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Federação - Repartição de Competências

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REPARTIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS LEGISLATIVA E ADMINISTRATIVA NA CF 1988
A fim de melhor compreender sua estrutura e funcionamento, pretende-se apresentar aqui o atual sistema brasileiro de repartição das competências legislativa e administrativa na CF 1988 a partir dos modelos histórico-constitucionais que lhe serviram de inspiração básica. Por um lado, não obstante algumas inovações, a atual Constituição recepciona as linhas fundamentais das Constituições Federais anteriores. Por outro lado, tanto a CF 1988 quanto essas Constituições Federais anteriores não foram absolutamente originais em suas concepções, elas antes foram buscar no direito constitucional estrangeiro as fontes para a construção do sistema constitucional brasileiro de repartição das competências legislativa e administrativa. Por fim, em face da complexidade do sistema de repartição de competências na CF 1988, pretende-se apresentar a proposta de um roteiro prático (e adequado) de busca da competência no texto constitucional, tudo a fim se possa determinar em cada caso concreto qual entidade federativa é competente para legislar ou administrar a respeito de dado tema ou matéria.
Competência é a capacidade jurídica de agir de uma pessoa jurídica estatal de caráter político (ou: de status constitucional) e de existência permanente, isto é: da União Federal, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios. Depois, entende-se como competência legislativa aquela pela qual fica estabelecida a capacidade dessas pessoas jurídicas estatais para editar normas jurídicas primárias, isto é: normas inovadoras ou modificadoras do ordenamento jurídico vigente e na forma do processo legislativo constitucionalmente previsto ("lei em sentido formal"), via de regra mediante a edição de atos de conteúdo geral e abstrato ("lei em sentido material"). Por competência administrativa entende-se aquela pela qual fica estabelecida a capacidade daquelas pessoas jurídicas estatais para realizar de ofício atividades de conteúdo individual e concreto destinadas à satisfação imediata do interesse público ("administração pública em sentido material").
A repartição de competências entre as entidades federativas é a matéria fundamental no âmbito de um Estado federal, assim, por exemplo: (i.) ela é que concretiza de modo prático a autonomia entre as entidades federativas ("quem é competente para o quê"); (ii.) seu arranjo final é que permite concluir pela maior ou menor autonomia das entidades federativas descentralizadas (por exemplo, "os Estados-membros receberam muitas competências ou atribuições e com isso grande autonomia"); (iii.) a inexistência de uma clara repartição de competências pode levar a conflitos de poderes entre as entidades federativas ("conflito federativo", cf. v.g. art. 102, I, "f", CF 1988).
Para entender a estrutura da sistemática de repartição das competências legislativa e administrativa na CF 1988 é necessário partir do princípio do federalismo, uma vez que é em função basicamente desse princípio que aquela estrutura se deixa tanto justificar quanto entender. A rigor então, a Constituição Federal brasileira mais remota que poderia servir de fonte ao Constituinte de 1988 é a CF 1891, a primeira Constituição federalista brasileira.
Depois, a CF 1988 institui (de um modo bem mais nítido que as Constituições anteriores) uma Federação sui generis em termos de Direito Constitucional comparado, uma vez que tanto seu art. 1º, caput, quanto seu art. 18, caput, referem expressa e literalmente que a Federação brasileira é formada não pelas duas entidades federativas tradicionais (União e Estados-membros), mas sim por três distintas entidades autônomas entre si (União, Estados-membros e Municípios).
Além disso, o constitucionalismo republicano brasileiro abeberou-se em fontes constitucionais estrangeiras, mais fundamentalmente em duas grandes: a norte-americana e a alemã (ou: austro-alemã). Tais fontes são por isso o ponto de partida para se entender tanto a evolução histórica do sistema de repartição de competências das Constituições brasileiras a partir de 1891 bem como o próprio (e complexo) sistema vigente na CF 1988.
PARTE I - MODELO FEDERAL NORTE-AMERICANO
1. FUNDAMENTOS HISTÓRICOS
Os treze Estados Unidos da América que se tornaram independentes da Grã-Bretanha em 1776 uniram-se de princípio, a partir de 1777, por meio de uma Confederação. Mas um documento formal de tal união política foi firmado somente em 1781, onde se lê no Artigo II: "Cada Estado mantém a sua soberania, liberdade, e independência, e cada Poder, Jurisdição e direito, o qual não esteja por esta confederação expressamente delegado aos Estados Unidos, em um Congresso". Como se nota, havia como órgão confederativo (e central) somente o Congresso. Todos os demais poderes e competências eram garantidos aos Estados confederativos. Essa excessiva descentralização do Poder político-institucional, somada aos quoruns qualificados para a tomada de deliberações entre os Estados confederativos, foram as maiores causas do fracasso da Confederação dos Estados Unidos. Em 1787 é convocada então uma Comissão de Representantes dos treze Estados para proceder a uma revisão do Pacto Confederativo. Os Representantes, porém, em vez da revisão para a qual foram convocados, elaboraram o texto de um anteprojeto de Constituição, o qual acabou sendo ratificado pelos Estados-membros. A Constituição dos Estados Unidos da América de 1787 é a mais antiga Constituição contemporânea em vigor.
A teorização inicial do federalismo norte-americano encontra-se na obra “O Federalista” ("The Federalist Papers"). Trata-se de uma coletânea de artigos publicados em jornais de Nova York sob o pseudônimo de Publius, e em realidade escritos por Alexander Hamilton (c. 1757-1804), James Madison (1751-1836, que foi o quarto Presidente da República, entre 1809-1817) e John Jay (1745-1829) quando da discussão do texto do anteprojeto de Constituição de 1787. Os federalistas propunham o fortalecimento do Poder central (federal), se comparado ao modelo então existente no Pacto Confederativo. Com isso, para além do Congresso, era necessária a existência de um Poder Executivo e de um Poder Judiciário federais, bem como a fixação de uma lista de competências para tais órgãos de Poder (as quais significavam, na prática, uma diminuição dos poderes até então reconhecidos aos Estados-membros). Ainda importantes para o entendimento do modelo federal norte-americano são as obras políticas de John Adams (1735-1826), que também participou da redação da Constituição norte-americana e foi o segundo Presidente da República daquele país (1797-1801): “Pensamentos acerca do Governo” (1776) e “A defesa das Constituições” (1787-1788). O principal opositor ao projeto dos federalistas, porque defensor de uma maior autonomia em favor dos Estados-membros, foi Thomas Jefferson (1743-1826, e que foi o 3º Presidente da República, entre 1801-1809). No texto da Constituição da 1787 prevaleceram, no tocante ao modelo federativo, as idéias dos federalistas. 
2. FUNDAMENTOS DOGMÁTICO-JURÍDICOS
2.1. MODELO DUALISTA RÍGIDO
De início é de ressaltar-se que no texto da Constituição de 1787 inexiste uma separação sistemática plena entre as competências legislativa e administrativa. Pelos motivos históricos supra examinados, a preocupação da Comissão Redatora da Constituição de 1787 foi bem mais genérica, no sentido fundamental de repartir objetiva e taxativamente quais matérias ou temas in concreto seriam objeto de competência da União Federal, em oposição às matérias ou temas in concreto que seriam objeto de competência dos Estados-membros. Um exemplo disso encontra-se no inciso 1 da Seção 10 do Artigo I, onde se lê que: "Nenhum Estado poderá participar de tratado, aliança ou confederação; conceder cartas de corso; cunhar moeda; emitir títulos de crédito; autorizar, para pagamento de dívidas, o uso de qualquer coisa que não seja ouro e prata; votar leis de condenação sem julgamento, ou de caráter retroativo, ou que alterem as obrigaçõesde contratos; ou conferir títulos de nobreza".
Interessa muito mais saber, em relação ao modelo da Constituição de 1787, que ali foi instituído um sistema de repartição dualista rígido das competências legislativa e administrativa. Significa dizer que essa repartição se dá via atribuição de competências exclusivas e que, por isso, a matéria ou tema cuja competência é atribuída à União Federal automaticamente exclui no mesmo âmbito uma competência, seja ela legislativa seja ela administrativa, dos Estados-membros.
Depois, por decorrência dessa exclusividade, não vem prevista na Constituição a possibilidade de delegação de competências da União Federal para os Estados-membros, nem vice-versa. Uma tal delegação é, por esse motivo, juridicamente vedada.
2.2. MODELO DE EXECUÇÃO DIRETA OU IMEDIATA
Uma segunda característica do modelo norte-americano é o sistema de execução "direta". Esse sistema tem por pressuposto uma simetria ou identificação plena entre as competências legislativa e administrativa, isto é: o ente federativo ao qual foram atribuídas determinadas competências de cunho legislativo será também competente para a execução dessa legislação (competência executiva ou administrativa). O inverso também é verdadeiro: se ao ente federativo foram atribuídas competências de caráter administrativo acerca de uma dada matéria, será também dele a competência legislativa para regulamentar essa matéria.
Com isso, não se permite no modelo norte-americano a possibilidade de a União Federal executar legislação estadual, valendo respectivamente a mesma norma de proibição aos Estados-membros em relação à legislação federal.
3. ENUMERAÇÃO EXPRESSA DAS COMPETÊNCIAS DA UNIÃO
3.1. ENUMERAÇÃO EXPRESSA POSITIVA
No texto original da Constituição de 1787 havia apenas uma menção expressa das competências da União Federal, deduzidas a partir do art. Art. I, Seção 1: "Todos os poderes legislativos conferidos por esta Constituição [à União Federal] serão confiados a um Congresso dos Estados Unidos, composto de um Senado e de uma Câmara de Representantes".
Ao intérprete cabe, portanto, num primeiro passo, buscar no restante do texto constitucional quando uma norma confere "poderes legislativos" à União Federal. Assim, por exemplo, no Artigo I, Seção 8, inciso 18 da Constituição de 1787 lê-se ser da competência do Congresso (Federal) "elaborar todas as leis necessárias e apropriadas ao exercício dos poderes acima especificados e dos demais que a presente Constituição confere ao Governo dos Estados Unidos, ou aos seus Departamentos e funcionários". Por "poderes acima especificados" compreende-se então a competência para regular as matérias enumeradas nos 17 incisos anteriores, tais como por exemplo "lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados-Unidos" (inciso 1), "regular o comércio com as nações estrangeiras, entre os diversos estados, e com as tribos indígenas" (inciso 2), "uma norma uniforme de naturalização, e leis uniformes de falência para todo o país" (inciso 3), "cunhar moeda e regular seu valor" (inciso 5), "estabelecer agências e estradas para o serviço postal" (inciso 7). Já por meio da expressão "dos demais que a presente Constituição confere" tem-se que toda outra e qualquer atribuição de matéria administrativa à União Federal em norma esparsa da Constituição de 1787 significa atribuição concomitante da respectiva competência legislativa para regulação dessa matéria administrativa pela União Federal.
3.2. ENUMERAÇÃO EXPRESSA NEGATIVA
Nos incisos 1 a 3 da Seção 10 do Artigo I, a Constituição de 1787 arrola uma série de atribuições que são expressamente vedadas aos Estados-membros – e com isso, via argumento a contrario sensu, as reconhece como competências atribuídas à União Federal. Ali, por exemplo, vem dito que "nenhum Estado poderá participar de tratado, aliança ou confederação; conceder cartas de corso; cunhar moeda; emitir títulos de crédito;..." (inciso 1).
Em resumo tem-se que a Constituição de 1787 enumera sempre de modo expresso (positiva ou negativamente) a competência da União Federal.
4. COMPETÊNCIA NÃO-EXPRESSA (RESIDUAL) DOS ESTADOS
Em seu texto originário a Constituição norte-americana de 1787 não previa qual a competência legislativa dos Estados-membros. Por outro lado, essa omissão obedecia a uma lógica já formulada por James Madison no Capítulo XLV de "O Federalista": "Os poderes atribuídos ao governo federal pela Constituição proposta são poucos e expressos. Aqueles que deverão remanescer com os Estados-membros são numerosos e indefinidos". Logo, todos as competências legislativas ou administrativas não arroladas expressamente (de modo positivo ou negativo) na Constituição como de competência da União Federal estariam implícita ou residualmente atribuídas aos Estados-membros.
Com a Emenda Constitucional nº 10 esse princípio da competência residual dos Estados-membros passou a ser previsto de modo expresso: "Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem por ela negados aos Estados-membros, são reservados aos Estados-membros ou ao povo".
5. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS ("doctrine of implied powers")
O risco prático provocado pela adoção de um sistema de competência residual e implícita em favor dos Estados-membros é o de ficarem petrificadas, em sua formulação original, as competências da União Federal. Seguindo-se essa lógica, é conduzida automaticamente para a competência dos Estados-membros toda a regulamentação derivada do surgimento de novos temas ou matérias que inexistiam ao tempo da entrada em vigor da Constituição de 1787 e que foram basicamente produtos da Revolução Industrial lato sensu, como, por exemplo, a energia elétrica, o petróleo, a energia nuclear, a biotecnologia etc.
A teoria dos poderes implícitos é criação da Suprema Corte e que permite então reconhecer como de competência da União matérias que originariamente não foram a ela atribuídas de modo expresso pelo Constituinte, mas que, em vista da evolução histórica, estariam “razoavelmente sugeridas pela Constituição” em favor da União, desde que "necessárias e apropriadas" para a consecução das competências federais. Essa teoria deriva da interpretação do item 18 da Seção 8 do Artigo 1° da Constituição, que diz: "Será da competência do Congresso Federal: (...) elaborar todas as leis necessárias e apropriadas ao exercício dos poderes acima especificados e dos demais que a presente Constituição confere ao Governo dos Estados Unidos, ou aos seus Departamentos e funcionários". De mais a mais, ainda na interpretação da Corte Suprema, seria da essência da Constituição ser um conjunto (somente) de normas gerais e básicas, sendo impossível prever e descrever tudo de modo pormenorizado na Constituição, inclusive quanto à sistemática da repartição de competências entre União Federal e Estados-membros.
A teoria dos poderes implícitos foi exposta pela primeira vez na Suprema Corte no caso McCullock vs. Maryland (1819). Ali se discutiu se era possível que a União criasse um Banco Central, competência essa não prevista expressamente na Constituição de 1787. Nessa decisão, afirmou então o Chief-Justice John Marshall: "Entre os poderes enumerados [da União], não encontramos aquele de estabelecer um banco ou criar uma corporação. Mas não há frase na Constituição, que, como nos artigos da [extinta] Confederação, exclua poderes incidentais ou explícitos, o que requer que cada coisa conferida seja expressa e minuciosamente descrita. (...) Uma Constituição, para conter um detalhe acurado de todas as subdivisões que seus grandes poderes admitirão e de todos os meios pelos quais podem ser levados à execução, equivaleria a ter a prolixidade de um código legal e dificilmente poderia ser pensada pela mente humana. Provavelmente nunca seria compreendida pelo público. Sua natureza, portanto, requer que apenas as grandes diretrizes sejam determinadas, seus objetos importantes designados, e os ingredientesmenores que compõem aqueles objetos sejam deduzidos da natureza dos próprios objetos. (...) acreditamos que a interpretação correta da Constituição deve permitir ao Legislativo federal aquela discrição, com respeito aos meios pelos quais os poderes que ela confere devam ser postos em execução, o que capacitará aquele Corpo a realizar os altos deveres que lhe foram designados, da maneira mais benéfica ao povo. Seja o fim legítimo, esteja ele dentro do escopo da Constituição, e então todos os meios que não forem proibidos, mas forem consoantes à letra e ao espírito da Constituição, serão constitucionais”. 
Via adoção da teoria dos poderes implícitos a Corte Suprema concluiu que a União Federal tinha competência para criar um Banco Central. A rigor, portanto, é o uso da teoria dos poderes implícitos que não permite que as competências (enumeradas) da União Federal sejam interpretadas de modo exclusivamente literal e/ou gramatical e, portanto, permite uma interpretação "evolucionista" do texto da Constituição de 1787 em favor da União, acompanhando, com isso, as transformações sociais, políticas e econômicas norte-americanas.
PARTE II - MODELO FEDERAL ALEMÃO
1. FUNDAMENTOS HISTÓRICOS
A descentralização política é uma tônica na história constitucional alemã. Não obstante a origem nacional comum dos povos germânicos, desde o Sacro Império Romano-Germânico (co)existia sob ele em realidade uma Confederação de Estados monárquicos e republicanos, bem como, posteriormente, a partir da Reforma de Lutero, uma divisão, com reflexos no jogo político, entre Estados protestantes e católicos. Sem demais retroceder na análise histórico-jurídica, a Alemanha iniciou o séc. XIX sob uma forma muito peculiar de confederação, a Liga Alemã ("Deutscher Bund"), fundada com o Congresso de Viena de 1815 e que incluía grandes Impérios (como o prussiano e o austríaco), um grande número de territorialmente pequenos Estados de índole ainda feudal (como Ducados e Principados) e ainda Cidades-Estado republicanas, como Bremen, Hamburgo e Lübeck. A guerra de 1866 entre Prússia e Áustria provoca a saída desta última da Liga Alemã, e, em 1871, sob a supremacia prussiana, é fundado o "Reich" alemão ("Deutsches Reich"), fato político que marca também a chamada "unificação" da Alemanha. Também o "Reich" incluía desde Estados monárquicos a Cidades-Estado republicanas, e a doutrina juspublicística da época discutia se esse multifacetado "Reich" constituía também uma "autêntica" federação, sem que todavia houvesse chegado a um consenso.
A I Guerra Mundial terá para a Alemanha, dentre tantas conseqüências, a proclamação da República em 1918, a qual tomou forma político-jurídica na Constituição de Weimar de 1919 ("Weimarer Reichsverfassung"), também a primeira Constituição democrática alemã. Essa Constituição, seguindo a tradição alemã, preservou a forma de Estado descentralizado, com uma Federação ("Bund") constituída pela união dos "Länder" (Estados-membros).
O federalismo ressurge após o horror nazista. A Lei Fundamental de Bonn de 1949 ("Grundgesetz") foi promulgada como uma Constituição provisória (daí porque o uso oficial da expressão "Lei Fundamental" em vez de "Constituição"), que criou a República Federal da Alemanha ("Bundesrepublik Deutschland") e que deveria vigorar no território até então ocupado pelas forças militares inglesas, norte-americanas e francesas ("Alemanha Ocidental"). Segundo suas disposições originais, a Lei Fundamental deveria vigorar somente até que a Alemanha voltasse a se reunificar, quando então seria substituída por uma autêntica Constituição para todos os alemães. Com a derrocada do regime comunista, a República Democrática Alemã ("Deutsche demokratische Republik") solicitou seu ingresso na República Federal da Alemanha, o que ocorreu formalmente em 31.08.1990 com a assinatura do Tratado de Reunificação da Alemanha ("Einigungsvertrag"), o qual entrou em vigor em 03.10.1990. Antes provisórias, desse momento em diante, porém, tanto a Lei Fundamental de Bonn de 1949 quanto a República Federal da Alemanha tornaram-se definitivas, uma vez que a reunificação do povo alemão estava realizada.
2. FUNDAMENTOS DOGMÁTICO-JURÍDICOS - MODELO COOPERATIVO FLEXÍVEL
O modelo de federalismo alemão, cuja linhas básicas já estavam na Constituição de Weimar e foram mantidas na atual Lei Fundamental, opõe-se fortemente ao modelo de federalismo norte-americano, uma vez que aquele tem por base um sistema de federalismo "cooperativo". Este sistema de federalismo cooperativo permite, por um lado, a delegação de competências entre União e Estados-membros bem como, por outro lado, um sistema de execução legislativa indireto, é dizer: Estados-membros podem, em determinados casos, executar a legislação federal.
3. REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS
O princípio geral de repartição de competências legislativas entre União e Estados-membros é semelhante ao modelo norte-americano. Assim, vem dito no art. 70 da Lei Fundamental que, se a Lei Fundamental não houver atribuído à União uma determinada competência legislativa, ela é de ser reconhecida como atribuída aos Estados-membros.
Mas isso significa dizer também que a promulgação de uma lei pela União pressupõe que ela justifique o exercício dessa função legislativa em um dispositivo expresso ou específico da Lei Fundamental. A contrario sensu vigora, em favor dos Estados-membros, uma presunção genérica de competência para o exercício da função legislativa sempre que não houver na Lei Fundamental uma disposição expressa de competência em favor da União.
A Lei Fundamental estabelece expressamente quatro diferentes modalidades de repartição de competências legislativas entre União e Estados-membros: privativa, concorrente, para diretrizes gerais e para normas de princípios. Mas ao lado de tais modalidades expressas, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão reconhece duas outras modalidades de repartição de competências legislativas implícitas ou não-expressas em favor da União.
3.1. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA
Tem-se competência legislativa privativa da União Federal ("ausschlieβliche Gesetzgebungskompetenz"�) quando a matéria regulanda deve em princípio ser regrada por meio de lei federal. Mas o art. 71 da Lei Fundamental permite que uma lei federal, desde que o faça de modo expresso, delegue essa competência aos Estados-membros. Inexistente uma tal lei federal delegatória, descabe aos Estados-membros exercer motu proprio uma tal competência.
No art. 73 da Lei Fundamental vêm depois arroladas as matérias que são objeto dessa competência legislativa privativa, como, por exemplo, relações exteriores (inciso 1), nacionalidade (inciso 2), moeda e sistema de pesos e medidas (inciso 4), tráfego aéreo (inciso 6), serviço postal e telecomunicações (inciso 7) etc. O art. 73 da Lei Fundamental não esgota os temas e matérias submetidos à competência legislativa privativa da União. É que também constituem competência legislativa privativa da União Federal todos os casos específicos previstos em normas constitucionais esparsas que requerem uma "lei federal" ("Bundesgesetz") para regular uma dada matéria.
3.2. COMPETÊNCIA LEGISLATICA CONCORRENTE
A competência legislativa concorrente ("konkurrierende Gesetzgebungskompetenz") tem suas normas gerais fixadas no art. 72 da Lei Fundamental. A rigor, a expressão competência "concorrente" dá a idéia de que tanto a União quanto os Estados-membros podem simultaneamente legislar acerca de uma mesma matéria. Isso, porém, não ocorre na prática, não somente porque existem pressupostos para o exercício dessa competência tanto em relação à União quanto em relação aos Estados-membros, quanto porque as normas de solução de conflitos entre legislação federal e legislação estadual não permitem a coexistência de ambas simultaneamente, isto é: haverá sempre apenas uma norma válida a ser aplicável aos casos concretos.
O primeiro pressuposto é de caráter temporal. No âmbito da competência concorrente a competêncialegislativa é atribuída em princípio à União. Se entrementes a União não faz uso dessa competência, podem os Estados-membros regular in totum toda matéria que não foi objeto de lei federal (art. 72, parágrafo 1, LF). Por outro lado, a promulgação de uma lei federal sobre uma dada matéria significa ao mesmo tempo a vedação aos Estados-membros para que editem lei estadual sobre essa mesma matéria ("efeito barreira" - "Sperrwirkung"). Caso isso tenha anteriormente ocorrido, isto é: caso os Estados-membros já tenham editado leis estaduais porque a União havia permanecido até então inerte, vale nesse caso o princípio da primazia ou supremacia do Direito federal inscrito genericamente no art. 31 da Lei Fundamental: "Direito federal quebra direito estadual".
O segundo pressuposto é o da "cláusula de necessidade" ("Erforderlichkeitsklausel") prevista no art. 72, parágrafo 2 da Lei Fundamental. Esse dispositivo estipula que o exercício da competência concorrente pela União está condicionado à necessidade de se produzir iguais condições de vida no inteiro território federal ou à necessidade de manutenção das unidades jurídica e econômica em face da existência de interesse nacional subjacente. Depois, o art. 72, parágrafo 3 da Lei Fundamental permite que uma lei federal reconheça que para uma dada matéria não mais exista a necessidade de sua regulamentação por lei federal (em face do disposto no art. 72, parágrafo 2 da Lei Fundamental). Com a edição de uma tal lei de reconhecimento, a competência para regulação da matéria em causa transfere-se in totum para os Estados-membros.
No art. 74 da Lei Fundamental vêm depois arroladas as matérias que são objeto da competência legislativa concorrente. Elas constituem os ramos jurídicos por excelência como, por exemplo, no inciso 1 os Direitos civil, penal e da execução penal, da organização judiciária, processual, da advocacia e do notariado; no inciso 2 o registro civil, no inciso 3 os direitos de reunião e de associação, no inciso 11 o Direito econômico; no inciso 12 o Direito do trabalho; no inciso 21 os Direitos marítimo, lacustre e fluvial; no inciso 25 a responsabilidade do Estado etc. Também em outras normas específicas e esparsas na Lei Fundamental encontram-se outros casos de competência legislativa concorrente.
3.3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PARA DIRETRIZES GERAIS
A respeito da regulação de determinadas matérias cabe à União editar (somente) uma lei de diretrizes gerais ou, literalmente: "prescrições-moldura" ("Rahmenvorschriften") para os Estados-membros. Na literatura jurídica portuguesa essa espécie de lei é referida como “lei-quadro”. Os Estados-membros deverão depois, dentro dos limites estipulados nas diretrizes gerais, editar sua própria legislação a respeito da matéria. A lei federal de diretrizes gerais deve ainda fixar o prazo de realização obrigatória dessa legislação estadual (art. 75, parágrafo 3, LF).
Também no caso das leis de diretrizes gerais vigora a "cláusula de necessidade" do supra citado art. 72, parágrafo 3 da Lei Fundamental. Depois, uma vez que nesse caso a União estipula normas gerais para os Estados-membros, as normas da lei federal não são diretamente aplicáveis a casos concretos. Aplicável a casos concretos será sempre e tão-somente a norma contida na lei estadual ("eficácia indireta das normas de diretrizes gerais"). Por isso vem dito, por outro lado, no art. 75, parágrafo 2 da Lei Fundamental que "Somente em casos excepcionais se permite que prescrições-moldura contenham normas com detalhes específicos ou sejam diretamente aplicáveis".
Importante para uma posterior análise do caso brasileiro é a afirmativa feita em parte da doutrina alemã que a competência para edição de leis de diretrizes gerais nada mais constitui senão uma (sub)espécie de competência concorrente, uma vez que é reconhecido que a inexistência de uma lei federal de diretrizes gerais sobre uma determinada matéria permite que o Estado-membro possa regular in totum a matéria.
As matérias que podem ser objeto de leis de diretrizes gerais, são, dentre outras, o regime jurídico dos servidores públicos em geral (art. 75, inciso 1, LF); os princípios gerais do Direito universitário (inciso 2); caça, proteção da natureza e das paisagens (inciso 3); a proteção contra a evasão para o estrangeiro de bens que constituem patrimônio cultural alemão (inciso 6). Também aqui há normas específicas e esparsas na Lei Fundamental que submetem outras matérias ao sistema de diretrizes gerais.
3.4. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PARA NORMAS DE PRINCÍPIOS
A competência legislativa da União para edição de normas de princípios ("Grundsatzgesetzgebung") não se encontrava prevista no texto original da Lei Fundamental. Ela foi introduzida por meio de emenda constitucional em 1967. Essa modalidade de competência vale para dois casos distintos.
No primeiro caso, no âmbito do Direito do Orçamento Público, vem dito no art. 109, parágrafo 3 da Lei Fundamental que uma lei federal pode fixar conjuntamente para a União e para os Estados-membros princípios gerais válidos para o plano orçamentário anual, para o orçamento plurianual e para as leis de diretrizes orçamentárias.
No segundo caso, trata-se de matérias vinculadas a atividades comuns (isto é: desenvolvidas em conjunto) entre União Federal e Estados-membros. Então vem disposto no art. 91a da Lei Fundamental que a União Federal pode colaborar com os Estados-membros em atividades afetas a estes, caso essas atividades sejam significativas para a coletividade em geral e essa colaboração da União Federal seja necessária para a melhoria das condições de vida (locais).
As atividades in concreto vêm arroladas nos incisos desse mesmo art. 91a: construção e reforma de prédios universitários bem como clínicas universitárias (inciso 1); melhoria da estrutura econômica regional (inciso 2); melhoria da estrutura agrária e da proteção costeira (inciso 3).
O modo pelo qual vai-se dar essa colaboração entre a União e o(s) Estados-membro(s) bem como os princípios gerais para seu cumprimento pelas partes deverão ser regrados na lei federal (art 91a, parágrafo 2). Trata-se portanto da fixação de normas de princípio sobre convênios entre a União e os Estados-membros. Depois, a lei federal ainda deve determinar o procedimento e a criação de instituições ou órgãos para a realização de planejamentos conjuntos para a execução das atividades conveniadas. Grosso modo, o art. 91a, parágrafo 4, da Lei Fundamental permite deduzir que a colaboração da União se dá basicamente com a destinação da maior parte dos recursos orçamentários necessários para a execução das atividades conveniadas, cabendo a execução in concreto dessas atividades aos Estados-membros.
Comparada à competência para editar diretrizes gerais, a competência da União para editar normas de princípio é mais restrita, uma vez que neste último caso o conteúdo das normas terá necessariamente um caráter mais fluido, amplo e genérico do que diretrizes gerais. Depois, enquanto a legislação de diretrizes gerais dirige-se apenas para os Estados-membros, que estão depois obrigados a transpor seu conteúdo para o direito estadual (eficácia indireta), a legislação de princípios dirige-se direta e indistintamente tanto para a União Federal quanto para os Estados-membros.
3.5. COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS IMPLÍCITAS
A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão reconhece também a existência de duas outras modalidades de competências que não se encontram expressamente previstas na Lei Fundamental de Bonn, todas as duas em favor da União. A primeira modalidade é uma competência a partir "da natureza das coisas" ("aus de Natur der Sache"). Assim, por exemplo, a Lei Fundamental de Bonn não prevê expressamente quem é competente para regular sobre os dias de feriados nacionais, sobre os símbolos nacionais ou sobre a cidade ou lugar onde o governo federal terá sua sede. Porém, pela própria natureza das coisas, essa competência somente poderia ser federal. A competência a partir da naturezadas coisas constitui na prática uma (sub)espécie de competência privativa da União.
A segunda modalidade é a competência da União "por força da afinidade da matéria" ou "competência conexa por afinidade da matéria" ("kraft Sachzusammenhangs" ou "Annexkompetenz kraft Sachzusammenhangs"). Ela guarda profundas semelhanças com a teoria dos poderes implícitos da jurisprudência constitucional norte-americana. Assim, haverá competência federal para regulação de uma dada matéria quando esta guardar uma afinidade ou conexão anexa com uma matéria prevista expressamente como de competência legislativa da União. Sendo, por exemplo, competência expressa da União regular a organização e o funcionamento dos partidos políticos será também da União, por afinidade ou conexão da matéria, regular o direito de antena dessas entidades (i.e. acesso à propaganda gratuita nos meios de comunicação), o que exclui uma possível competência dos Estados-membros, os quais detêm a competência para regular a organização e o funcionamento dos meios de comunicação.
Por fim, distintamente da competência a partir "da natureza das coisas", a competência por força da afinidade ou conexa por afinidade da matéria pode constituir em favor da União tanto uma (sub)espécie de competência privativa quanto uma de competência concorrente.
4. REPARTIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS
Também quanto à sistemática de repartição de competências administrativas o modelo alemão se distancia profundamente do modelo norte-americano. É que, no modelo alemão, a regra geral está na assimetria entre a competência para legislar e a competência para executar as leis (ou: a regra geral é a da execução "indireta" da legislação). Assim, lê-se no art. 30 da Lei Fundamental que "o exercício das atribuições estatais bem como a concretização das tarefas estatais é competência dos Estados-membros, desde que a própria Lei Fundamental não disponha de modo contrário". Com isso, tanto a execução da legislação federal quanto a execução da legislação estadual são em princípio competência dos Estados-membros. As disposições de exceção a esse princípio geral da Lei Fundamental permitem depois reconhecer outras três modalidades de repartição das competências administrativas.
4.1. EXECUÇÃO ESTADUAL DE LEGISLAÇÃO FEDERAL EM NOME PRÓPRIO
Ao detalhar o funcionamento da regra geral do art. 30 da Lei Fundamental, o art. 83 LF diz que os Estados-membros executam a legislação federal como se sua própria fosse, desde que a própria Lei Fundamental não disponha de modo contrário ("execução em nome próprio"). O fato de os Estados-membros executarem a legislação federal em nome próprio significa dizer que cabe aos Estados-membros editar os respectivos regulamentos ("Verwaltungsvorschriften") que disciplinam a Administração Pública na execução da lei federal. Assim, a União não pode emitir regulamentos ou mesmo ordens administrativas individuais para execução de lei contra os Estados-membros, de modo a estipular como a respectiva legislação federal deve ser concretizada. Nesse contexto, a União pode somente verificar se os Estados-membros não estão editando regulamentos ou atos administrativos concretos para execução de lei que atentem contra o disposto na legislação federal. Trata-se portanto (somente) de um direito de fiscalização ou de controle de legalidade ("Rechtsaufsicht").
Excepcionalmente, porém, o art. 84, parágrafo 5º da Lei Fundamental diz que uma lei federal, desde que ratificada pelo Conselho Federal dos Estados-membros ("Bundesrat"), órgão mais ou menos equivalente ao nosso Senado Federal (enquanto órgão federal de representação dos Estados-membros na Federação), pode permitir que o Governo Federal, em casos especiais, edite "ordens individuais" ("Einzelweisungen") de como deve se dar a execução da lei federal pelos Estados-membros.
4.2. EXECUÇÃO ESTADUAL DE LEGISLAÇÃO FEDERAL POR ENCARGO
A competência de execução estadual de legislação federal por encargo ("Auftragsverwaltung") encontra-se prevista genericamente no art. 85 da Lei Fundamental. Em oposição à modalidade de execução de legislação federal em nome próprio, aqui os Estados-membros executam a legislação federal sob regulamentos editados pela própria União Federal. Logo, nesse caso também as normas para execução das leis são editadas pela União Federal. Os casos concretos em que tal possibilidade pode ocorrer encontram-se depois regulados em dispositivos específicos e esparsos da Lei Fundamental, como, por exemplo, no caso da execução da legislação federal sobre produção e uso de energia atômica para fins pacíficos (art. 87c LF).
4.3. EXECUÇÃO DIRETA OU IMEDIATA DA LEGISLAÇÃO FEDERAL PELA UNIÃO
A execução direta ou imediata da legislação federal pela própria Administração federal vem regrada no art. 86 da Lei Fundamental. Com isso, toda a edição das normas administrativas de fiel execução das leis (regulamentos de execução e demais instruções administrativas) é também competência da própria Administração Pública federal. O mesmo dispositivo fundamenta ainda de modo expresso a criação de entidades da Administração Pública indireta bem como a estruturação interna (princípio da hierarquia) tanto da Administração Pública direta quanto indireta. Quantitativamente, o sistema de execução direta ou imediata dá-se somente em um pequeno número de casos, o que tem por conseqüência prática que a estrutura orgânica da Administração Pública federal é diminuta, se comparada à ampla e diversificada estrutura orgânica das Administrações Públicas estaduais.
4.4. EXECUÇÃO MISTA
O sistema de execução mista ("Mischverwaltung") é aquele onde a execução da legislação pode dar-se conjuntamente pelas Administrações Públicas federal e estaduais. Ela vem permitida na Lei Fundamental somente para casos muito específicos, como no caso do uso conjunto de forças policiais durante a vigência de Estado de Necessidade (art. 91a LF) ou no âmbito da Administração fazendária (art. 108, parágrafo 2, frase 3).
Em resumo para o caso alemão, e novamente em oposição ao modelo norte-americano, tem-se que as competências expressas para legislar da União Federal são extensas, abrangendo, grosso modo, os principais ramos do Direito. É então possível afirmar que tanto quantitativa quanto qualitativamente a maior parte da legislação alemã é federal. Por outro lado, em face da regra geral da execução indireta ou mediata do art. 30 da Lei Fundamental, a execução dessa legislação federal constitui, na sua maior parte, competência dos Estados-membros. Tem-se, com isso, uma produção centralizada de legislação, mas, por outro lado, execução de lei descentralizada. Essa peculiaridade da assimetria entre competência legislativa e competência administrativa é a característica mais típica o modelo federal cooperativo alemão.
PARTE III – MODELO FEDERAL BRASILEIRO ATUAL – CF 1988
1. INTRODUÇÃO
Desde a CF 1934, em maior ou menor extensão, as Constituições brasileiras misturam o modelo norte-americano com o modelo alemão de repartição de competências. A CF 1988 não foge à regra. A doutrina majoritária afirma (discutivelmente) que "o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal [brasileiro] é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local." (José Afonso da Silva, Curso, p. 476; cf. tb. Alexandre de Moraes, Direito constitucional, p. 287; André Ramos Tavares, Curso, p. 748 e 749).
Ocorre que a "predominância do interesse" não justifica aprioristicamente por que a legislação sobre direito civil ou penal (art. 22, I, CF 1988) deva ser nacional, bastando ver o exemplo dos EUA, onde se considera os direitos civil e penal como matérias de interesse estadual. Assim, a teoria do interesse diz tudo e não diz nada, vez que ela é variável no tempoe no espaço. Logo: será de interesse nacional aquilo que o Constituinte entendeu devesse ser considerado como tal; será de interesse estadual aquilo que o Constituinte entendeu devesse ser considerado como tal. Apenas que tal resultado não se explica pela "predominância" do interesse (o que seria um critério ideal e abstrato), mas sim pela mera conveniência política do Constituinte (que é um critério pragmático e concreto).
Depois, o simples fato de aos Estados-membros caber (residualmente) toda e qualquer competência que não for da União ou dos Municípios (cf. art. 25, § 1º, CF 1988), também invalida a teoria da predominância do interesse. Se a predominância do interesse fosse o verdadeiro critério, então a cláusula do art. 25, § 1º, CF 1988 jamais poderia legitimar o exercício de uma competência residual pelo Estado-membro se a matéria fosse predominantemente de interesse nacional. A adoção de um critério de (mera) residualidade em favor dos Estados-membros é a própria negação da teoria da predominância do interesse. Isso explica inclusive porque a Suprema Corte norte-americana teve de formular a teoria dos "poderes implícitos" para contrabalançar, no direito norte-americano, o fato de que todo novo tema ou matéria passível de regulamentação e que surja com o progresso técnico e científico e que era desconhecido ao tempo da edição da Constituição americana de 1787 caísse automaticamente na competência residual dos Estados-membros. 
A rigor, em relação à predominância do interesse, o próprio Constituinte, ao estabelecer as competências expressas da União, é que definiu o que é de interesse nacional. Por outro lado, o Constituinte permite que a a teoria da predominância do interesse (local) fundamente somente o caso da competência dos Municípios brasileiros (art. 30, I, CF 1988). Não sendo caso de competência expressa da União (mesmo que tácita, via poderes implícitos) e não sendo caso de interesse local (municipal), então a competência é residual dos Estados-membros. Nesse contexto, a teoria da predominância do interesse não tem como valer como cláusula geral para completar lacunas, vez que a cláusula geral é a da competência residual dos Estados-membros.
2. COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS
2.1. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EXCLUSIVA DA UNIÃO
Competência "exclusiva" é competência indelegável a terceiros, somente quem a recebe pode exercê-la. A competência legislativa exclusiva da União está no art. 48, CF 1988. Seguindo o modelo norte-americano, quando os incisos desse art. 48 enumeram temas ou matérias de atribuição do Congresso Nacional que deverão ser regradas mediante lei (expressão "com sanção do Presidente da República", que é o ato que transforma um projeto de lei em lei), então pela via do argumento a contrario sensu isso também significa que as Assembléias Legislativas estaduais jamais podem legislar sobre essas mesmas matérias – logo, só a União pode legislar sobre as matérias do art. 48, CF 1988 ("reserva de lei federal" ou "reserva de lei nacional").
O caráter de exclusividade dessa competência se revela pela falta de uma previsão expressa no art. 48 que conceda poderes à União para delegar aos Estados-membros essa competência legislativa, i.e., que permita à União autorizar os Estados-membros a legislar sobre as matérias do art. 48, CF 1988.
De competência legislativa exclusivamente federal são também todos os temas e matérias arroladas nos incisos dos arts. 49 (regradas mediante decreto legislativo), 51 (regradas mediante resoluções da Câmara dos Deputados) e 52 (regradas mediante resoluções do Senado Federal).
2.2. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO
Competência "privativa" é competência delegável a terceiros, quem a recebe pode entregá-la, por tempo certo ou incerto, a terceiros. A competência legislativa privativa da União Federal está regrada no art. 22 da CF 1988. O art. 22, parágrafo único (seguindo o modelo alemão) dispõe que "lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo" – uma vez que a delegação só pode versar sobre "questões específicas das matérias", inexiste a possibilidade de uma normatização plena e ampla das matérias por parte dos Estados-membros. Se a União delegar aos Estados-membros, de modo pleno e amplo, a legislação sobre uma dada matéria, essa delegação será inconstitucional.
Exemplo de delegação inconstitucional (delegação plena e ampla): "Com base no art. 22, parágrafo único, c/c inciso I, da CF 1988, ficam os Estados-membros autorizados a legislar sobre direito penal."
Exemplo de delegação constitucional (delegação sobre questão específica): "Com base no art. 22, parágrafo único, c/c inciso XI, da CF 1988, ficam os Estados-membros autorizados a legislar sobre atividades de transporte terrestre de frete de mercadorias que não ultrapassem as fronteiras estaduais."
Todavia, ao que consta jamais a União editou uma lei complementar de delegação legislativa aos Estados-membros. De facto a legislação vigente sobre todas as matérias do art. 22, CF 1988 foi, e é, até o presente momento, inteiramente promulgada pela própria União, o que também comprova (dado o teor das matérias ali elencadas – veja-se, para exemplo, apenas o inciso I) que a federação brasileira se caracteriza por uma ampla centralização legislativa na competência da União, contrastando isso de modo claro com o modelo federal adotado nos EUA, por exemplo, onde a maior parte das competências legislativas é dos Estados-membros. Nesse contexto, o modelo brasileiro sobre competência legislativa aproxima-se do modelo alemão, onde também se verifica uma forte centralização das competências legislativas na União, em detrimento dos Estados-membros.
STF (ADIn 4.701, in Notícias STF, 13.08.2014) Lei de PE que estabelecia prazo para plano de saúde autorizar exame é inconstitucional - Na sessão Plenária desta quarta-feira (13), o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade da Lei pernambucana 14.464/2011, que impôs às operadoras de planos de saúde que atuam no estado prazo máximo para autorizarem ou não os exames solicitados pelos médicos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o tema (ADI 4701) foi ajuizada pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) sob o argumento de que a lei impugnada configura usurpação da competência da União para legislar sobre Direito Civil e seguros. O governo estadual alegou que a lei tratava de defesa de direito do consumidor. Em voto pela procedência da ação, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que, embora a jurisprudência do STF excepcione as hipóteses em que esteja envolvido direito do consumidor, na lei questionada existe claramente uma intervenção em matéria contratual, relacionada a Direito Civil, e ainda em matéria relativa a seguros, ambas de competência exclusiva da União. “Estou julgando procedente o pedido por invasão da competência da União em Direito Civil e seguros”, assinalou o ministro. A Lei Estadual 14.464/2011 impôs prazos variados para a autorização ou não dos exames de acordo com a faixa etária dos pacientes. Para pessoas idosas (acima de 60 anos), esse prazo era de 24 horas.  Quando o paciente for criança (até 12 anos) ou adolescente (entre 12 e 18 anos), o plano de saúde tinha prazo máximo de 48 horas para dar a resposta. Para adultos (acima de 18 anos), o prazo era de 72 horas.
STF (ADIn 1.623, in Informativos STF nº 619 e 623) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL. ESTACIONAMENTO EM LOCAIS PRIVADOS. COBRANÇA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 22, I DA CONSTITUIÇÃO. Esta Corte, em diversas ocasiões, firmou entendimento no sentido de que invade a competência da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I da CF/88) a norma estadual que veda a cobrança de qualquer quantia ao usuário pela utilização de estabelecimento em local privado (ADI 1.918, rel. min. Maurício Corrêa; ADI 2.448, rel. Min. Sydney Sanches; ADI 1.472, rel. min. Ilmar Galvão). Ação diretade inconstitucionalidade julgada procedente.
STF (ADIn 3.121, in Informativos STF nº 619 e 623) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL. RESERVA DE ESPAÇO PARA O TRÁFEGO DE MOTOCICLETAS EM VIAS PÚBLICAS DE GRANDE CIRCULAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. ART. 22, XI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. A lei impugnada trata da reserva de espaço para motocicletas em vias públicas de grande circulação, tema evidentemente concernente a trânsito. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade formal de normas estaduais que tratam sobre trânsito e transporte. Confira-se, por exemplo: ADI 2.328, rel. min. Maurício Corrêa, DJ 17.03.2004; ADI 3.049, rel. min. Cezar Peluso, DJ 05.02.2004; ADI 1.592, rel. min. Moreira Alves, DJ 03.02.2003; ADI 2.606, rel. min. Maurício Corrêa, DJ 07.02.2003; ADI 2.802, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 31.10.2003; ADI 2.432, rel. Min. Eros Grau, DJ 23.09.2005. Configurada, portanto, a invasão de competência da União para legislar sobre trânsito e transporte, estabelecida no art. 22, XI, da Constituição federal. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual paulista 10.884/2001.
STF (ADIn 3.277, in Informativo STF nº 462) ADI e Loteria Estadual - Na linha do entendimento fixado pela Corte no sentido de que incumbe privativamente à União legislar sobre sistema de sorteios, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da Lei 7.416/2003, do Estado da Paraíba, que dispõe sobre o serviço de loterias no âmbito daquela unidade federativa e dá outras providências. Asseverou-se, também, que, embora o diploma questionado discipline a exploração da atividade lotérica instituída pela Lei estadual 1.192/55 - de época em que facultada, pela legislação federal (DL 6.259/44, art. 1º), a realização de tais sorteios pelos Estados-membros -, esta lei não estaria sob análise no caso. Ademais, ressaltou-se que a inclusão, pela Lei 7.416/2003, do jogo do bingo e de outras modalidades de sorteio impensáveis em 1955, demonstrariam a ausência de fonte normativa federal na espécie (DL 204/67). Vencido o Min. Marco Aurélio que julgava improcedente o pleito, reportando-se ao voto que proferira no julgamento da ADI 2847/DF (DJU de 26.11.2004). Outros precedentes citados: ADI 2948/MT (DJU de 13.5.2005); ADI 2995/PE (j. em 13.12.2006); ADI 2996/SC (DJU de 29.9.2006); ADI 3063/MA (DJU de 2.3.2007); ADI 3147/PI (DJU de 22.9.2006); ADI 3148/TO (j. em 13.12.2006); ADI 3189/AL (j. em 13.12.2006); ADI 3259/PA (DJU de 24.2.2006); ADI 3293/MS (j. em 13.12.2006).
STF (ADIn 3.193, Informativos STF nº 705 e 714) COMPETÊNCIA NORMATIVA – ESTADO-MEMBRO – REMISSÃO A LEI FEDERAL. A técnica da remissão a lei federal, tomando-se de empréstimo preceitos nela contidos, pressupõe a possibilidade de o estado legislar, de modo originário, sobre a matéria. COMPETÊNCIA NORMATIVA – ARMAS DE FOGO – APREENSÃO E DESTINAÇÃO. Cumpre à União disciplinar, de forma exclusiva, a destinação de armas de fogo apreendidas. Considerações e precedentes.
STF (ADIn´s 2.960, 3.708 e 2.137, in Notícias STF, 11.04.2013) ADIs contra leis estaduais sobre trânsito são procedentes - O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedentes três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2960, 3708 e 2137) ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra leis estaduais que versavam sobre questões de trânsito. Nos três casos, o fundamento adotado pelo relator, ministro Dias Toffoli, para a declaração da inconstitucionalidade das leis foi a invasão da competência privativa da União para legislar sobre o tema (artigo 22, inciso XI, da Constituição da República). Cinto se segurança - Na ADI 2960, a PGR questionava a Lei 10.521/95, do Rio Grande do Sul, que tornou obrigatório o uso de cinto de segurança nas vias urbanas públicas do estado e proibiu menores de dez anos de viajar no banco dianteiro dos veículos. A decisão nessa ADI foi unânime: todos os ministros entenderam que só a União pode legislar sobre o tema. Parcelamento de multas - No caso da ADI 3708, o questionamento se deu contra a Lei 8.027/2003 e o Decreto 3.404/2004, do Estado de Mato Grosso, que dispõem sobre o parcelamento de débitos de multas de trânsito. A lei foi julgada inconstitucional e, por arrastamento, também o decreto. A decisão foi por maioria: o ministro Marco Aurélio divergiu, por entender que o parcelamento “é um esforço do poder público para arrecadar as multas”, e a regra não trata de trânsito propriamente dito, mas sobre receita. O ministro Joaquim Barbosa seguiu a divergência. Cancelamento de multas - A terceira norma considerada inconstitucional foi a Lei 3.279/1999, do Rio de Janeiro, analisada na ADI 2137. A norma cancelou todas as multas aplicadas pelos órgãos responsáveis, em todas as rodovias do estado, a vans de transporte de passageiros. Também neste caso, a decisão se deu por maioiria, vencidos os ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa. Julgamento suspenso - Uma quarta ação (ADI 3327) teve o julgamento suspenso porque houve empate sem que nenhuma corrente alcançasse o mínimo de seis votos (os ministros Gilmar Mendes e Teori Zavascki não estavam em plenário). A ADI questiona duas leis do Espírito Santo (Leis 5.717/1998 e 6.931/2001) que permitem a utilização, pelas polícias civil e militar, de veículos apreendidos por terem tido sua numeração original adulterada e que, por isso, não podem ter sua procedência identificada. O relator, ministro Toffoli, e os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Luiz Fux votaram pela procedência da ADI e, consequentemente, pela inconstitucionalidade das leis. A ministra Cármen Lúcia abriu divergência e foi seguida pelos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Joaquim Barbosa.
STF (ADIn 3.035-PR e ADIn 3.054-PR, in Informativos STF nº 333, 382 e 405) Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a lei estadual paranaense de nº 14.162, de 27 de outubro de 2003, que estabelece vedação ao cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados. 2. Alegada violação aos seguintes dispositivos constitucionais: art. 1º; art. 22, incisos I, VII, X e XI; art. 24, I e VI; art. 25 e art. 170, caput, inciso IV e parágrafo único. 3. Ofensa à competência privativa da União e das normas constitucionais relativas às matérias de competência legislativa concorrente. 4. Ação Julgada Procedente. [Notícias STF, 06.04.2005: O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade da Lei estadual 14.162/03, do Paraná, que veda o cultivo, manipulação, importação, industrialização e comercialização de organismos geneticamente modificados (transgênicos). A decisão foi proferida no julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 3035 e ADI 3054) ajuizadas pelo  Partido da Frente Liberal (PFL) e pelo governador de Mato Grosso do Sul, respectivamente. O ministro-relator, Gilmar Mendes, confirmou o voto proferido na liminar deferida em dezembro de 2003. Segundo ele, o  estado do Paraná, ao disciplinar ações relativas aos transgênicos, invadiu matéria de competência privativa da União. "Verifica-se especial ofensa à competência privativa da União no que toca à disciplina sobre comercialização, importação e exportação e regime de portos", ressalta o ministro. De acordo com o ministro, a lei impugnada estabelece normas restritivas quanto ao cultivo, manipulação e industrialização de transgênicos mostrando preocupação de caráter sanitário e ambiental, questões sujeitas à disciplina concorrente da União e dos Estados. Mendes lembrou que a existência de outros atos normativos federais, que fixam disciplina geral sobre as matérias previstas na lei atacada, impediria a atuação legislativa do  Estado que impõe novas restrições. "Aplicada a lei estadual, restará obviamente prejudicada a eficácia do ato federal, que foi editadopara a solução de um problema que transcende a esfera de Estados singulares", finalizou o relator.]
2.3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE – NORMAS GERAIS E SUPLEMENTARES
Competência concorrente significa que uma dada matéria pode ser, simultaneamente, tanto objeto de regramento pela União 	quanto de regramento pelos Estados-membros e DF. Para que então não haja conflito de normas (i.e., normas federais e estaduais de diferente conteúdo sobre a mesma matéria), os §§ do art. 24 da CF 1988 dispõem sobre como essa competência concorrente se dinamiza. Assim, nas matérias do art. 24, a União edita "normas gerais" e os Estados-membros e o DF editam "normas suplementares", com a União portanto padronizando o regramento da matéria e Estados-membros e DF podem, desde que respeitando as normas gerais da União, editar regras com especificidades e detalhes acerca da mesma matéria – o "suplemento" (cf. art. 24, §§ 1º e 2º, CF 1988). 
Depois, enquanto a União não editar a legislação contendo as normas gerais, os Estados-membros e o DF têm competência plena de regramento (i.e., competência tanto para normas gerais quanto para as normas suplementares). Editadas pela União as normas gerais, com isso são revogadas as normas gerais de Estados-membros e DF (cf. art. 24, §§ 3º 3 4º, CF 1988).
Por outro lado, ainda não se chegou a uma construção consensual de parâmetros objetivos que possam balizar a distinção entre normas gerais e suplementares – trata-se de uma distinção baseada no conteúdo da norma, pressupondo uma dicotomia entre o todo e a parte, e com isso talvez mesmo indefinível de modo claro ou seguro (bastando lembrar que um todo sempre pode ser considerado como uma parte de algo mais amplo). Na jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal o resultado final tem sido às vezes aparentemente contraditório: o que aparenta ser geral tem sido considerado como suplementar e vice-versa�.
A dicotomia "normas gerais" e (pressupostamente) normas especiais ou específicas (normas suplementares) aparece ainda no art. 22, XXI e XXVII, Constituição de 1988. A diferença em relação ao caso do art. 24 é que aqui a concorrência para edição de normas especiais ou específicas dá-se não somente em favor dos Estados-membros e DF mas também em favor dos Municípios.
STF (ADIn 927, in RDA 200/193) Enquanto não sobrevier a legislação de caráter nacional [isto é: as normas gerais], é de admitir a existência de um espaço aberto à livre atuação normativa do Estado-membro, do que decorre a legitimidade do exercício, por essa unidade federada, da faculdade jurídica que lhe outorga o art. 24, § 3°, da Carta Política.
STF (ADIn 3.908, in DJU 10.03.2006) O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não cumulativa ou suple​mentar (art. 24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º). Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1º), poderão os Estados e o Distrito Federal, no uso da competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoá‑la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese, poderão os Estados e o Distrito Federal, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a competência legislativa plena ‘para atender a suas peculiaridades’ (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º). A Lei 10.860, de 31‑8‑2001, do Estado de São Paulo foi além da competência estadual concorrente não cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a CF, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º.
STF (ADIn 4.954, in Notícias STF, 20.08.2014) Plenário: lei que permite comercialização de produtos de conveniência em farmácias é constitucional - Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (20) que a Lei 2.149/2009 do Estado do Acre é constitucional. Essa norma permite a comercialização de artigos de conveniência em farmácias e drogarias, mas foi contestada pelo Ministério Público Federal (MPF) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4954. De acordo com o MPF, a norma teria desrespeitado a Constituição Federal no ponto em que prevê que cabe apenas à União legislar sobre normas de proteção à saúde. Além disso, sustentou que a norma teria desrespeitado a Resolução 328/1999 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que veda expressamente a venda desses artigos em drogarias e farmácias. Voto - O relator do caso, ministro Marco Aurélio, afirmou em seu voto que “autorizar a venda de produtos lícitos, de consumo comum e rotineiro, em farmácias e drogarias não atrai a aplicação dessa regra de competência legislativa para legislar sobre a saúde”. Isso porque, no entendimento do relator, a lei do Estado do Acre trata de comércio e não de saúde e, portanto, não invadiu competência da União. “Ao autorizar a venda de outros produtos em farmácias, o legislador estadual nada dispõe sobre saúde, e sim sobre o comércio local”, afirmou o relator ao destacar que, no caso da inexistência de norma específica, “remanesce a competência estadual para legislar sobre o tema”, conforme prevê o artigo 25, parágrafo 1º, da Constituição Federal. O ministro Marco Aurélio ainda acrescentou que a União, por meio da Lei 5.991/73, regulamentada pelo Decreto 74.170, estabeleceu normas gerais sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos e correlatos, “nada dispondo acerca da venda de bens de conveniência por farmácias e drogarias”. Em relação à resolução da Anvisa, ele discorreu que as agências reguladoras, como autarquias especializadas, estão submetidas ao princípio da legalidade estrita e podem regulamentar, mas não podem normatizar. Segundo ele, a Anvisa tem atuação regulatória, mas isso não a torna “titular de atribuição tipicamente legislativa de modo a poder expedir atos de hierarquia eventualmente superior às leis estaduais”. “Não há, portanto, incompatibilidade da norma impugnada com o comando constitucional que confere à União o poder legislativo quanto às normas gerais”, destacou. Proteção à saúde - Em seu voto, o relator ainda afirmou que o MPF pretende impor restrições à atividade comercial das farmácias e drogarias como forma de proteger o direito à saúde da população em geral e, em particular, daqueles que vierem a adquirir medicamentos e produtos farmacêuticos nesses estabelecimentos para evitar a automedicação. Para o relator, essa medida seria desproporcional por promover “desvantagens que superam em muito eventuais vantagens”. Ele citou como uma das vantagens o horário ampliado que drogarias e farmácias ficam abertas. “Não há implicação lógica entre a proibição da venda de produtos de conveniência e a prevenção do uso indiscriminado de medicamentos. Inexiste qualquer suporte empírico capaz de legitimar a pretensão do requerente”, afirmou ele ao lembrar de outros meios menos onerosos para se prevenir a automedicação como o controle de venda de remédios mediante receita médica, políticas de informações e campanhas de conscientização. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e pelo presidente eleito, Ricardo Lewandowski. A ação foi julgada com base no artigo 12 da Lei das ADIs (Lei 9.868/99), segundo o qual a relevância do tema justifica um rito abreviado e o julgamento direto do mérito, sem apreciação da liminar.
STF (ADIn 3.668, in DJU 19.12.2007) Lei 3.706/2006 do Distrito Federal, que dispõe sobre ‘a afixação de tabela relativa a taxas de juros e de rendimentos de aplicações financeiras pelas instituições bancárias e de crédito’. Usurpação da competência privativa da União para fixar normas gerais relativas às relações de consumo (CF, art. 24, V, §1º).
STF (ADIn 2.903, in DJe 19.09.2008) Se é certo, de um lado, que, nas hipóteses referidas no art. 24 da Constituição, a União Federal não dispõe de poderes ilimitados que lhe permitamtranspor o âmbito das normas gerais, para, assim, invadir, de modo inconstitucional, a esfera de competência normativa dos Estados‑membros, não é menos exato, de outro, que o Estado‑membro, em existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais (como a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, consubstanciada na LC 80/1994), não pode ultrapassar os limites da competência meramente suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo estadual incidirá, diretamente, no vício da inconstitucionalidade. A edição, por determinado Estado‑membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios mínimos legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela União Federal ofende, de modo direto, o texto da Carta Política. Precedentes.
STF (ADIn 3.062, in Informativos STF nº 599 e 623) Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Nomeação de Chefe de Polícia. Exigência de que o indicado seja não só delegado de carreira – como determinado pela Constituição Federal – como também que esteja na classe mais elevada. 3. Inexistência de vício de iniciativa. 4. Revisão jurisprudencial, em prol do princípio federativo, conforme ao art. 24, XVI, da Constituição Federal. 5. Possibilidade de os Estados disciplinarem os critérios de acesso ao cargo de confiança, desde que respeitado o mínimo constitucional. 6. Critério que não só se coaduna com a exigência constitucional como também a reforça, por subsidiar o adequado exercício da função e valorizar os quadros da carreira. 7. Ação julgada improcedente.
STF (ADIn 3.916, DJe 14.05.2010) Exame da constitucionalidade do disposto nos arts. 7º, I e III, e 13, da Lei distrital 3.669, de 13‑9‑2005, que versa sobre a criação da Carreira de Atividades Penitenciárias. (...) A competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente entre os entes da Federação, nos termos do disposto no art. 24, I, da CB/1988. A Lei distrital 3.669 cria a Carreira de Atividades Penitenciárias, nos Quadros da Administração do Distrito Federal, no âmbito da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do Distrito Federal. Não há inconstitucionalidade na criação, por lei distrital, de carreira vinculada ao governo do Distrito Federal. O Poder Legislativo distrital foi exercido no âmbito da parcela da compe​tência concorrente para dispor sobre direito penitenciário. Pedido julgado improcedente no que toca ao art. 7º, I e III, e procedente no que respeita ao art. 13, caput e parágrafo único, da Lei distrital 3.669/2005. 
STJ (RMS 19.524, in Informativo STJ nº 258) REGULAMENTAÇÃO. MEIA-ENTRADA. ESTUDANTE. Conforme dispõe o art. 24, § 3º, da CF/1988, não havendo lei federal que regulamente o pagamento da meia-entrada por estudante, o Estado-Membro é competente para disciplinar a questão. Assim, o Estado do Rio de Janeiro, ao editar a Lei estadual n. 2.519/1996, que posteriormente foi alterada pela Lei estadual n. 4.161/2003, não afrontou nenhum preceito constitucional. As limitações ao princípio da livre iniciativa do exercício de atividade econômica não chegaram a violar a CF/1988, uma vez que é função do Estado incentivar as atividades culturais e promover o bem-estar social (art. 216, § 3º, da CF/1988).
STF (ADIn 1.950, in Informativo STF nº 407 e Notícias STF, 03.11.2005) Meia-Entrada e Constitucionalidade - O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional do Comércio - CNC contra o art. 1º da Lei 7.844/92, do Estado de São Paulo, que assegura aos estudantes o pagamento de meia-entrada do valor cobrado para o ingresso em eventos esportivos, culturais e de lazer. Inicialmente, afastou-se a inconstitucionalidade formal alegada, ao fundamento de que os Estados-membros e o Distrito Federal, por força do disposto no art. 24, I, da CF, detêm competência concorrente para legislar sobre o direito econômico. Asseverou-se que, no caso, inexistindo lei federal regulando a matéria, o Estado-membro editou a lei em questão no exercício de competência legislativa plena (CF, art. 24, § 3º). Da mesma forma, foram rejeitados os argumentos quanto a vícios de inconstitucionalidade material. Esclareceu-se que, para que sejam realizados os fundamentos do art. 1º e os fins do art. 3º, da CF, é necessário que o Estado atue sobre o domínio econômico, sendo essa intervenção não só adequada, mas indispensável à consolidação e preservação do sistema capitalista. Considerou-se, destarte, que, se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto (CF, arts. 23, V; 205; 208; 215 e 217, § 3º), ressaltando que, na composição entre esses princípios e regras, há de ser preservado o interesse da coletividade. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso que julgavam procedente o pedido [Notícias: Os estudantes do estado de São Paulo continuarão pagando meia-entrada em espetáculos esportivos, culturais e de lazer. Por oito votos a dois, os ministros do Supremo julgaram improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1950) proposta pela Confederação Nacional do Comércio que questionava o artigo 1º da Lei estadual  nº 7844/92. O ministro-relator da ação, Eros Grau, afastou, inicialmente, a existência de inconstitucionalidade formal do dispositivo impugnado. Ele explicou que assim como a União pode intervir na economia, os Estados-membros e o Distrito Federal também detêm competência concorrente para legislar sobre direito econômico. Eros Grau ressaltou que não há na lei qualquer inconstitucionalidade material. Disse ser necessário que o Estado atue efetivamente sobre o domínio econômico que, além de adequado, é indispensável para consolidação e preservação do sistema capitalista de mercado. O ministro assinalou, ainda, que os preceitos da ordem econômica não podem ser interpretados isoladamente. “Se de um lado a Constituição Federal assegura a livre iniciativa, de outro determina que o Estado tome providências no sentido de garantir o exercício efetivo do direito à educação, cultura e ao desporto”, afirmou. O relator concluiu que, no caso, havendo colisão entre princípios, prevalece o interesse da coletividade.].
2.4. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO PARA DIRETRIZES GERAIS
Em comparação com o direito comunitário europeu, uma lei de diretrizes gerais tem a função similar àquela das diretivas nesse direito comunitário (cf. art. 249, § 3º do Tratado da União Européia). Assim, a finalidade de uma lei de diretrizes gerais é apontar e delimitar diferentes alternativas que podem ser adotadas (mediante uma lei baseada na lei de diretrizes) para a regulação de casos concretos – ela limita portanto a discricionariedade do legislador competente para a regulação desses casos concretos, no momento em que padroniza as escolhas possíveis por esse legislador.
Logo, em princípio as leis de diretrizes gerais não são diretamente aplicáveis a casos concretos, isto é: não atingem diretamente os indivíduos e/ou particulares em suas relações. Essas diretrizes gerais necessitam ser transpostas por lei específica ou para o Direito federal, ou para o estadual, ou para o municipal - e aplicável portanto aos casos concretos será essa lei específica (federal, estadual ou municipal).
A competência legislativa da União Federal para editar leis de diretrizes gerais encontra-se assistematicamente prevista em dispositivos esparsos da Constituição de 1988. São exemplos no texto da CF 1988:
Art. 21, XX – diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
Art. 21, XXI – princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;
Art. 22, IX – diretrizes da política nacional de transportes;
Art. 22, XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;
Art. 48, II c/c art. 165, II e § 2º – diretrizes orçamentárias;
Art. 174, § 1º - diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado;
Art. 182, caput – diretrizesgerais do planejamento urbano;
Art. 198, § 5º - diretrizes para os planos de carreira dos profissionais de saúde;
Art. 214 – diretrizes do plano nacional de educação;
Art. 216-A, § 1º - diretrizes do plano nacional de cultura. 
Um exemplo de lei de diretrizes gerais é a Lei n° 10.257, de 10.07.2001 ("Estatuto da Cidade"). Nesse Estatuto são fixadas as diretrizes gerais que cada Município deve obedecer ao editar a sua legislação respectiva sobre o tema “política do desenvolvimento urbano” e, portanto, os mecanismos e instrumentos previamente permitidos e/ou facultados aos Municípios para estabelecerem a sua legislação municipal específica de política do desenvolvimento urbano. Os mecanismos e instrumentos in concreto são então escolhidos pelo Município, dentre aqueles previstos no Estatuto da Cidade, e regulados nas leis urbanísticas municipais.
2.5. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO PARA NORMAS DE PRINCÍPIO
A rigor, uma competência da União Federal para promulgar legislação de princípios é referida somente no art. 21, XXI, CF 1988 ("princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação"). Por outro lado, se se levar em conta que a competência comum inscrita no art. 23 da Constituição tem sua fonte originária na sistemática de competência comum instituída por meio de emenda constitucional em 1967 à Lei Fundamental de Bonn, então seria de concluir-se, via argumentação histórico-genética, que a lei complementar reclamada no parágrafo único da CF 1988 deveria ser também uma lei federal sobre normas de princípio.
Por outro lado, a literalidade desse dispositivo afasta uma tal possibilidade de interpretação, uma vez que ali vem dito que essa lei complementar não se limitará apenas a prever princípios, senão fixar "normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional".
Ao lado disso, o que se observa no caso da CF 1988 é que o seu próprio texto, por variadas vezes, é que já prevê os princípios que regem uma dada matéria ou tema, e que devem, depois, necessariamente compor e/ou orientar a estrutura básica da legislação ordinária a respeito desse tema ou matéria:
Art. 21, XXIII – princípios relativos às atividades e instalações nucleares;
Art. 37, caput – princípios da administração pública;
Art. 93, caput – princípios para o Estatuto da Magistratura;
Art. 127, § 1º - princípios institucionais do Ministério Público;
Art. 134, § 4º - princípios institucionais da Defensoria Pública;
Art. 170, caput – princípios gerais da atividade econômica;
Art. 206, caput – princípios do ensino;
Art. 216-A, § 1º - princípios do Sistema Nacional de Cultura;
Art. 221, caput – princípios da produção e a programação das emissoras de rádio e televisão;
Art. 222, § 3º - princípios dos meios de comunicação social eletrônica;
Art. 226, § 7º - princípios do planejamento familiar;
Art. 227, § 3º, V – princípios do direito à proteção especial das crianças, adolescentes e jovens;
2.6. COMPETÊNCIA NÃO-EXPRESSA DA UNIÃO – TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS
A teoria dos poderes implícitos continua vigente na jurisprudência do STF, e com isso ela pode ser considerada como mais uma regra (tácita ou não-expressa) de competência em favor da União, embora não se trate de uma competência autônoma em relação às demais expressas e literais. 
A rigor, desde a perspectiva prática, a teoria dos poderes implícitos permite que uma norma literal ou expressa de competência da União possa ser lida de modo não-literal, ou seja, de modo mais que literal, rumo ao teleológico ou finalístico (pela via portanto de uma interpretação extensiva). A partir disso, reconhece-se em favor da União uma competência que não está expressamente no dispositivo normativo, mas que pode ser vista como implicitamente nele contida em razão da conexão da matéria ou da própria natureza das coisas.
STF (RE 23.611, in ADJ 12.11.1956, p. 2.079) CONSELHO DA DELEGACIA DO TRABALHO MARITIMO; Cabendo-lhe os serviços de inspeção, disciplina, navegação, policiamento, fiscalização da movimentação de carga e descarga, com a maior amplitude, nos portos, implicitamente, como decorrência lógica, há de caber-lhe o tabelamento de preço desses serviços. 
STF (RE 121.617, in DJU 06.10.2000 p. 96) Taxa de construção, conservação e melhoramento de estrada de rodagem. Artigos 212 a 215 da Lei nº 1.942/83 do Município de Votuporanga. Inconstitucionalidade. - Base de cálculo que é própria de imposto e não de taxa por serviços específicos e divisíveis postos à disposição do seu contribuinte. - Não tendo o município - uma vez que, em matéria de impostos, a competência implícita é da União - competência para criar tributos outros que não os que a Constituição lhe atribui, o imposto dissimulado pela taxa é inconstitucional. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se a inconstitucionalidade dos artigos 212 a 215 da Lei nº 1.942, de 22.12 .83, do Município de Votuporanga (SP).
2.7. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EXCLUSIVA DOS MUNICÍPIOS – INTERESSE LOCAL 
A Constituição de 1988 não diz expressa ou literalmente no art. 30, I que a cláusula geral "interesse local" confere aos Municípios um âmbito de competência legislativa exclusiva. Isso se infere porém tanto pelo argumentação sistemática quanto pela histórica. Em argumentação sistemática, somente no caso do art. 30, II o Município regula temas ou matérias que não são de sua competência originária (competência "suplementar"). Logo, a contrario sensu, é exatamente o art. 30, I é que lhe confere essa competência originária. Depois, o modo de atribuição literalmente direta de uma competência ("Compete aos Municípios...") remete ao modelo de redação norte-americano e, portanto, ao sistema de competência exclusiva. Assim, no âmbito do interesse local a competência legislativa municipal é não somente indelegável como também inusurpável seja pela União Federal seja pelos Estados-membros.
Depois, é de referir-se que a cláusula geral "interesse local" possui caráter subsidiário, isto é: somente é de verificar-se a sua aplicabilidade quando não for possível deduzir diretamente do texto constitucional uma competência legislativa expressa e específica do Município, como, por exemplo, nos casos do art. 30, III a IX; art. 144, § 8; art. 156; art. 182, §§ 1° e 4° ou art. 211, § 2°, Constituição de 1988.
A tese da "predominância do interesse" (local) visa a estabelecer os pressupostos para se determinar quando há no caso concreto a incidência de um interesse local que permita ao Município legislar sobre o tema e, ao mesmo tempo, afastar a competência legislativa da União ou de Estado-membro. Ela foi formulada na década de 1920 do século passado pelo jurista Sampaio Dória (USP), e ainda é majoritariamente aceita na doutrina e jurisprudência brasileiras.
Segundo Hely Lopes Meirelles (Direito municipal brasileiro, 12ª ed., p. 109/110): "Interesse local não é interesse exclusivo do Município; não é interesse privativo da localidade; não é interesse único dos munícipes. (...) Mesmo porque não há interesse municipal que não o seja reflexamente da União e do Estado-membro, como, também, não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos Municípios, como partes integrantes da Federação brasileira. O que define e caracteriza o "interesse local", inscrito como dogma constitucional, é a predominância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União. Ninguém melhor do que o eminente professor Sampaio Dória soube realçar esse conceito, em lição que não se pode olvidar, referindo-se, à época, ao "peculiar interesse" (hoje, interesse local): "Peculiar não é nem pode ser equivalente a privativo. Privativo, dizem dicionários, é o próprio de alguém, ou de alguma coisa, de sorte que exclui a outra da mesma generalidade, uso, direito. A diferença está na idéia de exclusão: privativo importa exclusão, e peculiar, não. A ordem pública de um Estado é seu interesse peculiar, mas é também interesse

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