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Resumo. BAUMAN, Zygmunt. ESTRANHOS À NOSSA PORTA

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ESTRANHOS À NOSSA PORTA
O PÂNICO MIGRATÓRIO E SEUS (AB)USOS
Quando começamos a pensar sobre pânico migratório logo nos vem à mente o grande número de refugiados e migrantes com destino na Europa em 2016. Esta crise migratória estaria supostamente afundando os países da região em crise. E o que vemos a cada dia que se passa é mais rejeição, discriminação, construção de muros e cercas de arames farpado, entre outras formas de contenção e repulsão a este pânico migratório.
Sendo assim, devemos observar quais os fatores condicionantes deste acontecimento. Neste contexto, pode-se lembrar da crise no Oriente Médio ocasionada pelos inúmeros conflitos e guerras ocorridas na região, que deram aso à inúmeras vítimas e, consequentemente, ao constante crescimento do quantitativo de migrantes da região.
Estes conflitos que afloraram no Oriente Médio tiveram grande participação e, podemos dizer, entre aspas, incentivo de governos, tanto com interesse comercial como de interesse territorial sobre a região. Quando cito interesses comerciais, quero dizer que estes países visavam a venda de armas para adquirir lucros por meio dos conflitos regionais, e territoriais faço referência às nações com interesse em dominar a região e as bacias petrolíferas ali localizadas.
Assim, com a constante migração para a Europa, existiram diversos interesse comerciais e políticos que surgiram também dentro dos próprios países que receberam esta leva de imigrantes. Se tratando de interesses comerciais, pode-se falar das grandes empresas interessadas na mão de obra barata advinda destas regiões de Oriente Médio, e de interesses políticos, faço referência aos candidatos e governantes que tiveram à sua frente a chance de usar esta crise migratória para adquirir legitimidade. Sendo assim, não foram poucos os representantes políticos que tentaram construir sua imagem como os salvadores da pátria com propostas racistas e discriminatórias de conter e expulsar os imigrantes já estabelecidos e a caminho da Europa. E esta geração política, por sua vez, adquiriram grande apoio da população, que pensavam nos imigrantes como aqueles que trariam a crise até eles, gerando desemprego, conflitos e empobrecimentos da população. 
Com o aumento dessa massa migratória, no entanto, aumentou-se também a xenofobia nos países receptores deste contingente populacional, como é o caso de França, com o surgimento de campanhas racistas como “A França para os franceses”.
Nessa circunstância, afirma o Papa Francisco que acabamos perdendo o senso de responsabilidade sobre nossos irmãos e irmãs, estamos acostumados ao conforto e a culpar qualquer pessoa que não seja nós mesmos, ele continua pedindo a Deus que esteja tratando da indiferença de nossos corações e de todos os que tomam decisões que tenham reflexão nesta situação.
FLUTUANDO PELA INSEGURANÇA EM BUSCA DE UMA ÂNCORA
Atualmente, com os diversos ataques terroristas e a grande imigração para os países da região europeia, há uma imensa insegurança na população local. Aproveitando disso, os governos europeus buscam incentivar a discriminação e a exclusão dessas populações, que vão para a Europa em busca de melhores condições de vida e na finalidade de fugir dos constantes e sangrentos conflitos do Oriente Médio.
A exemplo disso, podemos citar o presidente francês François Hollande, que determinou estado de emergência em toda a França após os atentados ocorridos em Paris em 13 de novembro, com isso, o governo deu uma série de liberdades para a ação policial e militar que iria gerar posteriormente maior instabilidade social.
O que muitos governos e a maior parte da população não entende é que este tipo de ação acaba dando aso ao que os grupos terroristas mais querem, que é o recrutamento de pessoas, de certa maneira, acuadas pelos governos onde esses grupos pretendem agir. Pois com a exclusão social destas pessoas, elas passaram a se sentir diferentes das demais (e é aí que mora o perigo). Com esses sentimentos, os imigrantes, que estiverem situados em regiões de muita rejeição social, buscarão nos grupos terroristas o acolhimento que não tiveram onde estavam.
É evidente que os governos não pretendem solucionar o problema. Pois, para isso, eles teriam que investir em infraestrutura social, visado programas de maior inclusão destes imigrantes na sociedade. Além disso, não seria tão aceita pela população estas propostas, o que problematizaria a legitimidade e o apoio populacional ao governo. Ademais, esta quantitativo de refugiados na Europa, se orientado de maneira correta pelo governo, poderia fomentar a economia local.
Este tipo de manipulação populacional tem relação com o conceito de “securitização”, que nada mais é do que desviar a atenção de problemas que o governo não tem capacidade de enfrentar para outros que o governo lida com energia, paixão e sucesso, como é o caso da repulsão migratória. Assim, o governo cria um terror sobre a população, da nome e sujeito a este terror, e, em seguida, diz combater o problema, gerando enorme euforia entres seus eleitores. Seguindo a frase de Roger Cohen, colunista do New York Times, “grandes mentiras produzem grandes medos que produzem grandes ganhos para grandes magnatas”.
Segundo Jean-Claude Juncker “os que organizaram e os que executaram são exatamente aqueles de quem os refugiados estão fugindo, e não o oposto”. Baussand também expressa sua opinião em relação a isso, para ele “a melhor resposta que o Ocidente pode dar ao terrorismo são os investimentos sociais, a inclusão social e a integração em seu território”.
SOBRE A TRILHA DOS TIRANOS (OU TIRANAS)
No mundo contemporâneo existem diversas formas de inflamar a população em busca de melhores condições de vida. Porém, o grande problema disso é que na maioria das vezes este contingente de pessoas não têm a capacidade de perceber os resultados daquilo que eles vêm buscando, e a consequência disto pode ser muito problemática.
Nesta linha de raciocínio, podemos identificar uma inflamação populacional nos EUA antes da eleição que elegeu Donald Trump como presidente do supramencionado país. Antes da referida eleição, cerca de dois terços dos americanos encontravam-se vivendo no limite de seus salários e correndo o risco de perder seus empregos, vivendo uma certa instabilidade.
No entanto, com o que vinha ocorrendo no país, Trump acabou ganhando força com suas ideologias nacionalistas de que os Estados Unidos deveriam proibir a entrada de imigrantes e, até menos, expulsar os que ali já se encontravam. A ideia seria tornar os EUA novamente grande e levar segurança a classe trabalhadora.
A grande sacada de Trump e da maioria dos políticos atuais é que a população estando em instabilidade busca culpar alguém pelo momento de crise vivido, assim os governantes afirmam que vão acabar com o mal pela raiz e expulsar quem está causando o tal mal a população.
Sendo assim, é comum nos governos contemporâneos levar à população a um certo medo, este que aumentará as incertezas existenciais, levando as pessoas a buscarem um salvador capaz de resolver seus problemas. É este medo da população que os mantém no poder.
Segundo Eric Hobsbawn, a industrialização e a urbanização solapam o nacionalismo territorial baseado nas etnias, culturas e línguas, dando origem à xenofobia, que é o sintoma deste sistema. Assim, a sociedade contemporânea está fadada a coexistir com diversos povos.
Para Zygmunt Bauman “o poder de sedução dos tiranos está em apresentar à população soluções que ainda não tenham sido testadas”.
JUNTOS E AMONTOADOS
Bauman faz uma breve analogia entre a sociedade atual e os primeiros seres humanos, afirmando que nos primórdios da humanidade o homem era nômade, porém, na atualidade o homem migra quando suas necessidades não estão sendo supridos no lugar onde este se encontra.
No entanto, o homem na maior parte de sua história conviveu apenas com pessoas conhecidas, ou pelo menos de mesmo costume, o que de certa forma acaba explicando o porquê desta resistência em aceitar pessoas de outras culturas elugares.
Seguindo a ideologia de Kant, podemos dizer que o mundo contemporâneo tem limitado demasiadamente a definição de moral, reduzindo a responsabilidades dos indivíduos sobre os outros em relação ao bem. Pois na concepção atual não é possível praticar a moralidade (o bem) a todo momento, o que acaba abrindo as portas para a limitação e uma conceituação distorcida de moralidade, que, por sua vez, reflete na aceitação ou não dos imigrantes. Segundo Bauman, “o que Kant reivindica não é o cancelamento da distinção entre terras, e sim um direito de se associar a elas”. “ Uma substituição da hostilidade pela hospitalidade”.
Neste contexto, há uma discrepância entre moral e política. A primeira visando o bem-estar social e o convívio harmonioso da humanidade e a última buscando estabilizar a sociedade economicamente também para buscar o bem-estar social. Entretanto, a discrepância está no meio que se utilizam para atingirem seus fins. Enquanto uma se utiliza do bem e da hospitalidade a outra se utiliza de políticas repressivas e ameaçadoras, inflamando a população contra os que pertencem à outra cultura e crença.
Nessa concepção, na Europa vem sendo utilizada uma política de rejeição contra os refugiados que ali buscam melhores condições de vida, afirmando que são terroristas, que vão destruir a economia europeia, que querem usufruir do bem-estar europeu e muitos outros argumentos. Com isso, ocorre a desumanização dos imigrantes, dando origem a exclusão social destes e ao tratamento deste problema com ameaça à segurança pública.
PROBLEMÁTICOS, IRRITANTES, INDESEJADOS: INADIMISSÍVEIS
Bauman faz diversas críticas à União Europeia pelo fato de ela estar concentrando seus esforços em barrar a entrada dos imigrantes e manda-los de volta aos seus países de origem. Segundo ele, a UE poderia estar investindo estes milhões em políticos sociais tanto na Europa quanto nos próprios países de onde saem estes imigrantes. Pois os gastos com as forças militares e a construção de muros e cercas poderiam ser redirecionados para melhorar a condução de vida dessas pessoas que buscam asilo na Europa.
Além disso, enquanto há países que acolhem um número até expressivo de refugiados, há outros que se orgulham de manter suas portas cerradas à entrada de imigrantes que vêm principalmente da Síria.
Percebe-se então que há uma certa despreocupação dos governos com a situação em que se encontram as pessoas que pretendem e que atravessam o Mar Mediterrâneo em busca de asilo. Sendo assim, cria-se um pensamento desumano e uma falta de responsabilidade, tanto dos governos quanto das pessoas em geral, que nos deixa muito distante de uma real possibilidade de resolução deste impasse.
ANTROPOLÓGICAS VERSUS TEMPORÁRIOS: AS RAÍZES DO ÓDIO
Bauman inicia fazendo uma referência ao pensamento de Hannah Arendt que afirmou que “a conduta moral não é algo que ocorra naturalmente”. Arendt diferencia politicamente o pensamento e a ação, pois quando estou pensando estão presente apenas o meu self ou o de outra pessoa em nossas mentes e quando agimos estamos na presença do muitos.
Bauman faz uma observação dos mundos que fazemos parte: o on-line e o off-line. No on-line, temos o controle da situação, nos libertamos da realidade e das preocupações que nos atormentam, enquanto no off-line somos controlados, pertencemos a ele, e temos que agir conforme ele exige de nós que façamos algo. Quanto mais complicada e árdua for a convivência no mundo off-line, mais buscamos a tranquilidade e as facilidades do mundo on-line, onde achamos solução para tudo fugindo das controvérsias que podem surgir a partir de nossos argumentos.
O grande problema das massas migratórias gera uma enorme controvérsia entre o imperativo categórico da moralidade e o medo do desconhecido segundo Bauman. Assim, fugimos deste tema no mundo on-line pelo medo das controvérsias que surgirão na população, pelo medo de perder espaço no mundo, causando uma cegueira moral nos indivíduos.
No mundo contemporâneo podemos identificar uma enorme competição entre as pessoas, que acabaram se tornando mercadoria, e isso, no entanto, gera essa rejeição das massas migratórias, como, por exemplo, a da síria em direção à Europa. Esta competição que surge na humanidade, segundo Bauman, causa a exclusão dos princípios de moralidade nos indivíduos, que passam a se importar somente com o próprio bem-estar social.
Neste contexto, os seres humanos buscam apontar os culpados pelas crises e acontecimentos ruins que ocorreram e podem ocorrer, e este mecanismo geralmente é infalível. Porém, para Bauman, a solução disso tudo está no diálogo informal, sem competição, buscando a compreensão mútua e visando negociar os obstáculos, que independente de sua magnitude não atrapalharão o decorrer da conversa, pelo fato de esta não ser entre concorrentes.

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