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Especial João Loes e Suzane G. Frutuoso Estudos revelam que a maneira como as escolhas são feitas pode determinar o sucesso ou.o fracasso de cada um. Personalidades contam como fazem para tomar uma decisão importante 118 ISTOÉ 2087 11/11/2009 odos os rumos de nossas vidas são definidos por decisões. Não passa- mos um dia sequer sem fazer escolhas, das mais simples, como que roupa vestir, às mais complexas. Casar ou não casar? Mudar de em- prego ou não? Morar em outro país ou ficar onde está? Aguentar firme ou jogar tudo para o alto? Decidir pode influenciar não só os caminhos de quem escolhe, mas também dos que estão próximos ou dependem, de alguma maneira, daquele que deseja fazer modificações pessoais e profissionais. Não é fácil. Pode ser, inclusive, doloroso. O assunto é tão complexo que já existem especialistas em ciência da decisão. Porém, são principalmente os bons exemplos, como os apresentados ao longo desta reportagem, que servem de inspiração. São brasileiros de destaque em suas áreas de atuação, como o ex-presidente Fernan- do Henrique Cardoso e o publicitário Washington Olivetto, compartilhando experiências de como agem durante o processo decisório na hora H. E gente comum, como o ourives Thiago Mendes J oazeiro, que se jogou no meio de uma FOTOS: DIVULGAÇÃO Cristiana Arcangeli, empresária do ramo dos cosméticos · '' Sou pisciana com ascendente em câncer, não posso negar minha porção intuitiva! Dou atenção e valorizo essa minha faceta. Mas reconheço a importância do meu lado racional e o utilizo na gestão dos negócios. Peso prós e contras, avalio as opções e decido. Quando se trabalha na indústria, toda decisão envolve centenas de funcionários, fornecedores, etc. Mas, quando vou desenvolver um produto para uma linha de cosméticos, criar uma nova embalagem ou escolher um aroma, sou absolutamente intuitiva. Tenho que ser, pois muito dos cosméticos são escolhidos dessa maneira. Me arrependo da decisão mais difícil que fiz na vida, a venda da Phyto- ervas, minha primeira grande empresa. A promessa era de que, com a venda, a marca ganharia o mercado internacio- nal, mas a empresa que adquiriu o grupo cancelou os planos. Especial Fernando Henrique Cardoso, 78 anos, ex-presidente da República (1994 a 2002). contrariados e eu poderia ter agido como meus antecessores, que foram acomodando a situação. Houve momen- tos difíceis, de quase desistência. Mas, nessa hora, por mais que você consulte seus assessores, a decisão do líder é sempre solitária. É ele quem será julgado pela história. Depois disso, os momen- tos mais complicados foram as demis- sões de ministros e auxiliares - alguns amigos de várias décadas. Mas, nessas horas, é preciso saber separar a ética pessoal da ética pública. Está à frente do Instituto Fernando Henrique Cardoso Ao contrário do que muita gente pensa, minha decisão mais difícil no governo não foi a de deixar flutuar o real. Até porque aquilo não foi propriamente uma decisão, mas uma imposição do mercado. Minha decisão mais difícil ocorreu em 1994, quando eu ainda era ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco. E foi justamente a de fazer o Plano Real. Havia muita dúvida sobre o sucesso do plano, muitos interesses enxurrada para salvar uma desconhe- cida. Eles contam quais foram as mu- danças cruciais enfrentadas em suas trajetórias e como fazem para tomar uma decisão importante. Uma das novidades mais recentes sobre a tomada de decisão vem de um estudo da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Os pesquisadores descobriram que, durante o sono, os neurônios fazem novas conexões cere- brais, estimulando a solução de proble- mas. A expressão "I will sleep on it" (algo como "vou dormir pensando nisso, deixar para amanhã") dá uma ideia do que os cientistas quere1n com- provar. A pessoa encontra uma saída melhor para a dúvida se parar de pensar 120 ISTOt: 2087 11/11/2009 nela exaustivamente. Dormir é o des- canso ideal para o cérebro ativar a criatividade na fase REM (sigla em in- glês para o movimento rápido dos olhos). Ela acontece depois dos sonhos. Nesse período, a questão permanece na mente, 1nas livre de preconceitos que acaban1 influenciando as decisões quan- do estan1os acordados. "Esse estudo reforça outros trabalhos", disse à ISTO É o psicólogo americano John M. Grohol, um dos entusiastas da tese. "Já existiam evidências de que, quanto mais pensa- mos sobre um assunto, pior a decisão tmnada. No sono, o inconsciente traba- lha sem teorias preconcebidas." ~vias uma boa noite de sono sozinha não faz milagres. Há obstáculos a se- rem vencidos para que as escolhas se- jam equilibradas. Entre eles, está o medo de perder vantagens. "Os pensa- mentos confusos que limitam as deci- sões têm origem no temor de ficar sem alguma coisa", afirma a psicóloga Adriana de Araújo, especialista em hipnose e programação neurolinguís- Treino para internalizar reações Rogério Ceni, 35 anos, goleiro do São Paulo '' Meu pai sempre disse: 'Só erra quem decide.' E quem quer liderar precisa saber decidir. Em campo as decisões acontecem com base em probabilidades. Na chance que o jogador X tem de chutar no canto esquerdo ou do jogador Y abrir a barreira. Estudo meu adversário para jogar em sua margem de erro. E acho que as decisões intuitivas são consequência da experiência. A intuição que acerta surge em quem já viveu situações parecidas. Por isso treino tanto com repetição. A ideia é internalizar reações. Curiosamente, FOTOS: CLAUDIO GATTI/AG ISTOÉ tica (PNL). Mas isso vai acontecer, independentemente da decisão. É o. peso dos prós e contras que tornam as escolhas complicadas. O temor pelas responsabilidades que serão assumidas também é um problema. É preciso dar conta de tudo o que acompanha a nova conquista. Portanto, é essencial a decisão mais difícil da minha vida não foi tomada em campo. Dois dias antes da final do Mundial de Clubes de 2005, que disputaríamos com o Liverpool (Inglaterra), percebi que estava com uma lesão no joelho. Decidi não treinar para render mais no jogo. Valeu a pena - tive de operar o joelho quando voltei ao Brasil, mas joguei os 90 minutos e pude dar tudo no jogo mais importante da minha vida.'' ter cetteza absoluta de que o desejo não é fogo de palha. Nada, no entanto, é tão inimigo da tomada de decisão quanto a impulsi- vidade. "A emoção é uma catástrofe nessas horas", diz o coach Sulivan França, presidente da Sociedade Lati.: no-·Americana de Coaching. "Quanta gente não chuta o balde no trabalho em um momento emocionalmente tenso, vai para outra empresa e o lugar é pior?" Ele garante que 90% das vezes em que a escolha é impulsiva o resul- tado é o arrependimento. Por outro lado, a indecisão pode gerar problemas tão graves quanto a impulsividade ou uma escolha equivocada. Porque quem empurra as decisões com a barriga verá a vida ou alguém decidindo por ele. Parece cômodo, mas não é. O im- pacto é negativo. "A pessoa pode ver o tempo passar e se sentir frustrada por não realizar nada", diz Fernando Mon- tero da Costa, diretor de operações da Human Brasil, empresa de orientação Especial O inesperado na sala de cirurgia Miguel Srougi, 63 anos, cirurgião e urologista '' Faço 60 cirurgias por mês há três décadas. Já passei por todos os imprevistos que podem surgir em uma mesa de operação. Então, não posso dizer que é no ato cirúrgico que tomo as decisões mais difíceis. A meu ver, reconhecer que não faz mais sentido dar continuida- de a um tratamento é a decisão mais difícil a tomar. Quando era novo, decidia com mais facilidade. Usava modelos estatísticos para resolver que caminho seguir e o objetivoera sempre dar sobrevida ao pacien- te. Hoje já peso o tipo de vida que o paciente terá depois das intervenções. Com a maturida- de, você passa a entender o valor do sofrimento e ques- tões menos objetivas integram o processo decisório.'' Há várias maneiras de se chegar a uma decisão. Mas é preciso cuidado para não usar métodos frágeis é uma percepção do hoje influenciada pela associação com situações que ocorreram no passado. No entanto, a intuição pode nos trair, caso a ligação seja feita com experiências nega- tivas. E nem sempre as coisas acontecem da mesma maneira 122 ISTO~ 2087 11/1112009 profissional. "Ou culpar os outros por algo que tenha dado errado para ela, um considerável . prejuízo para suas relações." Para não delegar a terceiros as próprias decisões, um caminho é se informar ao máximo sobre um assun- to para se sentir seguro. Um estudo da Universidade de Sydney, na Austrália, usar "sinais" como um meio de decidir algo pode ser extrema- mente prejudicial porque não há nenhuma fundamentação indicou que pacientes menos instruí- dos e conhecedores de seus problemas de saúde deixam nas mãos dos médi- cos a decisão pelo tratamento com mais frequência, aceitando sem ques- tionar ou pedir outras alternativas. A impulsividade é positiva em um cenário muito específico: o de risco. é o pior caminho. quando a emoção toma conta da situa- ção e a escolha é feita no calor lllll•lll da hora. Não raro, a pessoa se arrepende depois Thiago Mendes Joazeiro, 23 anos, de São José do Rio Preto (SP), que se jogou em uma enchente para salvar uma desconhecida Em retrospecto, posso dizer que me jogar na enchente para salvar uma desconhecida foi a decisão mais difícil que tomei na vida. Sou casado e tenho um filho de três meses. Mas na hora você não pensa em nada. Estava voltando a pé do almoço e começou a chover. Vi uma moça em cima de uma moto sendo puxada pela correnteza. Umas 20 pessoas viram a cena comigo e todas diziam 'alguém tem que ir lá ajudar', mas ninguém ia. Aí fui. Um sujeito arrumou uma corda que amarrei na cintura para não ser levado pela correnteza. Foram quase dez minutos de luta para tirá-la da água. Não costumo ser impulsivo, mas acho que em situações limite a gente faz coisas que não entende. Não lembro de ter pensado nos riscos. No livro "Fontes do Poder - O Modo como as Pessoas Tomam Decisões" (Ed. Instituto Piaget), o psicólogo americano Gary Klein· mostra que os profissionais próximos do perigo, co- mo bombeiros e policiais, acabam por desconsiderar tudo o que estudaram anos a fio e seguem a intuição em momentos de pressão. Vem à tona o instinto de sobrevivência e a internali- zação do dever a que o indivíduo se comprometeu ao escolher o ofício. Não importa como salvar. O que im- porta é salvar. As outras pessoas tam- bém estão sujeitas a esse impulso, mas os profissionais treinados podem aces- sar instintivamente o que aprenderam, todos os prós e contras são pesados e detalhadamente avaliados. Ajuda no autoco- nhecimento. O risco é passar tempo demais pensando e perder o timing da decisão sem parar para pensar racionalmente, elevando a chance de essa decisão pe- rigosa dar mais certo. A tomada de decisão acontece no córtex pré-frontal, área do cérebro responsável, entre outras coisas, por gerar crenças e testar opiniões. É a parte da razão. A lucidez que nos in- dica o que é coerente e quais são as consequências das nossas ações. E quem consegue decidir sem nem um pouquinho de sentimento? Ninguém, graças à amígdala, região cerebral onde ficam guardadas as memórias ligadas à emoção. A briga entre o córtex e a amígdala na hora da decisão pode ser compreendida pelos relacionamentos permite a troca de experiên- cias com alguém que teve uma vivência parecida. Dicas são importantes. O perigoso é ser vulnerável demais, deixar de fazer aquilo em que se acredita e neutralizar peculiaridades da própria personalidade FOTOS: MOACYR LOPES JUNIOR/FOLHA IMAGEM; SIDNEI COSTA; ROBERTO CASTRO/ AG.ISTOÉ. ARTE: EDI EDSON é uma do conse- lho com a coincidência. O indivíduo decide de acordo com a certeza que outro lhe apresenta. Pode virar uma muleta, tirar a liberdade de ação da pessoa e fazê-la não assumir suas próprias respon- sabilidades, colocando a culpa no destino 123 amorosos instáveis. Enquanto um diz "termine, você sabe que será magoado de novo", o outro insiste: "Ah, lembra daquela viagem romântica, dos mo- mentos tão especiais?" A motivação dirá quem vence a batalha. E ela de- pende muito de como o indivíduo desenvolveu a necessidade de decisão da infância à vida adulta. Isso inclui Segurança no pouso forçado Tenente Carlos Veiga, 32 anos, piloto da FAB que salvou nove vidas na Amazônia ' ' Tive segundos para tomar a decisão mais difícil da minha vida: faríamos um pouso forçado no rio ltuí. Como não 124 ISTOÉ 2087 11111/2009 aprender a empreender, ter responsa- bilidades, pesar vantagens e desvanta- gens e saber perder. O modelo de es- colha saudável é reforçado pelas figuras que cercam cada um de nós. Na última semana, foi divulgada uma pesquisa da Universidade de Nova Gales, na Aus- trália, indicando que pessoas mal-hu- moradas e tristes têm melhor capaci- dade de julgamento. Mas não quer dizer que o sofrimento seja a chave da decisão coerente. O mesmo estudo mostrou ainda que um estado de âni- mo positivo facilita a criatividade, outro fator do processo decisório. Ser indeciso pode ir além de um comportamento inconveniente. Há casos em que a incapacidade de esco- havia estrada ou clareira na mata, essa era a melhor opção. A gente treina exaustivamente para esse tipo de situação, mas é sempre no simulador. Quando acontece de verda- de, temos que equacionar o nervosismo, mas já estamos tão escolados que as reações parecem ser automáticas. Do momento da perda de potência até o impacto no rio passaram cinco minutos. Entre os procedi- mentos de emergência, tive tempo de pensar nos meus quatro filhos e na minha mulher. Mas não me deixei levar pelas emoções. Consegui me manter concentrado.'' FOTOS: JULIA MORAES/ AG ISTOt lha vem da intolerância à incerteza, característica do Transtorno de Ansie- dade Generalizado. O futuro é incerto para todos. Mas as pessoas se progra- mam para fazer escolhas e levar proje- tos adiante da mesma maneira. Para o portador do distúrbio, a falta de certe- za causa uma preocupação tão intensa que ele simplesmente paralisa ou sofre Os estudiosos da ciência da decisão indicam um caminho clássico para avaliar as possibilidades Pergunte a si mesmo o que deseja realmente para a sua vida Respeite sua opinião por antecipação. "Esse indivíduo pen- sa que é melhor ficar arrasado antes até de tentar, já que pode não dar cer- to'', diz o psiquiatra e psicoterapeuta Geraldo Possendoro, prOfessor de atualização profissional em medicina comportamental da Universidade Fe- deral de São Paulo (Unifesp ). Casos assim pedem tratan1ento com remédio Faça uma lísta identificando as opções Analise as emoções que cada situação desperta Avalie cada uma e dê notas, com os prós e contras. A que tiver mais lados positivos é a melhor escolha 125 e psicoterapia. Não significa que todo ansioso tem o transtorno. Mas quem depende de se sentir no controle e sofre demais para tomar decisões tam- bém pode se beneficiar da psicoterapia. Outro distúrbio caracterizado pela dificuldade de escolha é a personalida- de obsessiva compulsiva. Nesse qua- dro, porém, a indecisão surge devido ao perfeccionismo. Tudo tem que ser feito como a pessoa preestabeleceu. E isso pode demorar. E a decisão nunca chegar. Ta1nbém aqui remédios e tera- pia são recomendados.O uso da razão com a intuição é o melhor método de escolha, dizem os especialistas. Ponderar é funda- mental. Assim como considerar sensações baseadas ·na experiência. A intuição, ao contrário do que mui- tos imaginam, não tem nenhuma relação com crenças ou poderes pa- ranormais. Ela é reflexo das recor- dações de situações vividas anterior- mente. Também a observação é importante, já que algumas lembran- ças parecidas são negativas - e isso pode ser traiçoeiro para uma boa decisão. Em geral, todo mundo tem a chance de fazer boas escolhas. É possível, inclusive, aprender a desen- volver esse talento com cursos espe- cíficos e terapias. Mas, para chegar lá, é preciso ser honesto consigo mesmo nas avaliações mais íntimas, pesando as emoções que cada possi- bilidade causa. Como provam os entrevistados, uma decisão acertada se torna uma grande conquista. • Colaboraram: Greice Rodrigues, Hugo Marques, Leonardo Attuch e Sérgio Pardellas Gilson Dipp, 65 anos, juiz-corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) As decisões difíceis no CNJ são quando tenho que. tomar medidas drásticas contra colegas de profissão, como afastamento de juízes. É pesado, porque sei das consequências. São doloridas, mas não me sinto constrangido. Tomo-as sem remorso. As decisões têm de ser amadurecidas, mas num prazo razoável de eficiência e duração. A decisão profissional é sempre mais complexa, atinge um número muito grande de pessoas. A pessoal está limitada à minha família. É mais fácil, mesmo que seja dolorosa. Uso a razão, mas tenho muito de intuição, que costuma fechar com a razão. lnfor ação é a chave Lírio Parisotto, 56 anos, presidente do fundo Geração LPar, que tem mais de R$ 2 bilhões em investimentos ' O segredo para uma boa decisão é simples: informação. Nos meus tempos de industrial lembro que a decisão mais difícil que tive de tomar foi a de transferir a minha fábrica de filmes, a Videolar, do Paraná para o Amazonas. Esperei a semana da eleição do presidente Collor para fazer a mudança. O País desaceleraria nesse perío- do. E essa desaceleração diminuiria a pressão sobre a produção de vídeos da Videolar, abrindo uma janela para a mudança, sem comprometer as entregas. Na indústria, para tomar uma decisão, dependemos muito dos outros. Entrei para o mercado de investimentos porque nele podia decidir quase sozinho. Isso facilita a gestão. 127
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