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Virologia Genética e evolução viral

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Virologia- Genética e evolução viral
Classificação dos vírus pelo sistema Baltimore
O sistema agrupa os vírus em sete classes dependendo do seu genoma (DNA, RNA, cadeia dupla, cadeia simples) e de sua replicação de DNA. Segue abaixo as classificações:
I: Vírus dsDNA: vírus DNA fita dupla (ex.: Adenovirus, Herpesvirus, Poxvirus)
Possuem duas fitas de DNA complementares unidas. Os vírus de DNA fita dupla têm uma maior interação com a célula hospedeira, mas sem que sejam prevalentes em relação aos demais grupos. Em geral, todos os vírus DNA têm a sua replicação no núcleo da célula.
II: Vírus ssDNA: vírus DNA fita simples (ex.: Parvovirus)
Os vírus de DNA fita simples precisam duplicar esta fita para que haja a transcrição. A duplicação pode ser feita por uma polimerase do vírus ou da célula hospedeira, dependendo do tipo de vírus. 
III: Vírus dsRNA: vírus RNA fita dupla (ex.: Reovirus)
Os vírus do grupo 3 são vírus dotados de fitas complementares de RNA. Eles possuem maior independência das polimerases celulares, pois codificam as suas próprias polimerases. Todo vírus do tipo RNA fita dupla está acompanhado da enzima RNA polimerase RNA dependente.
Assim que este tipo de vírus é desnudado, a enzima RNA polimerase RNA dependente vai separar e duplicar as fitas de RNA. Haverá então a liberação de fitas RNA positivas (que são RNAm), que servem de molde para a síntese proteica. A fita de RNA negativo não possui códons visíveis seguindo a estrutura 5’-3’ de deslizamento do ribossomo para a síntese proteica. O RNA negativo serve de molde para as fitas RNA positivas ou para serem empacotados em novos vírions. As positivas, assim como as negativas podem ser empacotadas em novos vírions, servem de molde para fitas de RNA negativas e molde para síntese proteica.
IV: Vírus (+)ssRNA: vírus RNA fita simples positivo (ex.: Picornavirus, Togavirus)
Esse grupo de vírus não possuem polimerase, pois já são RNAm+. Todos os vírus RNA + são únicos. Diferentemente do grupo anterior, ocorre direto a tradução a partir dessa fita simples e formação de proteínas estruturais e funcionais. Após a formação dessas proteínas é que é possível a replicação, pois será gerada a polimerase necessária (uma vez que este grupo não possui polimerase como os RNA fita dupla.
V: Vírus (-)ssRNA: vírus RNA fita simples negativo (ex.: Orthomyxovirus, Rhabdovirus)
Esse grupo de vírus possuem a RNA polimerase RNA dependente. O genoma negativo não codifica proteínas, então a partir da fita negativa haverá duplicação e geração de uma fita RNA+, que será de fato utilizada para a síntese proteica.
VI: Vírus ssRNA-RT: vírus RNA fita simples com DNA intermediário (ex.: Retrovirus)
Este grupo possui fitas de RNA+ não complementares e uma polimerase especial multiuso. A partir da fita simples de RNA+, haverá formação de uma fita de DNA, através de uma transcrição reversa.
VII: Vírus dsDNA-RT: vírus DNA fita dupla com RNA intermediário (ex.: Hepadnavirus)
Este grupo possui fita dupla de DNA, sendo estas complementares. Há codificação da transcriptase reversa, portanto passam por uma transcrição reversa.
Os vírus têm hereditariedade, pois possuem um genoma e podem se replicar. Contudo, um vírus somente dá origem a um tipo de vírus igual a ele, o que contribui para o seu controle. Ainda que seja verdade que um vírus origina outro igual a ele, sabe-se que os vírus têm grande capacidade de adaptação e mutação.
Um vírus que se adapta ao ambiente ganha a capacidade de infectar uma outra espécie. 
Viruzóide: Vírus de vírus. Vírus que depende de outro vírus principal ou auxiliar.
Viróide: Uma fita de RNA circular.
Replicação do ADN: Deslocamento da fita molde
-Deslocamento unidirecional
A replicação das fitas é feita por uma de cada vez. Uma fita molde é usada pela ADN polimerase para a produção de uma fita nova. Ao término dessa etapa, a outra fita é também replicada.
-Deslocamento em modo de círculo rolante (tanto vírus de ADN fita dupla, quanto ADN fita simples)
Acontece com moléculas ADN que estão em duplas circulares. Uma das fitas da molécula ADN sofre um corte. A partir da extremidade 3’ da fita molde, mais interna que não sofreu corte, a ADN polimerase começa a produzir uma nova fita. A nova fita vai crescendo circularmente em torno da fita molde e empurra a fita que sofreu corte. Paralelo a isso, outra ADN polimerase inicia nova replicação linearmente...
Neste caso, a primeira fita é originada de uma replicação semi conservativa, mas a segunda não, pois é de síntese recente. 
Replicação de ARN viral
A replicação das fitas se faz com um anti paralelismo. A polaridade da fita molde muda, por exemplo, se a fita do genoma é simples e tem polaridade negativa, a fita molde será simples positiva. Contudo, essa fita com polaridade positiva não funciona. Para que haja a produção de uma fita exatamente igual, a fita molde serve para uma nova cópia, para que novamente seja produzida uma fita com polaridade inversa, igual ao genoma.
O genoma que entra na célula é replicado a partir da ARN polimerase e ARN integrante viral, que produz sempre uma cópia de polaridade inversa a fita líder. Sendo assim, como o genoma possuía polaridade negativa, a fita cópia será positiva, se equivalendo ao RNAm do vírus. Essa fita cópia de polaridade positiva é um intermediário que permite que sejam feitas cópias do genoma, que possui polaridade negativa.
Transcrição reversa de genoma viral
Vírus que exemplificam a transcrição reversa: Fiv, Felv, HIV...Neste processo bioquímico, usa-se a enzima ADN polimerase ARN dependente, presente no próprio vírus e não nas células hospedeiras. Ao final da transcrição reversa, tem-se a informação genética viral que antes encontrava-se codificada em ARN fita simples, codificado em ADN fita dupla.
As polimerases de ácidos nucléicos/Atividade revisora das polimerases de ADN
Os vírus de genoma ARN precisam de uma enzima ARN polimerase. Por sua vez, os vírus de genoma ADN precisam de uma enzima ADN polimerase. Essas enzimas diferenciam-se não só pelo fato de terem capacidade de produção de um tipo ou outro de ácido nucléico, mas pela presença ou ausência de sua atividade revisora, o que gera grandes impactos biológicos. A atividade revisora das ADN polimerases é muito maior, criando uma molécula muito mais estável, diferente dos vírus de genoma RNA.
A quantidade de erro dos vírus de genoma RNA é muito maior do que a dos vírus de genoma DNA.
Frequência de erros:
ARN: 104 (a cada 10.000 vírus, 1 vem com erro)
ADN: 1012
A atividade revisora (característica da ADN polimerase) é a capacidade de se remover um nucleotídeo após a sua adição na molécula de ácido nucléico caso o pareamento das bases nitrogenadas não seja perfeito. Ocorre então a quebra da ligação covalente recém feita que permitiu a introdução do nucleotídeo que gerou defeito. Assim, há maiores chances de nova inserção de outro nucleotídeo, para um pareamento perfeito. Isso diminui consideravelmente as chances de erros aleatórios no pareamento das bases.
As possíveis causas de erros podem ser desequilíbrios na quantidade de bases nitrogenadas de um tipo em relação a outro, favorecendo o uso das que se encontram em maior concentração. Também pode haver erros no reconhecimento de algum nucleotídeo.
A configuração que o nucleotídeo novo terá pareado com a fita molde, indicará para a enzima ADN polimerase se este se encontra no local certo ou não. Contudo, nem todo pareamento anormal é identificado pela ADN polimerase, podendo ocorrer mutações espontâneas.
Pode-se afirmar então que a evolução de vírus ADN é mais lenta quando comparada a de vírus ARN. Por outro lado, os vírus ARN têm maior taxa de erro durante o processo de replicação, sendo a sua maior variabilidade o que confere o seu sucesso evolutivo. Sendo assim, tem-se que nos vírus RNA, geralmente ocorre uma mutação para cada 10.000 nucleotídeos incorporados aos novos genomas, ou seja, cada novo genoma potencialmente contém, pelo menos, umamutação e, em alguns casos, a grande maioria da progênie pode ser distinta do vírus parental. Esses eventos, em conjunto, proporcionam uma grande capacidade de adaptação dessas populações, resultando em novas gerações de vírus com propriedades distintas das parentais, de acordo com o ambiente em que replicam.
OBS.: Os grupos 4 e 6 da classificação de Baltimore têm como característica a presença de uma fita simples de ARN, possuindo uma enzima transcriptase reversa. A transcriptase reversa é uma ADN polimerase ARN dependente, que produz DNA usando como molde RNA. Contudo, essa enzima é uma ADN polimerase sem atividade revisora.
Interação genética entre vírus- Recombinação intramolecular
Só ocorre quando 2 vírus infectam a mesma molécula e ao mesmo tempo. O ponto de mistura do vírus é intra molecular. Ocorre ligação de trechos de moléculas de ácidos nucleicos diferentes por ligações fosfodiester internas das cadeias de nucleotídeos. Para que esta interação ocorra, é preciso que tais vírus sejam filogeneticamente próximos, sendo então cepas virais diferentes da mesma espécie viral, para que haja uma compatibilidade bioquímica máxima. Também pode ocorrer entre o genoma viral e a célula hospedeira. Ocorre durante a replicação.
Interação genética entre vírus- Recombinação intermolecular
Ocorre em vírus de genoma segmentado (formado por mais de um segmento de ácido nucleico). Os dois vírus da mesma espécie, porém de cepas diferentes, quando na célula ocorre a replicação ao mesmo tempo, no momento em que há replicação das partículas filhas, pode haver trocas de fragmentos. Neste caso, a interação ocorre na etapa de montagem, e não na de replicação (intramolecular). Também pode haver consequências biológicas importantes, como o que ocorre com o vírus da gripe, a presença de uma única proteína diferente pode levar a uma função biológica diferente. Isto poder resultar em uma combinação deletéria para o vírus ou benéfica para o vírus (no caso de ser benéfica para o vírus, provavelmente será maléfica para o hospedeiro).
Ao se mudar o genoma, muda-se completamente o padrão antigênico de uma geração para outra, o que gera consequências na profilaxia por meio de vacinas.
Recombinação homóloga: Esse processo envolve o alinhamento de duas moléculas com sequências semelhantes, a clivagem da cadeia contínua do DNA, o intercâmbio de uma região do genoma e a religação da cadeia de DNA, originando moléculas híbridas ou recombinantes. Na biologia dos vírus, recombinações podem ocorrer entre dois vírus de uma mesma espécie viral ou, ocasionalmente, entre o genoma viral e o DNA da célula hospedeira. A recombinação homóloga é comum entre os vírus DNA e aqueles que apresentam moléculas de DNA intermediárias de sua replicação, como os retrovírus. Nos vírus RNA clássicos, esse evento é mais raro e, provavelmente, não utiliza enzimas celulares.
Recombinação genômica por escolha do molde (copy-choice): Outros vírus RNA de genoma não-segmentado apresentam uma forma de recombinação pouco eficiente e diferente da recombinação homóloga. Nesses casos, a polimerase de RNA inicia a síntese da cadeia filha utilizando uma molécula de RNA como molde, mas troca de molde durante a polimerização, resultando em moléculas híbridas de RNA, com sequências mistas derivadas de mais de uma molécula molde.
Recombinação entre RNA viral e sequências celulares (provavelmente de RNAs mensageiros): Eventos de recombinação e/ou rearranjos genômicos, envolvendo o genoma viral e sequências celulares, ocasionalmente resultam na geração de mutantes citopáticos. Os mutantes citopáticos podem conter uma variedade de mutações, inserções e rearranjos genômicos.
Ressortimento: Esse mecanismo é exclusivo dos vírus que possuem o genoma RNA segmentado e pode ocorrer quando há uma infecção concomitante por duas cepas do mesmo vírus. Nesses casos, os segmentos genômicos recém replicados são redistribuídos de maneira irregular na progênie viral, resultando em vírions que contêm uma mistura de segmentos dos dois vírus parentais. Esse mecanismo tem sido bem documentado nos vírus da influenza e tem sido responsabilizado pelo surgimento de cepas altamente patogênicas resultantes do ressortimento entre vírus aviários e de mamíferos. Em suínos por exemplo, pode haver infecção tanto por vírus aviários como por vírus de mamíferos. De fato, várias cepas do vírus da influenza que causaram surtos em humanos e suínos podem ter resultado de ressortimento entre vírus previamente existentes. Do ponto de vista evolutivo, o ressortimento representa um importante evento para o vírus, pois resulta em uma alteração genética e fenotípica muito rápida.
Interação não genética entre vírus
Dois vírus diferentes, porém replicados ao mesmo tempo. A célula hospedeira pode misturar as proteínas (produtos gênicos) de um e de outro, mas a nível fenotípico e não genético. Ocorre na fase de montagem, permanecendo intacto o genoma. É, portanto, uma interação que gera mudança transitória, pois a replicação levará a forma inicial fenotípica. Contudo, esta alteração fenotípica trás consequências na relação do vírus com o hospedeiro, devido à mudanças do capsídeo e seu reconhecimento. 
Mistura fenotípica de pseudotipo: Eventualmente pode-se ter o capsídeo de um vírus misturando-se com o genoma de outro.
Mutações 
São alterações na sequência de nucleotídeos no ácido nucléico genômico de um determinado organismo comparando-o com o seu parental. Existem 3 tipos básicos de mutações:
1-Neutra
2-Benéfica
3-Deletéria
As taxas de mutação natural dependem basicamente da ‘fidelidade’ da enzima polimerase e da sua capacidade de corrigir eventuais erros cometidos durante a polimerização das novas cadeias de ácido nucléico, resultando na incorporação de nucleotídeos incorretos durante a replicação do genoma. Mutações também podem ser induzidas por métodos químicos (hipoxantina, bromodeoxiuridina) ou físicos (raios X, ultravioleta e gama).
Acredita-se que muitas mutações que ocorrem naturalmente resultam na produção de vírus inviáveis, ou seja, constituem-se em mutações letais. Os mutantes gerados durante a replicação viral, quando apresentam uma vantagem seletiva em comparação com os parentais, serão amplificados com maior eficiência e rapidamente tornam-se predominantes na população viral. Por outro lado, mutantes que não apresentam vantagem seletiva tendem a permanecer em proporção pequena e ocasionalmente desaparecem da população, caso repliquem com menor eficiência do que os demais indivíduos. Ou seja, a evolução de uma determinada população viral depende da taxa de mutação e da seleção a qual os vírus gerados são submetidos.
Os erros de incorporação são essencialmente randômicos, mas a sua detecção em mutantes naturais indica que podem existir regiões onde há uma maior concentração de erros, conhecidos como pontos quentes (hot spots). Essas diferenças estão relacionadas com a habilidade dos mutantes sobreviverem com essas mudanças. Regiões mais conservadas são aquelas em que as mutações eventualmente introduzidas não se perpetuam na população por provocarem efeitos deletérios aos novos genótipos.
-Mutações de tipo “drift”, que levam a variações antigênicas de tipo “drift”
Não interfere no reconhecimento padrão antigênico do vírus pela resposta de memória, pois a mudança é pequena.
-Mutações de tipo “shift”, que levam a variações antigênicas do tipo “shift”
Não ocorre mais o reconhecimento dos antígenos pelo anticorpo, devido a mudança de um gene inteiro.
Classificação genotípica de mutantes
-Mutações pontuais: Causadas por simples substituições de nucleotídeos. Podem ser do tipo transição, quando há substituição de uma purina por outra purina (A ou G) ou pirimidina por outra pirimidina (C ou T); ou transversão, quando ocorre a substituição de uma pirimidina por uma purina ou vice-versa. Outras mutações envolvem deleções ou inserções de segmentos de tamanhos variáveis de ácido nucléico.
-Mutações silenciosas (silent mutations): Quando a troca donucleotídeo não resulta na codificação de outro aminoácido. A proteína sintetizada permanece a mesma e não ocorre mudança no fenótipo do vírus.
-Mutações de sentido trocado (missense): São aquelas em que a troca de nucleotídeos resulta na codificação de outro aminoácido. As consequências dessas mutações são variáveis.
-Mutações sem sentido (nonsense): Resultam na produção de um códon de terminação da tradução (stop codon) em uma sequência aberta de leitura (ORF). Com isso, ocorre a produção de uma proteína truncada, cuja funcionalidade pode variar amplamente, dependendo do local onde a mutação é introduzida. As conseqüências de mutações nonsense também variam amplamente, e muitas delas são provavelmente letais ou, pelo menos, deletérias para a viabilidade do vírus.
Classificação fenotípica de mutantes
Os mutantes virais também podem ser classificados quanto às consequências fenotípicas de suas mutações. Ex.: produzir placas de lise celular, resistência a diferentes temperaturas, alteração da gama de hospedeiros, resistência a drogas...
Fitness: Capacidade de gerar descendentes. Vírus mais fitness geram progênies mais numerosas, não significando porém que estes sejam mais bem adaptados. Quanto maior o número de descendentes na progênie viral, maior probabilidade de que um desses descendentes infecte a célula, sendo então tal característica mais relevante do que a capacidade adaptativa.
Quaseespécie: Heterogeneidade de sequencia de bases nitrogenadas de ácido nucleico. Relacionado a geração de mutantes no contexto de vírus ARN, a estrutura da base é a mesma, diferindo em detalhes que tornam populações ligeiramente diferentes e não clones.
Acima, é possível observar dois tipos de genomas, um muito virulento e outro a princípio avirulento. Após certo tempo, o muito virulento passa a ser quase avirulento e o antes avirulento passa a ser muito virulento. Todos são vírus do tipo quaseespécies.
Dentre as propriedades que favorecem a sobrevivência e evolução dos vírus destacam-se: 
a) Capacidade de replicar e ser excretado em altos títulos; 
b) Capacidade de se adaptar a novos tecidos, órgãos e/ou hospedeiros; 
c) Capacidade de ser excretado por longo tempo; 
d) Capacidade de se reproduzir e ser excretado sem produzir doença severa na maioria de seus hospedeiros; 
e) Capacidade de escapar dos mecanismos imunológicos do hospedeiro;
f) Capacidade de resistir no meio ambiente, tanto fora de células vivas como em animais vertebrados ou invertebrados, assegurando a sua sobrevivência até alcançar um novo hospedeiro;
g) Habilidade de ser transmitido verticalmente entre hospedeiros.

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