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Quantidade de “enter” para posicionar o cabeçalho, apague em seguida <> <<> UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE <> <> <> <> <> A TERAPIA DE FAMÍLIA NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR <> <> <> Por: Maria Regina Rodrigues Gonçalves <> <> <> Orientadora Profa. Fabiane Muniz Niterói 2009 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE <> <> <> <> <> <> A TERAPIA DE FAMÍLIA NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR <> <> <> <> <> Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Terapia de Família. Por: Maria Regina Rodrigues Gonçalves 3 AGRADECIMENTOS Agradeço à grande amiga Lailda Buarque de Holanda, que me incentivou para que eu fizesse este curso de pós-graduação. Pelo apoio e carinho sempre demonstrados, e que fizeram acreditar no meu potencial. 4 DEDICATÓRIA À minha família (meu esposo e minha filha), que, de modo incansável me estimulou enormemente para a realização deste trabalho. À ilustre professora, Fabiane Muniz, pela enorme contribuição à minha jornada de criação desta monografia. 5 RESUMO A violência doméstica e familiar contra a mulher é problema latente na sociedade mundial, representando uma das formas mais grave de violação dos direitos humanos. A Organização Mundial de Saúde – OMS, chega a tratar a questão como grave problema de saúde pública. A parte inicial da presente monografia procura apresentar o leitor à problemática da violência, trazendo conceituações e dados históricos sobre o problema. Posteriormente, busca-se demonstrar um panorama da violência doméstica no Brasil e no Mundo, apresentando-a como verdadeiro problema de saúde pública. O terceiro capítulo faz uma ampla análise da evolução legislativa no Brasil, sem a pretensão de esgotar o tema, evidenciando a crescente preocupação das autoridades com a saúde e proteção da mulher. O último capítulo, por sua vez, explora a terapia de família como um meio eficaz de recuperar a auto-estima de mulheres em situação de violência, bem como para possibilitar o diálogo com o agressor e a sua recuperação. 6 METODOLOGIA O método utilizado no presente trabalho foi, basicamente, de pesquisa bibliográfica, visando filtrar os dados relevantes do tema em livros e no vasto material disponível na internet, principalmente no que se refere a pesquisas sobre o tema abordado. Buscou-se, assim, alcançar um enfoque teórico para fundamentar e delimitar o objeto de investigação. A metodologia teve um caráter de pesquisa explorativa, haja vista a necessidade de aprofundar o assunto, por meio da análise da legislação brasileira básica, de Tratados Internacionais e de trabalhos e pesquisas na seara da psicologia, estabelecendo diretrizes para a tese argumentativa que se pretendeu defender. Como fonte de pesquisa básica, portanto, foi utilizado acervo bibliográfico nas áreas do direito e da psicologia, bem como estudos disponibilizados na Internet, promovendo o debate interdisciplinar pretendido na presente monografia. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..............................................................................................8 CAPÍTULO I - A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – ASPECTOS GERAIS.............................................10 CAPÍTULO II - O QUADRO BRASILEIRO E MUNDIAL DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.........................................................18 CAPÍTULO III – ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PROTETIVA DA MULHER EM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR.......22 CAPÍTULO IV – A CONTRIBUIÇÃO DA TERAPIA DE FAMÍLIA..................30 CONCLUSÃO...............................................................................................34 REFERÊNCIAS............................................................................................35 FOLHA DE AVALIAÇÃO...............................................................................37 8 INTRODUÇÃO Vários casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ocorrem diariamente no Brasil. A grande maioria deles, no entanto, fica no anonimato, por variados fatores: vergonha, medo, desamparo, etc. Esta triste realidade começa a se modificar, no entanto, com o caso emblemático que deu origem à Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha. Maria da Penha Fernandes sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido. Primeiro, levou um tiro enquanto dormia, sendo que o agressor alegou que houve uma tentativa de roubo. Em decorrência do tiro, ficou paraplégica. Como se não bastasse, duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido, sabendo de sua condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. A punição do agressor só se deu 19 anos e 6 meses após o ocorrido. Essa situação injusta provocou a formalização de denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – órgão internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais, pelo Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima. Diante da denúncia, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001, que dentre outras constatações, recomendou a continuidade e o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil. Essa história ilustra toda a discussão que se deu nesses últimos anos a respeito do tema, em que se nota uma preocupação maior da sociedade e do Estado. 9 Assim, a possibilidade de apresentar a terapia de família como mais uma aliada no combate a este tipo de violência, colocando-a sempre no contexto de um necessário trabalho interdisciplinar, é a principal razão deste trabalho. 10 CAPÍTULO I A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – ASPECTOS GERAIS 1.1. Conceito de violência A cada ano que passa, a violência reduz a vida de milhares de pessoas em todo o mundo e com isso, prejudica a vida de muitas outras. Ela não tem noção de fronteiras geográficas, raça, idade ou renda, atingindo, assim, crianças, jovens e idosos. A cada ano é responsável pela morte de milhões de pessoas em todo o mundo. Para cada pessoa que morre devido à violência, muitas outras são feridas ou sofrem devidoa vários problemas físicos, sexuais, reprodutivos e mentais. Neste primeiro item, tem-se como ponto de partida a controvérsia, a complexidade da locução violência. Essa polêmica tem dado causa a muitas teorias sociológicas, antropológicas, psicológicas e jurídicas, por isso, a imensa dificuldade de um tratamento científico do tema. O vocábulo violência é composto pelo prefixo vis, que significa força, em latim. Lembra idéias de vigor, potência e impulso. A etimologia da palavra violência, porém, mais do que uma simples força, a violência pode ser compreendida como o próprio abuso da força. Violência vem do latim violentia, que significa caráter violento ou bravio. O verbo violare, significa tratar com violência; profanar; transgredir, na dicção dos dicionaristas. É, outrossim, um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação, impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém, e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e 11 intimidação pelo medo e terror. Segundo o dicionário Aurélio (2002), violência seria ato violento, qualidade de violento ou até mesmo ato de violentar. Do ponto de vista pragmático, pode-se afirmar que a violência consiste em ações de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de seres humanos ou que afetam sua integridade física e/ou, a moral, a mental ou a espiritual. Em assim sendo, é mais preciso falar-se de violências, pois, se trata de uma realidade plural, diferenciada, cujas especificidades necessitam ser conhecidas. Alguns cientistas sociais acreditam que a violência é própria da essência humana (no estado de natureza). Enquanto fenômeno estritamente humano, a violência não pode ser percebida fora de um determinado quadro histórico- cultural. Assim como as normas de conduta variam do ponto de vista cultural e histórico, a depender, sobretudo, do grupo que está sendo analisado. Atos considerados violentos por determinadas culturas não seriam assim percebidos por outras, como, por exemplo, as ablações do clitóris das crianças que ocorrem diariamente em alguns países de religião islâmica, consideradas práticas normais pela maioria da população, diferentemente da população ocidental, visto que tais atos são, para esta, de extrema violência, e, portanto, violadores dos direitos humanos. Durante muito tempo, os castigos físicos infligidos a crianças e negros foram considerados normais, de acordo com relatos históricos. Assim, também, ocorria a violência contra a mulher, que era considerada, até recentemente, como corriqueira e natural nas relações familiares, em virtude do poder que o homem detinha sobre a mulher, em face do pátrio poder e do próprio casamento. Pode-se afirmar que a consequência imediata disso, é que a violência pode ser percebida de forma heterogênea e multifacetada, à partir da própria estrutura simbólica vigente na sociedade. Verifica-se, ademais, que a percepção contemporânea da violência foi ampliada não apenas do ponto de vista de sua intensidade, mas, igualmente, na perspectiva de sua própria extensão conceitual. 12 1.2. Da violência contra a mulher Como abordado anteriormente, a violência contra a mulher não é nenhuma novidade na atual sociedade. Desde os tempos mais remotos a violência já se fazia presente, não só no Brasil como também nos demais países de cultura reconhecida. A igreja, evidentemente teve uma grande influência na idéia de submissão da mulher ao homem. Na Bíblia Sagrada, em seu primeiro Livro chamado “Gênesis”, a mulher é criada a partir de uma costela do homem, vindo, portanto, depois da existência deste, para fazer-lhe companhia. No mesmo Livro bíblico, o primeiro pecado do mundo é provocado pelo desejo feminino, e pela desobediência de Eva ao oferecer do fruto proibido a Adão. A descrição da Escritura Sagrada impõe uma condição secundária à mulher, e ainda, atribui-lhe a culpa pela quebra do encanto do paraíso! Fato é, que, é uma interpretação literal, qual teologicamente não corresponde à verdadeira mensagem cristã. Porém, difundiu-se, a partir dessa simples interpretação, a condição de submissão feminina, ante a ascendência do homem em todas as relações. Antigamente, as mulheres eram tratadas como propriedade dos homens, perdendo assim, a sua autonomia, a sua liberdade e até mesmo a disposição sobre seu próprio corpo. Há registros na história de venda e troca de mulheres, como se fossem propriamente mercadorias. Eram escravizadas e levadas à prostituição pelos seus senhores (maridos). O século XX foi definitivo para o reconhecimento de um amplo leque de direitos humanos, responsável por profundas modificações na conduta dos diversos segmentos sociais, em diferentes partes do nosso planeta. Os frutos históricos colhidos pelos movimentos das mulheres no século passado são bastante evidentes. Um dos principais resultados é a positivação dos direitos humanos das mulheres junto à estrutura legislativa da ONU e da 13 OEA , por meio de edição de inúmeras Declarações e Pactos, a partir, inclusive, de 1948, em que foi publicada a Declaração Universal de Direitos Humanos. A partir daí, isto é, desde a Declaração Universal de 1948, o sistema patriarcal ocidental passou gradativamente, às legislações posteriores, em ordem a reconhecer as diversidades biológica, social e cultural dos seres humanos, criando Declarações e Pactos específicos para as mulheres. Até a década de 1980, no Brasil, e em outros países, o estudo sobre a violência contra a mulher tinha como paradigma predominante o fato de tratar- se de um problema privado, em que as ações do Estado se limitavam à sua capacidade de intervenção. A definição de violência contra a mulher mais utilizada atualmente, expressa na Conferência de “Beijing”, afirma que é qualquer ato de violência que tem por base o gênero, e que resulta ou pode resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual e/ou psicológica, incluindo ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, quer se produzam na vida pública, quer na convivência particular. O referido conceito abrange as mais variadas agressões sob o aspecto físico, sexual e/ou psicológico, sendo perpetradas por incontáveis agentes, incluindo os de relacionamento íntimo e familiar, e bem assim, por pessoas da comunidade em geral, no mais das vezes toleradas e praticadas por agentes do Estado. Porém, apesar dos avanços na consolidação dos direitos da mulher no mundo, no início do século XXI ainda não se pode dizer que as mulheres conquistaram uma posição de igualdade perante os homens. O sexo masculino continua desfrutando de maior acesso à educação e a empregos bem melhor remunerados. Além disso, a violência física e psicológica contra a mulher continua a fazer parte do cotidiano da nossa vida contemporânea. Populações, que historicamente tiveram seus direitos negados passaram a dispor de proteção legal, capaz de assegurar-lhes amplos direitos fundamentais. Mulheres, crianças e idosos assumem, cada vez mais, a condição própria à dignidade humana e, portanto, de sujeitos de direitos e deveres. A dignidade humana, dessarte, e o princípio da igualdade são as 14 molas mestras da ordem jurídica, política e social nos países, e, paulatinamente, começam a delinear os contornos de uma nova nação, permeando espaços públicos e privados, muito dos quais considerados inatingíveis na égide das velhas ordens constitucionais, mormente noBrasil. Não se pode olvidar que são inegáveis os avanços cognitivos e as conquistas obtidas pelo segmento feminino ao longo das últimas décadas do século passado, com a ampliação de sua participação na esfera pública, expressa pelo ingresso efetivo nos campos de trabalho, cultura e educação. Mas, infelizmente, ainda nos dias atuais, são muitas as barreiras para impedir a plena inclusão social da mulher. Fato é, tal comportamento está relacionado a posições de poder, liderança e negociação, assim como, de ocupação de espaços públicos, sobretudo, onde se tem de tomar decisões técnicas, científicas, empresariais ou políticas. No desabrochar do século XXI, lamentavelmente, assistimos a uma avalanche de atos de violência que afeta a vida de milhares em seus vários estágios de desenvolvimento, acarretando prejuízos, por vezes, irreversíveis à saúde física e mental. Ainda, no que tange ao conceito de violência contra a mulher, importante é que se faça a distinção, a saber, à pertinente à violência doméstica e familiar, porquanto aparentemente possuem o mesmo significado. De fato, a violência contra a mulher é um conceito mais amplo, podendo ser considerado crime ou não. É a chamada violência de gênero, pois abrange as várias formas de violência, tais como, a violência sexual, a moral, a psicológica, a familiar, a doméstica, entre outras. Compreendida na violência doméstica e familiar, posto que, consubstanciando uma das modalidades da violência contra a mulher. 15 1.3. Formas de manifestação da violência contra a mulher As formas de manifestação da violência contra a mulher estão expressas em alguns textos normativos, como, por exemplo, na Lei 11.340 de 07/08/2006, a qual é fruto da ratificação pelo Brasil da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará (1995). A aludida lei ampliou as formas de manifestação da violência doméstica e familiar contra a mulher, além das mais conhecidas e praticadas, que são a violência física, psíquica, moral, sexual e patrimonial. A atitude do legislador foi justa, pois a vítima ficava em uma situação difícil em face da sua família, do agressor e, principalmente diante da sociedade. Na maioria dos casos de violência contra a mulher existe uma relação de dependência econômica e financeira, o que minimiza a violação à intimidade. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), prevê que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica, podendo ocorrer ou no âmbito da família, ou da unidade doméstica, ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado, ou não, a mesma residência. Ademais, incluindo-se entre outras formas, o estupro, os maus-tratos, o abuso sexual, a tortura, o tráfico de mulheres, a exploração da prostituição forçada, dentre outras. A Recomendação Rec (2002) nº 5 do Conselho da Europa, por sua vez, assevera que a violência contra a mulher é a violência perpetrada na família e no lar, e, nomeadamente, as agressões de natureza física ou psíquica, os abusos de natureza emocional e psicológica, o abuso sexual, o incesto, a 16 violação entre cônjuges, parceiros habituais, parceiros ocasionais ou co- habitantes, os crimes cometidos em nome da honra, a mutilação de órgãos genitais ou sexuais femininos, bem como outras práticas tradicionais prejudiciais às mulheres, tais como os casamentos forçados. A violência perpetrada pela comunidade em geral, notadamente a violação, o abuso sexual, o assédio sexual e a intimidação no local de trabalho, nas instituições ou em outros locais, o tráfico de mulheres, com fim de exploração sexual e econômica, bem como, o turismo sexual; a violência perpetrada ou tolerada pelo Estado ou pelos seus agentes; a violação dos direitos fundamentais das mulheres em situação de conflito armado, particularmente, a que a torna refém, a deslocação forçada, a violação sistemática, a escravatura sexual, a gravidez forçada e o tráfico, com o fim de exploração sexual e econômica. Após a descrição das várias classificações contidas em Tratados Internacionais, e nas doutrinas brasileira e estrangeira, as quais dizem respeito aos tipos de violência contra as mulheres, conclui-se, que: a) Violência física, consistente em atos de cometimento físico sobre o corpo da mulher, podendo ser através de tapas, chutes, socos, queimaduras, mordeduras, punhaladas, estrangulamentos, mutilação genital, tortura, homicídios, incluindo ainda qualquer conduta que ofenda a integridade física ou saúde corporal da mulher. b) Violência psicológica, que é a ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, dentre outras, ou seja, é a violência entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima. c) Violência sexual, que se identifica como qualquer atividade sexual não consentida, incluindo o assédio sexual, ou seja, é qualquer conduta que constranja a mulher a manter conjunção carnal não desejada, mediante intimidação,fraude, etc. 17 d) Violência moral, consistente no assédio moral, geralmente onde o patrão ou chefe agride física ou psicologicamente seu funcionário com palavras, gestos ou ações, sendo considerada qualquer conduta que configure injúria, calúnia ou difamação. e) Violência patrimonial, que é aquela praticada contra o patrimônio da mulher, sendo muito comum nos casos de violência doméstica e familiar, ou seja, a conduta que configura retenção, subtração, destruição dos bens da vítima. f) Violência institucional, praticada em instituições prestadoras de serviços públicos, como hospitais, postos de saúde, escolas, delegacias, no sistema prisional, etc. g) Violência de gênero, praticada em razão de preconceito e discriminação; e por fim a violência doméstica e familiar que é a ação ou omissão que ocorre no espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. É aquela praticada por membros de uma mesma família. Vale lembrar que a família fica entendida com indivíduos que são ou se consideram parentes, unidos por laços consanguíneos ou por afinidade. 18 CAPÍTULO II O QUADRO BRASILEIRO E MUNDIAL DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Apesar de todos os estudos e pesquisas existentes acerca do assunto, há ainda quem acredite que a violência ocorra esporadicamente. Todavia, segundo pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (2001), uma em cada cinco mulheres brasileiras, isto é, 19%, sofreu algum tipo de violência por parte de algum homem. A projeção da taxa de espancamento é de 11% dentre 61,5 milhões de investigadas, esse percentual representa 6,8 milhões de mulheres. Dentre as mulheres que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores. Desta feita, pode-se ponderar que, com base nas pesquisas acerca do tema, em cada oito segundos ocorrem pancadarias dentro de casa, totalizando 3.780.036 por ano; 315.003 por mês; 10.500 por dia; 438 por hora; 7 por minuto; a cada 12 segundos ocorre ameaça de espancamentos, totalizando 2.433.970 por ano; 202.831 por mês; 6.761 por dia; 282 por hora; 5 por minuto; a cada 15 segundos umamulher é privada de sua liberdade, totalizando 1.936.116 por hora; 161.343 por mês; 5.378 por dia; 224 por hora; 4 por minuto; a cada 20 segundos ocorrem ameaças à integridade física da mulher por arma de fogo, totalizando 1.327.622 por ano; 110.635 por mês; 3.6883 por dia; 154 por hora; 3 por minuto; a cada 7 segundos uma mulher é agredida com tapas e empurrões, totalizando 4.425.408 por ano; 368.784 por mês; 12.293 por dia; 512 por hora; 9 por minuto; e a cada 15 segundos por espancamento, totalizando 2.286,461 por ano; 190.538 por mês; 6.351 por dia; 265 por hora; 4 por minuto (Perseu Abramo, 2001). Importante observar, ademais, que a violência contra a mulher, ao contrário do que se possa imaginar, não acontece apenas em países pobres 19 ou em desenvolvimento (emergentes). Vários casos foram difundidos nos meios de comunicação em todo o país e no mundo afora, sobre a violência contra a mulher. Mesmo em países como Noruega, Dinamarca e Escandinávia, que apresentam os melhores índices de equidade de gênero, a violência contra a mulher é uma prática cotidiana, prova de que a violência de gênero contra a mulher não é uma exclusividade de mulheres pobres latino-americanas (USP, 2009). A Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993), constatou que, anualmente, o número de mulheres vítimas de violência de gênero é maior que o de vítimas dos conflitos armados mundiais. Igualmente, em 1998, a Organização Mundial de Saúde – OMS, concluiu que, “[...] a violência contra a mulher no lar se registrou em todos os países e ambientes socioeconômicos, e as evidências existentes indicam que seu alcance é muito maior do que se supunha”. Por outro lado, estima-se que, no Canadá, uma a cada 4 mulheres sofre violência sexual ao longo da vida. Na Argentina, são registrados 6 mil estupros por ano. Nos Estados Unidos, anualmente, 1 milhão de mulheres sofrem violência doméstica, destas, 30.000 procuram atendimento em prontos- socorros, 40.000 visitas médicas e 21.000 foram hospitalizadas. Foram contabilizados 100.000 dias de internações por ano (OMS, 2009). Na Europa, também não é diferente. A violência atinge cerca de 4 milhões de mulheres por ano. Em Londres, por exemplo, 100.000 mulheres buscaram tratamento médico devido a lesões sofridas em casa. Na Dinamarca, 25% dos divórcios requeridos por mulheres têm como causa a violência doméstica (OMS, 2009). Na China, até hoje ainda ocorre o femicídio de meninas recém-nascidas, e o aborto de feto do sexo feminino para que sua população seja constituída de maioria masculina, pois as mulheres são consideradas ônus para as famílias. Em Bangladesh, as meninas recebem alimentação inferior aos 20 meninos. Na Índia, e em algumas tribos e países da África, como no Egito, ainda são comuns práticas de mutilação de clitóris das meninas, a fim de lhes restringir o desejo e o prazer sexual. Já foram mutiladas mais de 100 milhões de mulheres, em 26 países africanos, e a cada ano esse número aumenta em dois milhões. A Anistia Internacional estima que cerca de 5 mil mulheres sejam mortas anualmente na Índia, na disputa por dotes de noivas. Também relata que, nos campos de refugiados, os responsáveis pela distribuição de alimentos obrigam as mulheres a fazerem sexo em troca de víveres (Anistia Internacional, 2009). Segundo a UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, 2009), as mulheres já representam a metade dos 40 milhões de portadores da doença em todo mundo. Ora, isso se deve à violência sexual de que são vítimas e, à sua condição de submissão, pois não conseguem convencer os parceiros a usarem preservativos. Ainda, segundo a UNAIDS, entre 20% e 50% de meninas jovens sexualmente ativas declaram que sua primeira relação sexual foi forçada. Em Uganda, por força da difusão da idéia de que adolescentes do sexo feminino transmitem menos Aids que as mulheres adultas, a taxa de contaminação entre elas é seis vezes maior que entre as adolescentes do mesmo sexo. As mulheres representam 80% do número de refugiados em todo o mundo. No México, a violência estrutural, política e de gênero é responsável por 50% da emigração daquele país para os Estados Unidos. As mexicanas buscam outros espaços para reconstruir sua dignidade e preferem a incerteza de seu futuro em um país estranho a permanecerem em situação de violência de gênero. Sucede, ainda, que, o problema da violência interfere diretamente nos cofres públicos. As mulheres em situação de violência têm muito mais dificuldade de ingressar no mercado de trabalho, e tendem a necessitar de medidas e programas assistenciais do governo e, por consequência, aumentar estatisticamente a linha da pobreza. A produtividade no trabalho de mulheres 21 vitimadas reduz, e aumenta o índice de aposentadorias, licenças, consultas médicas e internações na rede pública, onerando sobremaneira os cofres públicos. De acordo com a pesquisa da Organização Mundial de Saúde (2009), crianças de 5 a 12 anos, filhas de mulheres agredidas, desenvolveram distúrbios comportamentais como pesadelos, chupar dedos, urinar na cama, timidez e agressividade, além de apresentar maior índice de repetência escolar. Os filhos podem ainda desenvolver problemas psicológicos e reproduzir o comportamento violento vivenciado em família. Apesar da alarmante estatística acerca dos números de violência contra a mulher, no Brasil, em especial, é comum serem repetidos provérbios populares como: “roupa suja se lava em casa” ou, “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Pensamentos como estes levam à omissão não só do Poder Público, como da Sociedade, e muitas mulheres continuam sendo ameaçadas, feridas, ou mortas, sem que se ouse romper a barreira do silêncio e os limites do espaço privado da convivência conjugal. 22 CAPÍTULO III ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PROTETIVA DA MULHER EM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR O primeiro passo brasileiro contra esse tipo de violência foi a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Cedaw (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women), em 1º de fevereiro de 1984, com reservas a alguns dispositivos. Posteriormente, em 1994, tendo em vista o reconhecimento pela Constituição Federal brasileira de 1988 da igualdade entre homens e mulheres, em particular na relação conjugal, o governo brasileiro retirou as reservas, ratificando plenamente o texto. O preâmbulo da Convenção assinalou o entendimento dos Estados- Partes para a concepção do problema da desigualdade de gênero e da necessidade de solucioná-lo, ao assinalar que "a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz". Seu apelo maior foi o reconhecimento de que "a discriminação contra a mulher viola os princípios de igualdade de direitos e do respeito à dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço ao seu país e à humanidade". O segundo passo adotado pelo Brasil nessa direção foi a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir,Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – conhecida como "Convenção de Belém do Pará". 23 Essa Convenção foi adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos - OEA, em 6 de junho de 1994, e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. O tratado complementa a CEDAW e reconhece que a violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, de forma a limitar total ou parcialmente o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades. Seu texto assinala que "a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens", para então concluir que a "adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência que possam afetá-las". Outro importante avanço foi a ratificação pelo Brasil, em 28 de junho de 2002, do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), que ofereceu a possibilidade de as denúncias individuais serem submetidas ao Comitê. Esse mecanismo adicional firmado pelo Brasil veio integrar a sistemática de fiscalização e adoção de medidas contra Estados signatários desses acordos internacionais que estejam condescendentes com casos isolados de discriminação e violência contra a mulher. Um desses acontecimentos ganhou repercussão internacional: o caso Maria da Penha Maia Fernandes, que expôs as entranhas do lento processo judicial brasileiro ao mundo. Em 29 de maio de 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha foi vítima de violência praticada por seu ex-marido, que disparou contra ela durante o sono e encobriu a verdade afirmando que houve uma tentativa de roubo. 24 A agressão – na verdade, uma tentativa de homicídio de seu ex-marido – deixou seqüelas permanentes: paraplegia nos membros inferiores. Duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, a Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido, sabendo de sua condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. Entre a prática dessa dupla tentativa de homicídio e a prisão do criminoso transcorreram nada menos que 19 anos e 6 meses, graças aos procedimentos legais e instrumentos processuais brasileiros vigentes à época, que colaboraram demasiadamente para a morosidade da Justiça. Em razão desse fato, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – órgão internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais. Assim, diante da leniência brasileira com a morosidade do processamento dos crimes domésticos contra a mulher, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001, em que concluiu o seguinte: "(...) a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1º do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil. Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da 25 mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher. Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1º da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida" Por fim, o Relatório recomendou a continuidade e o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil e, em especial, recomendou "simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo" e "o estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera". As parcas mudanças promovidas no ordenamento jurídico levaram o País a debater profundas alterações na função jurisdicional do Estado para redefinir sua atuação na repressão à violência doméstica contra a mulher. Entretanto, essa atuação dependeria de um suporte normativo claro e eficaz. Assim, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial, integrado pelos seguintes órgãos: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República (coordenação); Casa Civil da Presidência da República; Advocacia-Geral da União; Ministério da Saúde; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de 26 Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública. O fruto desse esforço, capitaneado pela SPM, foi o projeto de lei nº 4.559, de 2004, encaminhado ao Congresso pelo presidente da República em 3 de dezembro daquele ano. Muitas inovações foram propostas no PL 4.559/04: definição de violência doméstica e familiar contra a mulher em cada uma de suas manifestações: física, sexual, psicológica, moral e patrimonial; equiparação desse tipo de violência a uma das formas de violação dos direitos humanos; alterações no procedimento das ocorrências que envolvam a violência doméstica e familiar contra a mulher, quando do atendimento da autoridade policial; estabelecimento de amparo à vítima através do atendimento por equipe multidisciplinar, formada por profissionais de diversas áreas de conhecimento, como psicólogos, assistentes sociais e médicos; participação ativa e mais veemente do Ministério Público nas causas envolvendo essa forma de violência doméstica e familiar; ampliação das formas de medida cautelares em relação ao agressor e de medidas de proteção à vítima com efeitos cíveis e penais; acréscimo de nova hipótese de prisão preventiva, quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja a pena aplicada; entre outras medidas importantes; Em relação à lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), o projeto originalmente continha soluções de adequação da legislação especial à necessidade de rápida resposta judicial e extrajudicial ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, alterando apenas o procedimento do Juizado Especial Criminal. Uma das intenções do Poder Executivo era resgatar o inquérito policial previsto no Código de Processo Penal para abolir o Termo Circunstanciado previsto na lei nº 9.099/95, objetivando permitir uma visão mais aprofundada dosfatos à autoridade judicial. Também se buscou excluir a vedação à prisão 27 em flagrante e permitir a decretação de prisão preventiva, resgatando-se essas figuras para os crimes de violência doméstica contra a mulher. Entre as inovações originalmente propostas, também havia a necessidade de uma audiência de apresentação, na qual a vítima seria ouvida pelo juiz antes do agressor e, mesmo diante de uma intenção conciliadora, não poderia a vítima ser compelida a transacionar. Em hipótese alguma, segundo o texto inicial, a audiência poderia ser presidida por servidor que não fosse juiz ou bacharel em Direito, além de capacitado na questão desse tipo de violência. Na audiência de instrução e julgamento do rito criminal especial, foi deslocado o momento para proposição da transação penal da primeira para a audiência seguinte, visando permitir, nesse intervalo, o encaminhamento da vítima à equipe multidisciplinar. Em relação às sanções, a proposta vedava claramente a aplicação de aplicação de penas restritivas de direito de prestação pecuniária, como o pagamento de cesta básica, e multa. A questão da fixação da competência criava um universo concorrente entre Juizados Especiais e Varas Cíveis e Criminais, com o dever de obediência às normas inovadoras consignadas na proposta. Ao final, abria caminhos para a criação de Varas e Juizados Especiais da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e penal, visando ao atendimento global e emergencial que as demandas exigiriam. Muito embora esse tenha sido, em linhas gerais, o teor das inovações pretendidas pelo Poder Executivo, muitas mudanças à proposta original foram implementadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. A Câmara dedicou-se às alterações de mérito por intermédio de três comissões analisadoras. Graças às mais de 14 reuniões, seminários e 28 audiências públicas realizados em todo o País, ao projeto foram incorporados os verdadeiros anseios das entidades representativas das mulheres. O Senado, por sua vez, através unicamente de sua Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, promoveu uma verdadeira revisão no projeto, então denominado PLC 37, de 2006. Essas mudanças foram eminentemente redacionais, objetivando enxugar e harmonizar o texto, permitindo sua execução social com clareza e precisão, como, aliás, reza a lei complementar nº 95, de 1998. O projeto divide-se 46 artigos, distribuídos ao longo de 7 títulos: 1. Título I - Disposições Preliminares; 2. Título II - Da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; 3. Título III - Da Assistência à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar; 4. Título IV - Dos Procedimentos; 5. Título V - Da Equipe de Atendimento Multidisciplinar; 6. Título VI - Disposições Transitórias; e 7. Título VII - Disposições Finais. Dentre os títulos da Lei, hoje já publicada e promulgada sob o n. 11.340/06, o que se torna mais relevante para o presente estudo é o que trata da equipe de atendimento multidisciplinar, que, segundo os arts. 29 a 32, é formada "por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde" que poderão integrar a estrutura das varas especializadas. Sua função é auxiliar e instruir o juízo, o MP e a própria Defensoria Pública, além de promover a orientação e o amparo psicossocial às famílias das vítimas, com especial atenção às crianças e adolescentes. Essa inovação reflete boas e bem sucedidas experiências em JECrim instalados em alguns estados brasileiros. 29 Tal iniciativa legislativa é digna de aplausos, pois possibilita que psicólogos, operadores do Direito e assistentes sociais desenvolvam um trabalho conjunto e harmônico, com o fito não somente de reprimir condutas, mas, por muitas vezes, verdadeiramente recuperar instituições familiares em cheque diante da problemática da violência. CAPÍTULO IV 30 A CONTRIBUIÇÃO DA TERAPIA DE FAMÍLIA O trabalho terapêutico realizado no campo da violência doméstica, primordialmente com os casais, busca a compreensão dos problemas enfrentados pelas pessoas envolvidas, o que vai além da definição legal da violência e da noção de controle social. Deve considerar uma redefinição dos limites sobre o que é considerado aceitável em um relacionamento. Para Brito (2003) alguns casais consideram aceitável, até certo ponto, o uso da força física ou de ofensas verbais na resolução dos seus conflitos. Outros consideram apenas a ameaça desses comportamentos como violentos. Ao definir os limites do aceitável e do desejável, o casal define os limites do acordo de parceria que o constitui. Essa redefinição passa também pela compreensão do terapeuta a respeito dos riscos ainda oferecidos à integridade física da mulher. Medidas protetivas devem ser acionadas quando identificados os riscos. O processo terapêutico com as vítimas deve considerar que o sofrimento de viver em situação de violência doméstica pode configurar um sentimento de humilhação, como definido por Safra (2004), em que o individuo é impedido da participação plena no campo social, com a presença do sentido de inferioridade. Por consequência há o “sentimento de vergonha de si, que interdita os gestos que poderiam pôr em marcha a criatividade do paciente, tanto no sentido do seu devir, quanto para uma ação política que pudesse vir a transformar sua ação (Safra, 2000). Ressalta-se que a culpa e o sentimento de desamparo são queixas recorrentes das mulheres submetidas a longos períodos de dinâmicas relacionais violentas. Em relação aos homens agressores, o caráter de ressocialização definido pelo atendimento terapêutico no âmbito judicial pode assumir contornos de controle social ou a tentativa inocente de estabelecer um diálogo pedagógico pelo terapeuta a fim de promover o “convencimento” do autor da 31 violência sobre as desvantagens do seu comportamento. A dinâmica da negação do problema, o não reconhecimento da própria agressividade e a minimização e justificação das agressões cometidas configuram um quadro comum apresentado pelos agressores, como foi mencionado anteriormente. O profissional tem diante de si o paciente que cumpre a determinação judicial, o que representa uma demanda terapêutica que não é própria e sem a qual ele mesmo não buscaria esse tipo de ajuda. Assim, o psicólogo precisa conciliar o fato de que houve o delito, existe um histórico de violência sobre o qual é necessário trabalhar, mas também a clara noção de que mudança depende do entendimento do paciente que existe um problema a ser trabalhado e que o mesmo queira mudar. A possibilidade da criação de um vínculo terapêutico com o homem agressor passa pela capacidade do terapeuta em se colocar frente ao paciente e estar com o paciente. Para Safra (2004), “Esse modo de estar é não só uma condição para o habitar humano, mas é em si uma intervenção, pois qualquer paciente, independente da situação existencial ou psíquica que se encontre, é capaz de perceber se seu analista está com ele”. O colocar-se frente ao paciente permite uma escuta honesta do seu sofrimento manifesto tantas vezes em quadros clínicos depressivos, com ideações suicidas, abuso de álcool e outras drogas, distúrbios do sono e alimentares, entre várias outras sintomatologias observadas no contexto do atendimento terapêutico a homens agressores. A posturado terapeuta de manter uma escuta respeitosa daquele paciente, o entendimento da violência doméstica como um fenômeno complexo multifacetado e a capacidade do terapeuta em lidar com a própria agressividade subjetiva favorecem a formação do vínculo e a configuração do processo terapêutico. A intervenção pode caminhar então para o sentido da reflexão sobre as concepções culturais que definem o homem tomando por base papeis sociais, que são pré-definidos, mas não são naturais. Este propósito ganha força dentro de grupos terapêuticos reflexivos com homens na situação de 32 agressores, onde são discutidas temáticas relacionadas à violência doméstica como o alcoolismo, os estereótipos sociais de gênero, o controle da agressividade e a expressão assertiva dos sentimentos, os significados da violência, entre outros. O propósito do grupo é propiciar um ambiente vivencial e reflexivo baseando-se nos temas e na própria experiência dos homens, questionando modelos tradicionais de masculinidade pela desconstrução do seu aspecto determinante sobre o que significa ser homem na família e na sociedade, de maneira geral. Quanto às mulheres, é preciso destacar que um dos principais entraves à superação da violência contra a mulher é a própria atitude da mulher, seja por temor, seja por acreditar que a atitude violenta irá cessar, enfim, por diversos motivos a mulher continua sob a agressão durante vários anos e, em muitos casos, por toda a vida. Devido a diversos traumas psicológicos causados pela violência, a mulher muitas vezes esquece ou desconhece seu papel dentro do núcleo familiar, tornando-se, assim, uma “presa fácil”. A ajuda psicológica, neste sentido, é um grande instrumento, uma vez que, com a auto-estima valorizada, a mulher pode reencontrar motivações outras, tanto profissionais como pessoais, e visualizar a sua real situação de vítima da violência. Este é o primeiro passo para vencer o problema. Através da terapia de família, a mulher pode reunir condições de promover a sua condição de equidade, ou seja, encontrará as bases para que perceba sua igualdade de condições em relação ao homem, e este, por sua vez, poderá vislumbrar criticamente sua atitude agressiva, e, com o devido auxílio profissional, se propor a modificá-la. A promoção da cidadania, com atividades de caráter participativo, em especial de movimentos de fortalecimento da família, são outros mecanismos extremamente válidos para serem utilizados pelos profissionais 33 que atuam na área, a fim de auxiliar as famílias que passam por um histórico de violência. 34 CONCLUSÃO A violência, em especial contra as mulheres, é fato grave e que merece ser repudiado. Para que a problemática seja compreendida e solucionada, não se pode deixar de observar que a violência está inscrita num quadro de inúmeras discriminações contra as mulheres, sejam elas no campo econômico, profissional, racial, cultural, político, dentre outros, com efeito direto em suas vidas. Identificadas as origens da questão, é extremamente importante uma análise interdisciplinar, tendo em vista que é muito difícil o resgate de indivíduos nessa situação, seja pela resistência da família ou do próprio agressor, seja pela própria vítima, por medo e vergonha. Neste sentido, a terapia de família pode ser um instrumento de recuperação de instituições familiares, atuando até mesmo no âmbito do Poder Judiciário, por meio das equipes interdisciplinares dispostas na conhecida Lei 11.340/06. Valorizar a mulher como um ser que precisa de cuidados e que é ainda uma das bases do núcleo familiar é uma tarefa que precisa ser orientada por profissionais. A eliminação da violência contra a mulher precisa ser tratada como sendo condição indispensável para o desenvolvimento da sociedade. 35 REFERÊNCIAS ANISTIA Internacional. No más violencia contra las mujeres. Disponível em: <http://www.amnesty.org/es/campaigns/stop-violence-against-women>. Acesso em: 15mai2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao_Compil ado.htm>. Acesso em: 13mai2009. BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. BRITO, V. C. A. Nem Crime, Nem Castigo: O Atendimento Psicossocial de Casais em Situação de Violencia no Contexto da Justiça Criminal. Tese de Doutorado. Brasília: Instituto de Psicologia. Universidade de Brasília. Casa Abrigo do Distrito Federal, 2004. CONFERÊNCIA de Direitos humanos – Viena – 1993. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena.html>. Acesso em: 20mai2009. CONVENÇÃO para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, Convenção de Belém do Pará. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em 20mai2009. COSTA, L. F.. Reuniões multifamiliares: uma proposta de intervenção em psicologia clinica na comunidade. In: Paz, M. G. T.; Tamayo, A. (orgs.) Escola,Saúde e Trabalho: estudos psicológicos. Brasília. Ed. UnB, 1999. FERRARI, Dalka C. A. e VECINA, Tereza, C. C (orgs.). O fim do silêncio na violência familiar. Teoria e prática. São Paulo: Editora Ágora, 2002. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 36 FUNDAÇÃO Perseu Abramo. Núcleo de Opinião Pública. Pesquisa por Amostragem sobre o Universo Feminino no Brasil.São Paulo. Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001. MILLER, Mary Susan. Feridas invisíveis. Abuso não-físico contra mulheres. São Paulo: Summus 1999. SAFRA, G.. A po-ética na clínica contemporânea. São Paulo: Idéias e Letras, 2004. VARELLA, Thiago. Violência contra as mulheres existe em todos os países, afirmam especialistas. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2009/03/08/ult1859u746.jhtm>. Acesso em: 12mar2009. 37 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes Título da Monografia: A terapia de família no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher – uma abordagem interdisciplinar. Autora: Maria Regina Rodrigues Gonçalves Data da entrega: 31 de julho de 2009 Avaliado por: ____________________________________________________ Conceito: ______________________________ AGRADECIMENTOS SUMÁRIO CAPÍTULO I - A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – ASPECTOS GERAIS.............................................10 CAPÍTULO II - O QUADRO BRASILEIRO E MUNDIAL DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.........................................................18 CAPÍTULO III – ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PROTETIVA DA MULHER EM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR.......22 CAPÍTULO IV – A CONTRIBUIÇÃO DA TERAPIA DE FAMÍLIA..................30 CONCLUSÃO...............................................................................................34REFERÊNCIAS............................................................................................35 FOLHA DE AVALIAÇÃO...............................................................................37
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