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Material de estudo Teoria geral do Processo Considerações iniciais evolução histórica

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TEORIA GERAL DO PROCESSO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL
Considerações iniciais
O ser humano sempre foi tendencioso a viver em grupo, não sem razão Aristóteles afirmava que o homem é um animal político, que nasce com tendência a viver em sociedade, sendo a sociedade uma necessidade natural do homem (ALVIM, p. 1).
A convivência em sociedade leva o homem a manifestar suas necessidades, interesses, pretensões e conflitos. 
Em linguagem simples a necessidade se traduz naquilo que não se tem, isto é, sentir falta de alguma coisa, mas pode ser satisfeito. O que para Carnelutti leva a outro conceito importante o bem- que pode ser entendido como qualquer elemento capaz de satisfazer uma necessidade. A utilidade é a aptidão de um bem em satisfazer uma necessidade. 
O interesse, ainda segundo Carnelutti é uma posição do homem favorável a satisfação de uma necessidade, sendo o sujeito do interesse o homem e seu objeto o bem.
Se a posição se presta diretamente a satisfação da necessidade o interesse é imediato; ex.: possuir o alimento e comer. Se a posição se presta apenas indiretamente a satisfazer necessidade o interesse é mediato. 
O interesse individual é a posição ou situação que satisfaz a necessidade em relação à um indivíduo; ex.: uso de um imóvel. O interesse coletivo é voltado a satisfação de necessidades de vários indivíduos, por necessidades humanas que só podem ser satisfeitas por homens unidos em grupos; ex.: sindicatos, corporações, o Estado. 
Já o interesse primário considera o bem em si mesmo e a satisfação da necessidade é direta, por sua vez, interesse no secundário a satisfação da necessidade é indireta, ou seja, é meio para a satisfação de outro bem, para satisfazer a necessidade. 
Daí surgem os conflitos de interesses que serão subjetivos quando um homem possui dois interesses, se dá no âmbito do próprio sujeito. 
O conceito de conflito se traduz em posição situação de um homem frente a satisfação de sua necessidade que exclui ou limita a posição ou satisfação de outra necessidade. 
E assim tendo o ser humano necessidade infinitas e limitações de bens, os conflitos no meio social se tornam inevitáveis. Daí porque mesmo com a existência de normas e regramentos que regulam as relações entre as pessoas não é suficiente para evitar ou eliminar os conflitos.
Os conflitos intersubjetivos ou de interesses, quando não se resolvem naturalmente levam a contenda e a disputa, a partir de então cada um dos envolvidos terá uma pretensão, que nada mais é do que exigir a subordinação do interesse de outro ao próprio. 
Ocorre que se aquele que deveria ser subordinado não concorda com essa subordinação irá ser opor pela resistência, ou seja, a resistência pode consistir em contestar a pretensão de outrem sem lesar seu interesse ou lesando-o, sem contestar leva a ao que é comumente conhecido e chamado de lide. 
 A lide em linguagem mais primitiva é o modo de ser do conflito de interesses ao que Carnelutti definiu conflito de interesses como uma pretensão de um dos interessados, qualificada pela resistência do outro. Ou seja, a pretensão resistida ou insatisfeita, é a lide. 
A lide em como elemento material o conflito de interesses intersubjetivos e no aspecto formal a pretensão e a resistência. 
Obviamente trata-se aqui de um conceito de lide no âmbito sociológico, uma vez que nem toda lide pode resultar em um processo, mas precisa ser resolvida para que a paz social e a estrutura do Estado, pois os conflitos não só abalam a paz social como também é a semente desagregação social. 
DAS FORMAS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
A estrutura de resolução de conflitos que se tem hoje é uma construção ao longo da história da humanidade, pois nem sempre o homem teve um sistema de resolução de conflitos estruturados com normas e princípios devidamente organizados como hoje se pode valer o ser humano em sociedade.
Assim a resolução dos conflitos podem se dar basicamente pela autodefesa, autocomposição e processo, intimamente ligadas com a evolução histórica dos direito processual. 
Isso porque sabemos que a partir do agrupamento dos seres humanos em sociedade os conflitos se tornam inerentes, pois ao mesmo tempo em que há limitação de bens, por outro lado há infinitas necessidades. 
Como então se satisfazer os conflitos de interesses?
A mais primitiva forma de resolver conflitos de interesses contrapostos é a autodefesa. 
AUTODEFESA 
O vocábulo autodefesa nada mais é que a defesa que alguém faz de si mesmo. 
Como se sabe as fases primitivas da civilização dos povos não existia um Estado suficientemente forte para superar ímpetos individualistas dos homens capaz de impor o direito acima de vontades particulares não havia órgão estatal dotado de soberania e autoridade para impor o cumprimento do direito e não havia leis. 
Assim se alguém pretendia fazer valer sua pretensão utilizava a própria força e pelos seus próprios meios e o conflito era resolvido pela razão do sujeito mais seja individualmente ou em grupo, já que não havia critério para resolução do conflito. 
Não se tinha também a noção de individualidade da culpa de modo que, por exemplo, atacar um membro de uma tribo era agressão a todos provocando reações em massa contra os agressores e matando-os ou reduzindo-os à condição de escravos. 
É, portanto, uma visão bastante egoísta de satisfazer o interesse próprio subjugando o outro, o que nos Estados modernos geralmente se proíbe salvo situações excepcionais, como por exemplo: a greve na área trabalhista ou a legítima defesa.
Relembre-se que a vingança privada era utilizada para reprimir atos criminosos e mesmo quando o Estado assumiu o jus puniendi inicialmente o fez com critérios e decisões sem órgãos ou pessoas imparciais independentes e desinteressados.
A autotutela é, sem dúvida, uma forma de resolução de conflitos altamente perniciosa, porque sempre impõe que o mais forte tenha êxito na satisfação do próprio interesse subjugando o interesse do outro, o que não satisfaz o ideal de justiça, pelo contrário, deixa claro que a resolução do conflito dependerá de verdadeira guerra. 
Assim, a autotutela é marcada pela ausência de um juiz distinto das partes e também pela imposição de uma decisão da parte ao outro. 
AUTOCOMPOSIÇÃO 
Na medida em que os homens foram compreendendo que os bens pela sua limitação e importância, bem como pela sua qualidade e quantidade não justificavam uma disputa com risco de perde tudo o bom senso e a razão ocuparam o lugar da força bruta. 
A autocomposição se tornou uma forma mais evoluída de alcançar a resolução dos conflitos e Carnelutti definiu autocomposição ao tratar dos equivalentes jurisdicionais e sendo o termo utilizado como auto “própria”, composição “solução”. 
Sem dúvida assume um caráter mais altruísta, porque uma das partes em conflito ou ambas renunciam seu interesse ou parte dele, sendo que até os dias atuais assume essa característica com relação aos direitos disponíveis: a) desistência- renúncia da pretensão; b) submissão- renúncia à resistência oferecida; c) transação- concessões recíprocas. Sendo que a renúncia e a desistência dependem de uma das partes, somente, já a transação depende de ambos.
Ainda assim, tais soluções são parciais na medida em que dependem da vontade ou atividade de uma ou ambas as partes envolvidas. Gradativamente as pessoas foram percebendo que os males do sistema de solução amigável com a vontade exclusiva das parte, constatando a e inserindo a pessoas dos árbitros, entregando sua confiança mútua a que as partes se louvam para que resolva o conflito. 
Inicialmente essa função de árbitro era confiada a um sacerdote a quem se confiava essa condição por ter ligações com divindades que garantiriam soluções adequadas, bem como aos anciãos que conheciam os costumes e os grupos sociais integrados pelos interessados. As decisões dos árbitros pautadas em padrões acolhidos pela convicção coletiva, inclusive costumes. E historicamente o juiz, pois surge antesdo legislador. 
De modo que enquanto na autotutela a decisão era impositiva de uma das partes a outra. Na autocomposição e na arbitragem se limitava a existência ou inexistência do direito, mas a execução da decisão ainda dependia, muitas vezes, violência.
Acontece que na medida em que o Estado foi se firmando e conseguindo impor aos particulares invadindo a sua esfera de liberdade, nasceu gradativamente a ideia de absorver o poder e ditar soluções para os conflitos. 
A história mostra que no direito romano, século II a.C, os cidadãos em conflito compareciam perante o pretor (magistrado) e se comprometia a aceitar a decisão que fosse tomada, com base nesse compromisso (que era necessário pois a mentalidade da época repudiava a ingerência do Estado nos negócios contra a vontade de alguém) era nomeado um árbitro de sua confiança que recebia o encargo de decidir.
Assim, em Roma já se praticava uma ideia de processo desenvolvida em dois estágios: perante o pretor e depois perante o árbitro.
Como se vê o Estado já participava na solução dos litígios ainda que de forma singela que durou todo o período clássico (séc. II a.C ao séc.II d.C). 
O cenário de participação do Estado foi aumentando gradativamente tendo marco importante a substituição da escolha do árbitro pelo Estado ao invés de ser pelas partes. Nesse período, já era vedada autotutela e o sistema previa a arbitragem obrigatória e para facilitar a aceitação das partes às decisões o Estado estabelece critérios objetivos e vinculativos para tais decisões, para afastar decisões arbitrárias e subjetivas. Inegável que nesse período surge o legislador, em especial pela época da Lei das XII Tábuas. 
O séc. III d.C é um marco histórico na evolução da justiça privada para a jutiça pública, pois o Estado, já suficientemente fortalecido, assume totalmente o controle a imperatividade de solucionar conflitos e de impor a decisão aos particulares. A atividade estatal mediante a qual os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os conflitos se denomina jurisdição. Conceito previamente conceituado instrumento por meio do qual órgãos jurisdicionais atuam para pacificar pessoas conflitantes, eliminando os conflitos ou fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente à cada caso. Assim o processo era praticado em Roma conforme os ideais de justiça praticados à época.
A queda do Império Romano fez surgir duas culturas e formas de resolução distintas no aspecto conflito x solução. Segue quadro comparativo entre as principais diferenças entre a concepção de processo na visão romana e na visão germânica. 
	
	Romanos 
	Germânicos
	Escopo do processo 
(finalidade)
	Atuação da vontade da lei;
O pretor é a voz da lei
Finalidade: Atuar a lei
	Enfraquecida a ideia de lei como vontade;
Pacificação dos litigantes
O processo é direcionado não pelo convencimento do juiz, mas de experiências (inclusive Divinas) 
Finalidade: conciliação
	Quanto à função do juiz
	Função Pública.
	Função de coordenar a atuação dos litigantes;
Declaração das provas e seus meios 
Assistir a experiência probatória e proclamar o resultado
	Quanto aos atos do juiz
	Distinção entre sentença e decisões interlocutórias.
	Não tinham distinção 
O juiz não tinha livre convicção 
A sentença dispondo sobre as provas, era a decisão da causa.
	Quanto à função da prova 
	Provar os fatos alegados, 
Influenciar a decisão do juiz.
	A prova era dirigida ao adversário mais do que ao juiz;
Podendo a prova ser duelos, juízos de Deus.
	Quanto à coisa julgada 
	Era expressão de exigência e segurança no gozo dos bens da vida;
	Não existia
	Quanto à forma do processo 
	Oral;
Concentrado;
Púbico;
	Oral, pois ignorvam a escrita.
O processo romano, à época, já era aprimorado ao passo que o processo germânico ainda era rudimentar e de fundo místico-religioso. Os germânicos, vencedores, então tentavam impor as seus métodos de solução de conflitos, chegando a conviverem em Roma, sobretudo pelo esforço da Igreja em manter as instituições romanas. 
Já no Séc. XI, da Era Cristã surge a Escola dos Glosadores, na Universidade de Bolonha da História e posteriormente os Pós-Glosadores, que se preocupavam em estudar o direito romano, mas adaptando as necessidades do tempo surgindo um tipo de processo chamado processo comum medieval, que tinha como base o direito romano-canônico e vários elementos do direito germânico, aliado a novos institutos formados pelo uso. Ex.: o processo comum medieval era dotado do sistema da prova legal – normas minuciosas sobre o meios de prova admissíveis e o modo de serem produzidas, além disso o processo passou a ser escrito, com diversas fases e juízes atuantes em cada uma delas, lento e demorado. 
Pode-se considerar que a doutrina processual foi evoluindo tendo um período primitivo (primitivismo) até o séc. XI, da Era Cristã, onde não havia exposições processuais, mas dados sobre a ideia de justiça e seu funcionamento. 
O judicialismo- tem marco no Séc. XII e XVI, onde jurisconsultos produziam sobre direito comum de fundo romano-canônico, medieval e ítalo-canônico.
Sendo um período de produção de obras relativas a estudos sobre processo, seu conceito, os sujeitos e suas fases.
A Escola Judicialista nasceu na Itália (Bolonha), sendo de suma importância para o direito processual tal qual o direito civil para Roma. Esse sistema foi recepcionado pela Europa. 
O praxismo teve início no séc. XVI até o começo do séc. XIX, marcado por um direito processual pelos jurisconsultos, advogados e práticos como um conjunto de recomendações práticas sobre o modo de ser e de proceder em juízo, a forma de realizar o processo.
Nesse período, o século das luzes (século XVIII, iluminismo), é marcado por transformações políticas e sociais na Europa que alteraram substancialmente as relações entre o Estado e o indivíduo. 
Até então havia uma visão plana do ordenamento jurídico em que a ação se definia pelo direito subjetivo tido como lesado, ao passo que jurisdição era um sistema de tutela de direitos e o processo era uma sucessão de atos, ou seja, a ação se incluía em um sistema de exercício de direitos. 
O procedimentalismo- coincide com a Revolução Francesa, surgindo obras sobre organização judiciária, competência, procedimento. 
Os procedimentalistas traziam um método descritivo de fenômenos processuais. 
No aspecto jurídico, o procedimentalismo teve como causa a codificação napoleônica, separando a legislação processual civil da legislação processual penal. 
O procedimentalismo transcendeu as fronteiras da França, alcançando diversos países da Europa, surgindo questionamentos sobre o conceito de ação (1856 Windscheid e Muther).
Essa fase o processo deixa de praxe e passou a ser regulamentado em lei, e passa a merecer revisão científica. 
O processualimo científico- Alemanha 1868 Bülow- Teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais. Aqui já não se trata apenas de conhecer a praxe do processo ou abordá-lo como forma regulamentada em lei, mas de tomar como ponto de partida para estudos do próprio processo, sua natureza jurídica e institutos básicos do direito processual. 
Bulow passa a conceber a ciência processual civil e seu longo caminho para o alcance do progresso como em outros campos do direito, assimilando o processo como uma relação jurídica pública que avança gradualmente, passo a passo, diferente da relação jurídica privada que objeto do debate judicial. 
A partir de então houve a necessidade de renovar os estudos do direito processual enquanto ciência em si mesma, portadora de objeto próprio e com definição de seu método, sendo o século passado marcado por investigações inúmeras sobre o conceito de ação afirmando-se seu caráter abstrato atingindo o mais elevado nível de autonomia. 
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO
Aponte a distinção entre bem, utilidade e interesse?
Qual a diferença entre conflito subjetivo e conflito intersubjetivo?
A longo da história surgiram diversas formas de resolução de conflitos de interesse?Conceitue e aponte as principais características da autotutela.
Quanto à autocomposição, qual é a diferença entre submissão, renúncia e transação?
Qual a diferença entre autotutela e autocomposição?
Qual a ideia de processo era praticada em Roma no Séc. II a.C?
Quais as principais diferenças entre as concepções de processo para os romanos e para os germânicos?
O que é processo comum medieval? Cite exemplo.
Cite as etapas da evolução da doutrina processual?
Qual a diferença entre praxismo e procedimentalismo?
Quais as principais características do procedimentalismo?
Em que fase da evolução da doutrina processual surge o questionamento sobre o conceito de ação?
Qual é o marco do surgimento do processualismo científico?
Para a ciência processual civil quais as consequências do surgimento do processualismo científico?

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