Prévia do material em texto
INTRODUÇÃO AO DIREITO Tópico I: Da sociedade ao direito: qual o problema social específico com que o direito se confronta I. Conceitos preliminares 1.1. O que é sociedade? a) Conceito antropocêntrico (tradicional): ênfase na existência de cultura ou de Estado. Nesta perspectiva, não existe sociedade sem indivíduos. • Problemas: 1) o enfoque na cultura como delimitação da sociedade é válido para sociedades pré-modernas, nas quais a diferenciação social era baixa; hoje, no entanto, as culturas se misturam no mesmo espaço social. 2) o enfoque no Estado também é problemático, pois, no período pré- moderno, as sociedades só se diferenciavam durante as guerras. b) Sociedade como sistema social mais abrangente: o corpo e a mente não são suficientes; o elemento primordial é a comunicação. Um comportamento só é social quando envolve este elemento, portanto, quando não são expressos os pensamentos de uma pessoa, eles não fazem parte da sociedade; essa pessoa só faz parte da sociedade quando ela se comunica. • Teoria dos sistemas sociais (Luhmann): sistemas autopoiéticos se reproduzem a partir de seus próprios elementos (autorreprodução). • Sistemas fechados X Sistemas abertos Autorreprodução Heterorreferência (próprios elementos) (influência externa) 1.2. O que é comunicação? a) Concepção dicotômica da comunicação: emissor (sujeito) -> receptor (sujeito) b) Concepção tricotômica da comunicação como unidade elementar da sociedade (pessoa/homem) Alter -Mensagem------Compreensão--> Ego (pessoa/homem) Informação • Mensagem é o que é comunicado; informação é o conteúdo escolhido para ser transmitido e a compreensão é a percepção social. 1.3. A estrutura da sociedade: as expectativas de comportamento a) As expectativas de comportamento delimitam possibilidades de ação. Os desvios da expectativa não são desconsiderados e também fazem parte da delimitação. b) Expectativas normativa: como se deve fazer algo. Este tipo de expectativa é contrafactual, ou seja, caso a expectativa não se concretize, ela não é abandonada. Em face de um eventual desapontamento, é possível fazer algo. É com este tipo de expectativa com que o direito trabalha. c) Expectativas cognitivas: como algo será. Este tipo de expectativa é baseado na realidade, portanto, consiste em um aprendizado. Dessa forma, em caso de desapontamento, troca-se de expectativa e não se pode fazer nada. É com este tipo de expectativa com que a ciência trabalha. d) As expectativas delimitam ações e alteram a dupla contingência da comunicação (desconhecimento sobre a realidade do outro). II. O Modelo Hieráriquico da Sociedade Pré-Moderna a) Cosmovisão moral-religiosa: bem ou mal; poder enquanto dominação: superioridade ou inferioridade. A intersecção destes define áreas como economia, ciência, amor, família, medicina, direito, educação e arte. b) Seu elemento principal é a cultura em comum e ele é fundado em camadas III. O Modelo Heterárquico da Sociedade Moderna 3.1. Sociedade Moderna como Sociedade Mundial: não há isolamento de culturas, existe, portanto, uma forte desterritorialização. 3.2. Sociedade Moderna como Sociedade Multicêntrica: não existe um sistema superior (teoria dos sistemas sociais – Luhmann). Os sistemas são operativamente fechados e cada um deles tem seu próprio código. É possível que um mesmo assunto seja tratado de maneiras diferentes. 3.3. Não existe uma verdade tomada como absoluta, como nas sociedades pré- modernas; todas as áreas (como economia, ciência, amor, família, medicina, direito, educação e arte) influenciam o sistema, não o contrário. Um fato social é um acontecimento, observado por algum sistema, que gera comunicação. IV. A pluralidade de problemas sociais 4.1. O que é um problema? a) Problema é aquilo que exige solução. 4.2. O que é um problema social? a) Um problema torna-se social a partir da comunicação. 4.3. Análise funcional: relação entre apresentação do problema e solução do problema. 4.4. Diversidade de perspectivas de observação e descrição da sociedade: do mesmo evento surgem diferentes problemas. • Um acontecimento por si só não transmite mensagem. A análise do problema depende do sistema social em foco. As interpretações são diferentes para as diferentes esferas e não são unívocas. V. Os problemas jurídicos básicos 5.1. Interferência de comportamentos e conflitos interpessoais. a) O direito interfere na vida privada. Ex.: consumo 5.2. Incompatibilidade de expectativas normativas. b) A intervenção jurídica ocorre quando as expectativas normativas entram em conflito. Ex.: legalização da maconha VI. Observações finais 6.1. Condicionamento do problema jurídico por outros problemas sociais não significa subordinação do direito às perspectivas dos outros campos sociais. • Outros campos sócias falam do direito, contudo, esta não é uma relação de subordinação 6.2. A norma jurídica como critério de solução de problemas jurídicos. a) Os problemas jurídicos implicam expectativas normativas diferentes e que são anteriores às normas, entretanto, são resolvidos por estas. Por isso, é fundamental conhecer os significado dos textos legais. b) A norma jurídica é atribuída aos textos e à linguagem, sendo que esse processo não é totalmente fechado, pois um só texto pode ter várias normas jurídicas e várias interpretações possíveis. Seminário – ADPF 54 O seminário sobre a antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico retratou um caso que envolve típicos problemas jurídicos: interferência de comportamento, conflitos interpessoais e incompatibilidade de expectativas normativas. A interferência de comportamento e o conflito interpessoal, neste caso, dizem respeito à possibilidade de escolha da mãe entre antecipar ou não o parto de feto anencefálico. A incompatibilidade de expectativas normativas refere-se à institucionalização de ilegalidade ou não deste ato. Com a decisão do STF, a incompatibilidade de expectativas normativas foi decidida a partir da declaração de inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção terapêutica da gestação de feto anencefálico é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal. A partir disso, a mãe tem a possibilidade de escolher se quer prosseguir ou não com a gravidez. O conflito interpessoal deste tema reside, principalmente, no fato de que ele envolve questões morais e religiosas. Argumentos a favor da decisão: 1) Estado laico; 2) Inexistência de presunção de vida extrauterina; 3) Não é aborto eugênico, pois anencefalia não é doença grava que permita estar no mundo; 4) Não se pode fazer a doação de órgãos: praticamente impossível, a mãe daria luz a um filho para enterrá-lo (coisificação); 5) O feto sem possibilidade de vida não pode ser tutelado pelo tipo penal que protege a vida. Não havendo potencial de vida extrauterina, não há como se falar em aborto, em razão de não ocorrer ofensa ao bem jurídico tutelado; 6) O feto anencefálico, mesmo que biologicamente vivo, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica; 7) Diagnóstico oferecido pelo SUS é seguro; a partir da décima semana já é possível; 8) O risco de gravidez de um feto anencefálico é maior que o de um feto normal. Argumentos contra a decisão 1) Se há gestação, há vida intrauterina; 2) O direito à vida é protegido por lei desde o momento da concepção (art. 2, CC); 3) Nascituro é ser humano concebido; 4) O curto espaço de vida não legitima a morte antecipada;5) O feto é um ser humano, não uma coisa; 6) Construção de uma sociedade livre, justa e solidária; 7) Eutanásia – baseia-se numa perspectiva de não sobreviver para provocar a morte; 8) O diagnóstico é difícil: a partir de qual porcentagem de ausência de encéfalo é considerado anencefalia?; 9) Falar em direito à saúde abre espaço para aborto eugênico de filho não desejado. Tópico II: Do fato social à norma jurídica: no que se distingue a postura normativa do direito? I. A construção/observação do fato social a partir das expectativas cognitivas e normativas 1.1. Fato social como evento do mundo que é conteúdo de comunicações e expectativas a) Evento é um acontecimento qualquer da sociedade. Ele se torna social quando gera comunicação e expectativas de comportamento. O fato social, portanto, é um evento observado que gera comunicações e expectativas. 1.2. O que são expectativas (de fato ou de comportamento)? a) Expectativas são modelos sobre a atuação do outro ou sobre como as coisas vão ocorrer. Basicamente, é aquilo que esperamos ou achamos que vai acontecer. Ex.: não matar (dever-ser): normativa; morrer (ser): cognitiva. 1.3. O que é uma expectativa cognitiva? a) Relativa a fatos. Pode ser confirmada ou não; abrange as incertezas da realidade. Quando a realidade não corresponde à expectativa, esta é modificada: há uma disposição a aprender. b) Expectativa do fato A -> realidade: fato não A -> desapontamento -> mudança de expectativa (disposição aprender/adaptação). 1.4. O que é uma expectativa normativa? a) Relativa a comportamentos. Considera a possibilidade de a realidade não ocorrer da maneira como é esperada. Há uma postura prescritiva (sanções àqueles que se comportarem de maneira contrária à expectativa). Além de que esse tipo de expectativa é a base das normas, agindo como suporte fático para estas; sendo que as normas não mudam toda vez que são descumpridas: a realidade do fato social muda, a expectativa não. b) Expectativa do comportamento A -> realidade: comportamento não A -> desapontamento -> “protesto” contra a realidade (não há disposição a aprender/pretensão de mudança da realidade). 1.5. A distinção entre expectativa cognitiva e normativa não é uma diferença a priori a) “ser” e “dever ser” como dimensões da realidade social: são construções sociais e, portanto, dependem do momento histórico. A distinção entre eles muda com o passar do tempo. A mistura entre o “ser” e “dever-ser” resulta em ideologia. b) A distinção entre o normativo e o cognitivo como conquista histórica: se mudar a expectativa: cognitiva; se mudar a realidade: normativa. c) A mistura do normativo e do cognitivo na experiência cotidiana: diferentes campos, diferentes expectativas. Essa diferença fica clara com a juridificação da vida social. d) Primado da expectativa cognitiva na ciência e primado da expectativa normativa no direito: no entanto, não há exclusividade; o direito pode, por exemplo, usar a cognição para aprimorar sua normatividade. e) Normas como “expectativas de comportamento estabilizadas contrafactualmente” (Luhmann). • As normas são expectativas de comportamento (limitações sobre as possibilidades de ações sociais) estabilizadas (juridificadas) contrafactualmente (não observância dos fatos esperados). • A contrafactualidade é uma expectativa normativa, pois não há adaptação aos fatos, mas sim uma adaptação dos fatos (sanção). • Ex.: Expectativa de comportamento: não matar (limitação da ação social); Estabilização: norma. Se matar, de 6 a 20 anos (juridificação); Contrafactualidade: homicídio (descumprimento da expectativa). II. Nexo causal, regra técnica e norma social 2.1. Nexo causal (princípio da causalidade): relação de causa e efeito. a) Dado Caso 1, então é Efeito 1: S (Caso 1 -> Efeito 1). 2.2. Regra técnica (princípio da instrumentalidade): relação de meios e fins. a) Para Fim 1, então deve (precisa) ser Meio 1: S [Dt (Fim 1 <- Meio 1)] b) Análise de eficiência; não envolve somente a relação de causa e efeito, buscam-se resultados eficientes (neutralidade). 2.3. Norma social (princípio da imputação): relação de dever ser entre fato social e conduta. a) Dado Fato 1, então deve ser Conduta 1: Dn (Fato 1 -> Conduta 1). b) Uma conduta diferente da normatizada não invalida a norma, pois esta não se relaciona com a verdade na experiência empírica. 2.4. S = plano do ser; Dt = dever-ser técnico; Dn = dever-ser normativo. III. Linguagem (enunciado e proposição) descritiva, expressiva e prescritiva a) Linguagem = signo: comunicado como um todo b) Enunciado = significante: palavras -> positivismo: análise literal c) Proposição = significado: semântica ->contrapositivismo: várias interpretações 3.1. Linguagem descritiva: associada à expectativa cognitiva; análise do mundo objetivo. a) Forma declarativa ou indicativa b) Função cognitiva c) Pretensão de verdade 3.2. Linguagem expressiva: refere-se a determinantes de sociabilização; trata de aspectos do mundo subjetivo (ex.: eu te amo). a) Forma exclamativa b) Função autorrepresentativa c) Pretensão de sinceridade/autenticidade 3.3. Linguagem prescritiva: associada à expectativa normativa; análise do mundo intersubjetivo. a) Forma imperativa b) Função normativa c) Pretensão de validade IV. Norma jurídica e demais normas sociais 4.1. O modelo tradicional de distinção a) Norma Moral: Interna (subjetiva), Unilateral, Autônoma, Incoercível; b) Convenções sociais: Externa (social), Unilateral, Heterônoma, Incoercível; c) Normas jurídicas: Externa (social), Bilateral, Heterônoma, Coercível. d) Principal crítica a esse modelo: moral é social e implica alteridade 4.2. Um modelo de distinção conforma as teorias mais recentes (Neves) a) Norma moral: Social; Alteridade; Autônoma; Pessoa como objetoda expectativa; Não há um terceiro legitimado para solucionar conflitos; Sanção socialmentedifusa; Incoercível; Não estruturadasistêmico- funcionalmente(insuficientemente generalizável); b) Convenções sociais: Social; Alteridade; Heterônoma; Conduta como objeto da expectativa; Não há terceiro legitimado para solucionar conflitos; Sanção socialmente difusa; Difusamente coercível (pressão sócio-psíquica); não estruturada sistêmico-funcionalmente (generalizável incongruentemente); c) Normas Jurídicas: Social; Alteridade; Heterônoma; Conduta como objeto da expectativa; Terceiro legitimado para solucionar conflitos; Sanção socialmente organizada; Coercível (também possibilidade de uso da força física); Estruturada sistêmico-funcionalmente (generalizável congruentemente). V. Estrutura lógica da norma jurídica 5.1. Norma referente à conduta lícita a) Dado Fato 1, então deve ser Conduta 1: D (Fato 1 -> Conduta 1). b) Normalmente é a norma primária que estabelece simples relações de cumprimento de expectativas. Ex.: Código Civil (normatividade positiva). 5.2. Norma sancionatória a) Dada a não realização da Conduta 1, então deve ser atribuída a Sanção 1: D (-Conduta 1 -> Sanção1) b) Normalmente é a norma secundária que estabelece o que acontece se as determinações primárias das condutas lícitas não forem seguidas. Ex.: Código Penal (normatividade negativa). 5.3. Estrutura disjuntiva da norma jurídica a) Dado Fato 1, então deve ser realizada a Conduta 1 OU dada a não realização da Conduta 1, então deve ser atribuída a Sanção 1: D [(Fato 1 -> Conduta 1) v (-Conduta 1 -> Sanção1)] b) É a normacompleta VI. Conclusão 6.1. Expectativa de comportamento estabilizada contrafactualmente (norma): mesmo com o descumprimento, a norma é a mesma. 6.2. Possibilidade de imposição heterônoma (em relação à pessoa): um terceiro pode impor, ao contrário da moral. A coercibilidade é externa e seu seguimento não depende da concordância do indivíduo às normas. 6.3. Institucionalização da solução de conflito por um terceiro: juiz. 6.4. Sanção socialmente organizada. 6.5. Coercibilidade (direta ou indireta). 6.6. Expectativa selecionada sistemicamente por procedimentos. 6.7. Pretensão de generalização congruente. Seminário – Fato jurídico: plano da existência I. Conceito de Fato Jurídico 1.1.A concepção tradicional de fato jurídico a) Romanos: não reconheciam, em plano doutrinário, a teoria do fato jurídico. Dessa forma, não há uma expressão latina própria para mencionar a espécie. Utilizam expressões diversas como actus, actum, causa, gestum, negotium, factum, contractum, pactum, stipulatio para se referirem às circunstâncias que influíam nas situações jurídicas. b) Savigny: “Chamo fatos jurídicos os acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem e terminam”.Limita-se ao nascimento e à extinção das relações jurídicas, sem mencionar as transformações por que elas passam em virtude dos fatos jurídicos. c) Santoro Passarelli: “São fatos jurídicos os que produzem um evento jurídico que pode consistir, em particular, na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, ou, também, na substituição duma relação nova a uma relação preexistente, e, ainda, na qualificação duma pessoa, duma coisa ou de um fato”. Ressalta a função que o fato jurídico tem no mundo do direito – produzir efeitos jurídicos. Contudo, a eficácia jurídica não é elemento essencial do fato jurídico, além de que, sendo a eficácia resultado do fato jurídico, não é conveniente definir a causa pela consequência, porque quando tiver de definir a consequência reporta-se à causa, estabelecendo um ciclo vicioso. 1.2.A concepção de Pontes de Miranda a) Pontes de Miranda: “... o fato jurídico é o que fica do suporte fáctico suficiente, quando a regra jurídica incide e porquê incide. Tal precisão é indispensável ao conceito de fato jurídico. ... no suporte fáctico se contém, por vezes, fato jurídico, ou ainda se contêm fatos jurídicos. Fato jurídico é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica. Não importa se é singular, ou complexo, desde que, conceptualmente, tenha unidade”. II. A Classificação do Fato Jurídico 2.1.À procura de um critério a) Classificação segundo os efeitos: considerando que os fatos jurídicos constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas, os fatos são classificados em constitutivos, modificativos ou extintivos. b) Classificação segundo a natureza dos fatos: a. Orlando Gomes: os fatos jurídicos agrupam-se em duas grandes categorias: i. Acontecimentos naturais 1. Acontecimentos naturais ordinários 2. Acontecimentos naturais extraordinários ii. Ações humanas 1. Ações humanas de efeitos jurídicos voluntários – atos jurídicos lato sensu 2. Ações humanas de efeitos jurídicos involuntários – atos ilícitos c) Crítica a esses critérios: inconsistência científica a. Quanto à classificação segundo os efeitos: i. É cientificamente condenável a identificação do ser pelas suas consequências, pois que estas lhe são posteriores e dependentes. ii. Os efeitos não se limitam à constituição, à modificação e à extinção. Torna-se necessária uma catalogação mais abrangente, a fim de atender a todos aqueles casos que os juristas soem isolar no mundo jurídico. iii. Há situações em que os fatos jurídicos não produzem efeitos, produzem mais de um efeito, dificultando sua inclusão em uma das classes propostas. b. Quanto à classificação segundo a natureza: i. Imprecisão e insuficiência para abranger todas as espécies possíveis. 2.2. A proposta de Teixeira de Freitas a) O fato em geral (fato jurídico lato sensu) compreende: a. Fatos exteriores (fato jurídico stricto sensu) b. Fatos humanos (atos) i. Involuntários – necessários (atos praticados sem liberdade, que correspondem às causas de excludência de ilicitude: legítima defesa, estado de necessidade ou, fortuitos – cujo conceito se aproxima de ato-fato jurídico). ii. Voluntários – atos jurídicos lato sensu 1. Atos lícitos a. Lícitos – não tem por fim imediato a aquisição, modificação ou extinção de direito, somente produzem os efeitos que forem expressamente atribuídos pela lei – conceito assemelhado ao de ato jurídico stricto sensu. b. Jurídicos – negócios jurídicos 2. Atos ilícitos. b) Desta proposta, é possível discordar da terminologia, que parece menos adequada e expressiva que a usual de hoje em dia, por influência dos alemães 2.3. O critério adotado a) Classificação segundo o elemento cernedo suporte fáctico: uma classificação deve individuar as espécies considerando dados essenciais que lhes são próprios e exclusivos, portanto, que as caracterizam e as distingam das demais. Por isso, elementos acidentais ou comuns a mais de uma espécie não podem servir de base a uma taxonomia. b) Pontes de Miranda, que obteve sucesso nessa classificação, se funda em dado invariável do fato jurídico; basta conhecer a descrição normativa do suporte fáctico para que se possa identificar de qual espécie se trata. É identificável como elementos nucleares (cerne) diferenciais: a. A conformidade ou não-conformidade do fato jurídico com o direito. b. A presença, ou não, de ato humano volitivo no suporte fático tal como descrito hipoteticamente na norma jurídica. • O erro que porventura possa existir ficará sempre por conta da má interpretação da norma. 2.4. Conformidade e contrariedade a direito a) Considerações gerais: a. Há fatos que se concretizam em conformidade com as prescrições jurídicas e se constituem, por esse motivo, na própria realização afirmativa da ordem jurídica; são os fatos conformes a direito, ditos, também, lícitos. b. Há outros, no entanto, cuja concreção representa violação das normas jurídicas e implica, assim, a negação do direito; são os fatos contrários a direito, geralmente chamados ilícitos. c. Ente esses dois tipos de fato há características: i. Comuns, que os identifica genericamente como fatos jurídicos, tais como: 1. Ambos constituem suporte fático de normas jurídicas; 2. Os dois têm consequências específicas sobre as relações jurídicas, tanto para criar, como para extingui-las e modifica-las. ii. E particular, típica e ineliminável, que integra, com essencialidade o cerne do próprio fato jurídico e os diferencia, definitivamente, entre si: a conformidade ou não-conformidade com o direito. b) Divergências doutrinárias: discute-se, doutrinariamente, se os fatos ilícitos seriam fatos jurídicos. a. Os que se negam sustentam sua opinião nos seguintes argumentos: i. Configuraria uma contradição incontornável considerar-se jurídico aquilo que, por sua natureza, é contra o jurídico. ii. Se a função do fato jurídico, mais especificamente dos atos jurídicos, consiste em criar direitos ou obrigações para a pessoa que o praticou, segundo a sua vontade, e se o ato ilícito cria obrigação, e somente obrigação, para o responsável, independentemente de suavontade e até contra ela, esse fato não poderia ser considerado jurídico. b. Críticas: i. Não se deve confundir jurídico com licitude. Jurídico tem um sentido que abrange tudo aquilo, e somente aquilo, que, por força da incidência da norma jurídica, entra no mundo jurídico. Para ser jurídico, é preciso que o fato esteja previsto como suporte fático de uma norma jurídica juridicizante e receba a sua incidência. Se não houver uma norma jurídica que os juridicize, permanecerão ajurídicos, embora possam ser lícitos. ii. Não há, no mundo jurídico, efeito jurídico, do mais amplo e irrestrito direito à mais simples situação jurídica, que não decorra, exclusivamente, de um fato jurídico. 2.5. Elemento volitivo cerne do suporte fático a) Dentro dessas categorias (conforme a direito e contrário a direito), a classificação das espécies tem em mira um dado que as distingue: a presença, ou não, de conduta humana volitiva à base do suporte fático. b) Analisando o mundo do direito, constata-se que há fatos jurídicos cujos suporte fáticos são integrados: a. Por simples fatos da natureza ou do animal, que prescindem, portanto, para existir, de ato humano; são os fatos jurídicos stricto sensu, lícitos e ilícitos. b. Outros, diferentemente, têm sua base, como elemento essencial (cerne), um ato humano; dentre estes: i. Embora a conduta humana lhe seja essencial à existência, o direito considera irrelevante a circunstância de ter, ou não, havido vontade de praticá-la, dando mais realce ao resultado fático que dela decorre do que a ela própria: são os atos-fatos jurídicos, lícitos e ilícitos. ii. Não só é relevante, mas constitui o próprio cerne do fato jurídico. São os atos jurídicos lato sensu, que se subdividem em atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos e atos ilícitos. QUADRO RESUMO 1. FATO JURÍDICO LATO SENSU 1.1. CONFORME A DIREITO (LÍCITO) a) Fato jurídico stricto sensu – não há vontade b) Ato-fato jurídico– consequência involuntária c) Ato jurídico lato sensu– há vontade a. Ato jurídico stricto sensu – quando as consequências jurídicas independem da vontade b. Negócio Jurídico– definição de como quer que a relação jurídica seja 1.2.CONTRÁRIO A DIREITO (ILÍCITO) a) Segundo o suporte fático a. Absoluto(delitos) e Relativo(pode ser reparado) i. Fato ilícito stricto sensu– eventos da natureza ii. Ato-fato ilícito – a consequência é involuntária iii. Ato ilícito civil- voluntário b. Ato ilícito criminal i. Crime ii. Contravenção penal b) Segundo a eficácia a. Ato ilícito indenizativo b. Ato ilícito caducificante– perda de direito c. Ato ilícito invalidante– objeto ilícito 2.6. Critérios para catalogar os fato jurídicos a) “Nomen iuris” e suporte fático – não importa o nome que lhe seja dado pelos interessado. b) Configuração e concreção do suporte fático – não importa a configuração que se pretenda dar aos fatos concretizados. c) Função e classificação– vários fatos jurídicos, que têm a mesma função jurídica, podem ter classificações diferentes; quer dizer, a função jurídica do fato não é elemento bastante para a sua classificação. d) Elemento estranho ao suporte fático – há necessidade, para fim de classificação, de considerar o fato jurídico com referência ao sistema jurídico respectivo, porque o tratamento dado aos fatos nem sempre é o mesmo. Tópico III: Da Norma Jurídica ao Fato Jurídico: Como se relacionam normatividade e facticidade no direito? I. Introdução 1.1.A estrutura da norma jurídica a) Norma referente à conduta lícita: D (Fato 1 -> Conduta 1) b) Norma sancionatória: D (-Conduta 1 -> Sanção 1) c) Estrutura disjuntiva da norma jurídica: D [(Fato 1 -> Conduta 1) v (-Conduta 1 -> Sanção 1)] 1.2.Formas do dever-ser (modais deônticos): proibido, permitido e obrigado. 1.3. O fato jurídico como espécie de fato social: o fato jurídico é um evento da sociedade que produz comunicação no sistema do Direito II. Construção do fato jurídico entre norma e realidade social subjacente 2.1. O suporte fático: acontecimento no mundo descrito em comunicação juridicamente relevante. a) Suporte fático é diferente de dado de fato (evento bruto). Aquele surge a partir da comunicação jurídica desencadeada pelo evento. 2.2. A norma jurídica e a previsão do fato jurídico: seleção de determinados aspectos do suporte fático. a) Um evento qualquer (dado de fato), quando observado pelo direito e comunicado a partir da linguagem jurídica, se torna um suporte fático. Após uma seleção de elementos, ele se torna um fato jurídico. Com a redução, o que não é de interesse do direito é eliminado. b) O fato jurídico é um aspecto normativamente qualificado do suporte fático. Ele recebe a incidência da norma e se enquadra/adequa a ela. III. “Incidência” da norma sobre o suporte fático e a subsunção do suporte fático à norma 3.1. A “incidência” da norma sobre o suporte fático como concreção da hipótese normativa: abstrato -> concreto. 3.2. A subsunção do suporte fático à norma como qualificação jurídica do fato: enquadrar o fato à hipótese normativa. 3.3. “Incidência” e subsunção como duas faces da mesma moeda 3.4. “Incidência” e subsunção como construção do fato jurídico: o fato jurídico só tem sentido a partir da norma, e a norma, a partir do fato. IV. A prova como meio de construção do fato jurídico 4.1. A prova como “questão de fato”: pertencente à descrição do suporte fático a) Tipos de prova (não há hierarquia entre elas): - Prova documental; - Prova pericial; - Prova testemunhal (parcialidade); - Confissão. b) A licitude da prova: prova ilícita não serve para a construção do fato jurídico V. Tipos de fato jurídico 5.1. Quanto aos efeitos: a) Constitutivos – constituem uma nova relação jurídica. Ex.: compra e venda; b) Modificativos – modificam uma relação jurídica. Ex.: locação (pode ser pela autonomia privada); c) Extintivos – extinguem uma relação jurídica. Ex.: morte, pagamento. 5.2. Quanto ao “cerne” do suporte fático a) Fato jurídico stricto sensu: não tem ação humana, evento natural (ordinário/extraordinário), tem relevância jurídica; b) Ato-fato jurídico: consequência involuntária, o que importa é o resultado, não a capacidade da pessoa/menor ou deficiente. c) Ato jurídico: precisa de capacidade, considera a relevância da vontade no direito - Ato jurídico stricto sensu: ocorre quando as consequências jurídicas independem da vontade; - Negócio jurídico: definição de como quer que a relação seja. VI. Conclusão 6.1. O fato jurídico distingue-se do suporte fático enquanto evento descrito/real. 6.2. A construção do fato jurídico importa um processo seletivo de enquadramento do suporte fático à hipótese normativa. 6.3. O processo seletivo de construção do fato jurídico (concretização) resulta da intersecção entre interpretação do texto normativo e qualificação jurídica do suporte fático. 6.4. A “incidência” da norma ao fato (concretização da hipótese normativa) e a subsunção do suporte fático à norma (qualificação jurídica do fato) constituem o processo de formação do fato jurídico. Para isso, é necessário uma seleção que resulta do contato entre a interpretação do texto normativo (questão de direito) e a qualificação do suporte fático (questão de fato). Seminário – ADPF 132: União homoafetiva A ADPF 132 diz respeito à legalização da união estável homoafetivae o objeto principal do conflito se deu ao modo de interpretação da Constituição. A atuação do STF – que votou unanimemente pela procedência desta ADPF – foi alvo de diversas críticas. Segundo algumas delas – contrárias à decisão –, o Tribunal agiu como legislador e, dessa forma, quebrou o princípio da harmonia entre os poderes, uma vez que o Judiciário foi sobreposto ao Legislativo. Essa afirmação baseia-se no argumento de que tanto o Código Civil quanto a Constituição Federal são bastante claros na definição de família como união entre um homem e uma mulher. A decisão do STF de estender a união estável aos homoafetivos iria, portanto, de encontro à literalidade desses dispositivos normativos. Por outro lado, por muitos, a decisão do Pretório Excelso foi considerada como justa. Isso porque o ativismo judicial – que ocorreu no caso em questão – é visto como necessário quando o Legislativo se omite ou demora a se manifestar sobre comportamentos que ofendam a Carta da República. Nessa visão – a favor da procedência – a manutenção da proibição da união estável entre casais homoafetivos ofenderia o princípio da igualdade. Os preceitos fundamentais ditos violados pela restrição são: o direito à igualdade, o direito à liberdade, a autonomia da vontade, a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica. Apesar da unanimidade da decisão, os argumentos que a ela levaram não foram os mesmos. Os Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski arguiram que há lacunas na lei, uma falha do direito, aplicando em suas decisões analogias, sendo que Lewandowski caracteriza a união homoafetiva como um 4º tipo de entidade familiar (além do casamento civil, da união estável e da família monoparental). O Ministro-Relator Ayres Britto cita o artigo 3º da Constituição Federal de 1998, no qual deve-se “promover o bem de todos, sem preconceitos de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; aqui exibe-se um “constitucionalismo fraterno”. Para o jurista, não se deve fazer uso da letra da Carta Magna para “matar seu espírito” – uma vez que a Constituição não tem caráter homofóbico.Seu voto vale-se também do princípio kelseniano de que “tudo aquilo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido” presente no artigo 5º inciso II da Carta Federal. Foram contra a procedência da ADPF a Associação Eduardo Banks – amicus curiae – e o representante do Ministério Público, Cláudio Fonteles. Aqueles disseram que união estável presume casamento e, uma vez que os homoafetivos não podem se casar, esta não pode ser um direito deles. Já este disse que a letra da lei é clara, sendo somente uma união heteronormativa passível de uniões estáveis. Argumentos a favor da decisão: - Princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade, da vedação da discriminação em razão de sexo ou de qualquer outra natureza, tal qual a orientação sexual, e do pluralismo. - Todas as pessoas da espécie humana são iguais, sendo descabíveis distinções de qualquer natureza. "Iguais para suportar deveres, ônus e obrigações de caráter jurídico positivo, iguais para titularizar direitos, bônus e interesses também juridicamente positivados". - Manter a Constituição da posse do seu atributo fundamental de coerência, pois o conceito contrário implicaria forçar o Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. - Interpretação analógica: como não há proibição expressa, pode-se fazer uma analogia com casos já existentes de união estável entre homem e mulher para legalizar a entre pessoas do mesmo sexo. Argumentos contrários à decisão - A letra da lei é clara – análise positivista - Inconstitucionalidade da própria Constituição - O reconhecimento das relações homoafetivos não diminui o preconceito e pode, na verdade, aumentar a violência contra eles, uma vez que os torna mais expostos. Análise de Kelsen x análise de Hart No debate Kelsen x Hart, o principal conflito se dá em relação à moral. Ao contrário de Kelsen, Hart defende que o direito tem raiz na moral e que ela é necessária, e que ssa moral se identificaria com as regras primárias de obrigação, que, efetivadas por regras secundárias, constituiriam o direito. Tópico IV: Do Fato Jurídico à Relação Jurídica: em que medida os fatos constituem condições dos direitos e deveres? I. Eficácia jurídica dos fatos jurídicos 1.1. A eficácia jurídica – que não significa cumprimento, mas sim relação – de um fato jurídico pode resultar em uma norma jurídica, em uma relação jurídica ou em uma situação jurídica. a) Fato Jurídico de Produção Normativa: sua eficácia jurídicaleva à produção de normas, que pode ser individual e concreta ou geral e abstrata. b) Fato Jurídico Constitutivo (modificativo ou extintivo) de Situação Jurídica: sua eficácia jurídica age sobre uma situação jurídica de sujeito de direito, ou de status jurídico. - Situação Jurídica de Sujeito de Direito: capacidade geral ou especial de ter direitos/deveres ou de exercê-los/cumpri-los. Personalidade jurídica (pessoa física ou jurídica), capacidade de exercício/imputabilidade, sujeito sem personalidade. Envolve a personalidade jurídica e a imputabilidade. - Situação Jurídica de Status Jurídico: capacidade especial de ter direitos/deveres ou de exercê-los/cumpri-los. Nacionalidade/cidadania, maternidade/paternidade, idoso/criança/adolescente, portador de necessidades especiais, pertinência a grupo “étnico-racial”. Envolve as posições sociais. c) Fato Jurídico Constitutivo (modificativo ou extintivo) da Relações Jurídicas: sua eficácia jurídica age sobre uma relação jurídica, que é quando ocorre um determinado acontecimento regulado pelo direito. As relações jurídicas definem os direitos e deveres dos sujeitos envolvidos; algumas se extinguem tão logo seus efeitos sejam produzidos (uber-passageiro), enquanto outras possuem efeitos duradouros (relação matrimonial). II. Direitos de deveres como conteúdo da relação jurídica 2.1.Estrutura Básica da Relação Jurídica Direito(s) <---------------------------------------------------------------------> Dever(es) (sujeito ativo) Prestação (ação/omissão) (sujeito passivo) objeto da prestação 2.2. Níveis Eficaciais da Relação Jurídica (Pontes de Miranda) Sujeito(s) ativo(s) <----------------------------------------------------> Sujeito(s) passivo(s) Direito subjetivo <-----------------------------------------------------> Dever Pretensão <-----------------------------------------------------> Obrigação Ação (material) <----------------------------------------------------> Situação de acionado a) O sujeito ativo tem o direito subjetivo, por isso recai sobre ele uma pretensão. Ele é quem realiza a ação. O sujeito passivo tem um dever, portanto, uma obrigação. Ele é o acionado. 2.3. Relações jurídicas de direito real e de direito pessoal a) Direito real: Direito erga omnes (exerce sob todos): polo passivo formado por sujeitos passivos indeterminados. Propriedade (tradição/transcrição). Objeto: coisa ou bem imaterial. b) Direito pessoal: direito perante sujeitos passivos determinados. Objeto: prestação concreta e determinada de fazer ou não fazer. III. Da relação jurídica de direito material à relação jurídica de direito processual 3.1. Relação de direito material ou substantivo: concreção de normas de conduta. 3.2. Relação de direito processual ou adjetivo: concreção de normas de procedimento. - A questão é a própria aplicação da norma deconduta e a existência da relação ou da situação jurídica respectiva, a existência ou não dos direitos e dos deveres alegados. 3.3. A estrutura básica da relação jurídica processual: relação triangular, autônoma e de caráter público entre o juiz/Tribunal (mediador) e as partes integrantes da relação jurídica (autor e réu). IV. Da relação jurídica de direito privado à relação de direito público material 4.1. A relação jurídica de direito privado a) Simetria entre os polos da relação (mesmo nível de poder e de autoridade). Exceção: relações decorrentes do poder dos pais. b) Em nenhum dos polos da relação há uma autoridade no exercício do jus imperium (poder de impor o direito). 4.2. A relação jurídica de direito público: a) Assimetria entre os polos da relação. Exceção: relações entre pessoas jurídicas de direito público interno e internacional. b) Um dos polos da relação está no exercício do jus imperium. 4.3. A estrutura básica da relação de direito público material (pessoa jurídica de direito público versus particulares) Poder-dever Poder-faculdade Dever-sujeição Direito público subjetivo V. Conclusões 5.1. A eficácia jurídica do fato jurídico poder a constituição, a alteração ou a extinção de relação jurídica, situação jurídica ou norma jurídica. 5.2. A relação jurídica supõe a existência de sujeitos de direito no polo ativo e no polo passivo, tendo como conteúdo direitos e deveres. 5.3. As relações jurídicas de direito material (conteúdo; conduta) se distinguem das relações jurídicas de direito processual (relação entre as partes; procedimento) em sua estrutura e função. 5.4. As relações jurídicas de direito privado (simetria) se distinguem das relações jurídicas de direito público (assimetria) em sua em sua estrutura e função. Seminário – Kelsen e Hart I. Teoria Geral do Direito e do Estado – Hans Kelsen 1.1.Norma superior e norma inferior a) Uma norma superior regula a criação de uma norma inferior; sendo que o fundamento de validade desta norma é sua superior, ou, no caso da norma fundamental, uma validação pressuposta, pois não há uma norma superior a ela. b) Hierarquia das normas: Constituição Normas Gerais Eficácia Normas Individuais Validade • Nível mais elevado: Norma fundamental – fundamento supremo que constitui a unidade da ordem jurídica e o determinante primordial da validade de todas as outras normas de uma mesma ordem jurídica; ponto inicial de um processo de criação de outras normas, que não são dedutíveis, mas criadas por um ato de vontade humana. • Criação de uma norma jurídica: costumes ou legislação. • Criação de uma norma individual: atos judiciais ou transações jurídicas. 1.2. Os diferentes estágios da ordem jurídica a) Constituição: nível mais elevado depois da norma fundamental. Dois sentidos: • Sentido material: conjunto de normas escritas ou não, que “não determina apenas órgãos e o processo de legislação, mas também, em certo grau, o conteúdo das leis futuras” (normas gerais). • Sentido formal: documento solene; conjunto de normas escritas, que engloba outras além das da Constituição material, b) Direito Legislado (Estatutário): positivação; centralizado, criado por órgãos instituídos para esse fim. c) Direito Consuetudinário: costume; descentralizado e criado pelos indivíduos a ele sujeitos. d) Direito Adjetivo (Formal): determinar os órgãos aplicadores do Direito e o processo a ser observado por estes (acessório). e) Direito Subjetivo (Material): determinar os atos judiciais e administrativos desses órgãos que aplicam as normas gerais de forma concreta por meio de normas individuais criadas por eles (principal). • Os dois tipos de norma (material e formal) são extremamente dependentes um do outro, pois a aplicação de leis sem as determinações dos conteúdos ou de como agir é impossível. f) Fontes do Direito: métodos de criação e de aplicação do Direito (elementos jurídicos) ou tudo aquilo que influencia os órgãos criadores do Direito (elementos não jurídicos). Devido a essa ambiguidade, o termo “fontes do Direito” é inútil. g) Criação e Aplicação do Direito: todo ato criador de Direito é também um ato aplicador do Direito, uma vez que, ao ser criada, uma norma é regulada por outra, assim, esta é aplicada. Norma fundamental: criação; Sanção concreta: aplicação. 1.3. Negócios Jurídicos (Transações Jurídicas) a) Representam os indivíduos autorizados pela ordem jurídica a regularem certas ações de forma jurídica; aplicação de normas gerais e criação de direitos de deveres para as partes envolvidas, possibilitando nessa regulação das relações recíprocas individuais, certa autonomia privada. b) As normas secundárias – produtos dos negócios jurídicos – dão origem aos direitos e aos deveres jurídicos, formulando obrigações que, caso não cumpridas, estão sujeitas a sanções, previstas por normas primárias. c) O dever de reparar um eventual dano causado é estipulado pela norma primária geral que vincula a sanção à não reparação • Delito civil: dever jurídico de reparar um dano causado de modo ilícito como forma de obrigação substituta. • Delito criminal: a conduta que causou o dano é a condição de uma sanção criminal; não há obrigação jurídica de reparar o dano causado, caso haja reparação, tratar-se-á de uma obrigação adicional. d) Contratos: declaração da vontade de uma ou mais partes. Deve-se verificar compatibilidade entre o expresso e a vontade efetiva, além de estabelecer um período de não desistência da oferta, pois, após a efetivação do contrato como norma, não se consideram mais as vontades das partes, mesmo que elas mudem. • Atos jurídicos bilaterais: colaboração ao menos de dois indivíduos • Atos jurídicos unilaterais: norma criada por apenas um indivíduo. 1.4. Relação entre atos jurídicos e as normas pré-existentes aplicadas por estes atos a) Em toda decisão, aplica-se a norma geral do Direito Adjetivo (pela qual o indivíduo se torna juiz e pode decidir com seu próprio arbítrio), ou uma norma geral do Direito Substantivo (decisão do caso concreto). b) Se a norma não abarcar nenhuma obrigação de cumprimento, o Tribunal pode: • Optar por absolver o réu; • Optar por rejeitar a queixa, com base na norma geral em questão; • Optar por decidir de acordo com seu próprio arbítrio: juiz como legislador é autorizado a criar uma norma do Direito Substantivo que ache justa. 1.5. Conflitos entre normas de diferentes estágios a) Concordância ou discordância entre a decisão judicial e a norma geral a ser aplicada: apenas um órgão que tem que explicar a norma superior pode decidir se a norma individual corresponde às normas gerais. b) Concordância ou discordância entre Estatuto e Constituição (Estatuto Inconstitucional): abolição por via ordinária (STF), ou anulado de modo extraordinário (Legislativo). c) Nulidade e Anulabilidade: • Anulabilidade: uma norma jurídica pode ser anulada por órgão especial. • Nulidade: norma nula (Ex.: não foi expedida por órgão competente). • Nulidade absoluta: qualquer sujeito, não apenas um órgão competente, pode anular a norma; não há exigência de um processo específico. 1.6. Validade e Eficácia a) Princípio da legitimidade: normas são validas enquanto não forem invalidadas. b) Princípio da eficácia: restringe o princípio da legitimidade, uma vez que a eficácia da ordem jurídica como um todo é condição necessária, e não fundamento (criação de forma constitucional), para a validadedas normas. c) Para que uma norma seja válida, ela deve ser criada segunda a norma fundamental e não deve ter sofrido anulação: • Por estabelecimento da própria ordem; • Por dessetude (efeito jurídico de caráter negativo do costume, carência contínua de eficácia); • Por perda de eficácia do sistema como um todo (tensão constante entre o “ser” e o “dever-ser”). II. O Conceito de Direito – Herbert L. A. Hart 2.1.Dois conceitos centrais em sua definição de ordenamento jurídico: a) Normas primárias: regras de conduta capazes de impor obrigações. b) Normas secundárias: atribuição aos indivíduos de alterar e de extinguir as normas do primeiro tipo, de introduzir novas normas com bases nestas e, por vezes, determinar onde serão aplicadas; são consideradas, portanto, soluções para os problemas das normas primárias. c) Ordenamento jurídico é uma união coesa de regras primárias e de regras secundárias. 2.2. Problemas das normas primárias e soluções propostas pelas normas secundárias a) Problema da incerteza: não formação de um sistema pelas regras primárias, sendo somente um conjunto de padrões separados, sem qualquer identificação comum. Solução: Regra de Reconhecimento – estabelece um meio que possibilita a verificação de validez de todas as outras normas, fixada com base nessa norma específica, embora sua própria validez não possa ser comprovada. b) Problema da estaticidade: não há formas de adaptação das normas às novas circunstâncias em mutação, não havendo maneiras de criação e de extinção das regras. Solução: Regras de Mutação – definem quem tem autoridade e responsabilidade para a introdução, alteração ou eliminação das regras primárias. c) Problema da ineficácia: elevada taxa de violação às regras primárias, sem uma autoridade específica para averiguação desse descumprimento e para aplicação de punições. Solução: Regras de Julgamento – dão poder aos indivíduos para proferir determinações dotas de autoridade respeitante à questão sobre se foi violada uma regra primária, além de identificar os indivíduos que devem julgar, tais regras definirão também o processo a seguir. 2.3. Formas de expressão das normas a) Interna: quando o indivíduo, aceitando a regra de conhecimento e sem declarar o fato de que aceita, aplica a regra, ao reconhecer uma qualquer regra concreta do sistema como válida. b) Externa: linguagem natural de um observador externo ao sistema que, sem aceitar ele próprio a Regra de Reconhecimento desse sistema, enuncia o fato de que outros a aceitam. 2.4. Para Hart, a simples concordância da norma com a Regra de Reconhecimento seria critério de validade, não levando em consideração, portanto, a eficácia. Tópico V: Da Relação Jurídica ao Ordenamento Jurídico: como os direitos (“subjetivos”) se relacionam com a estrutura do direito (“objetivo”)? I. Retrospectiva Da sociedade surgem os conflitos interpessoais e a incongruência de expectativas. Esses são os conflitos típicos do direito, que são resolvidos a partir de normas jurídicas. Estas, por sua vez, surge de uma expectativa normativa sobre um determinado fato social; ela incide sobre um fato jurídico e sua eficácia jurídica recai sobre uma relação jurídica, constituindo-a, modificando-a ou extinguindo-a. II. Direitos e deveres como conteúdos abstratos do ordenamento jurídico: a estática jurídica 2.1.Do concreto para o abstrato: a previsão das relações e das situações jurídicas no “Direito objetivo” a) O “Direito objetivo” prevê relações e situações jurídicas de forma abstrata. Quando os particulares exercem sua autonomia e realizam um contrato, por exemplo, aquilo que estava previsto na estrutura normativa se concretiza. Ex.: Código Civil permite a elaboração de contrato de compra e venda de imóveis – abstração; compra de uma casa – concretização. 2.2. Previsão de direitos, deveres, sanções na estrutura normativa do direito 2.3. Tipos de normas jurídicas a) Quanto aos destinatários: gerais (número de pessoas indeterminado) e individuais (pessoas determinadas, delimitação); b) Quanto aos casos ou situações reguladas (referem-se a situações jurídicas, não a pessoas): abstratas (hipotéticas, casos indeterminados) e concretas (realidade, caso determinado); c) Quanto à função normativa (modais deônticos): obrigatórias (dever de praticar), proibitivas (dever de omissão) e permissivas/autorizativas (facultativo). III. Como se constrói o ordenamento jurídico: a dinâmica jurídica 3.1. A dinâmica jurídica: criação e aplicação do direito 3.2. A estrutura escalonada do ordenamento jurídico conforme Hans Kelsen a) Autoprodução do Direito - autopoiese; o Direito é criado a partir de seus próprios elementos; norma criada a partir de outra norma. b) Relatividade dos conceitos de criação e de aplicação jurídica – a criação do Direito é também sua aplicação. Quando uma norma inferior é criada a partir de uma norma superior, está sendo aplicada. Constituição Leis Decretos Negócios Jurídicos, Atos Administrativos e Decisões Judiciais Observância Execução da sanção A norma fundamental é a condição de validade da ordem geral, portanto, garante a efetividade geral do ordenamento jurídico. A observância é a condição de validade de uma norma, o que garante uma eficácia mínima, que é a condição de validade para Kelsen. 3.3. A estrutura hierárquica do ordenamento jurídico segundo Herbert L. A. Hart a) A Regra de Reconhecimento é o critério de validade de todas as outras normas. Junto com ela, as Regras de Julgamento e as Regras de Mutação constituem o grupo das Regras Secundárias (de Organização). As Regras de Julgamento conferem poder para julgar se determinada regra foi ou não violada, além do processo a ser seguido. As Regras de Mutação conferem poder a um ou mais indivíduos para introduzir, modificar ou eliminar regras (processo legislativo). A união das Regras Primárias (de Conduta) com as Regras Secundárias (de Organização) forma o Ordenamento Jurídico. b) Em sociedades primitivas, existiam apenas as Regras Primárias (de Conduta). A conviência era possibilitada porque, nesse tipo de organização social, a diferenciação entre os indivíduos era baixa. Com a complexificação das estruturas sociais surgem três problemas: o da elasticidade, o da incerteza e o da ineficácia. c) As Regras de Mutação garantem a modificação da própria ordem jurídica, por isso são a solução para o problema da elasticidade (baixa capacidade de adaptação das normas às circunstâncias que mudam com o decorrer do tempo). As Regras de Julgamento atribuem poderes para julgar a violação das regras, solucionando o problema da ineficácia (imprecisão na determinação da violação das regras e ausência de uma instituição que aplique as devidas punições). A Regra de Reconhecimento permite a delimitação da validade jurídica, resolvendo o problema da incerteza (inexistência de delimitação do âmbito das regras) IV. Como se reproduz o ordenamento jurídico: a circularidade do direito 4.1. Limites da hierarquia na dinâmica de reprodução do direito: tangled hierarchies a) Hierarquia cruzada: Ex.: a Constituição limita o Tribunal, mas o Tribunal diz o que é a Constituição. b) Diferente dos modelos de Kelsen e de Hart, o que se observa, na realidade, é uma hierarquia não linear. Um mesmo patamar infuencia e é influenciado. Não existe, portanto, uma hierarquia absoluta. A Constituição determina os níveis inferiores do ordenamento, mas o sentido dela depende das práticas que ocorrem neste; dessa forma, pode-se falar em uma reprodução circular do direito. 4.2. A reproduçãocircular do direito a) Os juízes e os Tribunais se encontram no centro do sistema jurídico. Eles se embasam nas leis, na dogmática jurídica, nos costumes jurídicos, nos contratos e nos precedentes jurisprudenciais para atuarem; mas sua atuação pode modificar todos esses elementos. Isso demonstra uma relação de influência concomitante entre o centro e a periferia do sistema do direito. V. Limites do ordenamento jurídico: o problema das lacunas 5.1. A completude é característica do ordenamento jurídico? a) Posição da escola do direito livre: o direito é lacunoso. A realidade é complexa e as normas não conseguem atender a essa realidade. b) As posições positivistas: - Espaço jurídico vazio: se não há regulamentação, não é jurídico. Não há lacuna, mas sim um espaço social irrelevante para o direito. - Norma geral exclusiva: inclusão de uma norma implícita; norma permissiva geral (o que não está proibido, é permitido). c) Crítica: o positivismo buscou uma forma lógica de resolver as lacunas, mas isso não resolve os problemas concretos do direito. A solução de muitos casos pode exigir parâmetros normativos de difícil análise. 5.2. O direito é um sistema com lacunas: “completabilidade” dinâmica do ordenamento jurídico: a) Bobbio – transformações sociais podem mudar a relevância de argumentos; preenchimento das lacunas conforme suas aparições); b) Proibição do argumento “non liquet” (não claro), pois o juiz tem que decidir, o que gera um permanente preenchimento das lacunas. 5.3. Lacunas impróprias e lacunas próprias a) Lacunas impróprias: são axiológicas. Afirmação de que a ordem jurídica não corresponde a um padrão valorativo ou a um padrão moral. Ideologia. Questionamento valorativo. b) Lacunas próprias: ausência de regra, de precedente ou de costume. Insuficiência de critérios. Erro normativo. 5.4. Suprimento das lacunas a) Heterointegração: recurso a ordenamentos diversos ou fontes diversas da que é dominante. Costumes não jurídicos; Direito comparado. b) Autointegração: princípios gerais do direito e analogia. Integração a partir do próprio ordenamento, no âmbito da própria fonte dominante. Princípios gerais do direito são certas máximas que a ordem jurídica se apropria. Analogia é a atribuição a um caso não regulado da mesma disciplina de um caso semelhante que tenha regulamentação (semelhança por ratio legis). - Se A, então deve ser B. A1 é semelhante a A mediante ratio legis, daí inferir se que se ocorre A1, deve ser B. VI. Conclusão 6.1. O ordenamento jurídico é a estrutura normativa do sistema jurídico 6.2. A estática jurídica se refere ao conteúdo do ordenamento jurídico 6.3. A dinâmica jurídica se refere à reprodução do ordenamento jurídico 6.4. A hierarquia do ordenamento não é absoluta, mas sim intrincada (tangled hierarchies) 6.5. O ordenamento jurídico tem lacunas, sendo “completável” no processo dinâmico de sua reprodução 6.6. As lacunas são supridas mediante heterointegração e autointegração Observação: - Kelsen: Constituição -> Leis -> Decretos -> Negócios Jurídicos, Atos Administrativos, Decisões Judiciais -> Observância e Execução da Sanção - Hart: Regra de Reconhecimento -> Regras de Julgamento, Regras de Mutação -> Regras Primárias (de Conduta). Seminário – Bobbio x Alexy I. Teoria da Norma Jurídica – Norberto Bobbio 1.1.Três Critérios de Valoração aos quais toda norma jurídica pode ser submetida a) Se é justa ou injusta: problema da justiça b) Se é válida ou inválida: problema da validade c) Se é eficaz ou ineficaz: problema da eficácia 1.2. Três problemas a) Problema da justiça (dever-ser ideal/problema deontológico do direito): problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico; é um contraste entre mundo real e mundo ideal, entre o que é e o que deve ser; sendo que norma justa é aquilo que deve ser e norma injusta é aquela que não deveria ser. É resolvido com juízo de valor. b) Problema da validade (dever-ser positivo/problema ontológico do direito): problema da existência da norma enquanto tal, independentemente do juízo de valor sobre ela ser justo o não, sendo resolvido com juízo de fato – que trata de constatar se uma regra existe ou não, se tal regra assim determinada é uma norma jurídica. Para julgar a validade, é preciso realizar três operações: a. Averiguar se a autoridade de que ela emanou tinha o poder legítimo para emanar normas jurídicas; b. Averiguar se não foi ab-rogada, já que uma norma pode ter sido válida, mas não quer dizer que ainda o seja; c. Averiguar se não é incompatível com outras regras do sistema, particularmente com uma norma hierarquicamente superior. c) Problema da eficácia (ser social/problema fenomenológico do direito): problema de ser ou não seguida pelas pessoas a quem é dirigida e, no caso de violação, ser imposta através de meios coercitivos pela autoridade que a evocou. Que uma norma exista como norma jurídica não implica que seja também constantemente seguida. A investigação para averiguar a eficácia ou ineficácia de uma norma é de caráter histórico-sociológico e se volta para o estudo do comportamento dos membros de um grupo social. 1.3. A independência dos Três Critérios a) Norma justa sem ser válida: Direito Natural b) Norma válida sem ser justa: Apartheid c) Norma válida sem ser eficaz: proibição de bebidas alcoólicas nos EUA durante guerras; Kelsen diria que a norma perderia sua validade. d) Norma eficaz sem ser válida: boas maneiras e educação e) Norma eficaz sem ser justa: ditados populares – “não há justiça nesse mundo” f) Norma justa sem ser eficaz: escravidão 1.4.Possíveis Confusões entre os três critérios: são independentes entre si a) O problema da justiça dá origem à Teoria da Justiça – direito ideal, visa elucidar os valores supremos a que tende o direito. b) O problema da validade dá origem à Teoria Geral do Direito – direito real, investigações que pretendem determinar em que consiste o direito enquanto regra obrigatória e coativa; Determinar não os fins que devem ser realizados, mas os meios cogitados para realizar esses fins. c) O problema da eficácia dá origem à Sociologia Jurídica – direito aplicado, investigação sobre o comportamento dos homens que vivem em sociedade. 1.5. Crítica às teorias reducionistas a) Reduz a justiça à validade: Juspositivismo b) Reduz a validade à justiça: Jusnaturalismo c) Reduz a validade à eficácia: Realismo II. Conceito e Validade do Direito – Robert Alexy 2.1.Três Conceitos de Validade a) Conceito Sociológico de Validade: associada à eficácia social e à validade social; uma norma é socialmente válida quando é observada ou quando sua não observância é punida. Estes conceitos – observação e punição – são ambíguos. Uma norma pode ser observada em medidas diferentes, e sua não observância pode ser punida em diversas medidas; a eficácia social e a validade social de uma norma são questões de grau. Além disso, a punição da não observância de normas jurídicas inclui o exercício de coação física, que é a coação organizada pelo Estado. b) Conceito Ético de Validade: associado à correção material e à validade moral; uma norma é moralmente válida quando é moralmente justificada. Subjaz às teorias do Direito Natural e do Direito Racional. c) Conceito Jurídico de Validade: associado à legalidade e à validade jurídica; não é um conceito puro, uma vez que engloba elementos das validades social e ética. Uma norma é juridicamente válida se foi promulgada por um órgão competente para tanto, segundo a formaprevista, e se não infringe um direito superior. Apresenta dois problemas: a. Problema interno: a definição de validade jurídica já pressupõe a validade jurídica, parecendo ser, nessa medida, circular. b. Problema externo: consiste na determinação da relação entre o conceito jurídico de validade e os outros dois conceitos de validade. 2.2. Colisões de Validade a) Validade Jurídica e Social a. Sistemas normativos: um sistema normativo perde sua validade jurídica quando é extremamente injusto em termos globais. O fato de normas individuais perderem sua validade social ainda não significa que a Constituição e, por conseguinte, todo o sistema normativo que nela se baseia perdem a validade jurídica como um todo. i. Competição entre sistemas normativos: passa a valer o sistema normativo que se impôs em relação ao outro, sendo, então o único sistema normativo globalmente eficaz. Três possibilidades durante o conflito: nenhum dos dois seja válido como sistema normativo; passa a valer o sistema normativo que sairá vencedor; o antigo sistema normativo continua valendo enquanto o novo não se tiver imposto. b. Normas individuais: uma norma estabelecida conforme o ordenamento de um sistema jurídico socialmente eficaz em termos globais não perde sua validade jurídica apenas por não ser observada com frequência ou por sua não observância ser raramente punida. Não é condição de validade jurídica de uma norma individual o fato de ela ser socialmente eficaz em termos globais, e sim o fato de ela apresentar um mínimo de eficácia social ou de possibilidade de eficácia. b) Validade Jurídica e Moral a. Sistemas Normativos: sistemas normativos que não formulam explícita nem implicitamente uma pretensão à coerção não são sistemas jurídicos e, por conseguinte, não podem ter validade jurídica. Os problemas relevantes surgem quando a pretensão à coerção, embora formulada, deixa de ser cumprida em tal medida que o sistema normativo tem de ser classificado como sistema injusto. Sendo que a aplicação do argumento da injustiça se limita a normas individuais. O sistema só deixa de existir como sistema jurídico a partir do momento em que, em virtude do argumento da injustiça, deva-se contestar o caráter jurídico de uma quantidade tal de normas que a reserva mínima de normas necessária à existência de um sistema jurídico deixa de existir. b. Normas Individuais: As normas individuais perdem seu caráter jurídico e, com isso, sua validade jurídica, quando são extremamente injustas, ou seja, uma norma individual perde sua validade jurídica quando não apresenta um mínimo de eficácia social ou de possibilidade de eficácia. Há que se referir o conceito do mínimo de justificabilidade moral não a normas individuais como tais, mas à validade jurídica de normas individuais. 2.3. Cria-se um conceito adequado de direito quando três elementos estão relacionados: à legalidade conforme o ordenamento devem-se acrescentar a eficácia social e a correção material não numa relação geral e qualquer, e sim numa relação ordenada e escalonada. 2.4. A legalidade conforme o ordenamento, nos limites de um sistema socialmente eficaz, constitui o critério dominante da validade de normas individuais, fato esse que é diariamente confirmado pela prática jurídica. Tópico VI: Do Ordenamento Jurídico à “Existência”, Validade e Vigência da norma: como se qualifica a norma do ponto de vista interno do direito? I. Perspectivas Básicas de Qualificação das Normas Jurídicas 1.1. Hetro-observação Sociológica: Eficácia Social, Efetividade, Vigência Social. Observação externa se há aplicação (cumprimento ou punição) das normas (comportamento dos indivíduos e das instituições) e se as expectativas normativas estão de acordo. 1.2. Hetero-observação Filosófica: Justiça ou Conformidade aos Valores do Grupo, que dependem de cada comunidade. Observação externa. 1.3. Auto-observação Jurídico Dogmática: “Existência” (Pertinência), Validade e Vigência. Observação interna, analisa a parte da ordem jurídica como está posta. II. Pertinência e Validade da Norma Jurídica nas Teorias Paradigmáticas do Século XX 2.1. Teoria Pura do Direito (Hans Kelsen: “Normativismo Jurídico) a) Validade como existência da norma. Eficácia mínima como condição de validade de uma norma. b) Fundamento de validade: normas superiores, que, por sua vez, têm a norma fundamental como fundamento de validade – que é simplesmente pertinente, ou seja, sua validade é irrelevante, ela é aceita, pressuposta. 2.2. Escola Analítica Inglesa (Herbert L. A. Hart) a) Enunciado de Efetividade como Critério de Pertinência da Regra de Reconhecimento. Se pertencer ao sistema, é efetiva; as outras são válidas porque se fundamentam nela. b) Validade como Critério de Pertinência das demais regras. Estar de acordo com a Regra de Reconhecimento, nada a ver com ter mínimo de eficácia. c) Para Kelsen, a norma é válida por ser eficaz – o que considera dessetude –; já para Hart, a norma é válida por ser efetiva – o que não considera dessetude. III. Existência como Pertinência da Norma ao Ordenamento Jurídico 3.1. Uma Aproximação Teórica (Pontes de Miranda): Existência ≠ Validade a) Diferentemente de Bobbio e de Kelsen, que as viam como a mesma coisa. 3.2. Por que o conceito de pertinência em vez do conceito de existência? a) A norma não existe “desde sempre”, ela é uma criação humana por meio da emissão por um órgão de produção normativa (pertencimento). Ela pode ser válida ou inválida. 3.3. O que significa dizer que uma norma pertence ao ordenamento jurídico? a) A norma é pertinente quando promulgada por um órgão competente. 3.4. Cabe distinguir a validade da norma de sua “existência” enquanto pertinência ao ordenamento jurídico? a) Sim. Uma norma que pertence ao sistema pode ser válida ou inválida; em ambos os casos ela é promulgada por órgãos competentes. Ela é valida quando, além disso, segue critérios materiais (conteúdo) e formais (forma de elaborar) de promulgação. 3.5.Pertinência versus Validade a) Uma norma pertinente – emitida por órgão de produção normativa do sistema jurídico ou órgão constituinte originário – pode ser tanto válida quanto inválida. IV. Validade versus Invalidade 4.1. Validade: a norma entrou no sistema jurídico sem falhas; a norma ainda não foi revogada – critério de oportunidade e de conveniência política; a norma não pode ser anulada ou declarada nula. 4.2. Invalidade: a norma entrou no sistema jurídico com falhas formais ou materiais; a norma pode ser anulada ou declarada nula; convalidação – o que é inválido se torna válido porque a falha foi sanada. 4.3. Rechaço sem base em invalidade: efeitos vinculantes para o futuro (direito adquirido e ato jurídico perfeito não são alterados, por exemplo). Quando uma norma válida é rechaçada do sistema jurídico, os efeitos que ela já produziu na se alteram, permanecem vinculados ao futuro. 4.4. Rechaço por invalidade: negação ou limitação de efeitos vinculantes para o futuro. Quando uma norma inválida é rechaçada do sistema jurídico, os efeitos que ela produziu são alterados V. Graus de Invalidade 5.1. Anulabilidade (para o futuro): possibilidade de convalidação – apresenta defeitos, que podem ser consertados – e efeitos ex nunc (a partir de agora). Ex.: depositário infiel. 5.2. Nulidade (para o passado): impossibilidade de convalidação e efeitos ex tunc (efeitos retroativos, o do futuro são negados, e os do passado, apagados). VI. Eficácia Jurídica Abstrata 6.1. Vigência a) Conceito de vigência: norma capaz de incidirsobre um fato jurídico de maneira eficaz, produzindo efeitos jurídicos. Incidibilidade + “Eficaciabilidade”. b) Âmbitos de Vigência: a. Âmbito Material de Vigência: conteúdo, matéria, temática. b. Âmbito Territorial de Vigência: território no qual é vinculante, área em que ela vai valer. c. Âmbito Pessoal de Vigência: destinatários, a quem se dirige, quem é vinculado. d. Âmbito Temporal de Vigência: passada a situação determinada, a lei deixa de existir; indeterminado ou provisório. c) Pertinência sem Vigência: preparação para aplicar; maturação. Uma norma pode pertencer ao sistema e não ser vigente. Em geral, a vigência começa com a publicação, mas pode ser postergada. Se não houver menção no texto legal, a vigência começa em 45 dias (vacatio legis). d) Limites à Vigência: a. Princípio da anterioridade tributária geral (Art, 150, III, b, CF) e nonagesimal (195, §6º, CF): lei sobre tributos entra em vigor no ano seguinte e, se for publicada até 31 de outubro, entra em vigor em 90 dias. b. Suspensão da eficácia jurídica abstrata: Estado de Sítio, Estado de Defesa, Estado de Guerra – algumas normas podem ter sua eficácia suspensa c. “Ineficácia técnica”: depende da lei; lei existe, mas não pode ser aplicada (mandado de injunção). Tércio Ferraz – falta outra norma. VII. Eficácia Jurídica Concreta 7.1. A hipótese jurídica incide sobre um fato jurídico e a eficácia deste pode ter consequências sobre uma relação jurídica, uma situação jurídica ou uma norma jurídica. Quando produz efeitos, uma norma é efetiva (encontra na realidade condições para produzir seus efeitos). A ausência das condições sociais de produção de efeitos incide não sobre a validade das normas, mas sobre sua efetividade. VIII. Conclusão 8.1. Distinguem-se os critérios de qualificação externa (sociológicos e filosóficos) dos critérios de qualificação interna (jurídico-dogmáticos) da norma jurídica. a) Sociológico: eficácia social b) Filosófico: conformidade aos valores c) Jurídico-dogmáticos: pertinência, validade e vigência 8.2. A pertinência de uma norma ao ordenamento jurídico distingue-se de sua validade a) Pertinência: promulgada por órgão competente b) Validade: critérios formais e materiais de admissão 8.3. Uma norma pertencente ao ordenamento jurídico pode ser válida ou inválida a) Válida: observância dos critérios. b) Inválida: inobservância de pelo menos um dos critérios 8.4. Uma norma pode pertencer ao ordenamento jurídico, ser válida, mas ainda não ser vigente ou estar fora de vigência. a) vacatio legis ou suspensão da eficácia. 8.5. A norma inválida (defeituosa) pode ser vigente: anulabilidade. 8.6. Vigência é incidibilidade, possibilidade de produzir efeitos jurídicos (“eficácia jurídica abstrata”). 8.7. A eficácia jurídica (“concreta”) depende da incidência da norma. Seminário – A Constitucionalização Simbólica I. Eficácia e Efetividade das leis versus Efeitos Reais da Legislação Simbólica 1.1. Eficácia como Concretização Normativa do Texto Legal a) Eficácia no sentido técnico-jurídico: refere-se à possibilidade jurídica de aplicação da norma, ou melhor, à sua aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade. A pergunta que se põe é se a norma preencheu as condições intrassistêmicas para produzir os seus efeitos jurídicos. b) Eficácia em sentido “sociológico”, “empírico” ou “real”: diz respeito à conformidade das condutas à norma. A pergunta que se coloca é, então, se a norma foi realmente “observada”, “aplicada”, “executada” (imposta) ou “usada”. Essa é a questão abordada no livro. c) Observância: significa que se agiu conforme a norma legal, sem que essa conduta esteja vinculada a uma atitude sancionatória impositiva; diz respeito à “norma primária”; relaciona-se à “eficácia autônoma”. Execução (ou imposição): surge exatamente como reação concreta a comportamentos que contrariam os preceitos legais, destinando-se à manutenção do direito ou ao restabelecimento da ordem violada; refere-se à “norma secundária”; relaciona- se à “eficácia heterônoma”. A eficácia pode decorrer, consequentemente, seja da observância da lei ou de sua imposição. d) A ineficácia só se configura, por conseguinte, na hipótese da não ocorrência de nenhuma das duas alternativas de concreção da norma legal, ou seja, no caso de tanto “norma primária” quanto “norma secundária” fracassem. e) A aplicação do Direito (juízes e tribunais) associa-se à imposição (órgão que executa a decisão: polícia); o uso do Direito (ofertas de regulamentação), à observância (regras de conduta). f) A eficácia da lei, abrangendo situações as mais variadas – observância, execução, aplicação e uso do Direito – pode ser compreendida genericamente como concretização normativa do texto legal. g) Conceito de concretização da norma: Müller – restringe-se à produção da norma jurídica; Neves – mais amplo; toda e qualquer situação em que o texto legal é rejeitado, desconhecido ou desconsiderado. 1.2. Efetividade como Realização da Finalidade da Lei a) Enquanto a eficácia diz respeito à realização do “programa condicional”, ou seja, à concreção do vínculo “se-então” abstrata e hipoteticamente previsto na norma legal, a efetividade se refere à implementação do “programa finalístico” que orientou a atividade legislativa, isto é, à concreção do vínculo “meio-fim” que decorre abstratamente do texto legal. b) Exemplo: uma lei destinada a combater a inflação será efetiva quando a inflação for reduzida relevantemente por força de sua eficácia (observância, aplicação, execução, uso). Entretanto, o vínculo “se-então” previsto abstratamente numa lei anti-inflacionária pode estar sendo regularmente concretizado nas relações em interferência intersubjetiva, sem que haja qualquer modificação significativa no aumento dos preços; tem-se portanto, eficácia e inefetividade. E há também a possibilidade de que a legislação anti- inflacionária seja intensamente eficaz, mas que provoque uma relevante alta de preços, implicando, portanto, antiefetividade. c) Quando a ineficácia e a inefetividade são muito altas, as expectativas normativas das pessoas param de se orientar pela norma. Isso leva à falta de vigência social ou à carência normativa dos textos legais. 1.3. Efeitos Indiretos e Latentes da Legislação a) As normas legais produzem efeitos indiretos ou latentes que poderão estar vinculados ou não à sua efetividade e eficácia. b) Efeitos latentes (colaterais) > efeitos manifestos c) Força político-simbólica > força normativo-jurídica 1.4. Efeitos da Legislação Simbólica a) A legislação simbólica é caracterizada por ser normativamente ineficaz, significando isso que a relação hipotético-abstrata “se-então” da “norma primária” e da “norma secundária” (programação condicional) não se concretiza regularmente. Não é suficiente a não realização do vínculo instrumental “meio-fim” que resulta abstratamente do texto legal (programa finalístico) para que venha a discutir-se sobre a função hipertroficamente simbólica de uma lei. Sendo eficaz, ou seja, regularmente observada, aplicada, executada ou usada (não-realização dos fins), não cabe falar de legislação simbólica. b) Considerando-se que constituem funções do sistema jurídico tanto a “direção da conduta” quanto o “asseguramento das expectativas”, a eficácia diz respeito à primeira, enquanto a vigência social se refere à segunda. c) A “vigência do direito” é um problema que se encontra no plano do “vivenciar”, ao contrário da questão da eficácia, que emerge no plano do “agir”. “Nenhum vivenciar é acessível sem o agir, nenhum agir é compreensívelsem consideração do vivenciar do agente”. d) Um grau muito acentuado de ineficácia pode significar que não há orientação generalizada das expectativas normativas de acordo como a lei, seja isso tanto por parte dos cidadãos, organizações, grupos, quanto por iniciativa dos órgãos estatais (falta de vigência social). A legislação simbólica só tem lugar quando a vigência social da norma legal, ou seja, a sua função de “congruente generalização de expectativas normativas” é atingida. O texto legal não é apenas incapaz de dirigir normativamente a conduta, caracterizando-se principalmente por não servir para orientar ou assegurar, de forma generalizada, as expectativas normativas. Falta-lhe, portanto, normatividade. e) A legislação simbólica não se delineia, quanto aos efeitos, tão-somente num sentido negativo: falta de eficácia normativa e vigência social. Há textos normativos que têm essas características, sem que desempenhem qualquer função simbólica. f) A legislação simbólica define-se também num sentido positivo: ela produz efeitos relevantes para o sistema político, de natureza não especificamente jurídica. Não se distingue da legislação instrumental por não exercer influência sobre a conduta humana, mas sim pela forma como exerce essa influência e pelo modelo de comportamento que influencia. g) Trata-se de atos que servem para convencer as pessoas e grupos da consistência do comportamento e norma valorizados positivamente, confortando-as e tranquilizando-as de que os respectivos sentimentos e interesses estão incorporados ao Direito e por ele garantidos. h) A afirmação pública de uma norma moral pelo legislador, mesmo que lhe falte a específica eficácia normativo-jurídica, conduz as principais instituições da sociedade a servir-lhe de sustentação de tal maneira que a conduta considerada ilegal tem mais dificuldade de impor-se do que um comportamento ilícito: vislumbra-se aqui uma função instrumental para o Direito, mesmo havendo “evasão padronizada” i) A legislação simbólica confirmadora de valores sociais distingue “quais culturas têm legitimação e dominação pública” (dignas de respeito público) das que são consideradas “desviantes” (“degradadas publicamente”), sendo, portanto, geradora de profundos conflitos entre os respectivos grupos. j) A legislação-álibi é um mecanismo com amplos efeitos político-ideológicos. Descarrega o sistema político de pressões sociais concretas, constitui respaldo eleitoral para os respectivos políticos-legisladores, ou serve à exposição simbólica das instituições estatais como merecedoras da confiança pública. k) O efeito básico da legislação como forma de compromisso dilatório é o de adiar conflitos políticos sem resolver realmente os problemas sociais subjacentes. A “conciliação” implica a manutenção do status quo e, perante o público-espectador, uma “representação” / “encenação” coerente dos grupos políticos divergentes. II. En Torno Al Problema de la Efectividad del Derecho – Jeammaud 2.1. Realidade latino-americana: muitas normas jurídicas, porém com carência de efetividade. 2.2. Crítica sociológica 2.3. Efetividade e Eficácia do Direito a) Kelsen -> positivista/ eficácia = efetividade/validade <-> eficácia b) Maynes -> direito <-> ordem concreta <- eficácia c) Eficácia x Efetividade: - Capella: crítica a Kelsen; não falou da efetividade. Eficácia real: eficácia; Eficácia formal: efetividade. - Carbonier: sociologia jurídica; Leste europeu x América do Norte (crítica ao liberalismo) 2.4. Dificuldade na verificação fenômeno a) Decorrente do conceito: estatutos facultativos; norma imperativa b) Decorrente da linguagem: difícil fazer uma norma 100% clara, com uma só interpretação 2.5. Causas e Efeitos da Inefetividade: a) Causas internas: relação entre forças/classes sociais (imposição, crença); b) Causas externas c) Efeito: modo “híbrido” da dominação (Direito Presente). Tópico VII: Da qualificação técnico-jurídica à eficácia social e efetividade: como qualificar a norma do ponto de vista do contexto social do direito? I. Introdução: da eficácia em sentido jurídico-dogmático (“eficácia jurídica”) à eficácia em sentido sociológico (“eficácia social”) 1.1. A norma jurídica trata de uma hipótese jurídica que incide sobre um fato jurídico. A eficácia jurídica é a conseqüência da norma, ou seja, sua concreção sobre uma situação, uma relação ou uma norma jurídica. 1.2. A eficácia social se localiza fora do plano normativo, mas tem relação com o fato jurídico e com a concreção, pois depende do exercício dos direitos, dos comprimentos dos deveres e da observância das normas, além da execução das sanções. A eficácia social, portanto, é a realização dos fins, tendo relação com a efetividade. II. A efetivação do direito enquanto efetivação da Constituição 2.1. A eficácia das normas infraconstitucionais é uma afirmação interna de pertinência da Constituição, já que esta garante a validade daquelas. Desta forma, a (mera) observância e a (mera) execução dessas normas, que é a efetivação do direito, é, também, indiretamente, a efetivação da própria Constituição. III. Vigência social e eficácia por observância, execução e uso 3.1. As normas podem ser divididas em dois planos. O primeiro deles é o da orientação das expectativas, que é abstrato. Neles, são tratadas as vigências para conduta lícita e sanatória, relacionada à conduta ilícita. O segundo plano, o da regulação das condutas, diz respeito à concreção das normas por meio do uso de ofertas de regulação e da aplicação. A conduta lícita é a própria observância das normas jurídicas; a conduta ilícita, por outro lado, precisa de uma sanção, alcançada pela execução do direito, ou seja, pela imposição. IV. “Eficácia” em sentido estrito e “efetividade” em sentido estrito 4.1. As normas jurídicas possuem dois programas: o “condicional” e o “finalístico”. O primeiro é efetivado a partir da concreção do vínculo “se-então”; dessa forma, a eficácia é caracterizada pela observância e pela execução da norma, ou seja, pelo cumprimento desta. O segundo relaciona-se com os resultados pretendidos pela norma, ele é efetivado pela concreção do vínculo “meio-fim”; dessa forma, a efetividade da norma é caracterizada pela realização dos fins. V. Fatores de eficácia/efetividade do direito 5.1. Fatores referentes à integração sistêmica: a) Fatores jurídico-sistêmicos: a. Consistência do sistema jurídico: Constitucionalidade e legalidade como critérios da prática jurídica. A prática jurídica depende de aplicação das leis e da Constituição. Esta garante a validade daquelas a partir do critério de constitucionalidade; além da adequação aos preceitos constitucionais, as leis precisam de legalidade – adequação aos critérios formais e materiais de admissão ao ordenamento jurídico – para integrarem a prática jurídica. b. Requisito técnico de consistência: Controle interorgânico (controle procedimental recíproco). A consistência do sistema jurídico depende da harmonia entre a promulgação, a execução e o julgamento das normas; dessa forma, os procedimentos realizados pelos três poderes referentes às normas jurídicas devem ser controlados reciprocamente. b) Fatores sistêmico-sociais: a. Adequação do sistema jurídico à sociedade: depende da capacidade cognitiva do direito, ou seja, de como ele assimila, interpreta e utiliza os fatos relativos ao seu ambiente, visto que ele se relaciona com os diversos sistemas sociais (ciência, educação, família, política, religião, economia). b. Adequação jurídica dos outros sistemas sociais: os outros sistemas sociais também se apropriamdo conhecimento jurídico e a adequação deles ao direito depende, assim como no caso reverso, de como o conhecimento é assimilado, interpretado e utilizado. 5.2. Fatores referentes à integração social: a) Fator básico: inclusão. Inclusão das pessoas: dependência e acesso aos sistemas sociais. Subincluído x Sobreincluído. a. Inclusão social: pessoas <------ sistemas sociais ------> pessoas (dependência/acesso) (acesso/dependência) b. Inclusão jurídica: pessoas <------ sistema jurídico ------> pessoas (deveres/direitos) (direitos/deveres) b) Fatores específicos: a. Razões da obediência i. Expectativa da sanção: estratégica ii. Identificação: valores contidos na norma iii. Internalização: norma entendida como natural; princípios morais b. Fatores pessoais i. Conhecimento do direito: facilita a eficácia; cumprir o que conhece ii. Consciência jurídica: cidadão; pressupõe o conhecimento; as pessoas estão dispostas a cumprir o direito; obediência iii. Ethos jurídico: é do funcionário que tem o dever de cumprir o direito; não é do cidadão em geral; é achar que o dever de cumprir é, por si só, importante 5.3. Contribuição da integração social e da integração sistêmica para a eficácia/efetividade do Direito a) A efetividade e a eficácia do direito dependem das integrações social e sistêmica, sendo que o ponto de encontro dessas duas é de onde aquelas surgem. VI. Efeitos indiretos da norma jurídica 6.1. A eficácia e a efetividade de uma norma jurídica incidem sobre a realidade jurídica, porém seus efeitos indiretos (não previstos/diferentes daqueles para quais a norma foi feita) recaem sobre outra esfera social. VII. Efeitos simbólicos da norma jurídica 7.1. O simbólico: deslocamento de sentido jurídico para uma outra esfera de significações. Aquilo que é simbólico passa a ser interpretado em esfera diversa da de onde foi produzido; conotação. Esfera de sentido manifesto: denotação/explícito; Esfera de sentido latente: conotação/implícito. 7.2. Deslocamento de sentido jurídico a uma outra esfera de significações. Na legislação simbólica, o sentido latente da norma se torna preponderante sobre o sentido manifesto 7.3. Legislação Simbólica a) Conceito: Hipertrofia da função político-simbólica em detrimento da força normativo-jurídica do diploma ou do dispositivo legal. b) Tipos: a. Fórmula de compromisso dilatório: protelação; aprovação sem possibilidade de aplicação, de forma a deixar o real problema para depois. Há um interesse para a situação continue como está. Adiamento. b. Confirmação de valores sociais: determinação da cultura dominante; dimensão de valor. Sua função primária não é ser cumprida, mas criar uma eitqueta social, capaz de valorizar ou desvalorizar algo. Ex.: proibição do uso de drogas; não significa que não é usado, mas é reprovado socialmente. c. Legislação-álibi: acalmar a população. Ilusória; dimensão ideológica; tranqüilizadora. Descarrega o sistema político de pressões sociais, gerando respaldo eleitoral para os respectivos políticos e confiança pública nas instituições sociais. Normalmente, as soluções apresentadas não chegam nem a ser aplicáveis. 7.4. Os problemas da Constitucionalização simbólica: Constitucionalização como álibi. a) Com pouco efeito prático-normativo, atinge todas as esferas sociais e resulta em normas mais abarcantes. A Constituição tenta convencer a população de que seus desejos são representados pelo direito; para isso, ela define inúmeros princípios fundamentais, o que resulta em uma legislação com baixo teor de eficácia e em um discurso político com pouco significado prático. A legislação simbólica, dessa forma, pode resultar na exploração do direito pela política. VIII. Conclusão 8.1. Limites do direito e da Constituição perante os demais sistemas sociais (problema de adequação): a vida social é bem mais complexa. 8.2. Bloqueio do direito pelos outros sistemas sociais (problema da consistência): há corrupção sistêmica; o direito é muito inconsistente. 8.3. Baixo grau de integração social: exclusão de amplos setores da população: indivíduos subincluídos e sobreincluídos; relação desigual e intensificada pela legislação simbólica, incapaz de resolver os problemas reais da sociedade. Seminário – Costume x Legislação: Farra do Boi I. Farra do Boi – Embate entre dois princípios constitucionais a) A Farra do Boi é uma manifestação cultura de origem açoriana que ocorre no litoral do estado de Santa Catarina. Ela consiste em confinar o boi e torturá-lo, por meio de chicotadas, afogamento, esfaqueamento e queimaduras. Após essa etapa, o boi é solto pela cidade e, por estar sofrendo devido aos seus ferimentos, se desloca ferozmente, daí surge o nome “Farra do Boi”. Devido ao cansaço e aos machucados, após certo período, o animal não consegue mais se locomover e fica no chão, onde é deixado para morrer, sem ser sacrificado. b) O Recurso Extraordinário 153.531-8 SC, proposta pela APANDE contra o estado de Santa Catarina objetivava a proibição desse evento – e de outros semelhantes – baseado no Artigo 225 da Constituição Brasileira de 1988: “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que – indo ao que interessa – submetam os animais à crueldade”. c) Essa ação foi julgada na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em 1997 e chegou à Corte Superma devido à perda da APANDE no Tribunal Estadual de Santa Catarina, que negou não só que a Farra do Boi é uma prática cruel ou violenta, mas também que estivesse configurada a omissão de poder público estadual, argumentando que os abusos nessa manifestação cultural se enquadram como exceção, não como regra. d) O Ministro-Relator Francisco Rezek imagina uma crítica à “forma da lei” ao não se retirar da Constituição um comando que obrigue a autoridade catarinense a agir como pretendem a instituição recorrente. No entanto, o inciso pode ser evocado para compelir o poder público a legislar para coibir essa prática e qualquer outra que submeta animais a tratamento cruel. e) Em seu voto, o Ministro afirma que teve que resistir a duas tentações: a. “Por quê, num país de dramas sociais tão pungentes, há pessoas preocupando-se com a integridade física ou com a sensibilidade dos animais?”: Com a negligência no que se refere à sensibilidade de animais, anda-se meio caminho até à indiferença a quanto se faça a seres humanos. b. A distância geográfica entre as entidades autoras (Rio de Janeiro) e o local da prática (Santa Catarina): O magistrado tendeu a desautorizar o pedido, porque veio de uma parte do país onde há prioridades sociais mais urgentes, além de que Santa Catarina tem entidades semelhante à recorrente em seu próprio território, sem contra que a distribuição de renda e a Justiça Eleitoral do estado sulista deveria servir de exemplo ao restante do país. Contudo, vive-se em uma civilização única, subordinada a uma ordem jurídica central; a qualquer brasileiro, em qualquer ponto do território nacional, assiste o direito de querer ver honrada a Constituição em qualquer ponto do mesmo território. f) A prática se caracterizou mais e mais como cronicamente violenta, e não apenas pontilhada de abusos tópicos, como afirmou o TJSC. O relator não vê como juridicamente correta a ideia de que em prática dessa natureza a Constituição não é alvejada. Não há aqui uma manifestação cultural com abusos avulsos; há uma prática abertamente violenta e cruel para com os animais, e a Constituição não deseja isso.g) “Manifestações culturais são as práticas existentes em outras partes do país, que também envolvem bois submetidos à farra do público, mas de pano, de madeira, de ‘papier maché’; não seres vivos, dotados de sensibilidade e preservados pela Constituição da República contra essa gênero de comportamente” h) Conclui que a ação civil deveria ter sido considerada procedente para que se determinassem às autoridades do Estado de Santa Catarina as providências cabíveis, uma vez que essa prática se caracteriza como ofensiva ao inciso VII do artigo 225 da Carta da República. Vota no sentido de prover o Recurso Extraordinário para, consequentemente, julgar procedente a ação civil pública nos exatos termos em que proposta na origem. i) Todos os Ministros da turma acompanharam o voto do Relator, com exceção do Ministro Maurício Corrêa, que defendeu a manutenção da Farra do Boi, devido ao exercício dos direitos culturais estar previsto na Constituição, nos artigos 215 – que garante o pleno exercício destes – e 216 – que afirma que patrimônios culturais de natureza imaterial e que reproduzam a memória de grupos formadores da sociedade brasileira (no caso, os açorianos) devem ser assegurados. j) O caso é um exemplo de antinomia, ou seja, presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto. No caso da Farra do Boi, o direito ambiental prevaleceu em relação ao cultural; no entanto, no caso da Vaquejada, o contrário ocorreu. Tópico VIII: Das condições sociais aos critérios jurídicos: em que sentido se pode distinguir entre “fontes materiais” e “fontes formais” do direito? I. A ambiguidade da expressão “Fontes do Direito” 1.1. Por que a expressão “fontes do direito” é equívoca? a) Esta expressão, como evidenciado por Kelsen, gera ambiguidade. Para que este problema seja resolvido, é necessário uma distinção entre “fontes formais” e “fontes materiais”. 1.2. “Fonte material” e “fonte formal” do Direito a) Modelo clássico: “fonte formal” como expressão das “fontes materiais”. a. Friedrich Karl Von Savigny: “espírito do povo” como fundamento e causa do aparecimento do direito positivo (fonte material). Fonte material: “espírito do povo”; fonte formal: leis. b. Léon Duguit: “solidariedade social” como criadora do direito (fonte material). Fonte material: “solidariedade social”; fonte formal: características do direito. c. Lei e costume (ou são expressão do “espírito do povo” ou da “solidariedade social”) como características que permitem reconhecer o direito positivo (fonte formal). b) Crítica aos modelos clássicos: a positivação do direito leva à autonomia do direito e torna esses métodos tão improváveis como os modelos de direito natural. a. A sociedade influencia o direito, e o direito influencia a sociedade. Ex.: reconhecimento da união homoafetiva – de início, houve bastante resistência em aceitá-la, mas, com o tempo, sua aceitação ampliou-se. Dessa forma, o direito seria então uma fonte de progresso para a sociedade. b. Os modelos sobre o naturalismo partem do direito natural como fundamentação para o direito positivo. Os modelos clássicos sobre fontes do direito partem da fonte material como fundamento e causa da fonte formal. II. As “fontes materiais” como condições sociais do direito 2.1. “Fontes materiais” não criam nem determina o que é o direito, apenas condicionam a produção, aplicação e eficácia do direito, a saber, a reprodução do sistema jurídico. Estão no entorno, no ambiente do direito. 2.2. Condições sociais positivas e negativas da reprodução do direito: existem elementos sociais que permitem e outros que barram a reprodução das leis; isso afeta diretamente a sua eficácia. 2.3. Diversidade de condições sociais do direito: esses elementos condicionam o direito, sem o determinar. a) Econômicas: importante para a eficácia e para a aplicação. Se há uma crise financeira ou orçamentária, há produção de novas normas. b) Políticas: legislação simbólica. Influência na produção e na interpretação de normas em sua aplicação. c) Culturais (valores) e morais: não constituem sistemas, estão dispersos na sociedade. Morais conservadoras, por exemplo, limitam a evolução de normas. d) Religiosas: pressão sobre a promulgação e produção de leis. e) Científicas, educacionais e familiares, etc. III. As “fontes formais” enquanto critérios de solução de casos jurídicos ou programas de decisões jurídicas 3.1. Ambiguidade da expressão “fontes formais” na tradição positivista a) Fontes formais como “os fatos ou atos aos quais um determinado ordenamento jurídico atribui a competência ou a capacidade de produzir normas jurídicas” (Norberto Bobbio): fontes formais como produção de normas jurídicas. b) Fontes formais como “o fundamento de validade jurídico-positivo de uma norma jurídica, quer dizer, a norma jurídica positiva do escalão superior que regula a sua produção” (Hans Kelsen): fontes formais como validade jurídica da norma (norma superior). c) Críticas aos modelos positivistas: só normas ou atos de produção normativas pertencem ao direito como “fontes formais”: esses modelos tratam apenas da produção normativa e das próprias normas como fontes formais de produção de direito; a moral, por exemplo, também pode servir como fonte formal. 3.2. Da semântica das “fontes formais” à semântica dos critérios e dos programas do sistema jurídico a) O que significam programas e critérios do sistema jurídico? Tudo aquilo que possibilita a produção de um caso, servindo como base e como fundamentação. b) A diversidade de programas e de critérios: a. A lei (inclusive a Constituição escrita e as normas gerais contidas em decretos ou regulamentos): ênfase nos sistemas de tradição românica. b. A jurisprudência (ênfase nos sistemas de tradição anglo-saxônica). c. O costume jurídico. d. Os contratos e o negócio jurídico e. A dogmática jurídica f. Os pareceres jurídicos g. A perícia técnica IV. Tipos de “fontes formais” enquanto critérios e programas do sistema jurídico 4.1. A lei (norma ou conjunto de normas jurídicas criadas através de processos próprios – atos legislativos – e estabelecidas por autoridades competentes). a) Lei em sentido material e lei em sentido formal: a. Sentido material: norma escrita geral e abstrata que depende de uma decisão. b. Sentido forma: norma criada pelo processo legislativo previsto na Constituição. b) Lei em sentido amplo e em sentido estrito: a. Sentido amplo: todo e qualquer ato de regulamentação de conduta, independente se vem ou não do Legislativo. b. Sentido estrito: processo legislativo completo. c) Leis imperativas (normas cogentes) e leis supletivas (normas dispostas): a. Leis imperativas: impõem uma conduta; determinam algo que deve ser feito; vinculantes; obrigatoriedade. b. Leis supletivas: não impõem uma conduta; podem ou não ser utilizadas; não há obrigatoriedade. d) Leis perfeitas (leges perfectae), menos que perfeitas (leges minus quam perfectae), mais que perfeitas (leges plus quam perfectae) e imperfeitas (leges imperfectae). a. Leis perfeitas: lei reparatória; não existe uma penas, apenas restabelecem uma situação anterior. Ex.: indenização. b. Leis menos que perfeitas: punição que não restabelece a situação anterior. Ex.: lei penal. c. Leis mais que perfeitas: impõem punição e buscam restabelecer a situação anterior. Ex.: direito tributário d. Leis imperfeitas: lei dispositiva; não prevêem reparação nem punição. São semelhantes às leis imperativas e às leissupletivas. 4.2. A jurisprudência: a) Jurisprudência como conjunta de critérios gerais que se inferem da solução dos casos – individuais, concretos e específicos – precedentes. b) Pressupostos: a. Forma habitual ou uniforme de decisão de casos: pode levar tempo para que o tipo de decisão se torne jurisprudência ou que a importância do caso assim o torne. i. Distinguishing: o fato não é o mesmo do ponto de vista jurídico. ii. Overruling: modificação da jurisprudência devido a uma mudança da sociedade. Necessita de justificativa. b. Influência sobre outros casos: é critério de solução para casos futuros. c. Núcleo ideal genérico, idêntico e comum a uma série indefinida de casos: tem que ter a mesma característica jurídica. A conceituação trabalhada nos casos deve ser semelhante para que a jurisprudência possa incidir sobre o caso procedente. d. Identidade básica no que se refere à ratio decidendi (razão de decidir; fundamento da decisão no campo judicial): os casos em que a jurisprudência será aplicada precisam ter a mesma fundamentação jurídica de decisão do caso precedente. 4.3. O costume jurídico: a) Um debate tradicional no positivismo: Costume jurídico é “fonte formal” autônoma? John Austin versus Hans Kelsen: a. John Austin: não reconhece a juridicidade dos costumes, não constituindo, desssa forma, “fontes formais” autônomas do direito. Para Austin, os costumes desempenham uma função subsidiária. b. Hans Kelsen: o costume é autônomo desde que tenha força jurídica. Nesse caso, quando não existe estipulação legal, os juízes podem utilizá-lo em suas decisões. Constituem, portanto, para Kelsen, uma “fonte formal” de direito. b) Perda de importância do costume com a positivação do direito moderno e sua importância no Direito Internacional Público. c) Elementos do costume jurídico: a. Prática habitual: “elemento material”. b. Convencimento de sua obrigatoriedade jurídica (opinio iuris): “elemento formal”. 4.4. Contratos e negócios jurídicos em geral a) O princípio da autonomia privada: as partes de autorregulam a partir de normas gerais de direito civil e criam direitos e deveres concretos para si. b) O caráter obrigatório da autorregulação negocial: com o contrato firmado, a autorregulação estipulada torna-se vinculante, ou seja, o cumprimento do contrato é obrigatório. 4.5. A dogmática jurídica: a) Reflexão do Direito com relevância prática: reflexão do direito pelo próprio direito. O conhecimento teórico produzido pela dogmática serve de fundamento para os critérios de decisão dos juízes; por outro lado, a própria atuação dos juízes é objeto da reflexão dogmática. b) Análise e definição do juridicamente possível 4.6. Perícia técnica e pareceres jurídicos. V. A circularidade do sistema jurídico entre condições sociais e critérios/programas jurídicos 5.1. A circularidade da reprodução do direito abrange tanto as condições sociais como os critérios de decisão jurídicos. Isso é o mesmo que afirmar que a prática jurídica influencia e é influenciada pela sociedade e que os critérios e programas de julgamento jurídicos servem de fundamentação para as decisões dos juízes e são modificados por estas. VI. Conclusão 6.1. O estudo das “fontes materiais” enquanto condições sociais do direito é relevante para a abertura cognitiva do direito e promove a sua adequação social: pertence principalmente à Sociologia Jurídica. 6.2. O estudo das “fontes formais” como critérios e programas do sistema jurídico é relevante para a autonomia normativa do direito e serve à sua consistência: pertence principalmente à dogmática jurídica e à teoria do direito. Seminário – Depositário Infiel I. Vedação de prisão do depositário infiel 1.1. Constituição Federal, art. 5º, LXVII - “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. 1.2. Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), art. 7 – “ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. 1.3. O Brasil se tornou signatário do Pacto de San José da Costa Rica em 1992. Desse modo, a prisão por dívidas no Brasil ficou restrita ao inadimplemento voluntário de pensão alimentícia. 1.4. Em 2004, ao estabelecer a Emenda Constitucional nº 45 (art. 5º, § 3º - “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”), a prisão civil do depositário infiel mostrou-se inconstitucional, ocorrendo um choque de normas constitucionais, pois foi dado ao Tratado Internacional o status de emenda à Constituição. 1.5. Após o julgamento do HC 92566 em 2009, a Súmula 619 do STF “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito” foi revogada e passou a valer a Súmula Vinculante 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. 1.6. Os Tratados e Convenções Internacionais sobre direitos humanos, antes da Emenda Constitucional nº 45, deveriam entrar no ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária e, como a Convenção foi ratificada em 1992, este deveria ser o status dela na hierarquia das leis. 1.7. Com a EC 45/2004, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos são equiparados às normas constitucionais e um eventual conflito é resolvido pela norma mais favorável. 1.8. Com a decisão do STF, o Pacto de San José da Costa Rica adquiriu um caráter, não previsto pela Constituição, de supralegalidade, estando abaixo da Constituição – não tendo força para revogá-la –, porém acima das leis ordinárias – paralisando toda a legislação infraconstitucional. 1.9. Foi com base no estabelecimento da supralegalidade que o artigo 652 do Código Civil (“Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”) foi revogado e a prisão do depositário não mais é admitida. 1.10. A prisão civil do depositário infiel, contudo, não foi revogada; a eficácia da norma que a possibilita foi paralisada (CF/88, art. 5º, LXVII). 1.11. Vale ressaltar a interpretação adotada pela Corte Americana de Direitos Humanos, na qual os Tratados Internacionais têm natureza supraconstitucional, devendo estes entrar no ordenamento jurídico com força superior à constitucional. 1.12. Argumentos contrários à decisão: a) O Estado é soberano em relação ao Direito Internacional b) Tendo em vista que o Tratado deve ser aceito pelo Estado, isso fortifica a tese de que este é soberano em relação aos direitos internacionais c) Como o Estado é soberano, e sua Constituição prevalece sobre qualquer direito internacional, o inciso LXVII do artigo 5º da Constituição deveria prevalecer sobre o artigo 7º do Pacto de San José da Costa Rica e a prisão do depositário infiel deveria continuar em vigor. d) O inciso LXVII do artigo 5º da Constituição autoriza, mas não obriga a prisão. Tópico IX: Dos critérios jurídicos aos conflitos normativos: qual é o significado da concretização, interpretaçãoe aplicação para o controle da consistência jurídica? I. Tipos de conflitos normativos e modelos clássicos de solução 1.1. Antinomia normativa como um problema intrínseco ao Direito e a exigência jurídica de sua solução: presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente sem que se possa dizer qual delas merece aplicação em determinado caso concreto. 1.2. Conflitos hierárquicos: conflito entre duas normas de hierarquia diferente a) Critério hierárquico: Lex superior derogat inferiori – a norma superior prevalece sobre a norma inferior. 1.3. Conflito Temporal: conflito entre duas normas promulgadas em tempos diferentes a) Critério cronológico: Lex posterior derogat priori – a norma posterior derroga a norma anterior. Se as normas não forem de mesma hierarquia, prevalece a superior, mesmo sendo anterior. 1.4. Conflitos referentes ao grau de generalidade ou especialidade da norma: duas normas que tratam da mesma matéria em diferentes graus de profundidade a) Critério de especialidade: Lex specialis derogat generali – a norma específica, se for de mesma hierarquia e cronologia, prevalece sobre a norma geral. 1.5. Conflito entre os critérios: o critério hierárquico prevalece. Quando troca-se o regime, as normas compatíveis com ele permanecem vigentes; as contrárias são revogadas. 1.6. Inaplicabilidade dos três critérios: prevalência da “Lex favorabilis” sobre a “Lex odiosa”? non liquet – o juiz tem que decidir, deve haver um julgamento; não se pode dar “duas opções”, pois criaria-se uma insegurança jurídica. No Direito Público, dá-se preferência à lei favorável ao réu; no Direito Penal, anulam-se as duas leis em conflito, prevalecendo a legislação anterior. 1.7. Conflitos de lei no espaço: Direito Internacional Privado – ordens jurídicas diferentes II. A interpretação do texto normativo 2.1. Os métodos tradicionais de interpretação do Direito a) Interpretação Literal ou Gramatical – mens legislatori; intenção do legislador e somente a leitura da lei são importantes; texto é autoevidente; letra da lei. b) Interpretação Histórica – mens legislatori: ênfase na intenção do legislador em determinado contexto histórico. c) Interpretação Lógico-Sistêmica – mens legis: interpretação semântica para análise objetiva das palavras; conceitos objetivos, proposições, relações hierárquicas; define o direito como um todo sistemático. d) Interpretação Teleológica – mens legis: surge a partir da jurisprudência dos interesses; finalidade da lei. 2.2. As escolas clássicas da interpretação do direito a) Modelos “formalistas” a. Escola da Exegese: Literalidade e sentido unívoco da “vontade” do legislador. Nega lacunas; não se preocupa com a justiça social. b. Jurisprudência dos Conceitos: Sentido unívoco dos conceitos jurídicos. Não há interpretação valorativa ou de finalidade; parte da técnica jurídica, dos conceitos; nega interpretações. i. Crítica: linguagem jurídica plural b) A reação realista – perigosa se radical; pouco embasamento jurídico; fim da segurança jurídica a. Jurisprudência dos Interesses: ênfase na resolução dos casos; interesses mais importantes que o direito. Interesses envolvidos prevalecem em relação à estrutura conceitual. Utilização do método teleológico. b. Movimento do Direito Livre: ênfase no juiz; maior relevância para o caso concreto do que à lei, com o objetivo de realizar justiça (demandas sociais). Análise social no posicionamento do juiz, que deve se posicionar segundo as necessidades sociais. c) O modelo da Teoria Pura do Direito – rompe com o formalismo clássico (literalidade) a. Moldura objetiva decorrente da interpretação b. Escolha subjetiva (preenchimento) ente as diversas alternativas possíveis dentro da moldura. • De acordo com esse modelo, o juiz tem uma moldura objetiva que delimita suas opções de decisão. Dentre elas, ele tem liberdade de decisão, por isso, sua escolha é subjetiva. Há uma dificuldade de distinção entre o objetivo e o subjetivo, porque as molduras mudam de juiz para juiz, já que dependem de interpretação, que é baseada na construção social. 2.3. Texto e norma a) Texto como signo (significante e significado): expressão física b) Texto como significante: enunciado (palavras); é interpretado c) Norma como sentido prescritivo (significado) do texto normativo: sentido do texto-proposição, não é interpretado. d) Ilusão da máxima “in claris cessat interpretatio” e) Ambiguidade e vagueza dos textos jurídicos: o textos são vagos – referente (objetos enquadrados) – e ambíguos (conceitos com duplo sentido). III. A concretização da norma jurídica 3.1. Da interpretação do texto à concretização da norma: concretização como processo construtivo 3.2. Texto e caso como pontos de partida do processo concretizador. Aquele é interpretado e este é descrito; a partir daí, a norma pode ser concretizada. 3.3.Norma Jurídica e Norma de Decisão: A partir da interpretação do texto legal e da descrição do caso, o plano normativo é concretizado com a norma jurídica (geral) e, em seguida, a norma de decisão (individual). IV. A aplicação da norma jurídica 4.1. Aplicação como final do processo concretizador: a aplicação do direito, observância ou execução, é o processo final de concretização da norma. 4.2. Subsunção do caso à norma e a aplicação da norma ao caso: a norma incide sobre o caso e, depois de sua concretização (interpretação do texto, descrição do caso, aplicação), o caso é aplicado à norma (subsunção). V. A integração como dimensão do processo concretizador 5.1. Tipologia tradicional da interpretação: Interpretação restritiva, declarativa e extensiva. a) Interpretação restritiva: a lei diz mais do que deveria e o juiz reduz a extensão da lei, o âmbito de aplicação da norma. b) Interpretação declarativa: o juiz apenas descreve a lei (literalidade); texto expressa exatamente o que deveria. c) Interpretação extensiva: a lei diz menos do que deveria e o juiz amplia a aplicação da lei; não cria analogia. 5.2. Métodos de integração – norma não prevê; preenchimento de lacunas (direito dinâmico); completabilidade; heterointegração (costumes) ou autointegração (analogia, equidade, princípios gerais do direito) a) Analogia: Baseia-se na razão de ser jurídica (ratio legis); mesmo sentido, similaridade. Não se aplica em Direito Penal nem em Tributário em sentido afirmativo e extensivo. b) Costume: práticas habituais que as pessoas se convenceram de que têm força e obrigatoriedade jurídica. Proibido no Direito Penal. c) Princípios gerais do direito: máximas orientadoras – princípios deduzidos do princípio natural e indução das diversas normas do direito positivo. d) Equidade: fundada a partir do contexto específico do caso; não cria precedente; intuição com o objetivo de realizar justiça concreta. VI. A concretização constitucional entre princípios e regras jurídicas 6.1. Princípios e regras como normas jurídicas a) Princípios: heterorreferência; plano reflexivo; abertura da ordem jurídica para adequação social. b) Regras: autorreferência; fechamento da ordem jurídica; dão consistência jurídica, sendo orientadas por argumentos formais para regulamentação da conduta. 6.2. Reflexividade normativa: relação de circularidade entre princípios e regras a) O juiz é provocado pelos princípios, mas precisa se libertar deles para encontrar a regra que vai solucionar o caso. Um princípio precisa de uma regra para se materializar; o princípio é um fundamento mediato; a regra, imediato. 6.3. O processo de concretização constitucional por princípios e regras: a) No contexto social estão os valores,os interesse, as pretensões morais e as expectativas normativas atípicas, que influenciam a resolução de um caso concreto no sistema jurídico. O caso é construído ob aspectos jurídicos, o texto legal é interpretado. A norma de decisão surge a partir da aplicação de princípios e de regras. VII. Conclusão 7.1. Sistema jurídico enquanto sistema normativo: resultante das interpretações e das concretizações dominantes. 7.2. Consistência jurídica (interna) e adequação social (externa) do direito dependem das interpretações e das concretizações dominantes. 7.3. As regras relacionam-se primariamente à consistência jurídica, os princípios associam-se primariamente à adequação social do direito. Seminário – O Caso dos Exploradores de Cavernas Cinco exploradores de cavernas adentraram uma caverna calcária quando, já distantes de sua única entrada, ocorreu um deslizamento, aprisionando-os nela. Devido à falta de alimento, Roger Whetmore propôs que um dos integrantes do grupo fosse morto e servisse de alimento aos demais. O processo de escolha foi por meio de lançamento de dados e Roger Whetmore, foi morto – apesar de, antes de realizar sua jogada, ter desistido do acordado. Os quatro exploradores restantes são acusados de homicídio com base na lei “quem quer que intencionalmente prive outrem da vida será punido com a morte”. Os réus foram condenados à forca na Primeira Instância, porém os integrantes do Tribunal, e o próprio juiz, enviaram petições ao Executivo para lhes dar uma alternativa de pena a seis meses de reclusão. Tendo recorrido da decisão, o caso chega à Suprema Corte, composta por cinco juízes. Truepenny (Presidente): - A lei não permite exceções; - Sugere a clemência executiva; - Condena os réus. Foster: - Vive-se em um estado natural; não se pode ser aplicado o Direito Positivo; - Propósito é mais importante que a letra da lei - Leitura inteligente e interpretação racional; - Inocenta os réus. Tatting: - Difícil de se determinar o momento de estabelecimento do estado natural; - Criou-se um “novo ordenamento” com leis odiosas, no qual o contrato sobressai-se em relação à vida; - Incapaz de dissociar seus aspectos emocionais de sua função como magistrado; - Se abstém da decisão. Keen: - Clemência é excluiva ao chefe do Executivo, não cabendo a um membro do Judiciário sugeri-la ao Presidente; confusão entre os poderes; - A valoração das atitudes dos réus como boas ou más, como justas ou injustas, é irrelevante; - O que é relevante é se eles intencionalmente privaram Roger Whetmore da vida; a letra da lei; - Supremacia do Legislativo para alteração de leis; - Não há lacunas, como sugere Foster; - Decisões rigorosas são positivas, visto que levam a revisões legislativas; - Condena os réus Handy: - Sabedoria prática sobressai-se em relação ao Legislativo; - Flexibilidade; - Compreensão das demandas sociais; - Proposta de reunião entre Judiciário e Executivo; - Meios de comunicação como difusor da opinião pública; - Fontes previram a decisão do chefe do Executivo; - Inocenta os réus. Decisão: dois votos a favor da condenação, dois votos a favor da absolvição e uma abstenção. Críticas: - Truepenny: positivismo moderado, violação do princípio da harmonia entre os Três Poderes; - Foster: jusnaturalista, primeiro argumento fantasioso; segundo argumento relevante. É possível violar a lei sem violar o princípio expresso por ela. - Tatting: violação do princípio da indeclinabilidade (juízes não podem deixar de votar), confusão de papel de cidadão com seu papel como magistrado. - Keen – juspositivista, juiz como boca da lei - Handy: realista (adequação extrema do direito à sociedade), opinião pública pode ser irracional, mídia manipula a consciência coletiva. Tópico X: Da consciência jurídica à adequação social: segurança ou legitimidade social? Formalismo ou Realismo jurídico? I. Introdução 1.1. O debate entre jurisprudência dos conceitos e jurisprudência dos interesses: a) A jurisprudência dos conceitos (modelo de interpretação formalista) procurava valorizar a dimensão interna do direito – a consistência jurídica – com base na rescisão conceitual. Os conceitos eram articulados de maneira precisa e científica, com o objetivo de garantir a segurança jurídica. b) A jurisprudência dos interesses (modelo de interpretação realista) dava ênfase às respostas aos interesses presentes na sociedade a partir do direito. Este era legitimado a partir da adequação desses interesses. 1.2. Os limites dessa dicotomia: “O sistema jurídico processa a autorreferência por meio de conceitos e constrói sua heterorreferência através da assimilação de interesses” – Niklas Luhmann. a) Essa dicotomia apresenta limites, pois é difícil pensar em um direito baseado apenas na autorreferência – consciência jurídica – ou apenas na heterorreferência – adequação social. O direito é um sistema da sociedade e, portanto, nela está imerso. É preciso manter sua autonomia aliada a repostas às demandas sociais. b) O sistema jurídico precisa ser suficientemente diferenciado para garantir sua autonomia operacional e suficientemente aberto para preservar sua capacidade cognitiva de adequação social. Quando essa diferenciação não é suficiente, existe uma situação de corrupção sistêmica, porque outros sistemas sociais vão além do condicionamento do direito e chegam a determiná-lo, prejudicando sua consistência jurídica. II. O paradoxo funcional do direito: entre consistência jurídica e adequação social 2.1. A consistência do direito como problema de processamento da autorreferência a) O modelo hierárquico da consistência: baseia-se em camadas de fundamentação, nas quais uma norma inferior tem seu fundamento em uma norma superior. A pirâmide tem sua em sua base a mera observância e a mera execução, sendo que ambas devem ser consistentes e coerentes com o ordenamento. Tomado de maneira rígida, o modelo é problemático. b) O modelo circular da consistência: os juízes e os Tribunais se encontram no centro do ordenamento jurídico e utilizam fontes formais do direito como as leis, os contratos, a dogmática jurídica e os precedentes jurisprudenciais para fundamentar suas decisões. Ao mesmo tempo em que esses elementos são utilizados, são modificados com seu uso. 2.2. A adequação social do direito como problema de construção da heterorreferência a) A adequação social do direito encara diversas dificuldades. Até que ponto pode se adequar a um sistema sem que isso interfira na sua adequação a outro sistema? O direito mais adequado é aquele que não atua destrutivamente, não é imperialista. O potencial do direito é permitir que os diversos sistemas sociais tenham um desenvolvimento satisfatório na solução dos problemas sociais. 2.3. Por que ocorre o paradoxo (possibilidade x impossibilidade)? a) O paradoxo acontece porque o formalismo excessivo diminui a adequação social e cria uma dificuldade para o direito responder aos estímulos de sua ambiente. Por outro lado, o excesso de adequação a esse ambiente faz com que o direito perca seu critério de generalidade e de justiça. III. A ênfase na segurança por parte do formalismo jurídico 3.1. Os casos típicos de formalismo jurídico: Escola da Exegese e Jurisprudência dos Conceitos. a) Escola da Exegese: literalidade da lei; o enunciado expressa exatamente a vontade do legislador; não há lacunas. b) Jurisprudência dos Conceitos: fundamenta-se na unidadedos conceitos jurídicos e nega interpretações por defender uma definição científica. 3.2. Crítica e revisão do formalismo na Teoria Pura do Direito a) Hans Kelsen critica ambas as teorias, pois defende que os legisladores não podem prever todos os casos e, por isso, os juízes devem ter certo grau de liberdade (moldura). Não há lacunas no direitos, haja vista que há outras “fontes” de direito (analogias, costumes – se previsto no ordenamento jurídico –, princípios gerais e equidade) para resolver casos concretos. b) Para tanto, o juiz dispõe de uma moldura objetiva que oferece um leque de opções que ele pode escolher livremente, de maneira subjetiva. Essa situação expressa um formalismo moderado, pois a consistência interna começa a ser relativizada e o direito encontra uma abertura para a adequação social. 3.3. Os limites do formalismo jurídico a) O formalismo faz com que o direito se feche em si mesmo e perca a capacidade de abertura cognitiva ao ambiente. O ordenamento jurídico não pode desconsiderar os sistemas que estão a sua volta, pois ele é condicionado por estes. Assim, um sistema totalmente fechado às demandas sociais apresenta um alto grau de consistência e de segurança jurídica, porém, com poucas possibilidades práticas. IV. A ênfase na legitimidade social por parte do realismo jurídico 4.1. Os casos típicos de realismo jurídico: realismo americano, realismo escandinavo, Movimento do Direito Livre, sociologismo jurídico e “Movimento de Direito Alternativo”: a) Realismo americano: caráter sociológico, análise das condições de solução de casos concretos. O juiz decide por critérios pessoais; verdadeiro legislador; não está preso à situação. b) Realismo escandinavo: o direito em vigor é aquele em conformidade com o que o juiz está decidindo. Observação da atuação dos juízes para conhecer o direito. Positivista no sentido judicial (o direito válido é o que se pratica); não vincula o juiz à lei. c) Movimento do Direito Livre: O juiz tem ampla liberdade, inclusive para deixar a legislação de lado se esta não está de acordo com as demandas sociais; normas gerais são apenas indicações. d) Sociologismo jurídico: Busca de jurisprudência sociológica como critério de resolução de casos; de acordo com as leis da sociologia; ênfase na cientificidade sociológica. e) “Movimento do Direito Alternativo”: O juiz decide de acordo com as demandas sociais, mesmo se a interpretação utilizada não estiver de acordo com a legislação; ênfase nos movimentos sociais e nos grupos desfavorecidos. 4.2. Limites do realismo jurídico a) O realismo jurídico ignora que a complexidade da sociedade faz com que o que seja adequado para um sistema, não seja para outro. Além disso, existem divergências de expectativas normativas na sociedade. Assim, o juiz não consegue resolver as demandas de uma maneira ampla, sempre havendo grupos satisfeitos e grupos insatisfeitos. O que é adequado socialmente, mas não tem precedente legal, torna-se fluido. É preciso, portanto, de critérios jurídicos. Destarte, um direito muito adequado e pouco consistente dilui as expectativas normativas da sociedade e dificulta a percepção da existência desses critérios. O direito perde a pretensão de generalização congruente. V. É possível solucionar esse paradoxo? 5.1. Impossibilidade de solução definitiva do paradoxo: “justiça como fórmula de contingência do sistema jurídico” a) Segundo a teoria sistêmica, esse paradoxo é positivo, pois faz o direito evoluir. A justiça, nesse sentido, é uma motivação, e não a reposta; por isso o paradoxo é necessário. 5.2. A solução definitiva do paradoxo implicaria a utopia da abolição do direito a) O conflito entre adequação social do direito e consistência jurídica é uma busca por justiça. Se todos os conflitos sociais fossem resolvidos de forma justa, não haveria porque existir direito. Se todos estivessem satisfeitos, se não houvesse conflitos interpessoais ou divergências de expectativas normativas, não haveria direito. 5.3. Relatividade de um equilíbrio instável a) O equilíbrio estável das relações envolvidas no paradoxo resultaria em abolição do direito. A ideia de relatividade do equilíbrio estável se adéqua melhor à realidade social. Existem soluções altamente consistentes e decisões altamente adequadas à sociedade. • O Caso dos Exploradores de Cavernas mostra essa contraposição entre adequação social do direito e consistência jurídica, principalmente nos votos dos juízes Handy (realista) e Keen (formalista), respectivamente. Seminário – Antígona I. Antígona – Sófocles 1.1. Introdução à obra a) A peça Antígona faz parte de um conjunto de tragédias gregas escritas pelo célebre dramaturgo grego Sófocles (século V a.C.). é a terceira e última peça da chamada Trilogia Tebana, composta também por Édipo Rei e Édipo em Colono. b) A trilogia centra-se família de Édipo, descrevendo eventos que passam por gerações. A história desta família é determinada por uma profecia de que Édipo iria matar seu pai e se casar com sua mãe, Jocasta; o que desencadeia uma série de tragédias para seus descendentes. Em Antígona, desenrolam-se os fatos que se abateram sobre os filhos de Édipo. c) Apesar de ser a última obra da trilogia, caso uma leitura separada seja realizada, não há problemas para sua compreensão. 1.2. Resumo da peça a) O começo da peça se dá com um diálogo entre as filhas de Édipo: Antígona e Ismênia. Elas comentam uma nova lei decretada pelo rei Creonte. Nessa conversa, elas informam o leitor sobre os acontecimentos que se deram depois da tragédia que se abateu sobre seu pai e também sobre seus irmãos, Etéocles e Polinices, que um matou o outro em uma disputa pelo Trono de Tebas. No final, a Coroa não fica com nenhum deles e acaba no poder o tio delas, Creonte, irmão de Jocasta. b) Visto que Polinices havia montado um exército para derrubar Etéocles, seu irmão que lutava por Tebas, Creonte decide que o corpo deste receberia todo o cerimonial devido aos mortos e aos deuses. Quanto àquele, Creonte decreta uma lei proibindo os cidadãos tebanos de lhe prestarem homenagens fúnebres e de enterrá-lo, reservando a quem quer que desobedecesse suas ordens, a morte por apedrejamento. O rei entendia que isso serviria de exemplo a todos os que pretendessem intentar contra o governo de Tebas. c) Contudo, é sabido que Antígona havia, antes da trágica batalha, prometido ao irmão que, caso ele morresse, ela lhe prestaria todas as homenagens fúnebres. Decidida a desrespeitar a lei do homens, Antígona cumpre sua promessa e acalma sua consciência, respeitando a lei dos deuses. d) Antígona enfrenta a ira de Creonte e confirma ter desobedecido à sua lei. Ao fim, ela não é apedrejada, mas trancada em uma caverna para que perecesse. Enquanto isso, Creonte se nega a ouvir qualquer opinião contrária à sua, mesmo quando a maior parte dos cidadãos tebanos julgar que Antígona deveria sepultar seu irmão e ser considerada inocente de qualquer crime. Hémon, filho de Creonte e noivo de Antígona, implora a seu pai a clemência de sua noiva e que use de bom senso, mas seu apelo não é atendido e eles brigam. e) O rei só volta à razão quando o adivinho da cidade, Tirésias, o adverte de que seu orgulho de não querer enterrar Polinices acabaria com seu governo. Dessa forma, Creonte decide ir até onde está o corpo para enterrá-lo e depois ir à caverna onde se encontrava Antígona e tirá-la de lá. No entanto, ao chegar perto da tumba, ouve gritos e gemidos angustiosos. Era Hémon, que lamentava por Antígona, que havia se enforcado com os cadarços de sua cintura.O filho, ao olhar para o pai, com ódio, arranca sua espada e a crava em seu peito. Eurídice, mão de Hémon, ao ouvir do mensageiro que seu filho tinha morrido, também se mata, para desespero de Creonte que, ao ver toda sua família morta, lamenta por todos os seus atos, principalmente por não ter atacado o designo dos deuses, o que lhe custou a morte de todos os seus amados. 1.3. Direito Natural versus Direito Positivo a) Diante desse contexto, a peça expõe um conflito entre o Direito Natural, representado por Antígona, e o Direito Positivo, retratado pela figura de Creonte. b) Direito Natural: universal, imutável, advindo da natureza, dos deuses ou da consciência humana c) Direito Positivo: particular a uma determinada fronteira, variável, criado pelos homens. Tópico XI: Da adequação social ao fundamento do direito: jusnaturalismo ou positivismo? Fundamentação ou desfundamentação? I. O direito fundamenta-se em princípios morais universais ou valores comunitários? 1.1. Fundamentação e falta de fundamentação do direito 1.2. Universalismo versus relativismo na valoração do direito 1.3. Princípios morais universais ou valores do grupo enquanto fundamentos do direito II. O debate tradicional entre jusnaturalismo e positivismo 2.1. As noções básicas do direito natural a) Direito universal: vale para todos b) Direito imutável: atemporal c) Direito suprapositivo: superior 2.2. Os modelos de jusnaturalismo a) O modelo da antiguidade clássica: a. Na filosofia grega: physikón / nomikón díkaion i. Physikón: natureza das coisas, leis da natureza ii. Nomikón díkaion: norma/lei; deve estar de acordo com a natureza social; direito positivo que regula a comunidade. b. No direito romano: jus naturale, jus gentium, jus civile i. Jus naturale: mais abangente; diferente da concepção atual de direito natural; era válido até para os animais, que impunha-lhes comportamentos, assim como para o homem. ii. Jus gentium: direito natural na concepção atual; válido para todo e qualquer homem. iii. Jus civile: direito civil positivado, válido para os cidadãos romanos; corresponde ao direito positivo moderno. b) O modelo teológico medieval: a. Um exemplo – São Tomás de Aquino i. Lex aeterna: não é criação de Deus e está acima das leis divinas, sendo que nem Ele pode alterá-la; dá poder a Deus para que ele crie a natureza. ii. Lex naturalis: semelhante ao direito natural; refere-se às leis da natureza, criadas por Deus; imutável para os homens, porém, por meio de milagres, Deus pode modificá-las. iii. Lex humana: direito posto pelos homens; direito positivo; se contradizer o natural, são leis corrompidas. iv. Lex divina: posta pelo homem no âmbito civil, e por Deus no âmbito religioso; o que foi revelado: evangelhos, mandamentos. c) O modelo metafísico da escola clássica do direito natural: dedução racional da “natureza humana” (H. Grotio, S. Pufendorf, Th. Hobbes, J. Locke) a. Fundamentação do direito a partir da natureza humana: contrato social b. Hobbes: perspectiva negativa; “o homem é o lobo do próprio homem”; direitos: ordem, paz e vida; c. Locke: perspectiva positiva; o Estado como um mal necessário; direitos: liberdade, vida e propriedade. d) A escola racional ou formal do direito (Rousseau, Kant): a. Construção transcendental a priori: como o direito deve ser; intocável pela experiência empírica. b. A racionalidade moral leva ao comportamento baseado no imperativo categórico: um sujeito racional isolado age segundo a máxima de que sua ação moral serve para todos os homens. c. Direito como compatibilização entre as liberdades: a liberdade de um não pode invadir a liberdade de outro 2.3. As noções básicas do direito positivo: a) Direito particular a determinado contexto histórico: deixa de ser imutável. b) Direito variável: histórica e geograficamente, funcionalmente, de acordo com a sociedade. c) Direito posto por decisão ou decorrente da prática social: jurisprudênica. 2.4. O positivismo jurídico a) A origem do positivismo jurídico: pode se creditar a origem do positivismo jurídico a Hobbes, que defendeu a supremacia e um líder e o cumprimento estrito de suas ordens. O juspositivismo se delineia melhor com a Escola da Exegese. b) As características básicas do juspositivismo: a. Direito = Direito positivo b. Cabe à ciência do direito descrever o direito positivo: neutralidade científica; sem nenhuma influência, seja externa, seja interna. c. A justiça é relativa e subjetiva: não é objeto da ciência do direito; para Kelsen, a justiça é emocional, não podendo ser escrita objetivamente. d. Separação de moral, direito e política; podendo a moral e a política condicionarem o direito, sem, no entanto, determiná-lo. c) Tipos básicos de positivismo jurídico: a. Positivismo normativista (positivista em sentido estrito): dever ser ≠ ser; validade ≠ eficácia (Kelsen) b. Positivismo realista (Alf Ross): validade = eficácia III. O debate contemporâneo entre fundamentação e desfundamentação 3.1. Os modelos de fundamentação ou justificação a) Liberalismo: Princípios universais de justiça (principal representante: John Rawls). Qualquer um que fosse racional os seguiria; influenciado por Kant e por Locke; princípios de justiça com base em moral. b) Comunitarismo: Valores do grupo como critério de justificação (principal representante: Charles Taylor). A fundamentação do direito não é universal, como no modelo liberalista; pelo contrário, baseia-se em valores do grupo. a. O republicanismo como versão democrática do comunitarismo (soberania do povo). c) A teoria do discurso: entre direitos humanos e soberania do povo (Jürgen Habermas): os direitos humanos (autonomia privada) e soberania do povo (autonomia pública) são cooriginários e, entre eles, existe tensão e complementariedade. 3.2. Os modelos de desfundamentação: o direito é contextual a) O modelo pós-moderno: fragmentação da sociedade na pós modernidade. a. Jean François Lyotard: a heterogeneidade dos jogos de linguagem. Os vários jogos de linguagem dos diferentes sistemas são opacos uns aos outros, não havendo a possibilidade de encontrar em outro jogo de linguagem a fundamentação de seu próprio jogo. b) O modelo desconstrutivista: a violência do ato fundador (Jacques Derrida): o direito não tem ato de fundamentação, pois todo ato constituinte é violento. A violência não é justificada, portanto, não há fundamentação. Além disso, a justiça demonstra a limitação do direito, porque ela nunca será alcançada, constitui uma busca permanente. IV. O paradoxo da fundamentação como autofundamentação: A pretensão constitucionalista 4.1. Da Constituição como acoplamento estrutural entre política e direito à Constituição como instância do sistema jurídico na teoria de Niklas Luhmann: A autofundamentação constitucional do Direito. a) A Constituição como Mecanismo da Autonomia (Fechamento) Operacional do Sistema Jurídico: define a autorreferência e até onde vai a heterorreferência; argumentar dentro da Constituição. b) A Constituição como Mecanismo Estruturador da Abertura Cognitiva (Capacidade de Aprendizagem) do Sistema Jurídico: Constituição e Ambiente do Sistema Jurídico: mostra até que ponto o Sistema Jurídico é capaz de aprender, de se abrir para o ambiente. 4.2. O Direito, a Constituição e a esfera pública: A autofundamentação do Direito acoplada à democracia e aberta à esfera pública na sociedade contemporânea. a) A esfera pública é um espaço não governamental de discussão não voltada para o consenso. Ela pressiona os procedimentos constitucionaisa partir de pretensões que surgem de generalizações. É um espaço para protesto, e que, portanto, só pode existir em um ambiente democrático. b) A Constituição funciona como um filtro das relações entre Direito e Política, e seus procedimentos são influenciados pelas discussões da esfera pública. Assim, a autofundamentação do Direito precisa vincular abertura democrática e abertura à esfera pública. V. Conclusão 5.1. O problema da fundamentação do direito localiza-se na filosofia jurídica, mas pode ser pensado no âmbito de uma teoria geral da sociedade contemporânea. 5.2. A autofundamentação do direito não significa insensibilidade para os problemas morais, valorativos e políticos da sociedade contemporânea: tradução constitucional e seleção procedimental de exigência morais, valorativas e políticas 5.3. A Constituição garante tanto o fechamento operativo (cláusulas pétreas), como a abertura cognitiva (reformas, emendas), por isso garante a autofundamentação. Seminário – Pluralismo Jurídico: Boaventura x Neves I. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada – Boaventura 1.1. Estudo sobre as estruturas jurídicas internas de uma favela no Rio: situação de pluralismo jurídico (no mesmo espaço geopolítico vigoram – oficialmente ou não – mais de uma ordem jurídica). 1.2. Favela: espaço territorial cuja autonomia decorre da ilegalidade coletiva da habitação à luz do direito oficial brasileiro: vigência não oficial e precária de um direito interno e informal gerido pela associação de moradores e aplicável à prevenção e à resolução de conflitos. 1.3. Pluralismo jurídico: o direito da favela vigora em paralelo, ou em conflito, com o direito oficial brasileiro (não configura uma relação igualitária). 1.4. Os primeiros habitantes, durante a década de 1930, chegavam à área e cada um escolhia seu pedaço de terra, não havendo conflito. Já na década de 1940, os conflitos se iniciaram e sua resolução se dava pela violência. 1.5. Fatores para a violência: a) Indisponibilidade: ou inacessibilidade estrutural dos mecanismos de ordenação e de controle social próprios do Sistema Jurídico brasileiro: polícia e Tribunais. a. Polícia: não havia delegacias e era difícil a população lhe recorrer: continua a luta contra ela. Tentativas empreendidas para expulsar os moradores; a sobrevivência da comunidade nunca esteve garantida. Chamar a polícia aumentaria a visibilidade da favela como comunidade ilegal; o morador que a chamasse era traidor. Até hoje, o papel da polícia é mínimo na prevenção e na resolução de conflitos, sendo ela vista como uma força hostil de funções estritamente repressivas. b. Tribunais: Recurso igualmente vedado; juízes e advogados eram vistos como demasiado distanciados das classes baixas para poder entender as necessidades e as aspirações dos pobres; o serviço dos advogados era caro. Devido à ilegalidade da comunidade quanto à ocupação de terras, recorrer aos Tribunais poderia ser perigoso e inútil (“os Tribunais tinham que seguir o código e pelo código não tínhamos direito”). “Nós éramos e somos ilegais”: o status de ilegalidade está ligado à condição humana dos habitantes da favela. O aparelho jurídico do Estado é classista: inacessibilidade geral em relação aos problemas jurídicos das classes mais baixas. b) Inexistência de mecanismos alternativos de origem comunitária, capazes de exercer funções semelhantes às dos mecanismos oficiais. 1.6. Ambiguidade da consciência popular sobre o direito: a) Apreciação realista: o direito do Estado é o que está nos códigos e os juízes têm obrigação de segui-lo. Reconhecimento implícito de um direito para além dos códigos, muito mais justo do que este; avalia as condições em que as classes baixas são obrigadas a lutar pelo direito à habitação. Estatuto de ilegalidade da comunidade favelada e o bloqueio ideológico criam uma situação de indisponibilidade ou de inacessibilidade estrutural dos mecanismos oficiais de ordenação e de controle social. Essa situação teria sido neutralizada por mecanismos internos, informais e não oficiais de ordenação, capazes de articular e de exercer uma legalidade e uma jurisdição alternativas para vigorar dentro da comunidade. b) Privatização possessiva do direito: situação criada pela indisponibilidade dos mecanismos de ordenação social do Estado e pela ausência de mecanismos não oficiais comunitários; apropriação individual da criação e da aplicação de normas que regem a conduta social (situação existente em sociedades constituídas à margem de estatutos organizativos). 1.7. Cada unidade social constitui-se em centro e em produção de juridicidade com uma vocação universalizante dentro da esfera de interesses dessa mesma unidade. Quando a realização desses interesses se processa sem conflitos entre os vários centros de juridicidade, a relação resultante é autonomia e tolerância recíprocas. 1.8. O choque entre as duas ordens jurídicas (duas pretensões globais de juridicidade ou entre vocações contraditórias) gera um conflito que, generalizado, torna-se um conflito entre dois poderes soberanos entre os quais nenhum poder mediador pode interceder. 1.9. Situação de Suspensão Jurídica: a) Ajuridicidade: superação ocorre pela violência b) Privatização possessiva do direito: dialética entre tolerância extrema e violência próxima: situação de Pasárgada. II. Do pluralismo jurídico à miscelânea social: o problema da falta de identidade da esfera de juridicidade na modernidade periférica e suas implicações na América Latina – Marcelo Neves 2.1. Estado Nacional Moderno: pretensão de exclusividade de cada ordenamento jurídico estatal no respectivo espaço geográfico. Toda ordem jurídica constituída extraestatalmente passa a ser subordinada às determinações do poder; ficando excluída a possibilidade de uma ordem jurídica internacional supraordenada. 2.2. Pluralismo jurídico: concomitância de ordens jurídicas no mesmo espaço tempo. Nega-se pretensão de onipotência do Estado; Carga ideológica: revolta contra o estatalismo, contra a centralização do poder e o crescimento das funções do Estado 2.3. Perspectivas pluralistas: a) Monismo formalista x Pluralismo institucionalista: segundo a tradição monista, existe uma norma fundamental única e pressuposta que resulta na unidade do sistema jurídico. O pluralismo institucionalista defende a coordenação de ordenamentos, diferenciados por sua esfera temática e seus destinatários. b) Pluralismo antropológico x Imperialismo: segundo a corrente do pluralismo antropológico, os ordenamentos primitivos eram dotados de juridicidade e existiam no mesmo espaço tempo em que o direito da metrópole. O imperialismo pregava a supremacia da metrópole. c) Sociologia do Direito x Legalismo: A sociologia do direito defende a pluralidade das fontes de produção social do direito e é contrária à pretensão exclusivista do Estado (relacionamento com outros campos de juridicidade autônomos). O legalismo é visto como forma de hipertrofia das funções estatais. d) Alternativismo jurídico: crítica ao legalismo juridicizante do Estado, na medida em que não responde adequadamente às expectativas da realidade. As formas jurídicas alternativas nascem como reação a problemas de heterorreferência ou de adequação social do direito em decorrência do excesso de legalismo. d) Crítica a Boaventura: não se trata de falta de acesso aos mecanismos legais, mas de uma opção contrária a eles. 2.4. Pós-modernismo no Direito: a) Negação da possibilidade de universalização do discurso jurídico; falta de paradigmas unitários, cultura jurídica da incerteza. b) Concepção de que o sistemajurídico autopoiético constitui-se do entrelaçamento entre componentes sistêmicos. c) Direito parcialmente autônomo: reprodução autorreferencial dos componentes sistêmicos, mas estes não se entrelaçam num hiperciclo 2.5. Do pluralismo jurídico à miscelânea social: a) Dificuldade de releitura de modelos elaborados nos países centrais para a realidade jurídica de países periféricos. b) Nos países centrais, o pluralismo pressupõe a autorreprodução operacionalmente consistente do direito positivo estatal. Em contraposição a ele, surgiram estruturas sociais difusas com identidades próprias e claramente diferenciadas do direito oficial. c) O intrincamento bloqueante e destrutivo entre a juridicidade estatal e os direitos socialmente difusos impede a recepção nos países periféricos das teorias formuladas nos países centrais. d) Intrincamento bloqueante e destrutivo = as fronteiras operacionais do campo do direito positivo estatal não são delimitadas em face das pretensas áreas de juridicidade extraestatais. e) Miscelânea Social: mistura ente códigos e critérios de sistemas diversos, principalmente econômico (ter) e político (poder), leva à insuficiente desintrincação operacional dos sistemas. 2.6. Modernidade periférica como modernidade negativa: a desigualdade econômica traz consequências para a reprodução dos sistemas sociais. Nos sistemas periféricos, não houve efetivação adequada da autonomia sistêmica de acordo com o princípio da diferenciação funcional. a) Sociedade moderna: complexificação social + diversificação funcional das esferas do agir e do pensar = desaparecimento da moral material globalizante + surgimento de sistemas sociais operacionalmente autônomos. b) Modernidade periférica: hipercomplexificação + superação do moralismo não resultou em sistemas sociais autônomos. c) As relações entre os campos de ação assumem formas autodestrutivas e heterodestrutivas. d) Na modernidade periférica, a desagregação da consciência moral convencional não resultou na estruturação da consciência moral pós-convencional e da autonomia da esfera pública. 2.7. A falta de autonomia identidade das esferas de juridicidade na modernidade periférica latino-americana: a) Miscelânea social dificulta a construção da identidade das esferas jurídicas (falta de autonomia das conexões sociais). b) Teoria sistêmica: Direito como sistema normativo operativamente fechado, mas cognitivamente aberto. O fechamento autorreferencial é condição de abertura. O sistema jurídico pode assimilar, de acordo com seus critérios, fatores do ambiente, não sendo diretamente influenciado por eles. c) Modernidade periférica: a sobreposição particularista dos códigos políticos e econômicos às questões jurídicas impossibilita a identidade do sistema jurídico. O intrincamento de códigos atua auto e heterodestrutivamente. Insuficiente fechamento operativo (autorreferência) que obstaculiza a própria construção da identidade do sistema jurídico. d) Alopoiese: a esfera jurídica não é capaz de reciclar influências advindas do seu contexto econômico-político 2.8. Equívocos do pluralismo na abordagem da realidade jurídica latino-americana a) Pluralismo: identidade-autonomia de esferas de juridicidade extraestatais diante do legalismo do ordenamento jurídico do Estado (reação ao legalismo) b) Na modernidade periférica, o intrincamento de códigos e de critérios dos diversos campos impede a construção da própria legalidade estatal c) Ordem do favelados: mecanismos extraestatais de solução de conflitos = formas instáveis e difusas de reação à falta de acesso aos benefícios do sistema jurídico estatal. d) Insuficiente identidade das esferas de ação = intrincamentos discursivos entre as ordens na relação entre códigos e critérios. e) Romantização da experiência dos favelados como alternativa ao legalismo. f) Diferentes códigos jurídicos difusos não são o mesmo que alternativas pluralistas. g) Ausência de legalidade + estratégias de sobrevivência h) Mecanismos instáveis e difusos da reação à ausência de legalidade. A violação tem o objetivo de alcançar a legalidade. i) Os modelos e resolução ou neutralização de conflitos num contexto de marginalizações e de privilégios produzem insegurança destrutiva. 2.9. Entre subintegração e sobreintegração: implicações constitucionais a) Afirmar que os sistemas jurídicos funcionam porque existem é uma simplificação ideológica. b) Funcionalidade é diferente de existência. c) Na diversidade das relações sistêmicas, algo pode ser funcional em uma esfera e disfuncional em outra. Além disso, o não funcionar em uma esfera pode ser prestativo a outras esferas. d) Superexploração do direito pela política = ineficácia generalizada dos dispositivos constitucionais referentes à igualdade, à liberdade e à participação implicam uma não funcionalidade normativo-jurídica, porém compatibiliza-se com a função político-ideológica do discurso constitucionalista. e) Incongruência de expectativas = miscelânia 2.10. Pela superação do dilema Monismo x Pluralismo a) Unidade e pluralidade não se excluem. b) Os Monistas não compreendem que a diversidade contraditória de expectativas e interesses não se compatibiliza com um cenário de produção jurídica hermeticamente fechada às demandas sociais (inexistência de direito). c) Os Pluralistas não interpretam o direito intersisitêmico de colisão e a compatibilização dos dissensos como mecanismos construtuores da unidade na pluralidade. d) As estruturas unitárias atuam como condição de possibilidade da pluralidade jurídica. e) A identidade do direito na sociedade moderna é construída a partir da unidade e da pluralidade. 2.11. Unidade do Direito Moderno: código “lícito/ilícito”: reprodução generalizada sem restrições particularistas e excludentes. Realização concreta do princípio da legalidade (indissociável da noção de cidadania). 2.12. Pluralidade: Programas e Critérios: condições indissociáveis da identidade- autonomia e da funcionalidade do sistema jurídico na sociedade moderna. Obs.: Pluralismo Jurídico • Boaventura: no mesmo espaço geopolítico vigoram (oficialmente ou não) mais de uma ordem jurídica. • Neves: concomitância de ordens jurídicas no mesmo espaço tempo. Nega- se pretensão de onipotência do Estado. Tópico XII: Do fundamento à controvérsia entre unidade e pluralidade do direito: direito sem Estado entre centro e periferia? I. Introdução 1.1. A ordem jurídica estatal em face de outras ordens normativas a) O direito não é o único sistema normativo. A religião é um exemplo de normatividade fora do sistema jurídico. 1.2. Ordens jurídicas sem Estado? a) Respostas múltiplas II. Duas Concepções de Unidade do Direito 2.1. A Concepção Hierárquica a) A unidade da ordem estatal: a unidade da ordem estatal é centrada na Constituição, fundamento último, e a norma fundamental é apenas uma hipótese, uma ficção. A efetividade da ordem jurídica é garantida pela validade da Constituição, fechamento do sistema do direito. b) A unidade da ordem internacional: seu fundamento de validade é o Direito Consuetudinário Geral. c) Monismo: Primado da Ordem Internacional: o ordenamento internacional é hierarquicamente superior aos ordenamentos nacionais. O direito internacional reconhece os Estados e suas normas são superiores às normas internas. O princípio da efetividade é condição de existência do direito internacional, ou seja, ele só existe se gerar resultados. O direito internacional é uma questão de perspectiva; partindo-se do monismo nacional, o Estado Nacional é soberano em relação ao ordenamento internacional.2.2. A Concepção Circular de Unidade a) A unidade baseia-se numa diferença que identifica o problema do sistema jurídico: o código “lícito/ilícito”: essa é a diferença binária que diferencia o direito de outras áreas. b) A unidade do código supõe a pluralidade de programas de decisão ou critérios de solução de casos: o código é uno, porém, os programas de decisão e os critérios de solução são plurais. III. Os Modelos Pluralistas 3.1. Pluralismo versus monismo no Direito Internacional Público a) Pluralistas: defendem a ideia de coordenação entre ordem jurídica estatal e internacional, como se ambas estivessem em um mesmo patamar hierárquico. b) Monistas: defendem a supremacia ou do direito nacional (imperialista) ou do direito internacional (pacifista) 3.2. O pluralismo antropológico na relação entre ordem jurídica colonial e ordem nativa: o ordenamento colonial torna-se vigente no mesmo espaço tempo juntamente com a ordem nativa, que também tem juridicidade. 3.3. O Pluralismo jurídico sociológico a) Uma vertente: O “Direito alternativo”: resolução de conflitos no âmbito privado, não no estatal; formas alternativas ao direito do Estado. Não confundir com uso alternativo do direito, contraposição ao Estado: Estado x Outras formas coercitivas. b) Crítica ao Pluralismo no Estado Periférico a. Características do Estado Periférico e seu Direito: a bifurcação centro- periferia não é resultado de condições sociais, nem é algo estático, e sim maleável. Resultado do processo de colonização privado do capitalismo ocidental. b. Do Pluralismo Jurídico à Miscelânea Social: No estado periférico, existe a sobreposição da política ou do direito. O resultado disso é a corrupção sistêmica, situação na qual o direito não consegue se fechar operacionalmente e, portanto, não é corretamente diferenciado de seu ambiente. O que Boaventura estuda é a exclusão social. As pessoas não querem uma alternativa ao Estado, mas sim ter acesso a ele e fazer parte dele. O direito estatal é constituído por legalismo e corrupção, a inconsistência da ordem jurídica que surge disso promove a miscelânea social na favela, ou seja, a mistura de códigos e desorganização total. 3.4. O pluralismo jurídico transnacional pós-moderno: a) Heterarquia: os ordenamentos jurídicos ser relacionam sem que um se sobreponha ao outro, há um reconhecimento recíproco. b) Constituições como Acomplamentos Estruturais IV. Além de monismo e pluralismo: a relação complementar entre unidade e pluralidade do Direito 4.1. A unidade do sistema jurídico em face de outros sistemas sociais não exclui a pluralidade de ordenamentos jurídicos: especificação funcional e primado de código-diferença “lícito/ilícito” 4.2. A unidade de um ordenamento jurídico não exclui a pluralidade de seus programas e critérios. 4.3.“Corrupção” sistêmica do Direito no Estado periférico: implica problemas referentes à unidade. 4.4. Limites da autonomia das ordens jurídicas transnacionais implicam problemas referentes à unidade Seminário – CIDH e STF: Caso Gomes Lund e outros (“guerrilha do Araguaia”) versus Brasil em relação com a ADPF 153/DF I. Típico problema de transconstitucionalismo: STF x Corte Interamericana de Direitos Humanos (ordenamento estatal x direito internacional público) 1.1. Lei da anistia (1979): Art. 1º, § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. 1.2. Emenda Constitucional 26 (1985): Art. 4º, § 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais. Ratificação da Anistia pela Constituinte. 1.3. Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1992): vedação à autoanistia. 1.4. ADPF 133/DF julgada como improcedente pelo STF. II. ADPF 153/DF 2.1. Arguente: Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Objetiva a declaração de não recebimento, por parte da Constituição do Brasil de 1988, do disposto no § 1º da Lei nº 6.683, de 19 de setembro de 1979. Não deseja modificar a lei, apenas mudar a interpretação no que tange ao significado de crimes conexos. Crimes comuns (tortura, estupro, assassinato) não deveriam ser abrangidos como crimes conexos. 2.2. Posição do STF: a anistia teria surtido efeitos imediatos e irreversíveis. A demanda não objetiva uma interpretação da Lei de Anistia, mas sua revisão, competência exclusiva do Poder Legislativo. Caso a anistia passasse a ser considerada de forma restritiva por novas interpretações, ela perderia totalmente seu caráter e seu objetivo de promover a paz em um momento tenso da história brasileira. A Emenda Constitucional 26 de 1985 incorporou a anistia como um dos fundamentos da nova ordem constitucional. 2.3. OAB: objetivava firmar a interpretação de que torturas praticadas pelos agentes da repressão não eram crimes conexos aos políticos e, por conseguinte, não estariam abrangidos pela Lei de Anistia. A Lei da Anistia, da forma como é interpretada hoje, fere princípios constitucionais – isonomia em matéria de segurança; direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo, ou geral; princípios democrático e republicano; dignidade da pessoa humana e do povo brasileiro. III. Caso Gomes Lund 3.1. Vítimas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia, foco de resistência ao Regime Militar. 3.2. O Estado deve conduzir a investigação penal dos fatos do caso, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja. O Estado brasileiro deve investigar os graves crimes contra a humanidade cometidos por agentes estatais durante o Regime Militar, em que a Lei da Anistia seja um óbice para isso. 3.3. A sentença invalida a Lei da Anistia. 3.4. Cezar Peluso: a decisão da Corte não obriga o Supremo a rever seu julgamento. 3.5. Marco Aurélio: o Direito Pátrio sobrepõe-se ao Direito Internacional. 3.6. A lei de anistia política brasileira não teria validade por confrontar dispositivos de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. 3.7. Com o resultado da ADPF 153, o Estado descumpriu sua obrigação de adequar o direito interno à Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos. 3.8. O ponto final deve ser a dignidade humana. 3.9. Convenção de Viena: vedação de invocar questões de ordem interna para descumprir oi cumprir imperfeitamente as obrigações internacionais assumidas. 3.10. Controle de convencionalidade: exercido pelo STF e pelos Tribunais Internacionais (limites à soberania nacional). Obs.: o caráter de supralegalidade dado ao Pacto San José da Costa Rica o coloca acima das leis ordinárias (e, portanto, acima da Lei da Anistia), porém abaixo da Constituição (e, portanto, abaixo da Emenda Constitucional nº 26, que ratifica a Lei da Anistia). Tópico XIII: Transconstitucionalismo I. Do constitucionalismo ao transconstitucionalismo 1. Da constituição aos problemas constitucionais a) Constituição em sentido moderno, tem a ver com dois aspectos básicos: limitação e controle jurídico positivo da cúpula do poder; e direitos (fundamentais, humanos) fundados constitucionalmente. b) Problemas constitucionais que permanecem e não podem ser resolvidos apenas pelo Estado e por sua constituição,por uma ordem jurídica isolada. c) A constituição garante uma série de direitos aos cidadãos que muitas vezes entram em conflito uns com os outros. Ex.: liberdade de imprensa x direito a privacidade. Um cidadão que sente que teve algum direito violado pode recorrer ao direito internacional; dessa forma, o Estado Nacional deixa de ter o monopólio sobre os problemas constitucionais, uma vez que estes ultrapassam os limites da própria constituição. 2. O que é transconstitucionalismo? a) O mesmo caso jurídico de ordem constitucional é relevante para dois ordenamentos jurídicos ao mesmo tempo, ou quando o caso implica a presença de várias ordens jurídicas interessadas na resolução do problema. b) Relação com hierarquia entre direito internacional e direito nacional. c) O transconstitucionalismo implica a abertura para a experiência do outro, exige a capacidade de buscar caminhos de aprendizado recíproco, de observar o outro para se modificar de forma reflexiva. II. Diversidade de transconstitucionalismo entre ordens jurídicas 1. Transconstitucionalismo entre direito estatal e direito internacional público. a) Tratados internacionais vinculam o Estado, mas dependem de ratificação e de promulgação para que tenham vínculo interno. b) Brasil: Depositário infiel: o Estado se reciclou com o aprendizado a partir da Corte Interamericana de Direitos Humanos (convergência: ordem nacional se reconstrói para receber); Gomes Lund: resistência por parte do governo brasileiro. • Isso mostra que os modelos de decisão variam muito, não há clareza da prevalência definitiva. A força da ordem internacional não é suprema. 2. Transconstitucionalismo entre direito estatal e direito supranacional. a) A Corte Europeia é um exemplo de direito supranacional (acima dos Estados). Suas decisões incidem diretamente sobre o cotidiano dos cidadãos, pois o vínculo é imediato para o Estado e para os indivíduos, diferente do tratado internacional, que vincula apenas o Estado. b) Se um país não quiser incorporar as decisões de um tratado constitucional, é preciso justificativa; já em uma relação de tratado internacional, o país pode não aceitar sem justificativa alguma. c) A soberania estatal não acaba, o direito supranacional apenas impõe restrições. O Estado precisa revisar as noções clássicas, pois há uma fiscalização internacional. 3. Transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estatais. a) Referência cruzadas: referências ao direito constitucional de outros Estados b) EUA: não há previsão na Constituição de que se deve levar em conta outros ordenamentos, mas o Estado costumeiramente faz referência aos “povos civilizados” para resolver os casos. Ex.: Lawrence vs. Texas: homoafetismo e condenação de menores. c) As referências cruzadas geram modificações nas identidades constitucionais (ideia de que isso seria algo de países subdesenvolvidos). d) Transconstitucionalismo reflexivo: a constituição não determina a referência . e) Transconstitucionalismo normativo: a constituição determina que se faça referência a outros ordenamentos (Brasil: tratados internacionais ratificados pelo governo). 4. Transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estatais e ordens jurídicas transnacionais. a) Ordens jurídicas transnacionais são aquelas criadas por agente privados. É um direito anacional; um Estado não pode anulá-lo, apenas decidir de o aplica ou não. b) Lex Mercatoria: ordem jurídica que regula o comércio internacional privado. Ex.: Carregamento de pimenta de origem tailandesa destinado à França que não chegou. Não se trata de anulação do contrato. c) Lex Sportiva: ordem jurídica que regula o esporte. Ex.: Ciclista espanhol pego no exame antidoping, condenado pelo Tribunal Arbitrário do Esporte. 5. Transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estatais e ordens locais extraestatais. a) Sexo com menores em comunidades indígenas: não punível em razão da liberdade cultural. Observa-se adequação da ordem estatal para se adequar às condições culturais. b) Morte de crianças nascidas com deficiência: acreditava-se que a vida só teria sentido com o prazer. Houve a tentativa de um deputado de condetar a comunidade indígena; uma professora da UnB interveio afirmando que isso acabaria com toda uma identidade étnica. 6. Transconstitucionalismo entre direito supranacional e direito internacional. a) OMC e União Europeia: a UE decidiu proibir a importação de carnes tratadas com hormônios nos EUA, pois estas seriam ruins para a saúde dos europeus. A OMC disse que isso se caracteriza como protecionismo, pois age contra a liberdade comercial estadunidense e busca proteger seus próprios produtores. b) FIFA e Brasil: durante a realização da Copa do Mundo, houve a proteção a idosos e a adolescentes com o pagamentos destes de meia entrada para as partidas realizadas nesse evento. III. Transconstitucionalismo em um sistema jurídico 1. Sistema jurídico mundial de nível múltiplo ou multicêntrico a) O transconstitucionalismo não é somente dicotômico como citado. O sistema jurídico mundial é múltiplo, baseado em um entrelaçamento entre direito supranacional, internacional, estatal e local; portanto, temos um sistema jurídico mundial, não no sentido de ordenamento, mas num sentido sociológico e jurídico. Esse entrelaçamento também pode ser negativo. 2. Transconstitucionalismo multiangular: implica várias ordens a) Ex.: o Brasil foi à OMC contra a importação de pneus recauchutados da Europa. A OMC concordou com o Brasil, mas determinou que o país também parasse de importar esses pneus do Mercosul também. Esse é um exemplo de conflito entre direito internacional, supranacional e nacional. b) Para o STF, prevalece a OMC, exceto em coisa julgada. 3. Transconstitucionalismo pluridimensional dos direitos humanos: inclusão jurídica de toda e qualquer pessoa a) Ex.: Suruwahá. É diferente da imigração; essa comunidade não entrou no ordenamento jurídico, elas são primitivas e estavam isoladas. Diferentemente dos africanos que migram para a Inglaterra, por exemplo, pois lá estes não podem praticar o que seja contra o ordenamento inglês. b) Os direitos humanos são importantes, pois buscam tratar todos como pessoas no sentido integral; no entanto, a leitura sobre eles varia de acordo com a perspectiva de observação. É nessa diferença do que é inclusão, do que é dignidade humana, que haverá as discussões. Neste sentido, é preciso capacidade para reconhecimento da realidade. 4. Esboços metodológicos do transconstitucionalismo a) Não se trata de criar novas autoridades. Trata-se de encontrar métodos que considerem a dupla contingência (surpreender-se com o outro), que tem a ver com a capacidade de autolimitação e de aprendizado recíproco a partir da perspectiva do outro. b) A resistência e a convergência não levam ao transconstitucionalismo. É preciso articulação, ou seja, envolvimento de outra ordem, de modo a se autoconter e, ao mesmo tempo, aprender e ensinar. Busca de soluções que não sejam prejudiciais a nenhum dos lados. • A convergência faz com que a identidade desapareça IV. Limites e possibilidades do transconstitucionalismo a) o transconstitucionalismo é um recurso escasso na sociedade, ele ainda é limitado. Ele está relacionado com assimetrias de formas de direito, ou seja, sobreposição de determinados ordenamentos sobre outros. A exigência funcional do transconstitucionalismo é a promoção de uma ordem diferenciada de comunicação; para que ele funcione, é preciso, portanto, respeito entre as ordens jurídicas. A pretensão normativa, a finalidade do transconstitucionalismo, é a inclusãode todo e qualquer homem em qualquer ordenamento que esteja. 1. Condições empíricas: transconstitucionalismo versusassimetria das formas de direito a) Alguns ordenamentos são dominantes e isso é prejudicial ao transconstitucionalismo. b) Poderes altamente fortes: imposição sobre outras normas jurídicas; desrespeito a ordens jurídicas internacionais. 2. Exigência funcional: promoção de uma “ordem diferenciada de comunicação” a) É necessário uma filtragem e uma aprendizagem recíprocas. O transconstitucionalismo serve para promover o respeito à diferenciação das ordens jurídicas. 3. Pretensão normativa: promoção da inclusão a) Solução que não sejam baseadas na violência física. b) Ao contrário de uma ordem suprema, modelo ocidental excludente, o transconstitucionalismo aponta para a inclusão de todo e qualquer homem em qualquer ordem em que ele esteja. V. Observações Finais 1. Para todo observador, há um ponto cego (Heinz von Foerster) 2. Eu vejo o que tu não vês (NiklasLuhmann) 3. O ponto cego, o outro pode ver • Ajuda mútua; aprendizado recíproco. Caso utilize-se somente uma visão, sem considerar a contribuição de outra, não há confiança na dupla contingência, não há vida social, pois não há capacidade de aprendizado. É necessário uma confiança mínima para a comunicação. Seminário – Lumia x Neves I. Elementos de teoria e ideologia do direito – Giuseppe Lumia A experiência jurídica Da totalidade da experiência humana um setor importante se distingue e se destaca pelo fato de extrair sua significação daquelas regras particulares de conduta que são as normas jurídicas: esse setor constitui propriamente a experiência jurídica. Nela se confluem e se fundam: a) Experiência do entrelaçamento real de relações intersubjetivas disciplinadas por certo tipo de regras de comportamento que são as normas jurídicas. b) Essas próprias regras, o modo pelo qual são criadas e se organizam em sistemas normativos mais ou menos complexos e estruturados. c) A atitude de aprovação ou de desaprovação que assumimos diante de tais regras, segundo as consideremos ou não conformes à ideia que temos sobre o melhor modo pelo qual essas relações deveriam ser reguladas. Teoria da tridimensionalidade do Direito – FATO – VALOR – NORMA Jurisprudência Dois significados: Ciência do Direito ou Conjunto de decisões A ciência do Direito (jurisprudência) compreende a teoria geral do direito e a dogmática: a teoria geral do direito estuda as normas consideradas na sua estrutura, ou seja, nos seus aspectos puramente formais; enquanto a dogmática jurídica estuda as normas nos seus conteúdos. Teoria Geral do Direito a) Se geral é entendido como oposto de particular, a teoria geral do direito é a disciplina que estuda os princípios comuns aos ordenamentos jurídicos específicos próprios de várias comunidades estatais: John Austin chamou de “jurisprudência analítica”. b) Se geral é entendido como oposto de especial, a teoria geral do direito é a disciplina que estuda os princípios comuns aos diversos ramos de um ordenamento jurídico determinado, Adolf Merkel chamou de “enciclopédia jurídica”. c) Estabeleceu TGD como disciplina científica distinta das disciplinas jurídicas específicas. O estudo dos aspectos formais das normas jurídicas é pertinente à teoria geral do Direito, o estudo dos conteúdos compete às disciplinas jurídicas específicas (direito civil, direito penal). Pertencem à TGD os problemas de estrutura das normas jurídicas, do ordenamento jurídico e da relação jurídica. Os problemas que têm por objeto a interpretação de cada norma e sua sistematização conceitual pertencem à Dogmática. A dogmática jurídica (estudo dos conteúdos normativos) executa duas tarefas: a tarefa exegética e a tarefa sistemática. Exegética – significado de cada norma, interpretação. A tarefa sistemática consiste no agrupamento das normas jurídicas com base no objeto que chamamos de institutos (institutos da família, da propriedade, do contrato) e na elucidação por elas de princípios gerais (princípio da boa-fé, justa causa). Ambas as tarefas da dogmática estão presentes no estudo dos ordenamentos jurídicos específicos. O momento exegético prevalece no estudo dos ordenamentos nos quais a lei escrita se afirma como fonte normativa predominante e alcança estágio avançado de codificação, enquanto o momento sistemático assume uma importância maior no estudo dos ordenamentos (como os anglo-saxônicos e o internacional), nos quais um grande espaço é destinado ao direito consuetudinário e ao judiciário, não se desenvolvendo o fenômeno da codificação. Não é posta em discussão, mas aceita, exatamente como um “dogma”. A dogmática jurídica articula-se por setores nas várias disciplinas jurídicas particulares, que costumam ser objeto de ensino separado. Temos, assim, antes de qualquer coisa, a grande dicotomia entre direito privado e direito público. Na verdade, o contraste fundamental, talvez historicamente insuperável, está entre aqueles que pensam que, ao interpretar o texto legislativo, é preciso ater-se rigorosamente aos seus elementos textuais, e aqueles que sustentam, por outro lado, que também devem ser levados em consideração os dados resultantes das condições reais da sociedade: é o tradicional conflito entre métodos. Jurisprudência analítica x Jurisprudência sociológica (atentos aos fenômenos de mudança social e mais propensos a adaptar a norma vigente às exigências resultantes das evoluções da sociedade. A jurisprudência possui caracteres de objetividade e validação comuns a toda indagação que busque alçar-se à categoria de ciência. A sociologia do direito Enquanto a dimensão normativa da experiência jurídica constitui o objeto de estudo da jurisprudência, a sua dimensão factual constitui o tema de indagação da sociologia do direito. Ela parte do pressuposto de que o direito é uma variável dependente da sociedade e muda em função da mudança dessa última em cada um de seus aspectos constitutivos, econômicos, políticos, ideológicos. Há uma correspondência entre as condições sociais e os sistemas normativos, e essa correspondência é estudada sistematicamente pela sociologia do direito, por meio de métodos adequados de observação e de controle. A teoria da justiça A noção de justiça pode ser objeto de um discurso de tipo científico e de um discurso de tipo filosófico. Deve, portanto, distinguir-se uma teoria de uma ideologia da justiça Teoria – Um conhecimento intersubjetivamente verificável; Ideologia – Sistema de ideias, opiniões, de crenças e de preferências, concernente aos fins julgados essenciais para a vida em sociedade. A teoria da justiça, enquanto discurso do tipo científico, articula-se em uma pluralidade de investigações. a) o que é justiça – critérios jurídicos e não jurídicos b) determinação dos critérios de justiça. c) relações de compatibilidade, incompatibilidade e implicação. d) problema da eventual redução dos critérios a um só deles. O que na verdade não parece possível, ainda que um predomine. A história do direito, a ciência do direito comparado e etnologia jurídica. A história do direito estuda o fenômeno jurídico no seu vir-a-ser. Pode ter por objeto todo um ordenamento jurídico ou um único instituto acompanhado na sua evolução contínua através dos tempos. À história do direito, que estuda os ordenamentos jurídicos do passado, contrapõe-se a ciência do direito comparado, a qual coteja ordenamentos jurídicos vigentes em países diversos para colocar em evidência os elementos de semelhança e de diferença que apresentamem relação à diversidade das condições sociais, econômicas e políticas e também das tradições e das ideologias dominantes em cada país. São elementos da história do direito e do direito comparado a etnologia jurídica (antropologia jurídica), a qual estuda as manifestações do fenômeno jurídico nas culturas primitivas, seja nas da pré-história e da proto-história, seja nas outras que ainda hoje sobrevivem nos países não alcançados pelas grandes civilizações universais. A filosofia do direito Acima, como estrutura conceitual, coloca-se a filosofia do direito. Não é, na verdade, objeto da filosofia do direito a experiência jurídica enquanto tal, mas a experiência jurídica elaborada pelas ciências jurídicas. Enquanto as ciências jurídicas têm uma função descritivo-explicativa da experiência jurídica, a filosofia do direito tem uma função crítica com relação aos métodos e aos conteúdos das ciências jurídicas. E exerce semelhante função em cada uma das dimensões – factual, normativa e valorativa – nas quais a experiência jurídica se desenvolve. a) Na dimensão factual, a filosofia do direito exerce função análoga à atribuída tradicionalmente à filosofia da história, e que consiste em buscar, se houver, o “sentido” da história, na dupla acepção de “significado” e de “direção” do vir-a-ser histórico. Só o desfecho da história poderá revelar o seu propósito. b) Na dimensão normativa a filosofia do direito se apresenta como epistemologia e questiona qual o status da jurisprudência enquanto ciência e dos conceitos que ela elabora. a. Valores universais ante rem, realismo extremo, os universais ou ideias são independentes da mente humana, esta descobre, mas não cria. b. In re, realismo moderado, o universal é inerente à realidade indivisa como sua “forma” ou “essência” caracterizando, mas indissoluvelmente unida à “matéria”. Operadores do direito habituados a lidar com definições dos institutos jurídicos, como o casamento, propriedade, estão inclinados a considerá-las definições reais, ou seja, como expressão da própria essência daqueles institutos. c. Post rem, conceitualismo, meros produtos da mente humana. Com base no exame dos fatos jurídicos observados e das normas chega-se à identificação de características comuns a algumas de suas classes e à sua definição. d. Nominalismo, nega aos universais qualquer status. Esses negam que os conceitos jurídicos correspondem algo de logicamente definível, e lhes atribuem um significado puramente “mágico” e emotivo. Direito subjetivos. Os conceitos jurídicos têm uma função meramente operacional: não fornecem definições reais, mas somente modelos. c) No que diz respeito à dimensão valorativa da experiência jurídica a filosofia do direito, a filosofia do direito tem uma função axiológica: sua tarefa é buscar e definir o valor específico que se realiza no direito e ao qual se dá o nome de justiça. A filosofia do direito requer uma “tomada de posição”, e os seus juízos são juízos de valor. Enquanto a teoria da justiça descreve os valores nos quais a norma ou um ordenamento se inspira, a filosofia do direito submete esses valores à crítica da razão. A teoria da justiça conduz um discurso descrito de tipo fenomenológico; a filosofia do direito conduz um discurso crítico de tipo ideológico. A primeira tem, no que tange ao valor, uma função constitutiva. A fenomenologia dos valores está para a crítica de valores assim como a metodologia está para a epistemologia. A política do direito Duas acepções: Conjunto de técnicas destinadas a traduzir em ato certo modelo de sociedade. Na segunda acepção indica um conjunto de técnicas destinadas à utilização adequada das normas jurídicas existentes para atingir certas finalidades sociais. A primeira se refere à atividade do legislador, a segunda à do intérprete. Coloca-se entre a filosofia e a sociologia do direito. II. Pesquisa Interdisciplinar no Brasil: o paradoxo da interdisciplinaridade – Marcelo Neves Paradoxo da Interdisciplinaridade: igual à paz; todos defendem, mas, na hora de operacionalizar concretamente, cada um defende seu campo. Três riscos: a) Confundir interdisciplinaridade com enciclopedismo jurídico b) Confundir interdisciplinaridade com imperialismo disciplinar c) Confundir interdisciplinaridade com metadisciplinaridade Enciclopedismo Jurídico: acreditava-se que um amontoado de conhecimento em diversas áreas seria efetivo para uma melhor compreensão do Direito e dar-lhe maior relevância social. No entanto, o que ocorre é um superficialismo generalizado, de pouca relevância prática e de pouco significado teórico para as diversas áreas do saber. Imperialismo Disciplinar: não é um problema só brasileiro, também ronda os países desenvolvidos. Sob o rótulo de interdisciplinaridade, superestima o papel da análise econômica do Direito. Pretende-se resignar os critérios do direito a uma racionalidade puramente econômica. “Economic Jurisprudence”, que desconhece qualquer reacionalidade jurídica específica. Não só na economia, como também na política, na sociologia, etc. Metadisciplinaridade: Procura-se impor, de cima, limites e formas de intercâmbios entre as áreas referentes ao Direito. Forma autoritária (“de cima para baixo”), como esses diversos campos devem definir os seus limites e se relacionarem uns com os outros. “Esterilidade retórica do metadiscurso controlador”. Como superar o Paradoxo da Interdisciplinaridade? a) Interdisciplinaridade busca fortalecer a autonomia, busca facilitar a compreensão recíproca dos discursos envolvidos, em princípios herméticos e opacos uns para os outros. A tradução é feita conforme os critérios do campo do saber. A interdisciplinaridade é um espaço de comutação discursiva. b) Teoria do sistema: a interdisciplinaridade constitui uma forma específica de acoplamento estrutural entre duas disciplinas. c) Razão Transversa Tópico XIV: Da controvérsia entre unidade e pluralidade ao significado da dogmática jurídica e à possibilidade da pesquisa interdisciplinar do direito: quais são os limites do conhecimento jurídico? I. Perspectivas de Abordagem do Direito 1.1. Hetero-observação das Ciências Sociais em Gerais: enfatiza as condições sociais de produção, de aplicação e de execução do direito, e não sua eficácia normativa. a) A Hetero-observação Sociológica: condições sociais do direito e suas consequências. Como o direito ocorre na prática. b) A Hetero-observação Econômica: impacto econômico de decisões jurídicas e consequências do direito na economia. 1.2. Hetero-observação Normativo-ideal ou Axiológica a) A partir dos valores do grupo: Axiológica; análise dos valores que condicionam o surgimento do direito e que servem para avaliá-lo; valores do grupo adotados pelo direito para guiar a experiência jurídica. Direito justo é aquele correspondente aos valores do grupo. b) A parir de uma Teoria da Justiça:Normativo-ideal; busca definir os princípios morais de justiça que servem para avaliar o direito; justo ou injusto; tem pretensão de universalidade moral. c) Problemas de Fundamentação: fundamentação externa – teorias republicanas, liberais, pluralistas; crítica: teorias que negam a fundamentação são de heterorreferência em uma perspectiva negativa. 1.3. Auto-observação Jurídico-Dogmática: Observação interna; reflexão, sistematização, compreensão e interpretação do material normativo; doutrina jurídica. 1.4. A ambivalência da Teoria do Direito: Teoria Geral do Direito clássica e Teproa Geral do Direito mais recente e flexível II. Dogmática Jurídica e Teoria Geral do Direito como níveisde (Autor)Reflexão do Direito 2.1. A (Autor)Reflexão Juídico-Dogmática (Niklas Luhmann, Guther Teubner) a) Inegabilidade dos pontos de partida: Vedação do questionamento da identidade do sistema jurídico: não nega o ponto de partida constitucional. b) “Controle de consciência em relação à decisão de outros casos”: definição das “condições do juridicamente possível”: critérios de solução de tal caso serviram para outros também; há uma luta por hegemonia dentro da dogmática na relação entre prevalência de critérios. c) Abstração conceitual com relevância prática: a dogmática reflete sobre jurisprudência e diz o que é jurisprudência. d) Do controle das fronteiras de input ao controle das fronteiras output? a. Controle input: corte de influências não jurídicas segundo critérios jurídicos; a dogmática exerce papel importante na autonomia do direito. b. Controle output: controle das próprias consequências do ponto de vista interno 2.2. A (Autor)Reflexão da Teoria Geral do Direito a) “Abstração de abstração”: Relevância prática indireta: a reflexão não é sobre a prática jurídica, mas sobre os conceitos utilizados por elas. b) Possibilidade de questionamento da identidade do sistema jurídico: crítica, por exemplo, a um conceito inadequado do sistema jurídico; gera maior flexibilidade em relação à ordem jurídica. c) Além da segmentação territorial do sistema jurídico e da pluralidade de ordens jurídicas: “Teoria Geral”: não é vinculada a uma ordem determinada, como a dogmática; tem pretensão de validade universal. d) Definição e análise dos “conceitos jurídicos fundamentais”: norma, antecedente, fato jurídico, sanção, prestação, relação jurídica, dever e direito. e) Linguagem dirigida ao sistema jurídico: autorreflexão sobre o sistema jurídico não é externa, por isso não utiliza a linguagem interdisciplinar. III. Teoria do Direito enquanto Instância Interdisciplinar 3.1. O que não significa interdisciplinaridade jurídica: a) Não é enciclopédia geral nem jurídica (tradição bacharelista): não é um simples somatório de conhecimento. b) É contrária a “imperialismo” ou “colonialismo” disciplinar: não há prevalência de disciplinas. c) Não é metadisciplinaridade (concepções filosóficas, psicológicas e pedagógicas): não trata de uma filosofia abarcante; trata apenas de uma das perspectivas. 3.2. O paradoxo da interdisciplinaridade: convergência (valor) e divergência (instrumento); isso leva ao paradoxo, visto que disciplinas orgulhosas têm relutância em utilizá-la. 3.3. Autonomia operacional do sistema jurídico como pressuposto da abordagem interdisciplinar da Teoria do Direito: Se inexiste essa conexão, o direito se dilui como disciplina e sua observação se torna fragilizada. 3.4. Teoria do Direito como espaço de comutação discursiva entre campos do saber referente ao direito: “tradução” para “ressignificação” 3.5. A fortificação da capacidade de aprendizagem do sistema jurídico mediante a interdisciplinaridade da Teoria do Direito: promoção da abertura cognitiva: a Teoria do Direito fortifica a capacidade de aprendizado do sistema jurídico a partir da interdisciplinaridade; promove a abertura cognitiva por meio do diálogo com outros campos do saber, ou seja, por meio da interdisciplinaridade. 3.6. A Teoria do Direito como “acoplamento estrutural” entre sistema jurídico e sistema científico? Permite a influência e a irritação recíprocas; a Teoria do Direito é um campo de intersecção que permite o diálogo. IV. Conclusão 4.1. O Desafio da Dogmática Jurídica: Além do controle de consistência, análise das consequências jurídicas? Não pode continuar cega ao ambiente. 4.2. Possibilidades e limites da interdisciplinaridade jurídica. Possível, porém dificultada com o fechamento das disciplinas. 4.3. Teoria do Direito: A Complementaridade na Ambivalência a) Teoria do Geral Direito como (Autor)Reflexão do Direito: ênfase no controle da unidade e no fechamento operacional (consistência do sistema jurídico). b) Teoria do Direito como Instância Interdisciplinar: ênfase na reflexão da xidentidade (perante o ambiente) e na abertura cognitiva (adequação do sistema jurídico). 4.4. Os limites do conhecimento jurídico são limites do próprio Direito Seminário – Kelsen x Luhmann I. Teoria Pura do Direito – Hans Kelsen 1.1. O Direito: ordem de conduta humana a) Determinação do objeto de estudo b) Estrutura normativa c) Sociedades primitivas x sociedades modernas (civilizadas) d) Ordem jurídica e) Características de especificação 1.2. O Direito: uma ordem coativa a) A ordem coativa b) A sanção a. Ato coativo b. Sanções socialmente imanentes e sanções socialmente organizadas 1.2.1. Os atos de coação estatuídos pela ordem jurídica 1.2.2. O monopólio de coação da comunidade jurídica a) Uniformidade nos atos de coação x Diversidade quanto ao valor jurídico b) Centralização x Descentralização II. Sociologia do Direito I – Niklas Luhmann 2.1. Direito cognitivamente aberto e operacionalmente fechado 2.2. Direito como estrutura de um sistema social baseado na generalização congruente de expectativas comportamentais normativas. a) Generalização Temporal: normatização -> sanção b) Generalização Social: institucionalização -> processos c) Generalização Material: reconhecimento -> programas [1) condicional: se, ...então. Direito; 2) finalístico: meios -> fins. Política.] (Incongruência entre si; bloqueiam-se e delimitam-se) 2.3. Direito: generalização congruente; equilíbrio entre as generalizações. 2.4. Dimensão Temporal: expectativas cognitivas x expectativas normativas; manutenção das expectativas ao longo do tempo mesmo após frustrações. 2.5. Dimensão Social: diversidade de expectativas; eleição de uma expectativa como a ideal, a que deve ser esperada por todos. 2.6. Dimensão Material: reconhecimento/compreensão da expectativa; conteúdo da norma. 2.7. O Direito é essencial para a sociedade e está presente em todas. 2.8. A relação e a associação entre as generalizações não é natural; caso fosse, não haveria uma evolução, somente uma constância. Tópico XV: Do conhecimento jurídico à prática jurídica. Do direito à sociedade: o que é e para que serve o direito? I. A relevância do conhecimento jurídico para a prática jurídica 1.1. A prática jurídica é influenciada pelo conhecimento jurídico, especialmente pelo jurídico-dogmático. 1.2. Limites de uma prática jurídica sem reflexão com base no conhecimento jurídico 1.3. Esterilidade de um conhecimento jurídico sem relevância prática: a erudição, quando não passa de uma mera afirmação de conhecimento, poder ser inaplicável. 1.4. A determinação da função e do conceito de Direito depende da perspectiva do conhecimento jurídico: vertentes, como o justanuralismo, o juspositivismo, o direito livre e o fomalismo excessivo, podem influenciá-los. II. A função social do direito 2.1. A diversidade de concepções da função do direito: variam conforme o ponto de partida (bem comum, função educativa, dominação de classe). 2.2. Três funções básicas: a) Regulação da conduta em interferência interpessoal: o direito regula a conduta em interferência interpessoal. Aqui não se trata da conduta isolada do sujeito isolado, mas de um em relação ao outro quando os campos de ação se interferem e uma ação tem influência sobre os outros. Caso não houvesse esse tipo de interferência, não seria preciso o direito. b) Resolução de conflitos intercomportamentais: conflitos que implicam que ocomportamento de um foi visto como negativo por outro c) Estabilização, orientação ou garantia das expectativas normativas: o direito fornece uma base para que as condutas possam ser esperadas de maneira recíproca. Caso não houvesse essa estabilização, não haveria tranquilidade. III. O conceito de direito 3.1. Diversidade de conceituações 3.2. O conceito estrutural-normativo a) Ordem normativa: dever-ser, ordem contrafactual; no caso de desvio, matem sua normatividade e procura se impor contra os fatos. b) Ordem heterônoma quanto à imposição/execução: não importa a vontade pessoal ou convicção moral. c) Ordem que conta com sanção (organizada!): Direito diferenciado tem sanção organizada, ou seja, prevista para ser praticada por um órgão determinado. d) Ordem coercitiva?: o que caracteriza o direito como ordem normativa não é a coação, mas a possibilidade de se aplicar a sacão; a coercibilidade. e) Crítica: a ordem implica o ordenamento (normas) e a conduta ordenada: a ênfase no ordenamento complica a compreensão, visto que é preciso abranger a conduta dos juízes e dos advogados, as decisões concretas que possibilitam o conhecimento do direito. 3.3. O conceito sociológico-funcional: Subsistema da sociedade, orientado pela diferença-guia (código binário) “lícito/ilícito”, construído com base nas expectativas normativas generalizadas congruentemente nas três dimensões (temporal, social e material), com a função de orientar as expectativas normativas de comportamento e que tem a violência como símbolo. a) Subsistema da sociedade: está dentro da sociedade; ele é formado por comunicação e por expectativas. b) Subsistema cuja reprodução se orienta no primado da diferença-guia (código binário de preferência) “lícito/ilícito”: conformidade ou não com o direito. c) Subsistema construído com base em expectativas normativas congruentemente generalizadas nas dimensões temporal (normatização), material (identificação de sentido) e social (institucionalização): a. Normatização: previsão de uma sanção que tem significado generalizado de maneira continuada. Permanência da previsão da sanção no plano temporal. b. Identificação de sentido: matéria da norma; saber o que deve fazer, o que é lícito e o que é ilícito. c. Institucionalização: consenso suposto d) Subsistema com a função de orientar ou de assegurar as expectativas normativas de comportamento e) Violência como símbolo do Direito: a sanção não faz parte do conceito de direito, a força física constitui um símbolo, é apenas uma de suas expressões; se o direito contar com a violência constante, não estará funcionando. f) Crítica: Limites para uma abordagem do ponto de vista interno: nem sempre as normas positivas correspondem a expectativas normativas congruentemente generalizadas IV. Conclusão 4.1. A perspectiva teórica influi na definição do Direito e de sua função 4.2. Do ponto de vista interno, o conceito estrutural-normativo enfatiza a consistência, mas tende a subestimar a conduta normada e a desconsiderar a adequação social do direito. 4.3. Do ponto de vista externo, a ênfase na funcionalidade social pode obscurecer a especificidade dos problemas jurídicos de consistência. 4.4.Desafio: um conceito interno estrutural-funcional e um conceito externo funcional-estrutural a) Busca por integrar as duas dimensões: o conceito interno estrutural-funcional que considere as estruturas mais na sua função e um conceito externo funcional-estrutural que considere a função dentro de uma perspectiva estrutural.