pacientes. Manifestações clínicas Por definição, a úlcera isquêmica hipertensiva ocorre na presença de hipertensão arterial sistêmica geral- mente grave, na ausência de doença arterial oclusiva periférica ou doença venosa nos membros inferio- 9 Úlceras crônicas de membro inferior 111 res. As úlceras podem ser bilaterais, na região dos dois ter- ços inferiores dos membros inferiores. Frequentemente se localizam nas porções anterolateral e posterior dos membros e podem apresentar coloração purpúrica na região periúlcera. Lesões satélites podem ocorrer. São em geral muito dolorosas desproporcionalmente ao tamanho da úlcera e costumam ser refratárias aos tratamentos usuais para úlceras crônicas. A hipertensão arterial sistêmica desses pa- cientes é geralmente grave. Em 60 casos relatados na literatura, a pressão arterial sistólica média foi de 204 mmHg e a diastólica média de 115 mmHg. Etiopatogenia A hipertensão arterial sistêmica causa alterações no leito vascular de forma difusa. Hiperplasia de ele- mentos nucleares da camada média e espessamento da lâmina elástica foram as alterações histológicas mais encontradas. Estudo que comparou pacientes normotensos, pa- cientes com doença arterial periférica e pacientes com úl- cera isquêmica hipertensiva encontrou nos dois últimos grupos pressão de perfusão cutânea baixa. O ITB dos pacientes com úlcera de Martorell foi muito maior do que dos pacientes com doença arterial periféri- ca por causa do aumento da resistência vascular lo- cal. A inabilidade de vasodilatação em resposta ao estrei- tamento arteriolar causado pela hipertensão determina redução da perfusão cutânea, que resulta em formação de úlcera isquêmica, ao contrário do que acontece na doença arterial periférica, em que a redução da pressão de perfusão cutânea é por redução do fluxo arterial do membro por comprometimento da macrocirculação. Figura 9.3 Úlcera isquêmica hipertensiva (úlcera de Martorell) na porção pré-tibial. Úlcera com fundo necrótico e coloração purpúrica na região periúlcera. Tratamento A redução e o controle dos níveis pressóricos são a melhor medida terapêutica. Em um único estudo randomizado, controlado, realizado em pacientes com úlcera de Martorell, foi utilizado nifedipina 10 mg três vezes ao dia por dois meses e comparado com placebo. Houve melhora significativa da dor e redução da área da úlcera nos pacientes do grupo de nifedipina quando comparados com o grupo placebo. Há relatos na lite- ratura do benefício de inibidores da enzima de con- versão da angiotensina, além dos bloqueadores dos canais de cálcio. Os betabloqueadores podem agravar a vasoconstrição e, portanto, prejudicar a cicatrização. Úlceras por linfedema crônico Úlceras crônicas dos membros inferiores por linfedema sem doença venosa subjacente são raras. A depuração inadequada de linfa acarreta acúmulo de proteínas plasmáticas nos espaços intersticiais e, caso a fibrinólise intersticial esteja deficiente, o paciente desenvolverá lipodermoesclerose. Traumatismos e infecções subsequentes podem levar à formação de fibrinólise intersticial esteja deficiente, o paciente de- senvolverá lipodermoesclerose. O tratamento baseia- -se nos cuidados locais da úlcera e compressões, da mesma forma que realizada para úlceras venosas. Úlceras inflamatórias São denominadas úlceras inflamatórias um con- junto de doenças associadas a processos inflamatórios. Em geral são de difícil manejo e podem ser o prenúncio de doenças sistêmicas graves. As principais categorias de úlceras inflamatórias são as relacionadas à pioderma gangrenoso, artrite reumatoide, vasculites, crioglobuli- nemia e criofibrinogenemia, síndrome do anticorpo an- tifosfolípide (SAAF), carcinoses (calcifilaxia), doenças hematológicas. As doenças mais comumente implica- das são as colagenoses como lúpus eritematoso sistê- mico, artrite reumatoide e poliarterite nodosa. Pioderma gangrenoso O pioderma gangrenoso geralmente se desenvol- ve de pápula, pústula ou vesícula que rapidamente se úlcera gerando uma lesão muito dolorosa. História de trauma precedendo o início da lesão pode estar pre- sente. Costuma ter fundo necrótico e bordas purpúri- Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 2015112 cas subminadas. Frequentemente está associada à doença sistêmica como doença inflamatória in- testinal, artrite reumatoide, doenças mieloprolifera- tivas e gamopatia IgA linear. O diagnóstico deve ser baseado nas característi- cas clínicas, uma vez que o exame anatomopatológico não é patognomônico. Outras causas de úlceras crôni- cas dos membros inferiores devem ser excluídas, tais como SAAF, infecções fúngicas e vasculites. O tratamento é principalmente com corticoeste- roides sistêmicos (1 mg/kg), mas outras drogas como azatioprina, ciclofosfamida, dapsona, micofenolato de mofetil, infliximabe e adalimumab também podem ser usadas nos casos de difícil controle. O cuidado local da úlcera é importante para ali- viar a dor e facilitar o debridamento autolítico. Na fase inicial, em que pode ter colonização e a exsudação pode ser alta, é interessante a utilização de curativos à base de carvão ativado com prata e alginatos. Nas fa- ses seguintes, curativos com hidrocoloides favorecem o debridamento autolítico e aceleram a cicatrização. Figura 9.4 Pioderma gangrenoso se manifestando com múltiplas le- sões nos membros inferiores em diferentes estágios. No membro infe- rior direito há pápulas e vesículas com conteúdo hemorrágico. No mem- bro inferior esquerdo, há vesicobolhas e úlcera com bordas violáceas. Úlceras reumatoides Úlceras associadas à artrite reumatoide ocor- rem frequentemente nos membros inferiores e são multifatoriais. Muitas são devidas à insuficiência venosa crônica. Pacientes apresentam deformidades articulares nas regiões dos tornozelos, piorando a função da bomba muscular da panturrilha pela difi- culdade de dorsiflexão. Úlceras crônicas também estão associadas à artri- te reumatoide em atividade com altos títulos de fator reumatoide. O exame anatomopatológico frequente- mente não consegue identificar a vasculite associada. Pioderma gangrenoso é outra possibilidade de úlcera crônica dos membros inferiores nos pacientes com artrite reumatoide. Figura 9.5 Úlcera no maléolo lateral em fase de cicatrização em pa- ciente com artrite reumatoide. Observar as deformidades digitais e a presença de dilatações venosas associadas. O tratamento da úlcera reumatoide é muito difí- cil. O tratamento compressível com faixas elásticas ou bota de Unna é útil, uma vez que ela está frequente- mente associada à insuficiência venosa. Recentemen- te, a utilização de anti-TNF- a, adalimumab 40 mg duas vezes por mês e metrotrexate 20 mg por semana tem se mostrado com sucesso. Vasculites Vasculites de pequenos e médios vasos podem resultar em ulcerações cutâneas. Iniciam-se com áreas purpúricas e necróticas que posteriormente evoluem para ulceração. Geralmente, se manifestam associadas à livedo reticular. São exemplos a vascu- lite leucocitoclástica, a vasculite crioglobulinêmica, a púrpura de Henoch-Shönlein, a poliarterite nodo- sa, a síndrome de Churg-Strauss e a granulomatose de Wegener. 9 Úlceras crônicas de membro inferior 113 Úlceras como manifestações de síndromes de oclusão microvasculares Inúmeras doenças podem ocasionar oclusão microvascular cutânea por trombos ou material opa- co. São exemplos: paraproteinemias (crioglobulinase criofibrinogênio), oclusão vascular por êmbolos de colesterol e oxalato, deposição de cálcio (calcifilaxia), estados de hipercoagubilidade hereditária, estados de hipercoagubilidade associada a doença autoimu- ne (SAAF), coagulopatias vasculares (síndrome de Sneddon, vasculopatialivedoide), oclusão vascular secundária a medicações (como varfarin, heparina, hidroxiureia), invasão vascular por micro-organismos (ectima gangrenoso, fungos oportunistas, fenômeno de Lúcio na hanseníase). Serão discutidas a seguir algumas