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BOLINGER, Dwight. Algumas propriedades da linguagem. ln: . Aspects of language. 2 nd. ed. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1975. p. 13-30. Trechos selecionados e traduzidos pela Prfa. Ora. Mariza Pimenta-Bueno (PUC-Rio) Algumas propriedades da linguagem Dwight Bolinger Estima-:se que há entre tl"ês e quatro mil linguas em uso hOje no mundo; há os que sustentam que passam <lc cinco mil. É provável que estes últimos estejam mais· Í>róx;mos da verdade, pois multas línguas sAo faladas por um número relaHvamente pequeno de pessoas (em uma pequena na da Nova Guiné, há várias línguas com menos de cem falantes cada uma 1); além disso. muit~ partes do mundo aJnda nAo toram completamente recenseadas. Na Coll.mbla. j6 foram identificadas mais de duzentas línguas e dialetos diferentes2. "Dialeto• aqui é uma palavra-chave. O que constitui ·uma língua"? O sueco e o norueguês apresentam um grau alto de mútua Inteligibilidade, o que os toma, quase que por deflniÇAo. dialetos de wna só língua. Devemos coot&-IOs comil duas línguas diferentes? O cantonês e o mandarim, a despeito de serem ambos considerados como 1íngua dlioesa·, sAo quase tão dlstlntos quanto o portuguâs e o Italiano. Devemos coot.ar o chinês como uma s.ó llngua? Para semm científicos. devemos Ignorar a dUnensAo potítica e ~uecer que a Dinamarca e a Noruega têm bandeiras diferentes oo passo que a China cafre'Ja uma única. Lsso não sena suficiente, entretanto. cons;derando-se que as dife<enças slo quantitativas: precisarfamos ainda determinar exatamente em que ponto as diferenças encontradas fazem com que X deixe d6 ser "um dialeto de Y" e passe a ser ronsiderado ·uma língua distinta do Y". Seja lá como for. o número de línguas diferentes é enomtt) e ainda mais admirável quando lndulmos as llnguas faladas no passado e hol6 mortas. M llOQuas sAo como as pessoas: em que pesem todas as suas semelhanças subjacentes. seu grande número rorrespoode a uma grand6 variedade. Seoí o Que sabemos sobre as linguas suficiente para podormos descrever a UngU84Jem? Podemos perpassar as diferenças e atingir o que hã de comum pof" debaixo da superfície? . Quanto mais linguas estudamos - e. a cada ano. inúmeras novas línguas. antefiormante lnexpk>fadas, revelanHK>S seus segrod~ -, mais somos levados a ·crer que a resposta é sim. Aprender uma língua nova é sempre. sob certos aspectos, repetir uma expenênda já conhecida. A variação podo ser enorme, mas as semelhanças são também abundantes - pod&-sa até arr1scar uma <leflnição: "A lloguagem humana 6 um sistema du 1 Oye, Townsend e Townseod 1008. 2 Arango Mootoya 1972. 1 CMtunicacão audit~vocaJ, que .interage com as expeliéncias de seus usuários, empregando signos coovencionai3 compostos de unidades soncxas 8lbitrállas o arucutados de acordO com regras estabelecidas.· Sejam quais torem as palavras e$00hidas para definir linguagem - e obviamente nohuma definição de uma frase jamais será adequada-. contamos com um grau de homogeneidade suficiente para afiançar a possibilidade de algum tipo de definição. A LINGUAGEM É HUMANA As línguas se parecem porque as pessoas se assemelham em sua fonna unicamenle de comunicação. Toda aiança humana, por lnstJnto, balbucia - até mesmo as criS11ças suroas de nascença o fazem. E as que se vêem temporariamente impedidas de baJbuciar, por doeoç.a ou tratamento cirúrgico, recomeçam a faz6-lo assim que podem. Antes de aprender a dividir dez por dois, qualquer aiança aprendo 1 domínar o que llé óe mais essencial no sistema incrtvelmente complexo que constitui qualquer uma das líOQuas hoje conhecidas. A "Inteligência" , como geralmente a compreendemos, nlo 6 um requisito para este aprendizado; e ainda asism, nenhum outro animal possui esta capacidade. O máximo que os macacos lograram atingir - sob treinamento intensivo - ro; aprender uma llngua de sinais manuais, suficiente para que comunicassem sjgni1icados no nível de uma criança de quatro anos de idade. · LINGUAGEM É COMPORTAMENTO Nossos quinhentos anos de romance com a palavra Impressa tendem a nos fazer esquecer que uma língua pode desaparecer sem deixar um só vestígio, quando morre o seu último falante - e que isso ainda pod~ se aplicar à maioria das línguas do mundo, a despeito da disseminação dos recursos gráficos e dos gravadores. Os registros escrnos e gravados são representBções secundárias concretas da liOQuagem; e a escma, em particular, acabou por d~nvotver-se, em certa medida . de forma independente da manifestação falada. Contuôo, 1 essência da linguagem é ser uma forma de ação. Nosso hábito de vê-la como uma coisa é provavelmente inevitável (até mesmo para o lingüista) ; mas. até certo ponto, essa visão é falsa. O que é d8 fato algo semelhante a uma coisa - no sentido de que persiste no tempo, passando de falante para falante - é o sistema que que subj az ao comportamento. Sob a fom\a de algo que o falante ddQuire. este sistema recebe vários nomes - competência, conhecimento. lang1J8 - • para d~tingui-lo de desempenho, oo fala, ou paro/O, e>u qualquer outro nome com 2 que nos refiramos a seu uso prátk:o em um dado momento. A competência está para o desempenho assim como as habClidades do um compositor estio para um improviso ou para a composição de uma música. é Isso o quo faz com que a linguagem 58ja algo tio especial. Respirar, agarrar e chorar sAo também ronnas de agir. mas i6 nascemos com elas - ninguém recebe crédito por respirar ou chorw bem. No que diz respeito à linguagem, todos nós já nascemos com uma capacidade altamente especializada para aprender. ~ provévet que, j - medida que ctiança v' adqulrtndo o sistema, 0$te vá 5endO im&XMSO da alguma foona em MtU cérebro, e que, se ttvésemos os meios para tomar este processo visível. talvez ~mos lntorpret/Ho. Até o momento, só o que podemos ver é o modo como as pessoas ag«n, e os lingüistas sAo úteis somente porque, uma vez que não ternos o poder de ler mentes, precisamos de especialistas para estudar o comportamento e, dele, inferir o sistema. O MEJO DA LINGUAGEM é O 60M Todas as línguas lançam mto do mesmo canal para enviar e receber: as vibrações da atmosfera. Todas produzem estas vibraç6os da mesma maneira, pela ação dos 6'gãos da fala. E todas organizam as vibrações de fonna essencialmente igual, dividindo-as em pequenas . , .. unidades de som que podem ser combinadas e recombinadas distinttvamentc. A nio 5ieí por este últlmo apsecto, a cornunieação humana não se distingue das formas de comurucaçAo de muitas outras cliaturas de sangue quente que circulam na superfície da Terra ou ~e ola: promover distúrbios no ar que nos envolve é um modo cfieaz de aJcançar outro membro da espécie. Paradoxalmente, a propriedade que coloca a faia humana em uma posição à parte, coloc:a-a também acima da dependência de qualquer meto especifico: trata-se a capacidade de Ofganiz.ação complexa. A ciência da Fonética, que tem como domínio os $OOS da ta:a. 6 para a UngüóstJca o que a NumismátJca é para as finanças: não faz diferença para uma transaçAo financeira quais são ligas metâllcas uti~ na composiçAo da moeda; tampouco faz dlfereoçn para o cérebro quais são os pedaços de substhlcia utilizados como eiementos desencadeadores da linguagem - podeóam ser pedrinhas dassifcidas conforme -a cor ou o tamanho, ou, se dispuséssemos do sistema olfativo dos cAes, um esquema da cneiros disaiminados. A escolha do som é parte de nossa herança humana. pro11a\lelmente por boas razões. Para receber um sinal, oito prectsamos olhar ou tocar naquele que o e-tMou; não dependemos da direção do vento como depeodcriamos se usássemos dlelros - podemos. al6m 3 disso. ao contrário do que ocorreóa com os cheiros, Interromper a transmissão de um sinatl. Mais importaote a.Inda é o fato do quo podemOs usar 1 linguagem e fazer outras coisas ao mosrno tempo. Isso seria difícilse só pudéssemos fazer sinais com as mãos. A linguagem é feita de som no mesmo sentido que wna casa é faita de madeira. Podemos imaginar outros materiais. mas é como se as únicas twamentas de que dispuséssemos fossem aquelas adequadoas ao trabalho com a madeira. Aprender uma língua é aprender a produzir sons. Somos Incapazes de usar quaàquer outro meto, a não ser como um awúlio circunstanciaL Assim, em parte, o som que entra na organizaçAo da linguagem pode ser viSto como tio Indispensável para a desalção de uma língua quanto a própria Ofl)lmização. A LINGUAGEM É HIERÁRQUICA Embora os tagarelas pareçam falar ininterruptamente, a linguagem jamais é realmente continua. Para a expressão de significados discretos, é preciso haver unidades disaetas; • decodificação de uma nova lingua sempre envolve, como tarefa ínicial, descobrir quais sio estas Wlidades. No nível mais inferior, há partículas de sons distintivos, desprovidos, em si mesmos, de qualquer significado - o som nasal de um m ou a exptosão de um p_ - -:-: . que .. . o\;orrem, juntamente com um ou mais outros sons. em grupos denominados sílabas. A sílaba 6 a meflOf' unidade que nonnalmenta é falada. i: a unidade do poeta. a unidade do ritmo e da audi Dilidade. Acima do nível dos sons e sílabas sem significado, encootram-sa os níveis que se Identificam tanto paio som quanto pelo ~nificado. Em primeiro lugar, temos as palavras o as partes de palavras com feição significativa reronhecivel, tais como o prefixo trAn5- ou o sufixo· ismo. Acima do nível ~ palavras, tomo5 o nível da smtllB, que é em si mesmo um compiexo de níveis, uma vez que a unidade que denominamos frase é freqüentemente composta de outras frases maJs s.lmples (orações), em geral sob algum tipo Gl!l forma abreviada; estas orações, por sua vez, contêm unidades menores, denominadas expressões, tajs como a Mpressão preposicional para s d/reil9 e a expressão ve<baJ oorrou rápido. Ê preciso reconhecer ainda unidades de nível mais alto - pergunta-e-<esposta, parágrafo, discurso -; entretanto, quanto maiores ficam as unidades. mais difícil é decidir exatamente qual deve ser $U8 estrutura. Grande parte da análise lingüística reita atá os dias de hoje p-3rôU no nível da frase ou sentença. 3 Sebeok , 962, p. "35. 4 A estratificação - esta organização de níveis em nívei.s - é a manifestaçAo física do "uso Infinito de meios finitos·. a propriedade que distingue de forma mais nítida a comunicaçAo humana, a base do sua incrivel rtqueza. Algumas dúzlas de soos distintivos são organizados em grupos de silabas, que passam a servir de base para centenas de segmentos de palavras mais oo menos significativos, que por sua vez compõem milhams ~ palavras propriamente ditas. Com os milhares de palavras, associamos milhóes de significados. e. sobre estes milhôes. o número de frases e discursos possíveis é astronômico. Há um l&ngüista que denomina esta esquema de •reinvestimento múltiplo·. Sut>;acente ao reinvestimento múltiplo está o ºprincípio estruturar. segundo o qual, ao invés de tennos slmt>ok>s únicos para cada propósito, o que exigiria tantôs símbolos completamente distintos quantos são os propósitos distintos, lançamos mão de unidades elementares e as recombinamos. Com somente duas unidades oo nível das palavras, txlclc (tijolo) e red (vermelho), mais uma regra de modificação, podemos obter quatro diferentes significados em resposta ao pedido o.scrlbe th• house (dcsaeva a casa): Jt's bridc . (É de tijolo) /1'$ red . ~ vermelha) lfs briclf red. (É vermelha cor de do tiiolo) t's r&d brlck. (É de tijolo vermelho) A UNGUAOEM MUDA PARA SOBREPUJAR A MUDANÇA Toda llngua viva está constantemente em estado de equilíbrio dinâmico. Mudanças lnfenitesimals acontecem 8lll cada ato de fala, e, no mats das vezes, não causam~ - não ultrapassam os Umlt~ tolerados, . e não são Imitadas ou perpetuad&s. pois os falantes ~ente as Ignoram (considerem-se, por exemplo, o gaguejar de. a\gu&m que fala com pres.sa ou uma patada para tossir no meio de uma palavra). Aqui e ali , algo acaba ficando. Ouvimos uma nova expressão e a apreciamos. Paree&-oos cair bem - ajusta-se a ~m estilo, da nome a um novo o~eto. expressa de fOITTla sucinta uma idéia. Outros a reproduzem e ela passa 8 "fazer parte da língua·. o equilíbrio é temporariamente perturbado, mas rapidamente se restabelece. A nova ~o. como wn predador inv~o. -3emarca seu tenitóliO, e os habitam~ mais antigos defendem o que sobra do seu. 5 O caráter vastamente aberto da .linguagem. que docorrt do retnvestimento mút'úplo, 6 o que a faz ao memo tempo sistemática e receptiva • mudança. Suas partes 05tAo lntl1ncadamcnte lnterngldas, de fonna 1 manter fntogro o tecido da ling\lagem; mas s.lo também infinitamente recombináveis. o que toma possível 1 yartaç.Ao gradual e nAo-destnJtiva. Para apreciar o valor de um tal sistema, podemos comparar o código Ungüistico ao código genético. Ambos se assemelham sob muitos aspectos - tanto é que os genet$ci5tas se referem à "sintaxe das cadelas de ONA". A OfQanizaçAo hiorirquica do unidades 5'gnificatJvas na linguagem - de palavras para sintagmas e frases. e dai para diSCursos - encontra paralelo dasses e subdasses do seqüências genéticas, cujas mens.agens herdadas controlam o crescimento e o desenvolvimento. Subjacentes a ambos os códigos, estão subunidades sem sãgnlticado, denominadas fonemas na linguagem e bases nudekas na genética4 . As mudanças na linguagem e as mutações na genética·servem a um · propó~o semelhante: sobrepujar as mudanças aleatórias ocorridas na .sociedade e na . natureza. NAo. _se . JX>do prwer um acidente. m83 podc-5e promover $Ufidente variação para garantir quo pofo menos uma das variantes do uma determinada forma viva será resistente o bastante para sobreviver. Não que isso seja uma garantia contra o desastre - com efeito, linguas e também espécies perecem. Mas é o suficiente para ss lidar com a taxa nonnal de invasões aJeat6reas. ( ... ] A LINGUAGEM É AO MESMO TEMPO ARBITRÁRIA E MOTIVADA Se cooperar é que as pessoas desejam. então precisam comprcender·se mutuamente; e a compreensAo depende d.J compartilhamento de um conjunto de valores. P°' vezes, deliberamos quo vamos concordar sobre um determinado ponto. Uma pessoa pode dizer. ·seja a11 a força média no tempo t11 para lí1t~alos de tempo de dez segundos de duraçãoº - os outros aceitarão em pnncipio os valores que·aquela.pessoa atribui a a.; ·t e n. Num caso como este. a art>Ctrariedada e o car3ter convencional dos símbolos e de sua relação com a realidade ficam bastante nitidos. Tamblttn a linguagem é convencional e art>ftrária. Não precisamos nos preocupar com de nossas diferentes percepções quanto à aparência de um cão, OtJ a textura de seu pelo, ou o som de seus latidos para nos referinn05 a ele. Ao concord81TTIOS em denominá-lo cacnorro . .. Ver Jakobson 1970, pp. "37""'°. 6 podemos transmitJr avisos socialmente vitais, tais como "Cachorro louco!" , certos de que seremos compreendidos. Cllchon'O tem um valO< convcmciooal e artlitrário em nossa sociedade. As ex'ffceçl>es óbvias constituem um numero pequeno. Se houve~ uma conexão estreita entre o som de uma palavra e seu significado, uma pessoa que oAo conhecesse a língua seria capaz de adivinhar o significado ao ouvir a palavra. Vez por outra, conseguimos fazê-k>: mecw em ingkb e miaou em trancâs têm o mesmo som e querem dizer a mesma coisa (miau, em português). Entrotanlo, mesmo com as palavras que imitam sons~ raramente acontece (to caw em inglês é croasser em franc6s e grasnar em português; lo giggiq em lng14s é Kich6m em alemão e dar ~ em poitugues. E nas demais situações isso praticamente não acontece: square e box·shapsd, em i~s. são palavras que quere~ dizer o mesmo (quadrado) mas em nada· se assemelham quanto ao som. A arbitrariendade vemda necessidade de codificar todo um unive™> de significados. O principal problema com quantidades tão grandes não é encontrar semelhanças mas sim diferenças; fazer com que uma dada combinação de sons seja suficientemente distinta de todas as demais para nlo ser contundida com uma delas5. é rnai$ Importante fazer com que trigo e cevada tenham realidade sonora diferente do que usar seus nomes para expr~ssar a relação de parentesco que Interessaria, por exemplo, a um bot4nk:o. Nosso córebro tem mais facilidade para associar estas palavras quando necessário do que para vir em nosso auxílio quando ouvimos uma paJavra quando a Intenção era se ter dito outra. A sintaxe ·- 1 gramáUc. das combinações - é um pouco menos arbitrária do que as palavras, especialmente no que diz respeito à otdem dos eternemos. Dizemos Ele entrou e sentou..se porque esta é a "Qüência das ações; se dlsséS5em0$ ao se sentou e entrou estaríamos descrevencJo a seqüência oposta - talvez ele ostJveM4) 560do carregado por alguém e tivesse decidido voltar para sua cadeira de rodas para entAo retomar a seu quarto. Para reverter a ordem, necos.sftariam<>$ de uma instrução gramatical explícita . a saber. a iodusão da palavra depois: Ele se sentou depois de f#l/r8r. Mas a arbitrariendade permanece mesmo · nessas sttuações. ( ... ) Ê comum os mesmos sentidos poderem $&r e;q>r35Sos por seqütncias diferentes: as palavras inglesas nonsensical, com um prefixo e-um sufixo, e ·s.enseless, com só wn sufixo, querem dizer a mesma rotsa (sem sentido) : da mesma foona, more handsomo e handsomef" são normalmente lntercamblávci5 (com sentido equivalente de mais bonito ou olegarff). o nível de linguagem em que arbitrariedade é mais rígida e nitida é o das unidados dl!::tlntivas de som, com as qual$ distinguimos mata e nata ou pato e~. Já observamos que o o uso do som para este propóstto, embora prático. nAo e a rigor necessário como ~ ~O que acontece quando duas palavras acabam por ter o mesmo som é tratado no Capítulo 13 7 para a construção do sistema. E uma vez que o som veio a ser o meto, os sons patticulares em questAo não .importam, contanto que possam ser dif8f8nciado:s um do outro. o que distingue mata de na/a é o som (n) em oposição ao som (m], mas nada impediria quo a oposição se "1-': desse entre (t) e (v] - nada há na atureza da mata que decrete que deva s.er chamada mata e nlo lata. O único fato "naturar é que os seres humanos estão limitados Por seus órgãos vocais - normalmente, não produzimos, por exempk>, o som que resultaria de recuarmos a ponta da lingua atés o palato mole; ele é muito difícil de alcançar. Entretanto, dados 0$ conjuntos de sons de que p<XJomos fazer uso (que nAo são, é daro, idêntM:os de língua para língua, embora sejam bastante semelhantes), a artWaliodade nos deixa livres para combi~ j nossa vontade. As combinações não precisam corresponder a coisa alguma na natureza e seu número é ilimitado. Ainda assim, a arbitrariedade tem seus limites. [ ... ] O QlUI é curioso acerca do equilíbrio entre art>itrariedade e nAo-aroitrariedado é quo, conskierand<rse uma lfngua {ou qualquer outra coba) como um fato da vida. boa parte da abritnlriedade se esvai. Podemos dizer que a fonna da maç4 é ert>arária porque '"poderia muito bem~ ser quadrada. Mas as maçls são um fato da vida, e não são Quadradas - iSsO. . as relaciona, de forma nlo art>itrárta às outras frutas no universo das frutas. A leira F '"poderia muito bem" ter a forma 6 , mas nlo tem, e Isso a relaciona de forma nl<>-arbitfárla às outras formas da mesma letra, .,:- e t. Aceitando-se a arbitrariedade incial da elÕStêoc:ia de quase tudo, a nã<rart>itrariedade se segue na maior parte das conexões .subseqüentes. A .língua inglesa parece ab3un:hunente arbitrária ao falante do fran~s; entretanto, efe 6 um mundo em si mesmli, e, dentro deste mundo, há incontáveis relações mais ou menos autoevideotes. [ ... ] A LINGUAGEM É AO MESMO TEMPO VERTICAL E HORIZONTAL Quando ouvimos ou vemos uma amostra de fala ou esclita, a dimeosAo de que temos mais consciência é a horizontal - a c.adeia de tempo na fala, a linearidade espacial na esaita. Quase qualquer coisa que lnclulmo5 em uma mensagem precisa estar à direita ou à esquerda de alguma outra coisa. Não há ºacima• ou "abaixo", nem '"atrás" ou ·na frente•. Boa parte do que~ quando há alterações na linguagem se deve a colisões ou oonfusõas ocoffidas ao 8 longo deste percurso. A aJteraçAo pode ser apenas um lapso, como quando um falante do inglês, que pretendia dizer discussjng shortly (discutindo rapidamente). diz ascus/Jing. trazeooo o som que pertencia à direita para e esquerda. Ou pode ser pennanente, como no caso do Inglês horse-shoe (ferradura), palavra que todos os falantes pronunciam tomando o s do. primeiro elemento semelhante ao s11 do segundo. Alterações no significado podem imiscuir-se na forma, provocand<Hhe alterações. Os falantes do ingl6s distinguem, por exemplo, got to e-ter o privilégio de") de gol to ("ser obógado a"), usando • forma nio alterada -no primeiro caso e uma fonna alterada no segundo: I got to get otr (Oeluram-me sair) e J gotta gel olf (Preciso sair). Se as pessoas se limitassem a imitar o que ouvem e jamais inventassem suas próprias combinações de encunciados, seia concebível que a linguagem tivesse uma s6 dimensão. Mas o fato é que ela_, inventam. e a pergunta que se faz neste caso é a seguinte: onde é que vão buscar as partes a combinar? Certamente em algum tlpo de depósito. E nos depósitos é preciso haver um esquema de armazenamento, ou jamais poderíamos eocootrar o que procuramos. Trata-se aqui da dlmensAo vertlcal da Uoguagem: todas as coisas que nossos cérebros guardaram desde o momento em que ap<eodemos nossa pcimeira silaba, dassfficadas de fonna Incrivelmente complexa po1ém eficiente. Depende desse arama.zeoamento nada meoos do que nossa capacidade de evocar qualqu~ coisa .<Se que ~ no instante em que precisamos, e isso ao mesmo tempo em que estamos Ofl1&nizando nossas idéias para aproxima expressão que usaremos, e provavelmente enquanto ainda não terminemos de dlzor a expressão anterior. Este enonne depósito de itens. categonas e cooexões é a competSncia a que nos referimos anteóo..";lente. [ ... ] Os tipos de associação vertical mais citados sAo os que exib6m semelhanças altamente 5'stemáticas entre forma e significado. As mais familiares sAo as que aprendemos a recitar desde crianças: os numeraiS, os dias da semana, os. meses do ano, e5 partes principais de um vort>o, os graus de um adjetivo (bom, melhor, o melhor), os casos de um pronome (eu, reto, m6, oblíquo). Quer aprendamos ou .não a recitar essas da.sses associativas, nosso cérebro estabelece conexões entre itens relacionados, para que possam ser localizados quando necessário. O número de oonjuntos verticais chega aos milhares; podem repres.entar dasses poquen-3S, fechadas e bastante estruturaclas, com usos que seijuem uma regra gramatical estrita; ou podem representar ~ sem4ntk:as mais amplas e pacciBlmente abeftas. que posdem eventualmente deixar o falante hesitante ao fazer uma e<"...coU'la. Um exemplo do_ pcimelro tlpo de classe é o conjunto dos pronomes possessivos usados $Ubstamivementc, que 9 preencheriam as lacunas em Eu tinha o meu, Voc6 liTN o Nós tinhamas o Eles tinham o . Um exemplo do segundo Upo de dasse sena o do conjunto de "moedasª vorsus o conjunto de ~alores•. Nossa escotha se dé no primeiro conjunto quando dizemos E$SB máquina nao acoita (moedas do 10 de 20 de 50, etc.). Nossa ~ha se dj no segundo conjunto em ll8nsaç6es nas quais as moedas em partJcular não Importam, como em Cuaou (10 centavos, doi$ l>IYOo$, 1 real, etc.). ( ... ) A dimensão horizontal da linguagem é denominada sitagnatica; a dimensio vertical. paradigtn.Mica. A primeira constitui o domínio da *axe, que literalmente5iglliftea ·por junto•. e o termo $in/""1Jll é às vezes usado em refer6nda a qualquer unidade oo gn.ipo coerente de unidades ao longo da linha horizontal, tais oomo wna palavra, uma expressão, uma oração. Um pwadifp>a é qualquer um Gos conjuntos verticais que acabamos de discutir, mas o tomlO é usado com mais freqüência em rcfer~ncia aos conjuntos que se vinculam por algum tipo de regra gramatical, tais comJ os pronomes e seus casos, os verbos e suas nexões de tempo, número e pessoa. AS UNGUAS ~ESTRUTURA SEMELHANTE As línguas podem ser relacionadas segundo três pontos de vista: genético, culturaJ e Upológlco. Uma relação geoétk:a vincula llngua mie e língua filha, ou duas irmãs ou duas pnmas: há um ancestral comum em aJgum ponto da árvore geneaJ6gica. Uma relação cuttu~.1 surge em decofTência de contatos ostaboledôos no mundo real em um determinado momento do tempo; muitos falantes dominam uma segunda. lingua, adotando alguns de seus traços, na maior parte dos casos ~nte os termos referentes a produtos especifl(;Qs de determinacla cultura; mas às vezes outras propriedades também (as palavras emprestadas COfltêm certos sons •estranhosª, que, em condições favoráveis, são então domesticados para se adequarem à nova língua). Uma relaçAo tipológica é aquela em que as semelhanças independem da origem da língua. o inglês se relaciona oeneticamente ao holandês, em virtude de provirem do germânico e do indc>-europeu. Relaciona-se culturalmente às línguas indlgenas da América <Jo Norte, das quais retira muitos nomes geográficos. E se relaciona tipologicamente com o chinês, língua da qual se aproxima mais do que de sua própria prima, a língua latina, fato que fica daro ao compararmos o sistema de flexão de palavras, pobre nas duas lírl(luas. O romeno se liga genetica e tlpologicamene a outras línguas românicas por seu ancestral comum. o latim vulgar. Relaciona-se culturalmente, em certa medida, às outras línguas bak:Anicas, em especiaJ as eslavas, que por sécu~ a circunscreveram. isolando-a do resto do munao latino. 10 Embora as relações genéticas e culturais tendam a Implicar relações tipológicas, ~ comum acontecer de línguas de uma mesma família distandarem-se de f<>mla tio radical no decorrer da história, que só análises muito minuciosas podem revdar o parentesco. O oposto também acontece: línguas geneticamente não rei~ podem •convergi(' para um alto grau de semelhança. Quando nosso objetivo é determinar que propriedades sAo comuns a toda humanidade, são ~ semelhanças tipológicas que. buscamos. AD descobfinnos que línguas faladas em diferentes parles do mundo, que dificiimeote poderiam s&r relacionadas em tennos históricos. usam o tom da voz para distinguir perguntas de respostas. ou demonstram predileção por determinados tipos de sons vocálicos em dellimento de Ot.Mos, oo &píeS8ntam sem exceções uma dasse de palavras designadoras de coisas, que podem ser chamadas de substantivos, 6 razoável suponnos que isso renote de aJP.uma foona o equipamento física e mental com que todos os falantes nascem. independentemente" de sua herança lingüisti~. [ ... ] 11