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Relação de Causalidade e Imputação Objetiva - Bitencourt - Resumo

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Flávia Argôlo França
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Tratado de Direito Penal – Parte Geral
Cezar Roberto Bitencourt – Volume 1
24ª edição revista, ampliada e atualizada – 2018 – Saraiva Jr
Segunda Parte: TEORIA GERAL DO DELITO
XVI – RELAÇÃO DE CAUSALIDADE E IMPUTAÇÃO OBJETIVA
1. Considerações gerais. 
O Direito Penal limita-se a regular a atividade humana (parte dela), uma vez
que os demais processos naturais não podem ser objeto de regulação pelo Direito, porque são forças ou energias cegas, enquanto a atividade humana é uma energia inteligente.
No Código Penal há previsão de infrações chamadas de crimes de mera atividade ou de mera conduta, os quais se consumam com a simples realização de um comportamento, comissivo ou omissivo, não se dando importância às suas eventuais consequências. Outras vezes, ao contrário, o Código engloba, na sua descrição, a conduta humana e a consequência por ela produzida, isto é, o resultado, de tal forma que só haverá crime consumado quando esse resultado se concretizar.
2. Teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non. 
Assim, nosso Código, com redação determinada pela Reforma Penal de 1984 (Lei n. 7.209/84), repetindo, no particular, a orientação contida na versão original do Código de 1940, determina no art. 13 que: “o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. A primeira parte do dispositivo está afirmando que a relação de causalidade limita-se aos crimes de resultado (materiais). A segunda parte — considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido — consagra a adoção da teoria da equivalência das condições, também conhecida como teoria da conditio sine qua non, para determinar a relação de causalidade.
É uma teoria que não distingue como prevalente ou preponderante nenhum dos diversos antecedentes causais de um determinado resultado. Todo fator — seja ou não atividade humana — que contribui, de alguma forma, para a ocorrência do evento é causa desse evento. Causa, para essa teoria, é a soma de todas as condições, consideradas no seu conjunto, produtoras de um resultado.
3. Limitações do alcance da teoria da conditio sine qua non. 
Como podemos observar, a principal crítica dirigida à teoria da equivalência das condições consiste em que esta não é capaz de oferecer critérios valorativos que auxiliem na delimitação das condutas relevantes sob a perspectiva jurídico--penal.
Para superar essa dificuldade, foi desenvolvida uma série de critérios que, sem renunciar ao ponto de partida causal ontológico, auxiliam na redefinição do conceito jurídico de tipicidade, mais especificamente na redefinição da causalidade.
3.1. Localização do dolo e da culpa no tipo penal. 
A causalidade relevante, desde a perspectiva jurídico--penal, é aquela que pode ser prevista, ou seja, previsível, ou, ainda, aquela que pode ser mentalmente antecipada pelo agente.
Com efeito, uma pessoa pode ter dado causa a determinado resultado, e não ser possível imputar-se-lhe a responsabilidade por esse fato, por não ter agido nem dolosa nem culposamente, isto é, não ter agido tipicamente; essa atividade permanece fora da esfera do Direito Penal, sendo impossível imputá-la a alguém pela falta de dolo ou culpa, a despeito da existência de uma relação causal objetiva, constituindo, por conseguinte, a primeira limitação à teoria da conditio sine qua non.
3.2. Causas (concausas) absolutamente independentes. 
São condições — concausas — preexistentes aquelas que ocorrem antes da existência da conduta, isto é, antes da realização do comportamento humano; concomitantes, quando ocorrem simultaneamente com a conduta e, finalmente, uma concausa é superveniente quando se manifesta depois da conduta. As concausas, quaisquer delas, podem ser constituídas por outras condutas ou simplesmente por um fato natural.
3.2.1. Causas relativamente independentes. 
Quaisquer que sejam as concausas — preexistentes, concomitantes ou supervenientes —, podem atuar de tal forma que, poderíamos dizer, auxiliam ou reforçam o “processo causal” iniciado com o comportamento do sujeito. Há, portanto, aquilo que se diria uma soma de esforços, uma soma de energias, que produz o resultado. Por exemplo, a vítima de um determinado ferimento, que, pela sua natureza ou por sua localização, não é um ferimento mortal, é portadora de hemofilia, que, no caso, é uma condição preexistente, pois já existia antes da conduta do sujeito, podendo vir a morrer em consequência de hemorragia. Não se pode afirmar que, suprimindo hipoteticamente o ferimento, a morte teria ocorrido da mesma forma. Na hipótese, o ferimento foi, portanto, condição indispensável à ocorrência do resultado. Evidentemente que esse resultado foi facilitado pela deficiência da vítima, que era hemofílica. Mas a hemofilia sozinha, isoladamente, não teria causado a morte da forma como ocorreu. Há, nessa hipótese, uma causa preexistente, hemofilia, que se soma à conduta do sujeito, e ambas, juntas, vão determinar o evento. O mesmo ocorre quando se tratar de causa concomitante ou superveniente.
3.3. Superveniência de causa relativamente independente que, por si só, produz o resultado. 
Quando ocorrer uma daquelas causas ditas preexistentes ou concomitantes, só haverá as duas alternativas já referidas: ou são absolutamente independentes e excluem a relação causal, ou são relativamente independentes e se aliam à conduta, não excluindo o nexo de causalidade. Tratando-se, porém, de causas supervenientes temos as duas alternativas referidas, e mais uma, a que vem disciplinada no dispositivo citado, que diz o seguinte: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou” (§ 1º do art. 13).
4. Outras teorias da causalidade. 
A teoria da causalidade adequada fundamenta-se originalmente no juízo de possibilidade ou de probabilidade da relação causal, formulados por Von Bar e Von Kries9. Ela parte do pressuposto de que causa adequada para a produção de um resultado típico (aspecto objetivo) não é somente a causa identificada a partir da teoria da equivalência das condições, mas, sim, aquela que era previsível ex ante, de acordo com os conhecimentos experimentais existentes e as circunstâncias do caso concreto, conhecidas ou cognoscíveis pelo sujeito cuja conduta se valora (aspecto subjetivo).
Já para a teoria da causa juridicamente relevante, referida por Mezger, a relevância jurídica de uma determinada conduta, considerada inicialmente como causa de um resultado nos termos da teoria da equivalência das condições, deve ser abordada pela interpretação do tipo penal de que se trate. Essa ideia, entretanto, não foi desenvolvida, deixando apenas indicada a necessidade da utilização de critérios valorativos de imputação para a delimitação da tipicidade.
5. A relevância causal da omissão. 
Na doutrina predomina o entendimento de que na omissão não existe causalidade, considerada sob o aspecto naturalístico. Como já afirmava Sauer, sob o ponto de vista científico, natural e lógico, “do nada não pode vir nada”. No entanto, o próprio
Sauer admitia a causalidade na omissão, concluindo que “a omissão é causal quando a ação esperada (sociologicamente) provavelmente teria evitado o resultado”.
O nexo de causalidade é um primeiro passo na indagação da existência de uma infração penal que, finalmente, para poder ser atribuída a alguém, precisa satisfazer os requisitos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade.
6. A teoria da imputação objetiva e âmbito de aplicação. 
A teoria da imputação objetiva, a nosso juízo, tem grande utilidade para a delimitação da tipicidade nos crimes de resultado, isto é, para aqueles casos em que a descrição dos elementos do tipo exige que a consumação do delito somente ocorra com um resultado no mundo exterior separado, no tempo e no espaço, do comportamento queo precede (os denominados crimes materiais). Nesse âmbito, os critérios de imputação objetiva servem tanto para a delimitação da(s) conduta(s) penalmente relevante(s) como para a atribuição do resultado típico àquela(s) conduta(s) que se identifique(m) como relevante(s) para o Direito Penal, e apta(s) para a produção do resultado.
6.1. Considerações críticas.
Na realidade, a teoria da imputação objetiva tem natureza complementar, uma vez que não despreza de todo a solução oferecida pela teoria da conditio, pois admite essa solução causal. Propõe-se, na verdade, a discutir e a propor critérios normativos limitadores dessa causalidade, sendo desnecessário, consequentemente, projetar critérios positivos, mostrando-se suficientes somente critérios negativos de atribuição.
Por fim, as dificuldades ainda existentes na sistematização dos critérios de imputação objetiva não desvirtuam, contudo, o grande mérito dessa teoria, qual seja, a consolidação na dogmática penal da utilização de considerações normativas, próprias do discurso jurídico, já na delimitação da tipicidade. De tal forma que sempre que realizarmos o juízo de subsunção de uma conduta em face de um delito de resultado, deveremos analisar se a conduta sobre a qual recai o juízo de tipicidade cria um risco proibido (desvalor e ação) e, para a atribuição do delito consumado, se esse risco se realizou no resultado típico (desvalor de resultado). A eleição dos critérios valorativos é certamente discutível, mas não a necessidade de realizar esse duplo juízo de imputação.

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