira novamente interpreta o filho como sendo o filho adotivo, e não o filho biológico de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma meretriz, que ele traduz como sendo: Se o filho adotivo de um funcionário do palácio ou de uma sacerdotisa disser a seu pai que o cria ou à sua mãe que o cria...” (grifo nosso).13 Art. 192 - Se o filho de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma meretriz diz a seu pai adotivo ou a sua mãe adotiva: "tu não és meu pai ou minha mãe", dever- se-á cortar-lhe a língua. Art. 193 - Se o filho de um dissoluto a serviço da Corte ou de uma meretriz aspira voltar à casa paterna, se afasta do pai adotivo e da mãe adotiva e volta à sua casa paterna, se lhe deverão arrancar os olhos. O importante é que se observa nesses artigos do Código de Hammurabi, uma fase descrita por vários autores como sendo da ‘Vingança Privada’. Era uma época em que a ofensa era uma ação que exigia uma reação, que por sua vez gerava nova reação. O indivíduo reagia ao outro indivíduo; em seguida havia a reação do seu grupo contra o indivíduo; depois um grupo reagia ao outro grupo. Até mesmo as amas de leite não eram poupadas, caso agissem fora das regras estabelecidas,com a extirpação dos seios. Art. 194 - Se alguém dá seu filho a ama de leite e o filho morre nas mãos dela, mas a ama sem ciência do pai e da mãe aleita um outro menino, se lhe deverá convencê-la de que ela sem ciência do pai e da mãe aleitou um outro menino e cortar-lhe o seio. Esse tipo de conduta violenta era regra e não exceção também no âmbito familiar, nas relações entre patrões e escravos, entre pai e filho, e também nos casos de adoção, 13 SIQUEIRA, op. cit., p. 31. 30 30 sendo considerada justa e legítima, caso o adotante fosse de alguma forma ofendido pelo adotado. Art. 195- Se um filho espanca seu pai se lhe deverão decepar as mãos. O direito de punir (jus puniendi) não era de competência exclusiva do Estado, como vemos na atualidade, pertencia ao ofendido diretamente ou ao grupo, ao qual o ofendido pertencia, que de alguma maneira se sentisse ofendido. 1.2 Direito Romano A expressão Direito Romano é tomada em diferentes sentidos pelos autores. Num primeiro sentido, designa o conjunto de regras jurídicas que vigoraram no império romano durante cerca de 12 séculos, ou seja, desde a fundação da Cidade, em 753 a. C., até a morte do imperador Justiniano, em 565 d. C. (para outros de 753 a 1453). Num segundo sentido, o direito romano é expressão que designa um ramo apenas daquele direito, isto é, o direito privado romano, com exclusão do direito público, que não atingiu, em Roma, o mesmo grau de desenvolvimento e perfeição que aquele outro ramo [...] é empregada ainda para designar as regras jurídicas consubstanciadas no Corpus Juris Civilis, conjunto ordenado de leis e princípios jurídicos, reduzidos a um corpo único [...]14 Para resumir e facilitar o estudo a respeito da adoção no Direito Romano, que apresenta muitas fases de desenvolvimento e períodos (Realeza, República, Alto Império, 14 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Civil. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 8-9. 31 31 Baixo Império e Bizantino), apontaremos apenas alguns momentos ou períodos em que o instituto aparece, a partir do conceito de Família. Família é vocábulo que, em Roma, além de outros sentidos, significa: 1º, conjunto de pessoas colocadas sob o poder de um chefe – o paterfamilias (Observa-se que Pater, nesta expressão não quer dizer pai, mas chefe, efetivo ou em potencial; um impúbere e um celibatário podem ser Patres). O 2º sentido, o patrimônio do paterfamilias [...] que tem o dominium in domo, a potestas. É o dominus, o senhor, a quem está confiada a domus, ou grupo doméstico. 15 Em Roma, já se perpetuava o vínculo de parentesco nas famílias constituídas não exclusivamente por vínculos de sangue. Os seres humanos, submetidos à patria potestas do paterfamilias, na domus, são: 1º, a materfamilias, ou seja, a mulher casada colocada sob o poder do marido (manus), em contraposição à mulher casada ainda sob o poder de seu pater de origem (casamento sine manu); 2º, o filiusfamilias e a filiafamilias, nascidos do casamento do pater ou por este adotados (grifo nosso); 3º, os descendentes do filiusfamilias e a mulher deste, cum manu; 4º, os escravos e as pessoas em mancipio, assimiladas aos escravos.16 Nos primeiros tempos, o paterfamílias não era apenas o pai; ele era a autoridade máxima que concentrava todos os poderes (potestas), inclusive a faculdade de aceitar ou não o recém-nascido como membro da família.17 15CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 106. 16 Ibid., p.107. 17 NÓBREGA, Vandick Londres. O Sistema de Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 514. 32 32 O pater era o dominus (Senhor), no seu tríplice aspecto: religioso (Sacerdote), econômico (Dirigente) e jurídico-político (Magistrado), a quem se confiava a Domus (Agrupamento familiar).18 Com tanta exigência para fazer parte do grupo doméstico, é para nós, na atualidade, difícil imaginar como alguém pudesse ingressar, através da adoção, na domus, sendo de uma classe inferior. A adoção é um parentesco artificial que os povos antigos conheceram. Em alguns povos aparece a título de irmão, sendo possível que assim tenha sido conhecida dos romanos. A adoção que ganhou terreno em Roma foi a adoção a título de descendentes. 19 Fustel de Coulanges explica-nos que se caracterizava uma vergonha para um cidadão sui iuris morrer sem deixar descendente. Julgavam eles que sua felicidade, depois da morte, dependia não de sua conduta em vida, mas essencialmente da de seus dependentes para consigo nos cultos fúnebres. Por isso, a adoção ganhou expressão como sendo o último recurso para evitar a extinção de um culto doméstico, pela salvação do fogo sagrado, pela continuação das oferendas fúnebres e pelo repouso dos manes dos antepassados.20 Clóvis Bevilacqua confirma que a necessidade de propiciar os deuses familiares levou os povos antigos a criar soluções jurídicas especiais destinadas a assegurar um continuador do culto doméstico a quem não tivesse descendente. Um dos mais difundidos 18 RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. A adoção na Constituição Federal o ECA e os estrangeiros. São Paulo: RT, 1994. p. 7. 19 NÓBREGA, op. cit., p. 514. 20 COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/cidade antiga.html>. Acesso em: 26 abr. 2008. 33 33 foi a adoção, que funcionava como uma fictio iuris, pela qual “uma pessoa recebia na família um estranho na qualidade de filho.”21 A adoção permitia o título de descendente, atendendo também à necessidade política, que concedia status civitatis a latinos ou a peregrinos, permitindo também que um plebeu ingressasse no patriciado.22 Grande importância tem a adoção, entre os romanos, servindo entre outras coisas, para dar herdeiro a quem não os tem, por motivos de família (continuação dos sacra privata) ou políticos (assegurara sucessor ao príncipe, como no caso de Justiniano, adotado por Justino); para transformar plebeus em patrícios; para atribuir o “jus civitatis” a um latino. 23 No Direito Romano a adoção compreendia duas situações diferentes: a adoção de um sui iuris, conhecido como ad-rogação e a adoção de um alieni iuris, conhecido como adoção em stricto sensu. O indivíduo sui iuris era aquele que não dependia de ninguém [...] e o alieni iuris era aquele que dependia ou estava sob o poder de um paterfamílias.24 Cretella Júnior reforça esse mesmo aspecto quando ensina em seu Curso de Direito Civil que para compreender a família romana é indispensável clara noção das expressões 21 Apud PEREIRA, 2007, p. 387. 22 NÓBREGA, op. cit., p. 514. 23 CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 125. 24 NÓBREGA, op. cit., p. 129-169. 34 34 “sui iuris” e “alieni iuris”, pois quanto ao “status familiae” as pessoas se dividem em independentes (sui iuris) e dependentes (alieni iuris), em relação ao pater familias.25 Caio Mário da Silva Pereira nos esclarece que o direito romano conheceu três tipos de adoção: 1º) Como ato de última vontade – adoptio per testamentum – destinava-se a produzir efeitos pos mortem do testador, condicionada, todavia, à confirmação da cúria (oblatio curiae). [...] 2º) a adoção diretamenterealizada entre os interessados com a denominação de ad-rogatio, pela qual o adotado capaz (sui iuris) se desligava de sua família e se tornava um herdeiro de culto do adotante. Fundava-se na dupla emissão volitiva do adotante e do adotado e se completava pela formalidade de aprovação na abertura dos comícios. 3º) A entrega de um incapaz (alieni iuris) em adoção – datio in adoptionem – em virtude da qual o adotante o recebia por vontade própria e anuência de um representante do adotado, iniciando desde cedo nas práticas propiciatórias dos deuses domésticos [...].26 1.2.1 Ad-rogação Importante ressaltar que o princípio da ad-rogação era que a adoção devia imitar a natureza. Por isso, não se admitia a adoção por parte de pessoas que tivessem filhos naturais, assim como era interdita aos que não podiam ser pais, como os eunucos. A fórmula da ad-rogação nos é fornecida por Gélio: - Velitis iubeatis (Quiritis) uti L.Valerius L.Titio tam iure legeque filius sive quam si ex eo patre matreque famílias eius natus esset utique necisque in eum potestas siet, uti patri endo filio est. – que vos convém ordenar que Lúcio Valério se torne legalmente filho de Lúcio Tício, da mesma forma que seria se tivesse nascido dele; que Lúcio Tício tenha sobre ele poder de vida e de morte, como um pai sobre o filho.27 25 CRETELLA JÚNIOR, op. cit., p. 108. 26 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, vol.V. 2007. p. 387-388. 27 NÓBREGA, op. cit., p. 516. 35 35 A ad-rogação era um ato de suma gravidade, pelo qual um paterfamílias entrava na família do ad-rogante e acarretava a extinção de um grupo familiar, exigindo, por isso, a intervenção do Estado. Hoje a arrogatio (ad-rogação) pode ser equiparada à adoção dos maiores de 21 anos, celebrada mediante escritura pública.28 A adoção era diretamente realizada entre os interessados com denominação especial de ad rogatio, pela qual o adotado capaz (sui iuris) se desligava de sua família e se tornava um herdeiro de culto (heres sacrorum) do adotante.29 Nos primeiros tempos a ad-rogação processava-se perante os Comitia Curiata convocados pelo pontifex maximus. Se a assembléia permitisse a ad-rogação, os pontífices interrogariam ad-rogante e ad-rogado para saber se estavam de acordo com o ato. Obtidos os pronunciamentos favoráveis das partes e a anuência do Estado, o ad-rogado, antes de ingressar na nova família, deveria abandonar seu antigo culto doméstico; - detestatio sacrorum – seria realizada na presença dos pontífices, em virtude de se tratar de cerimônia religiosa.30 Sobre o poder e autoridade das Comitia Curiata, Silvio Meira nos esclarece que: As cúrias eram divisões pelas quais se organizava o povo. “As Comitias Curiata” surgiram com Rômulo. A cidade se dividia (...) em tribos (Ramnes, sobre o palatino; Tities, sobre o esquilino e Luceres, sobre o Célio). Cada tribo possuía 10 cúrias. Total: 30 curias. Cada cúria tinha um voto, mas antes das “cúrias” os votantes se distribuíam por gentes, e não se recebiam os votos das gentes senão pelos indivíduos.31 28 SERRANO, Pablo Jiménez; CASEIRO NETO, Francisco. Direito Romano. Fundamentos, Teoria e Avaliação dos Conceitos do Direito Romano Aplicados ao Direito Contemporâneo. São Paulo: Desafio Cultura, 2002. p. 183. 29 PEREIRA, op. cit., p. 387-388. 30 NÓBREGA, op. cit., p. 515. 31 Apud SERRANO; CASEIRO NETO, op. cit., p. 23. 36 36 Posteriormente, com a decadência dos “Comitia Curiata”, o processo foi simplificado, quando a autorização passou a ser dada pelos trinta lictores, que representavam as trinta cúrias, mas ainda representava uma dificuldade para os habitantes das províncias. Vejamos as condições estabelecidas para ad-rogação: Nóbrega nos esclarece que no antigo Direito as condições para ad-rogação eram: a manifestação favorável da vontade entre as partes; o ad-rogante só podia ser patria potestas; mulheres e impúberes não podiam ser ad-rogados, porque suas presenças eram interditas aos comícios por cúrias; o liberto não podia ser ad-rogado por seu patrono; o menor de 25 anos não podia ser ad-rogado por seu antigo tutor ou curador. No século II, Antonino Pio amenizou a situação dos impúberes e das mulheres quanto à possibilidade de serem ad-rogados, porém, posteriormente houve profundas modificações no instituto da adoção, revestindo-se cada vez mais de maior complexidade e novas proibições. Na época de Diocleciano (século IV) a ad-rogação podia processar-se por um rescrito do príncipe. Alguns papiros do Egito indicam a existência de ad-rogação feita por contrato entre o ad-rogado e o ad-rogante. Este processo não fazia adquirir a patria potestas, mas podia ser dotado de valor jurídico se lhe fôsse acrescentada uma stipulatio poenae. 32 Mas, à medida que enfraquecia o fundamento religioso, foi-se abalando esta exclusividade, até que, já no século VI, o direito justinianeu franqueou-o à mulher que 32 NÓBREGA, op. cit., p. 515. 37 37 houvesse perdido os filhos – ad solatium liberorum amissorum – como uma razão de consolo [...] 33 Nóbrega ensina que no tempo de Justiniano, predominava o princípio de que adoção devia imitar a natureza (adrogatio imitatur naturam), e o instituto deixou de ser considerado como um meio de aumentar o poder de uma familias. Procurou-se então proteger os interesses dos filhos nascidos do casamento do ad-rogante. Justiniano estabeleceu também algumas restrições, pois havia o risco de que o paterfamílias se aproveitasse da pouca experiência de um sui iuris, o ad-rogasse para dispor de seu patrimônio e depois, o emancipasse.34 Se o ad-rogado impubes fosse emancipado ou deserdado sine iusta causa, o ad- rogante devia não somente restituir os bens do ad-rogado, mas ainda, este último tinha direito a reclamar um quarto dos bens do ad-rogante. Os bens do ad-rogado, a partir de Justiniano, foram considerados como um peculium adventicium. Outra garantia era que o ad-rogante obrigava-se a restituir o patrimônio do ad- rogado aos membros de sua antiga família, caso ele viesse a morrer antes de alcançar a puberdade. Procurou-se defender os interesses tanto dos filhos dos ad-rogantes, como os do ad-rogado. O ad-rogante devia ter no mínimo 60 anos, salvo em caso de enfermidade, quando, excepcionalmente, se permitia ter menos idade, e a diferença de idade entre ele e o ad- rogado não podia ser inferior a 18 anos. 33 PEREIRA, op. cit., p. 388. 34 NÓBREGA, op. cit., p. 516. 38 38 As uniões fora do casamento eram contrárias às tendências do cristianismo, e por isso não era permitida a ad-rogação de filhos nascidos dessas uniões.35 Antonio Chaves, citando o Desembargador José Benício de Paiva, lembra que a ad rogatio em Roma era uma “poderosa arma política, uma vez que, mediante ela, se podiam obter as honras e a Magistratura, passando-se da classe dos plebeus para a dos patrícios e vice-versa, e, ainda, por seu intermédio, se tornou possível a designação de sucessor ao trono, ao tempo do império.”36 1.2.2 Adoção “Stricto Sensu” A adoção em “stricto sensu” era um ato privado pelo qual um alieni iuris entrava numa família na qualidade de filho, filha, neto, neta desse novo pater familias. Tratava-se de um ato maiscomplexo que a ad-rogação, porque o alieni iuris deve primeiro deixar a antiga família e depois entrar nesse grupo familiar. É verdade que na ad-rogação o ato se revestia de maior gravidade, uma vez que havia extinção de um culto doméstico, ao passo que no presente caso ocorria apenas uma transferência da patria potestas.37 O alieni iuris era o incapaz entregue em adoção – datio in adoptionem – em virtude da qual o adotante o recebia por vontade própria e anuência do representante do adotado [...] efetuava-se a emancipação que por três vezes o pai lhe concedia em presença do adotante, que simultaneamente o recebia in potestaste.38 35 NÓBREGA, op. cit., p. 516. 36 CHAVES, Antonio. Adoção: adoção simples e adoção plena. São Paulo: Julex, 1988. p. 42. 37 NÓBREGA, op. cit, p. 517. 38 PEREIRA, op. cit., p. 388. 39 39 O acontecimento mais importante da República (510 até 27 a.C.), no entanto, do ponto de vista jurídico, foi a criação da Lei das XII Tábuas, resultado da luta da plebe por novos direitos, mas repudiada pelos patrícios e pelo senado. O direito escrito encontrou nesse ordenamento jurídico “um monumento para o direito que revela claramente uma legislação rude e bárbara, fortemente inspirada em legislações primitivas e talvez muito pouco diferente do direito vigente nos séculos anteriores.”39 A esse respeito escreveu Silvio de Salvo Venosa: A Lei das XII Tábuas, conjunto de normas expressadas em tabelas de bronze, resultado da luta de classes, da evolução favorável do direito em Roma. A forma em que foram redigidas as regras da Lei das XII Tábuas denota simplicidade e brevidade, e nelas se ressaltava o tecnicismo primitivo dos legisladores romanos da época.40 Na Tábua IV da Lei das XII Tábuas (ano 451 a.C.) contém a regra “Si pater filium ter venum duxit filius a patre líber esto”, segundo a qual se o pai tivesse vendido por três vezes o filho, este ficava livre do pai. Verifica-se que o direito de matar e de vender os filhos dava legitimidade aos pais, os quais eram, de fato e de direito, chefes das famílias.41 A lei das XII Tábuas contém uma regra segundo a qual se o pai vendesse três vezes o filho este ficaria livre do pai. Era um processo que permitia ao paterfamilias fazer sair o filho de seu grupo doméstico. Uma só venda seria suficiente se o descendente que se pretendesse afastar do grupo doméstico fosse uma filha, um neto, ou uma neta. Depois dêsse ato, cujo mecanismo não está completamente esclarecido, o descendente estaria livre da pátria potestas e podia ser considerado como um sui iuris. Contudo, para que se consumasse a segunda fase da adoção, não eram necessárias as mesmas formalidades exigidas para a ad-rogação. No presente caso, a pessoa tornada sui iuris pela tríplice venda não tinha patrimônio, nem sacra, não sendo, pois necessária a presença do povo romano para autorizar a realização do ato.42 39Apud SERRANO; CASEIRO NETO, op. cit., p. 27. 40 Ibid., p. 27. 41 Ibid., p. 33. 42 NÓBREGA, op. cit., p. 517. 40 40 Na seqüência, o adotante, o filho que se pretendia adotar e o próprio pai (a quem teria sido devolvido o filho pelo adquirente, após a terceira venda fictícia) compareciam à presença do Magistrado, onde o adotante reivindicava o filho em questão, como se fosse seu próprio filho. Não havendo contestação do pai, o Magistrado homologava a declaração através de um Adictio (pacto) e o menino era considerado filho adotivo. Não se tratava de um ato jurídico, mas de um ato meramente administrativo.43 Primeiro, o alieni iuris deixa a antiga família e depois entra no novo grupo familiar, havendo assim a transferência da pater potestas.44 Contudo, para que se consumasse a adoção, não era necessária a mesma formalidade exigida pela ad-rogação, que exigia uma cerimônia religiosa para desligamento do ad-rogado de sua família de origem. Nóbrega explica que no Baixo Império constata-se que a adoção se simplifica na medida em que podia ser feita através de contrato escrito, perante o tabelião, entre o adotante e o pai verdadeiro, havendo consentimento do adotado, que depois era ratificado na presença do Magistrado, sendo posteriormente arquivado. 45 O instituto da adoção sofreu profundas modificações na época de Justiniano, como nos relata Maria Stella V. S. L. Rodrigues: Distinguimos no direito de Justiniano duas formas de adoção: a adoção plena e a adoção menos plena. A primeira forma era quando o adotante passava a ser ascendente do adotado e, na segunda forma, o adotado não saía de seu agrupamento, onde permanecia sob a pátria potestas de seu pai biológico, 43 NÓBREGA, op. cit., p.517. 44 Ibid. 45 Ibid., p. 518. 41 41 embora fosse considerado filho adotivo do adotante, adquirindo os direitos sucessórios, se ele morria ab intestato (sem deixar testamento).46 As condições para adoção Stricto Sensu eram as seguintes: A condição preliminar consistia no consentimento dos dois paterfamilias. [...] Convém esclarecer que adotado também podia entrar na família do adotante na condição de neto, que seria considerado como se fosse filho do filho do adotante. Neste caso era necessária a autorização dêsse filho do adotante, uma vez que o adotado ficaria sendo um paterfamilias.47 Outro dado interessante a respeito dessa modalidade, era que no direito de Justiniano o adotado não ficava privado de sucessão na antiga família. A adoção minus plena não suprimia os direitos que até então possuía o adotado, mas apenas fazia com que novos direitos lhe fossem reconhecidos em sua família adotiva.48 Na Idade Média, a adoção cai em desuso, desaparecendo completamente. O direito canônico ignorou-a, tendo em vista que a família cristã repousa no sacramento do matrimônio.49 Alguns autores, entre eles destacamos Eduardo Alvin, sustentam a idéia de que para os senhores feudais, como para a Igreja Católica, esta prática contrariava seus interesses, principalmente em relação aos direitos hereditários sobre os feudos. Somente 46 RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. A adoção na Constituição Federal o ECA e os estrangeiros. São Paulo: RT, 1994. p. 10. 47 NÓBREGA, op. cit., p. 519. 48 Ibid. 49 PEREIRA, op. cit., p. 388. 42 42 admitindo-se os casos em que, de alguma maneira, trouxesse benefício do ponto de vista sucessório. De fato, tanto aos senhores feudais como à Igreja Católica o instituto em questão não convinha. Aos primeiros, posto que muitas vezes contrariava seus direitos hereditários sobre seus feudos, sendo somente admitido quando lhes interessava do ponto de vista sucessório. À Igreja Católica por ser a adoção considerada contra os princípios que se formava de família cristã e do sacramento do matrimônio, que tinha como finalidade única a procriação. 50 O Direito Romano representa, no campo das ciências jurídicas, uma referência normativa que ainda domina o pensamento dos mais modernos doutrinadores. Por isso, a evolução de todo o direito moderno descansa no direito romano.51 Quando se codificou o direito português, o instituto da adoção foi objeto das Ordenações [...] Com o tempo, entrou em desuso, como em nosso direito já observavam os civilistas [...], mas adquiriu prestígio no direito moderno.52 1.3 Direito ModernoA história revela que a Imperatriz Josefina (França) era estéril e, como conseqüência, Napoleão, sensibilizado pelo fato e pretendendo adotar Eugene de Brauharnais, resolveu incluir a adoção no Código Civil francês e, com isso, exercer uma extraordinária influência em todas as legislações posteriores, principalmente na América Latina.53 50 ALVIN, op. cit. 51 SERRANO; CASEIRO NETO, op. cit., p. 13. 52 PEREIRA, op. cit., p. 388. 53 SIQUEIRA, op. cit., p. 36. 43 43 O Código Civil francês apresentava os propósitos políticos da época, ao restaurar a adoção no território francês. Esse Código previa quatro tipos de adoção: adoção ordinária, adoção remuneratória, adoção testamentária, tutela oficiosa ou adoção provisória. A Revolução Francesa, embora ditasse as regras dos princípios humanistas e voltasse suas atenções para a criança, descurou-se, contudo, de projetar uma regulamentação adequada para o procedimento adotivo.54 Aos 7 de Dezembro de 1805, um decreto napoleônico fez renascer o procedimento da adoção pública e isto em conseqüência dos filhos de militares mortos na Batalha de Austerlitz, chamando-os de “pupilos da Nação”, seguindo-se então a Lei de 17 de julho de 1927, que deu maior abrangência, fazendo a França adotar os órfãos cujos pais morreram durante a Grande Guerra no período de 1914 a 1918.55 Inúmeras outras leis francesas foram promulgadas, sempre no sentido de aprimorar o instituto da adoção de acordo com as exigências sociais face às seqüelas deixadas pelas guerras em conseqüência do grande número de crianças na orfandade, até que aos 11 de junho de 1966 a reforma abandona a “legitimação adotiva”, consagrando a “adoção plena”, oportunidade em que se confere ao “adotado” a condição de filho legítimo, desligando-o da família originária. Daí em diante a maior parte das legislações resolveu seguir o exemplo, inserindo o instituto nos seus códigos ou através das leis ordinárias específicas.56 54 SIQUEIRA, op. cit., p. 36. 55 Ibid., p. 37. 56 Ibid. 44 44 1.4 Direito Brasileiro Após 94 anos de nossa independência é promulgado o Código Civil Brasileiro [....] nosso direito pátrio revela as influências do Direito Romano, do Direito Canônico, das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.57 No Brasil, em 1º de janeiro de 1916, entra em vigor a Lei nº 3.071, que instituiu o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. O autor do projeto foi Clóvis Bevilacqua, que deu à adoção o prestígio inicial, definindo a adoção como um ato civil, pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho, porém seu conceito não foi inserido no Código, que se restringiu apenas às limitações para a adoção. O texto original do Código Civil de 1916 estabelecia que a idade dos que poderiam adotar era 50 (cinqüenta) anos, e que a diferença de idade entre o adotante e o adotado seria de no mínimo de 18 (dezoito) anos. Exigia também que os adotantes não tivessem filhos legítimos ou legitimados, comprovando sua esterilidade, sendo seu principal objetivo dar oportunidade de paternidade a quem não podia ter filhos. Posteriormente esta parte da lei foi alterada e regulamentada. A Lei nº 3.133 de 8 de maio de 1957 atualizou a adoção no Código Civil, notadamente quanto à idade do adotante, pois o artigo 368 permitiu a adoção para os maiores de 30 anos. Quanto ao tempo de vínculo matrimonial, fixou-se em mais de 5 anos, 57 SIQUEIRA, op. cit., p. 39. 45 45 e o artigo 370 só permitiu a adoção por duas pessoas, se forem casadas. O artigo 369 fixou a diferença de idade entre adotante e adotado para 16 anos. Art. 368. Só os maiores de 30 (trinta) anos podem adotar. Parágrafo único. Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5 (cinco) anos após o casamento. Art. 369. O adotante há de ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado. Art. 370. Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher. Esses artigos definiam a adoção de forma simples, como sendo aquela concernente ao vínculo de filiação que se estabelece entre o adotante e o adotado, realizada através de escritura pública, sem interferência judicial. A nova lei permitiu ainda que casais com filhos pudessem adotar, sem que isso comprometesse a sucessão hereditária, e colocou como restrição para o tutor ou curador que quisesse adotar o pupilo ou curatelado, prestar contas de sua administração dos bens do menor. Obviamente, se o adotado estava sob tutela, rompia-se esta, cumprindo ao tutor fazer desde logo a sua prestação de contas.58 Art. 371. Enquanto não der contas de sua administração, e saldar o seu alcance, não pode o tutor, ou curador, adotar o pupilo ou o curatelado. 58 PEREIRA, op. cit., p. 395. 46 46 O Código de 1916 não impunha como requisito de validade o consentimento do cônjuge na hipótese de adoção individual, embora fosse aconselhável, evitando desentendimentos domésticos que repercutissem no adotado. A nova lei permitiu também que o adotado ou seu representante legal desse seu consentimento em relação à adoção. Art. 372. Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro. Observa-se a garantia do direito do adotado ser ouvido em relação ao seu assentimento ao pedido de adoção formulado, mas não define a partir de que idade sua opinião seria aceita. Neste artigo há também o direito dos pais biológicos ou representante legal formalizar seu consentimento na entrega da criança recém-nascida ou nascituro à adoção, sem o qual a adoção não pode se concretizar. O Código Civil conferia ampla discricionariedade ao pátrio poder, e o pai ou a mãe de uma criança poderia, ao seu livre arbítrio, entregá-la à adoção, a quem bem entendesse, até mesmo para estrangeiros, sem assistência judicial, através de escritura pública, desde que o adotante se enquadrasse nas condições estabelecidas nos artigos 368, 369 e 375. 47 47 A adoção não era um ato irrevogável e tinha prazo para terminar. O vínculo entre adotado e adotante se rompia, sendo, portanto, extinta quando as partes assim desejassem (resilição bilateral) ou no ano em que o menor completasse a maioridade ou cessasse a interdição. Art. 373. O adotado, quando menor, ou interdito, poderá desligar-se da adoção no ano imediato ao em que cessar a interdição, ou a menoridade. Art. 374. Também se dissolve o vínculo da adoção: I - quando as duas partes convierem; II - nos casos em que é admitida a deserdação. A bilateralidade na adoção foi considerada por muitos como um “contrato”. Não obstante a presença dos consensus não se pode dizê-la um contrato, se se tiver em consideração a figura contratual típica do direito das obrigações. Alguns a qualificam simplesmente ato solene. Outros, como instituto de ordem pública, produzindo efeitos em cada caso particular na dependência de um ato jurídico individual. Invocando-se o símile do casamento, na adoção podem ser observados os dois aspectos: de sua formação e do status que gera.59 Art. 375. A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, nem termo. Art. 376. O parentesco resultanteda adoção (art. 336) limita-se ao adotante e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, a cujo respeito se observará o disposto no art. 183, III e V. Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária (Redação dada pela Lei nº 3.133, de 8.5.1957). 59 PEREIRA, op. cit., p. 393. 48 48 Estabeleceu-se também que os vínculos de parentesco se restringiam apenas entre os adotantes e o adotado, e, em relação à sucessão hereditária, o filho adotado tinha direito a apenas metade do quinhão a que tinha direito o filho biológico. Art. 378. Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo. A discriminação para com os adotados, em relação aos filhos biológicos, era nítida. O art. 377 do referido diploma estabelecia que a adoção não garantia a sucessão hereditária, e o art. 378 garantia a manutenção dos adotados em relação aos vínculos familiares naturais, pois os direitos e deveres em relação a estes não se extinguiam, exceto o pátrio poder, que se operava pela transferência do pai natural para o pai adotivo. Felipe Luiz Machado Barros esclarece que “o filho, no Código Civil de 1916, sofria um processo de ‘coisificação’, isto é, constituía-se em mero objeto de um quase empréstimo, na qual a titularidade de possuidor poderia ser transferida com a possibilidade de retorno ao status quo ante”.60 A evolução das idéias sobre a necessidade de uma melhoria na regulamentação a respeito da adoção ocorreu frente a situações sociais como a orfandade e o desamparo de um grande contingente de menores que, sem nenhuma assistência, estavam expostos à própria sorte. A partir de 1959, um movimento internacional discute a questão da menoridade desamparada, até que a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos Direitos da Criança. 60 BARROS, Felipe Luiz Machado. Uma visão sobre a adoção após a Constituição de 1988. Disponível em: <http://jus2.uol.co.br/doutrina/texto.asp>. Acesso em: 17 out. 2007. 49 49 Em 1965, entra em vigor a Lei nº 4.655, que dispõe no seu art. 6º sobre a legitimação adotiva, que trouxe como modificação a possibilidade de cancelamento do registro de nascimento da criança adotada, que passou a ser substituído por outro, com os dados dos adotantes. Art. 6º A sentença deferindo a legitimação terá efeitos constitutivos devendo ser inscrita, mediante mandado no Registro Civil, como se se tratasse de registro fora do prazo, no qual se consignará os nomes dos pais adotivos como pais legítimos e os nomes dos ascendentes dos mesmos. O mandado será arquivado, dele não podendo o oficial fornecer certidões. § 1º nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre a origem do ato. § 2º O registro original do menor será anulado, também por mandado do Juiz, o qual será arquivado (vetado). Esta lei apresentou omissões em relação ao projeto originário, quando os legisladores não aprovaram alterações importantes, notadamente como: a realização do estudo psicossocial, o período probatório e revelação da legitimação adotiva, a igualdade de direitos e deveres entre o filho legitimado e o filho legítimo etc. Buscando consonância com os preceitos jurídicos internacionais, a Lei nº 6.697/79 entra em vigor, instituindo no Brasil o Código de Menores, que tinha como objetivo corrigir os equívocos e distorções da legislação a respeito da menoridade, até então vigente. Observa-se um avanço na proteção da menoridade (crianças e adolescentes) e em especial o tratamento dado para elas em caso de adoção. O Código de Menores (1979) distinguia dois tipos de adoção: a adoção simples e a adoção plena, que eram consideradas sob essa dupla perspectiva e representavam uma fase avançada na evolução do direito do menor. 50 50 1.4.1 Adoção Simples A natureza jurídica da adoção clássica (simples) resumia-se no contrato entre os seus sujeitos. Ainda não havia a intervenção do Estado, pois prevalecia a autonomia da vontade das partes, como convinha à ideologia do Estado Liberal de Direito, cuja preocupação é defender a sociedade contra o Estado, sem intervir no jogo social, apenas garantindo a limitação da ação do Estado em face dos direitos dos cidadãos. Todavia já ao tempo da Lei 3.133/57 começava outro tipo de Estado de Direito, o Estado intervencionista, ou o Estado Social de Direito, ou o Welfare State, que se anunciava nas Constituições de 1934 e 1946. O Welfare State preocupava-se em modificar as relações sociais, em prol dos membros mais fracos da sociedade.61 Jason Albergaria explica a importância da adoção simples e da adoção plena, e o contexto em que foram criadas estas modalidades: A adoção simples e a adoção plena caracterizam-se como privilegiados instrumentos da política social do menor, como propunha o movimento internacional ao desafiar graves conseqüências das duas Guerras Mundiais, como a disseminação pelo mundo de órfãos e menores abandonados, o que ainda se agrava com a urbanização sem plano, a industrialização acelerada, o incoercível crescimento demográfico, a imigração interna sem controle e os efeitos negativos do progresso da tecnologia. Estas mudanças sociais profundas, que escapam ao domínio do homem, afetam a estabilidade do Estado e ameaçam a sobrevivência da sociedade.62 61 ALBERGARIA, Jason. Adoção Simples e Adoção Plena. Rio de Janeiro: Aide, 1990. p. 45. 62 Ibid., p. 31. 51 51 Na época, a adoção simples e a adoção plena eram medidas de proteção e defesa da criança, salvaguardando a sociedade como um todo, na medida em que protegia as novas gerações. O instrumento legal que normatizava a adoção simples e a plena era o Código de Menores (Lei nº 6.697/79 ) que nos artigos 27 e seguintes, ditava para a sociedade da época, as condições em que uma criança poderia ser adotada. Código de Menores Art. 27. A adoção simples de menor em situação irregular reger-se-á pela lei civil, observado o disposto neste Código. Art. 28. A adoção simples dependerá de autorização judicial, devendo o interessado indicar, no requerimento, os apelidos de família que usará o adotado, os quais, se deferido o pedido, constarão do alvará e da escritura, para averbação no registro de nascimento do menor. § 1º A adoção será precedida de estágio de convivência com o menor, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas a idade do adotando e outras peculiaridades do caso. § 2º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais de um ano de idade. O menor abandonado e sem família era o alvo da adoção simples, que era realizada através de escritura pública, que era um requisito formal da adoção (CC, arts.134, I e 375, 1ª parte). Maria Helena Diniz esclarece que a escritura pública não admitia termo, ou condição, por ser um negócio solene, pois, em nossa sistemática jurídica, dispensa-se a sua homologação ou autorização judicial, pois o magistrado só terá competência para examinar se foram ou não cumpridos os requisitos legais e para averiguar se a adoção é conveniente para o adotado. 52 52 Deverão comparecer à escritura o adotante, o adotando, ou seu representantelegal, se incapaz. Em regra, o ato de adoção (simples) só se consuma com o registro que se perfaz com a averbação da escritura à margem do registro de nascimento do adotado (Lei n. 6015/73, arts. 29, §1º, e 105), efetuando-se à vista de petição acompanhada do translado da escritura, com audiência do Ministério Público (Lei dos Registros Públicos, art. 98).63 Para o sucesso dessa modalidade de inserção do menor em uma família substituta, o Código de Menores, no caso de adoção simples, possibilitava um estágio de convivência anterior à autorização judicial final, cujo prazo era fixado de acordo com a faixa etária do adotado e das peculiaridades do caso. Sobre o estágio de convivência Jason Albergaria nos esclarece que: O estágio de convivência era um período destinado à verificação da adaptação do adotando na futura família, e era avaliado mediante estudos sociais ou exames médico-psicológicos, que abrangiam a personalidade e a vida dos adotantes, bem como as vantagens da adoção para o menor.64 O estágio de convivência previsto no Código de Menores não tinha um prazo definido e poderia ser dispensado quando a criança fosse menor de um ano, já se encontrasse no lar adotante, e/ou não tivesse qualquer problema de saúde física ou mental. 63 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 284. 64 ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 67. 53 53 1.4.2 Adoção Plena Código de Menores Art. 29. A adoção plena atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vinculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. A adoção plena é também uma instituição. Não é contrato, o que se demonstrou quanto à adoção simples, o que vale, a fortiori, para a adoção plena. A natureza jurídica da adoção variou ao longo do tempo, segundo a evolução. Atendeu à evolução do Estado de Direito. No Estado Liberal vigorou a concepção do contrato, em respeito à autonomia da vontade. No Estado intervencionista ou Social, predomina o conceito de ato jurídico, seguido pelo da instituição jurídica. É no Estado Democrático de Direito que prevalece o conceito da instituição jurídica, inteiramente aberta ao fenômeno social da adoção, como substrato do conjunto de regras jurídicas, que disciplinam essa realidade fundamental.65 Art. 30. Caberá adoção plena de menor, de até sete anos de idade, que se encontre em situação irregular definida no inciso I, art. 2º desta lei, de natureza não eventual. Parágrafo único. A adoção plena caberá em favor de menor com mais de sete anos se, à época em que completou essa idade, já estivesse sob a guarda dos adotantes. Um dos requisitos para a adoção plena que mais causou estranheza em nossa pesquisa é que o Código de Menores limita o direito de ser adotado às crianças de até sete anos de idade, que se encontrem em situação irregular, admitindo apenas que a adoção se concretize para as crianças maiores, se o processo tiver iniciado à época em que a criança ainda não tinha completado essa idade. 65 ALBERGARIA, op. cit., 1990, p. 49. 54 54 Art. 31. A adoção plena será deferida após período mínimo de um ano de estágio de convivência do menor com os requerentes, computando-se para esse efeito, qualquer período de tempo, desde que a guarda se tenha iniciado antes de o menor completar sete anos e comprovada a conveniência da medida. O estágio de convivência está previsto no Código de Menores para adoção simples e adoção plena: artigos 28, §§ 1º e 2º, e 31. O legislador não estabeleceu prazo para o estágio de convivência, a exemplo da legislação de alguns países, que fixam o máximo do período de prova em 6, 8, 9 meses ou um ano. Com efeito, o estágio de convivência tem por objetivo a verificação da adaptação do adotando na futura família, mediante estudo social ou exame médico-psicológico do contexto psico-social em que se insere o menor, abrangendo sua personalidade e vida pregressa bem como dos adotantes, com vistas à convivência ou vantagem da adoção e garantia de seu sucesso.66 Art. 32. Somente poderão requerer adoção plena casais cujo matrimônio tenha mais de cinco anos e dos quais pelo menos um dos cônjuges tenha mais de trinta anos. Art. 33. Autorizar-se-á a adoção plena ao viúvo ou à viúva, provado que o menor está integrado em seu lar, onde tenha iniciado estágio de convivência de três anos ainda em vida do outro cônjuge. Art. 34. Aos cônjuges separados judicialmente, havendo começado o estágio de convivência de três anos na constância da sociedade conjugal, é licito requererem a adoção plena, se acordarem sobre a guarda do menor após a separação judicial. Nos artigos 32, 33 e 34 vemos os requisitos de fundo relativos aos adotantes. A lei fixa que, no caso de um casal, este seja casado há mais de cinco anos e que pelo menos um deles tenha mais de trinta anos de idade. 66 ALBERGARIA, 1990, p. 66-67. 55 55 Jason Albergaria ressalta que esse período de cinco anos de matrimônio do casal é condição de estabilidade do lar e de maturidade do marido e mulher, o que irá assegurar o sucesso da adoção, evitando a precipitação e o arrependimento da adoção, por ocasião do casamento.67 A regra no Código de Menores é que crianças sejam adotadas por casais, mas há exceções, como o caso das pessoas viúvas que podem adotar desde que o estágio de convivência com a criança tenha se iniciado três anos antes do óbito do cônjuge; e os separados judicialmente também podem adotar, desde que o estágio de convivência tenha iniciado três anos antes da separação e que o casal concorde sobre a guarda do menor. Nos dias atuais, podemos facilmente imaginar os inúmeros casos em que a criança não pode ser adotada, diante da morte de um dos cônjuges, pelo fato de o estágio de convivência não ter completado três anos. Além da viuvez, o pretendente à adoção também perdia o filho que pretendia adotar. Art. 35. A sentença concessiva da adoção plena terá efeito constitutivo e será inscrita no registro civil mediante mandado, do qual não se fornecerá certidão. § 1º A inscrição consignará o nome dos pais adotivos como pais, bem como o nome de seus ascendentes. § 2º Os vínculos de filiação e parentesco anteriores cessam com a inscrição. § 3º O registro original do menor será cancelado por mandado, o qual será arquivado. § 4º Nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre a origem do ato. § 5º A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para a salvaguarda de direitos. 67 ALBERGARIA, 1990, p. 94. 56 56 A sentença concessiva da adoção plena tinha efeito constitutivo e era decretada mediante mandado para o registro da sentença e o cancelamento do registro original do adotado. Art. 36. A sentença conferirá ao menor o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do prenome. Art. 37. A adoção plena é irrevogável, ainda que aos adotantes venham a nascer filhos, aos quais estão equiparados aos adotados, com os mesmos direitos e deveres. A adoção plena era uma possibilidade jurídica de que uma criança ou adolescente fosse integrado ao seio de uma família que não é a sua de origem, como filho legítimo, sendo esta decisão irrevogável e que garantia ao menor adotado os mesmos
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