Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 INFANTICÍDIO O crime do artigo 123 do CP desperta inúmeras considerações polêmicas, dados os conceitos abertos de que se valeu o legislador nesta tipificação. Veja: “Infanticídio Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos.” O primeiro conceito polêmico, neste delito, é o de estado puerperal. Na medicina legal, este conceito simplesmente não existe na forma que o Direito Penal pretende. Toda mulher tem estado puerperal, que é a fase de recomposição do estado pré-gravídico pelo qual toda mulher que deu à luz necessariamente passará, mas cujas condições, por si só, não são capazes de causar tamanha perturbação mental suficiente a ensejar o cometimento da morte da criança pela mãe. Assim, este estado de alta perturbação só ocorreria, a rigor, segundo a doutrina médica, devido a alguma condição de desestabilização preexistente, ou devido a um parto tremendamente traumático, circunstâncias estas que teriam, no nascimento da criança, no puerpério, um gatilho para a conduta de matar o filho. Hoje, a ocorrência de tais condições de alto estresse é mais rara, ante o aprimoramento das técnicas de parto, especialmente o cirúrgico (cesariana). Inclusive, mesmo quando presente o estresse, o tratamento psicológico automaticamente adotado quando se percebe que a gestante está sob forte perturbação mental evita que a mãe possa cometer tal ato. O puerpério é o período compreendido entre o início do parto – o rompimento da bolsa, como visto – e o retorno do corpo da mulher às condições pré-gravídicas. Este período, geralmente, perdura por até oito semanas. Contudo, este período de oito semanas não pode ser reconhecido como o “logo após” o parto, a que se refere o artigo 123 do CP: somente a fase aguda do estado puerperal justifica seu reconhecimento como catalisador da perturbação capaz de ensejar a prática da morte, e esta fase não supera oito dias. O ponto mais alto da perturbação, de fato, é entre seis e oito dias do parto, mas se inicia logo no rompimento da bolsa. O sujeito passivo do infanticídio é o próprio filho. Note-se que há uma tendência a se entender que seja apenas o próprio filho recém-nascido, pois é ele quem é o alvo da rejeição induzida pelo puerpério. Contudo, é preciso se atentar para a técnica interpretativa penal, aqui: o legislador não fez constar esta condição de recém- nascido como elementar do crime, não podendo a interpretação ser extensiva, aqui, porque se o for estará agravando a situação da mãe que mata o próprio filho diverso do recém-nascido, colocando-a no crime de homicídio, mais grave. Se a mãe mata criança diversa de seu filho por erro quanto à pessoa, uma vez que acreditava ser aquele bebê seu filho, e não o era, responde como se tivesse matado o próprio filho, na forma do artigo 20, § 3°, do CP: Pergunta de concurso: vamos imaginar uma mulher num hospital e o filho vai para o berçário. Na madrugada ela acorda, sob influência do estado puerperal e esfaqueia aquele que pensava ser seu filho. Ela acorda com o escândalo da colega de quarto. Aí ela descobriu que esfaqueou o filho errado. Por que crime vai responder? O crime é 2 matar o próprio filho e não qualquer filho. Aqui é erro de tipo acidental sobre a pessoa. Art. 20, § 3º, do CP. Você vai levar em consideração as qualidades da vítima querida e não as qualidades da vítima atingida “Erro sobre elementos do tipo(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (...) Erro sobre a pessoa(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)” Então, ela vai responder por infanticídio, mesmo que seu filho esteja vivo. Tudo porque eu considero as qualidades da vítima virtual. Erro de tipo acidental sobre a pessoa. Art. 20, § 3º. Rogério, se ela matou o filho da outra que era dela, mas o filho dela já estava morto e ela não sabia. Ela foi lá matar o filho dela que já estava morto e matou o outro. Crime impossível? Como é que vocês respondem que não é crime impossível? O art. 20, § 3º, trabalha no campo da hipótese. Ele analisa a situação hipotética. Se você matou alguém vai responder pelo crime. Agora, qual é a vítima? Aí nós saímos da realidade e vamos para o campo da hipótese. E o campo da hipótese não trabalha com crime impossível porque o crime já aconteceu. E se o filho dela fosse atingido e estivesse vivo? Você vai trabalhar no campo da hipótese porque, na verdade, o crime já aconteceu. Saia da realidade e vai para o campo da hipótese. O § 3º trabalha com o campo hipotético: “e se tivesse atingido o próprio filho (obviamente, se tivesse vivo)?” Vou repetir: se ela matou o filho da outra, você não tem que falar em crime impossível porque uma criança morreu. Qual é a vítima? Aí você sai da realidade e vai para a hipótese: e se ela tivesse atingido o próprio filho, e mais, considerando que ele tivesse vivo. Como já se pôde depreender, o infanticídio baseia-se em critério fisiopsíquico. Nos seus primórdios, porém, existia também o infanticídio honoris causa, fundamentado na intenção da mãe em ocultar desonra própria decorrente do parto. Desde 1940, a ocultação de desonra própria só é relevante na configuração do crime de abandono de recém nascido, do artigo 134 supra. O infanticídio é mais brandamente punido do que o homicídio porque revela uma clara redução da capacidade de discernimento do agente ativo, aquele que mata. Esta redução de capacidade é considerada fundamento do infanticídio pela doutrina, quando não seja redução tão drástica que torne a agente semi-imputável ou mesmo inimputável. 3 Se a perícia deixar claro que a mãe estava com redução da capacidade de discernimento tão severa que, além de incidir no crime de infanticídio, e não homicídio, incida também no artigo 26, parágrafo único, do CP: “Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)” Se, mais do que isso, a perturbação for tão severa que leve a mãe à inimputabilidade, o caput do artigo 26, supra, será aplicável – a mãe merecerá medida de segurança, e não pena. Frederico Marques não concorda com esta tese, porque entende que seria um bis in idem benéfico, tão inadmissível quanto o maléfico: pela mesma circunstância – redução da capacidade –, a mãe seria beneficiada duas vezes, ao deixar de ser capitulada no homicídio, passando ao infanticídio, e ao receber as benesses do artigo 26 do CP. É isolado, porém, porque a doutrina rechaça esta tese ao argumento de que há gradação na perdado discernimento: a que leva ao infanticídio é de um patamar padrão, pericialmente constatado, e se este patamar for superado, tornando-a absoluta ou relativamente incapaz de discernir, merecerá a aplicação do artigo 26. Quanto a todas as classificações do delito, o infanticídio não passa de um “homicídio desonerado”, por assim dizer, com a só diferença de que é crime próprio, praticado pela mãe. 2.1. Concurso de pessoas O terceiro que auxilia a mãe a cometer o infanticídio também está incurso no crime de infanticídio, porque as condições e circunstâncias pessoais da mãe, que preenchem este tipo, estão todas na parte elementar, e por isso se comunicam. Veja o artigo 30 do CP: “Circunstâncias incomunicáveis Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)” Nélson Hungria defendia que estas circunstâncias subjetivas, mesmo estando na elementar do crime, não se comunicariam, porque se tratam de condições personalíssimas da mãe, excepcionando a regra do artigo 30, supra. Ocorre que esta exceção simplesmente não existe: não há, em qualquer lugar, a previsão de 4 circunstâncias subjetivas personalíssimas. Por isso, prevalece a comunicabilidade da elementar, neste caso. Mais problemática é a situação quando assim se desenhar: a mãe, preenchendo todos os elementos do infanticídio, mas sem coragem para executar os atos de morte do filho próprio, induz um terceiro para tanto, para que mate seu filho. Tecnicamente, o crime deste terceiro foi homicídio, e a mãe, ao induzir a prática do crime, incorreu em participação no homicídio praticado por este terceiro. Ora, esta configuração é de uma injustiça gritante: a mãe que teve coragem para matar seu próprio filho em estado puerperal será imputada pelo infanticídio, mais brandamente punido, enquanto a mãe que não teve tal coragem, ou seja, é pessoa mais humana, será punida muito mais severamente, pois incidiu em homicídio. A despeito desta injustiça patente, a técnica impõe esta dinâmica. Contudo, para minorar os efeitos desta incongruência, a doutrina propõe soluções diversas. Damásio e Rogério Greco, em nome da isonomia, defendem que sejam todos capitulados no infanticídio, a mãe e o terceiro. Novamente, não é solução técnica, porque o terceiro estará sendo beneficiado por tratamento que não merecia – ele cometeu homicídio. Bitencourt, por seu turno, defende que a solução é dada pelo artigo 29, § 2°, do CP: “Regras comuns às penas privativas de liberdade Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)” Destarte, estariam ambos incidentes no homicídio, mas como a mãe quis participar de crime menos grave – infanticídio –, ser-lhe-á aplicada a pena deste. É pouco técnica, esta solução, porque em verdade a mãe sabia que participava de homicídio, não sendo caso de aplicação deste dispositivo supra. Parece ser a tese mais coerente, apesar de seus defeitos. Luis Régis Prado, por sua vez, mantém a capitulação de ambos no homicídio, mas determina a aplicação do § 1° do artigo 29, supra, à mãe: entende que sua participação foi de menor importância. É tese inacatável, porque o crime só existiu por sua instigação. OUTRAS SITUAÇÕES: 2 Situação – Parturiente e médico executam o verbo matar. Por qual crime respondem? Eu preciso dizer que ela está no estado puerperal? Não. Eu estou falando do art. 123, não vou ficar falando estado puerperal a vida inteira. Vocês já sabem que ela está sob a influência desse estado. A 5 mulher pratica infanticídio. E o médico? Infanticídio. Pelo art. 123, na condição de coautor. o estado puerperal é aqui é comunicável. 3ª Situação – A parturiente auxiliada pelo médico pratica, sozinha, o verbo matar. Por que crime respondem? Ela responde por infanticídio. O médico, que de qualquer modo concorreu para o resultado, responde pelo art. 123, agora na condição de partícipe. 123 x 134,§ 2º do CP: - veremos depois!!!! Nos crimes de perigo – antecipação da matéria Olha outra pergunta boa que caiu em concurso: qual é a diferente do art. 123 (infanticídio) para o 134, § 2º, do CP, que é o abando no de recém-nascido com resultado morte? Exposição ou Abandono de Recém-Nascido Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Paga cesta básica. Uma mãe que abandona seu filho recém nascido paga cesta básica. É mais grave você chamar um senhor de idade de velho babão. Você, mãe, que abandonou seu filho recém-nascido, por causa de desonra própria (para ocultar uma gravidez), terá direito a sursis. Qual a diferença do art. 123 para o art. 134? Isso caiu no MP/MG (2ª fase) Infanticídio é crime contra a vida. O art. 134, § 2º é periclitação da vida ou saúde. Isso significa que o art. 123 vai a júri. O art. 134, § 2º, não vai a júri porque não é crime doloso contra a vida. No infanticídio o agente age com dolo de dano. No art. 134, § 2º, o agente age com dolo de perigo. No infanticídio, portanto, a morte é dolosa. Já no art. 134, § 2º, a morte é culposa. O infanticídio é punido a título de dolo, direto ou eventual. Vocês já sabem que o crime do art. 123 é punido a título de dolo. Não se pune a modalidade culposa. Se é assim, que crime pratica a parturiente que, sob a influência do estado puerperal sufocou CULPOSAMENTE o filho durante a amamentação, matando o recém-nascido. Que crime pratica essa mãe que, culposamente, sufocou o filho? Pode ser o art. 123? não, porque o art. 123 não pune a modalidade culposa. 6 1ª Corrente: “O fato é atípico, vez que inviável, na hipótese, atestar a ausência da prudência normal em mulher desequilibrada psiquicamente.” Então, não tem como você atentar a falta de diligência normal de uma mulher que está em franco desequilíbrio fisiopsíquico. Damásio adota essa corrente. Essa corrente é minoritária. 2ª Corrente: “Suprimir a vida de alguém, independentemente do momento cronológico, com manifesta negligência, tipifica homicídio culposo.” Ou seja, ela vai responder por homicídio culposo, pouco importa se durante ou logo após o parto, pouco importa se houve desequilíbrio fisiopsíquico. Bittencourt, Hungria, Magalhães Noronha.
Compartilhar