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EDUCAÇÃO CONFESSIONAL NO BRASIL UMA PERSPECTIVA ÉTICA MARCONDES∗, Lea Rocha Lima - PUCPR EEmmaaiill::leamarcondes@gmail.com MENSLIN**, Douglas Jeferson - PUCPR E-mail: douglas.menslin@usb.org.br . RIBEIRO***, Edilson – PUCPR E-mail: edilson@colegiomedianeira.g12.br JUNQUEIRA****, Sérgio Rogério Azevedo - PUCPR E-mail: srjunq@uol.com.br Resumo No Brasil, a educação confessional é garantida pela Constituição Federativa do Brasil de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN – n. 9394/96, onde no artigo 20º assegura o direito às instituições de ensino privado a exercerem atividades de cunho religioso e confessional. Além de garantir a possibilidade de um ensino confessional privado, vem propiciar, como sugere Gil Filho (2005) uma reestruturação religiosa de entidades dedicadas à educação confessional. A partir deste pressuposto, este artigo propõe uma análise desta religiosidade e o seu desenvolvimento social como educação confessional a partir das perspectivas ética e religiosa, apresentando uma confessionalidade pluralista, coerente com as tendências confessionais no âmbito educacional. Procura também levar a uma reflexão histórica da construção do ensino confessional no Brasil e as oportunidades que a LDBEN 9.394/96 propicia para esta reflexão, gerando uma ação prática para a consolidação da educação confessional em nosso país. Palavras Chaves: Educação, Ética, Religião, Confessionalidade. A Dimensão Ética A ética é um conceito filosófico presente em toda a sociedade e em todas as categorias sociais. As diversas categorias profissionais se preocupam com um código de ética. A ética pode ser considerada como uma forma do ser humano se posicionar perante a vida, a profissão e a relação intersubjetiva, se tiver internalizado dentro de si a noção de transcendência. Desta forma a excelência humana e acadêmica passa pela ética e integra o cognitivo e o afetivo, a reflexão a ação, o conhecimento “construído” e a espiritualidade. ∗ Mestre em Educação pela PUCPR, 2005. Bióloga e Psicóloga. ** Mestrando em Educação pela PUCPR, Especialista em Gestão Educacional, Pedagogo e Teólogo. *** Mestrando em Educação pela PUCPR, Especialista em Currículo e Prática Educativa pela PUCRJ, Filósofo **** Doutor em Ciências da Educação pela UPS de Roma (Itália) 617 Pretende-se analisar a educação confessional e sua pertinência a partir do campo da ética. Como sociedade e indivíduos vivemos em um mundo em que decisões éticas significativas não podem ser ignoradas. Devido a este fato, é impossível escapar do ensino de conceitos éticos na escola. Alguns poderiam escolher permanecer ficar em silêncio quanto a esses temas, porém esse silêncio não é neutro, mas sim, um assentimento à permanência ao status quo ético. Conceitos éticos estarão adentrando as salas de aula de um jeito ou de outro. O problema é que as pessoas diferem em suas bases éticas. E quando se pensa de forma pluralizada, como acontece principalmente nos sistemas de ensino público, essa disparidade se torna ainda mais evidente. Na acepção da palavra, ética é uma palavra transliterada do grego Ethos. Uma primeira acepção de ethos [com eta inicial] designa a morada do homem e do animal em geral. O ethos é a casa do homem. O homem habita sobre a terra acolhendo-se ao recesso seguro do ethos. Este sentido de um lugar, de estada permanente e habitual, de um abrigo protetor, constitui a raiz semântica que dá origem à significação do ethos como costume, esquema praxeológico durável, estilo de vida e ação. A metáfora da morada e do abrigo indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo se torna habitável para o homem. O domínio da physis ou o reino da necessidade é rompido pela abertura do espaço humano do ethos no qual irão inscrever-se os costumes, os hábitos, as normas e os interditos, os valores e as ações. Por conseguinte, o espaço do ethos enquanto humano, não é dado ao homem, mas por ele construído ou incessantemente reconstruído. Nunca a casa do ethos está pronta e acabada para o homem, e esse seu essencial inacabamento é o signo da presença há um tempo próximo e infinitamente distante. A segunda acepção de ethos [com épsilon inicial] diz respeito ao comportamento que resulta de um constante repetir-se dos mesmos atos. É um hábito, não uma necessidade. A ética não pode ser apenas uma norma de vida, sem uma base mais profunda na pessoa humana. Para ser homem existem algumas características próprias, sem as quais não pode viver com dignidade sua presença no mundo. Todo ser humano, ao entrar no mundo, vai fazendo descobertas, as suas relações com os homens, à sociedade e as coisas ampliam seus conhecimentos. A racionalidade o torna capaz de adquirir conhecimentos, apropriando-se da ciência produzida durante a história e produzindo novos conhecimentos ou relacionando os diversos conhecimentos entre si, em vista de uma compreensão maior da realidade. Cada homem é livre, capaz de tomar decisões, colocar-se com autonomia perante os outros seres humanos, assumindo com responsabilidade as conseqüências de seus atos. 618 A Dimensão da Religião O presente trabalho parte do conceito de religião integrada ao princípio da ética defendido pelo professor Frank Usarski professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião na PUC/SP em suas teses: • Primeiro, religiões constituem sistemas simbólicos com plausibilidades próprias; • Segundo, do ponto de vista de um indivíduo religioso, a religião caracteriza-se como a afirmação subjetiva da proposta de que existe algo transcendental, algo extra-empírico, algo maior, mais fundamental ou mais poderoso do que a esfera que é imediatamente acessível através do instrumentário sensorial humano; • Terceiro, religiões se compõem de várias dimensões: tem-se que pensar particularmente na dimensão da fé, na dimensão institucional, na dimensão ritualista, na dimensão da experiência religiosa e na dimensão ética; • Quarto, religiões cumprem funções individuais e sociais. Elas dão sentido para a vida, elas alimentam esperanças para o futuro próximo ou remoto, sentido esse que algumas vezes transcende o da vida atual, e com isso tem a potencialidade de compensar sofrimentos imediatos. A palavra e a noção de “religião” têm uma origem ocidental. A palavra remonta a Ciceron [relegere] e a Lactance [religare]. E é certo que a noção de religião para designar uma dimensão estrutural da vida dos indivíduos e das sociedades originou-se de uma utilização corrente a partir do século III sob a influência do cristianismo. Não existe uma palavra para designar a religião nas línguas indo-européias. E muitas sociedades, na África e na Ásia ignoravam a palavra e a noção de religião. Há em todo ser humano uma capacidade fundamental ou uma abertura a um absoluto transcendente que foge à imanência da consciência e da história. Um programa educacional saudável é aquele que está tão próximo à harmonia com suas crenças filosóficas quanto às circunstâncias externas permitam. Se as circunstâncias do ambiente mudam, é importante que os educadores entendam conscientemente as crenças que governem suas ações, para que fiquem flexíveis ao aplicar os princípios educacionais que se desenvolvem fora de sua cosmovisão. Há tanto a liberdade de escolha quanto a responsabilidade individual ao aplicar opiniões filosóficas à prática educacional. A educação é um bem público. Seja na educação básica ou superior. Isso significa que um aluno que estude em uma escola confessional não pode ter o ensino através dasdisciplinas reduzido à visão da sua confessionalidade. O que a identidade confessional da escola garante é que, além do assunto apresentado pela ciência, o aluno terá contato com as perspectivas 619 apresentadas pela sua visão religiosa. A escolha da escola é uma decisão também de ética privada das famílias, por isso o ensino religioso deve ser algo seriamente considerado pelos pais ao eleger uma escola para seus filhos. No entanto, a escola não tem o direito de restringir o acesso à informação. O fato de a educação ser um bem público - não importa se oferecido por entidades privadas ou pelo Estado - implica que há um conjunto de informações e conhecimentos que devem ser garantidos a todas as pessoas, indiferentemente das ideologias particulares. A educação é uma função importante em qualquer sociedade, pois todos os jovens de uma sociedade devem passar por algum tipo de experiência educacional antes de estar prontos para tomar posições importantes. Além disso, a direção que a juventude irá tomar na sociedade será em grande escala, determinada por sua educação. Nesta perspectiva, a dimensão da fé dá razões de credibilidade que permitem justificar a si mesmos e a outros que peçam a sua “razoabilidade”. A fé não se conclui com evidência de nenhum argumento racional. Crer ou não crer não resulta de ser inteligente ou rude, intelectual ou iletrado. A fé não se deixa reduzir totalmente às categorias da racionalidade humana de alguma filosofia. No entanto, não há a necessidade de se renunciar a racionalidade de ser humano para crer. A Dimensão da Confessionalidade A educação confessional pressupõe um credo e uma religião. Uma instituição confessional é aquela que adota uma confissão explícita no desempenho de suas atividades. De certa forma, toda instituição de ensino, pública ou particular, é confessional. Por trás disso, e influenciando cada escolha que se faz, está uma concepção de vida, de mundo, de sociedade, do ser humano, que por fim irá determinar o método. O que são essas coisas senão um tipo de confissão? Portanto, mesmo instituições educacionais públicas têm seu credo. Como seguem modelos científicos mais aceitos, poucos estranham ou contestam tais crenças. O humanismo, por exemplo, tem seu credo e sua confissão. A diferença, no caso de entidades confessionais religiosas, é que este credo é explicito e objetivamente assumido no campo da espiritualidade. Logo, quando se fala em escola confessional imediatamente se pensa em escola ligada a uma religião. A confessionalidade deve permear toda estrutura administrativa e projeto acadêmico da instituição: em seu Estatuto, em sua ética, na presença e atuação da Pastoral ou estudos bíblicos extracurriculares, nas disciplinas e no seu objetivo de formação integral da pessoa. Ser confessional não pressupõe fazer proselitismo ou forçar as convicções religiosas da escola 620 em alunos, professores e funcionários. A sociedade hoje vive a pluralidade, a liberdade religiosa e o respeito às crenças individuais e é necessário saber fazer a diferença entre Academia e Igreja, Fé e Ciência. Contudo, como instituição confessional, se reserva o direito de testemunhar sua crença. O propósito da educação confessional, é encorajar seus alunos a pensar e agir reflexivamente por si mesmos, em vez de apenas responder à palavra ou vontade de qualquer figura de autoridade. Os indivíduos devem ser conduzidos à condição de poderem tomar suas próprias decisões e ser responsáveis por elas sem serem persuadidos, dirigidos, e/ou forçados por uma autoridade poderosa. Eles não estão sob o controle de outros, mas estão tomando suas próprias decisões sobre Deus e seus semelhantes. (KNIGTH, 2001) Existe uma questão a ser esclarecida: como ser confessionais em meio à pluralidade e diversidade, da autonomia acadêmica e ao humanismo latente? Embora nem todos os que estudam e trabalham numa instituição confessional professam a mesma fé, trabalham para uma convivência administrativa pacífica, e buscam juntos, manter os interesses acadêmicos e a qualidade na educação. A neutralidade na educação é um mito. A Educação Confessional no Brasil Quando se pensa na história da educação confessional no Brasil, obrigatoriamente é necessário pensar na própria história da educação, pois o início da educação brasileira se deu dentro de um contexto educacional confessional. Também é importante ressaltar que ao se falar em educação confessional no Brasil, entende-se educação confessional cristã, sendo dividido no decorrer da história em dois segmentos, a saber, católico e protestante. Isso se deve pela própria construção do país desde a sua descoberta e colonização, até a sua emancipação como império e mais tarde como república, pois sempre esteve sob a influência da religião cristã. Embora existam grupos educacionais de outros segmentos religiosos como judeus, islâmicos, budistas entre outros, esses são minoritários, não exercendo uma influência significativa na história da educação confessional do país. O catolicismo chegou ao nosso país de mãos dadas com a Coroa Portuguesa, devido a um acordo selado, algumas décadas antes do seu descobrimento, entre o papado e a coroa. O Regime de Padroado, assim chamado o acordo, consistia em recompensar o Estado Português na conversão de “infiéis” e assim o Papa concederia à Coroa o poder de controlar as Igrejas nas terras conquistadas. Didaticamente pode-se dividir a história da educação confessional em três períodos: o primeiro, logo após o descobrimento do Brasil (1500), quando este se tornou colônia de Portugal, o segundo período da educação confessional é marcado pela expulsão 621 dos Jesuítas, que ocorre no ano de 1759, por ordem de Marques de Pombal, então 1º ministro de Portugal e o terceiro período acontece a partir do ano de 1806 com a chegada da família real de Portugal ao Brasil. No ano de 1549, os Jesuítas chegaram ao Brasil dispostos a cumprir uma tríplice missão: a catequização dos índios, que apesar de estarem envoltos com o paganismo, eram suscetíveis da salvação; dar a formação básica para os filhos dos colonos que aqui chegaram para desbravarem as terras brasileiras, mantendo-os dentro da hegemonia da Igreja; e a terceira missão era manter todos afastados da influência protestante, que começava a se alastrar por outras colônias deste continente (BAETA NEVES, 1978). Para esse fim, a pedagogia dos Jesuítas caracterizou-se pelo apego à autoridade, pela transmissão disciplinada de uma cultura literária, retórica, enciclopédica e mnemônica que inibia a criatividade e toda a atividade inovadora, como diz Fernando de Azevedo: “Com esse espírito de autoridade e disciplina e com esse instrumento intelectual de domínio e penetração, que foi o seu ensino sábio, sistemático, medido, dosado, mas nitidamente abstrato e dogmático, o jesuíta exerceu na Colônia, um papel eminentemente conservador[...]”1 A retirada dos Jesuítas do Brasil, no segundo período, foi uma estratégia de Pombal, que fora influenciado pelas idéias iluministas, que formularam a mudança feudal européia para o sistema capitalista, e que estavam tomando corpo não somente na Europa, mas nas colônias inglesas da África e Ásia. Para ele, a reforma tinha que começar com os educadores e pensadores, por isso a educação tinha que deixar de ser religiosa, que estava do lado feudal e passar a ser uma educação leiga, longe da fé, mas pautada na razão, premissa do movimento capitalista do século XVIII. (MESQUIDA, 2007). Embora as idéias de Pombal não dessem certo em território brasileiro, foi suficiente para desestruturar o que estava acontecendo até então por influência da educação Jesuítica. Sem os Jesuítas e sem outra base educacional, o Brasil passa por um período (1763 a 1810) onde a educação de forma geral ficou sem uma educação formal, sendo umperíodo de grande perda para o país. Neste longo período, a influência de alguns líderes religiosos que ficaram em solo brasileiro, contribuiu para que a educação confessional não desaparecesse, mas de forma velada e não oficial, fosse ministrada nas fazendas e colônias. Com a expulsão de Pombal do Brasil, em 1779, pelo rei de Portugal, retornam aos poucos as ordens religiosas católicas, compostas agora não somente de jesuítas, mas dominicanos e franciscanos, que retomam a educação confessional. (MESQUIDA, 2007) 1 AZEVEDO, Fernando, A Cultura Brasileira, Rio de Janeiro, Melhoramentos, 1943, p. 300 622 Com a chegada da família real de Portugal em solo brasileiro em 1806, é marcado o terceiro período, para a educação de um modo geral e também para a educação confessional. No ano de 1810, é assinado um tratado de livre comércio entre Portugal e Inglaterra, com isso imigrantes ingleses começaram a fixar residência em solo brasileiro. Como os ingleses não eram católicos, mas sim protestantes, existe a necessidade de praticarem a fé cristã protestante, em detrimento da religião oficial do país ser católica (HACK, 2000). Na Constituição do Império de 1824, a primeira constituição brasileira, no artigo 5º diz: “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico e particular, em casas para isso destinadas, sem forma exterior de Templo.” (Constituição Brasileira de 1824, Artigo 5º) Alguns anos mais tarde, por uma série de fatores favoráveis ao Brasil, entre eles as pestes epidêmicas que devastavam a Europa, interesses norte americanos, e as dificuldades em se conseguir mão de obra escrava que pudessem trabalhar nas lavouras das fazendas e na extração de minérios, o país recebe um grande contingente de imigrantes, que na grande maioria não eram católicos em sua essência religiosa. (MESQUIDA, 1994). O próprio império tinha interesse na vinda do imigrante, como forma de ajuda ao desenvolvimento do país, [...] o interesse do Imperador levou o Brasil a ver o imigrante não como um intruso e invasor, mas como alguém que poderia contribuir para o desenvolvimento nacional. O governo brasileiro atraiu os imigrantes europeus e norte-americanos, oferecendo-lhes diversas vantagens em dinheiro e em espécie. O Governo os acolhia e lhes oferecia garantias de liberdade religiosa com o direito de professarem as formas de cultos que lhes conviessem, sem, contudo, terem as casas de reunião qualquer aparência de templo.2 Segundo Marcondes e Seehaber (2004) no Brasil ocorreram dois tipos de protestantismo: o de imigração e o missionário. Entender esses dois tipos de protestantismo é de suma importância para a compreensão da influência dos evangélicos no processo de escolarização de nosso país. O protestantismo de imigração surge com famílias e grupos vindos da Europa, Estados Unidos e Inglaterra com o intuito de reconstruir suas vidas e fixar residência no novo país. A preocupação desses imigrantes era a preservação da cultura e da fé, e a escola seria fundamental para isto. O protestantismo missionário tinha o mesmo objetivo 2 HACK, Osvaldo Henrique. Protestantismo e Educação Brasileira. São Paulo: Cultura Cristã, 2000. 623 do catolicismo: a evangelização dos brasileiros. A dinâmica do protestantismo missionário se constitui na preocupação de evangelização daqueles que não pertencem à sua denominação e fé. Chegaram ao Brasil em meados do Séc. XIX, missionários norte-americanos trazendo consigo diversas denominações do protestantismo histórico aqui existente: os presbiterianos (1868), os metodistas episcopais (1870), os batistas (1881), e os episcopais/anglicanos (1889). Marcondes e Seehaber abordam a inserção do protestantismo no Brasil e o vínculo com a escolaridade confessional: Em meados do Séc. XIX, com a intensificação das imigrações, um fato novo surge na história brasileira, o protestantismo. Os primeiros imigrantes alemães instalam-se inicialmente no estado do Rio Grande do Sul e Santa Catarina a partir de 1824 trazendo consigo os princípios defendidos por Martim Lutero. Criam as primeiras escolas evangélicas para propiciar alfabetização geral, no intuito de que seus filhos pudessem exercer adequadamente a fé e tivessem acesso às Escrituras. De acordo com a sua cultura, o analfabetismo era empecilho ao aprendizado da sua doutrina. Também neste período, missionários norte-americanos, instalaram-se no Oeste paulista fundando escolas para os filhos dos imigrantes protestantes. Outras denominações evangélicas (metodista, presbiteriana, batista), também chegaram ao Brasil neste período, instalando-se em outros Estados com intuito de desenvolver a evangelização criando igrejas e escolas para atender as necessidades locais. (MARCONDES; SEEHABER., 2004, p.18) No decorrer de 1860 a 1889, a abertura às diversas denominações religiosas propiciaram algumas modificações no panorama tanto da instrução escolar quanto da abertura de novas igrejas. Com a proclamação da República em 1889, houve o interesse de se aniquilar todo o pensamento imperialista, reinante até então. “No discurso daqueles que implantaram, no Brasil, o novo regime político em 1889, era preciso, além da justificação racional do poder, a fim de legitimar a República, construir uma nação pautada em valores que mostrassem estar em definitivo sintonizados com as mudanças que o mundo moderno apresentava” 3 O movimento republicano deu à educação do povo um peso que não tinha possuído até então, já que para os republicanos, a democracia se realizaria e se desenvolveria via educação popular para conseguir a liberdade (Mesquida, p. 83). Com esses ideais de liberdade, a educação deixa de ser oficialmente católica e passa ser de caráter leigo, conforme expresso no artigo 72, parágrafo 6º da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891: “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”. Surge então, dois segmentos paralelos na educação brasileira, o público, que apesar de estar sob o controle do estado ainda não possuía estrutura desenvolvida para ministrar uma educação consistente, por não ter uma política educacional sustentável (TANURI, 2000); e o 3 BENCOSTTA, Marcus Levy Albini, A Imagem Fotográfica no Estudo das Instituições Educacionais: Os Grupos Escolares de Curitiba (1903-1971 – Educar em Revista n.18/2001. 624 particular, de caráter quase que exclusivamente confessional, dividido em dois sistemas: o católico, para os de religião cristã católica e o protestante, para os de diversas denominações evangélicas [metodistas, presbiterianos, luteranos, anglicanos, batistas, adventistas], que se fortalecia com a grande quantidade de imigrantes que procuravam manter seus filhos sob a guarda da fé que professavam. Pode-se dizer que o movimento republicano, apesar de não defender os interesses da Igreja, permitiu e incentivou a permanência da educação confessional no ensino privado e a oficializou no ensino público, como vemos na Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1934, no artigo 153 que diz: “O Ensino Religioso será de freqüência facultativo e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsável, e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais.” Tendências na Educação Confessional Existe o que se pode chamar de uma tipologia ou tendência da educação confessional: Um primeiro modo é o dos grupos que pensam que a perspectiva confessional tem a missão de ensinar verdades religiosas e morais que são fundamentaispara a salvação das pessoas e da sociedade. Para alguns professores, esta salvação pode não ter necessariamente uma conotação escatológica, isto é, pode ser entendida como uma “boa-vida”, ou uma “vida- autêntica”, a que se chega com o conhecimento destas verdades. A metodologia de instrução neste contexto deve estar além das estratégias para a transmissão de informação. Nessa visão, estas disciplinas e os seus conteúdos – de ordem mais religiosa ou antropológico-existencial – correm paralelas às outras disciplinas do curso. Isto é, não se cruzam, não se relacionam, e nem estabelecem um diálogo interdisciplinar ou transdisciplinar. Um segundo tipo é o dos grupos que assumem como a sua tarefa principal desenvolver um pensamento ético-crítico a respeito dos problemas sociais e humanos a partir de certas verdades teológicas e/ou éticas. Em geral a ênfase é dada nos problemas sociais e se elabora um discurso de conteúdo crítico e defensor do valor da solidariedade. Acredita-se que a consciência crítica e o assumir a solidariedade é um problema de conteúdo e que, por isso, pode ser resolvido com a apresentação deste tipo de matéria. Em outras palavras, acredita-se que para alguém se tornar solidário é necessário e suficiente conhecer e aprender o valor da solidariedade. E este conhecimento se daria com a assimilação de certos princípios éticos e/ou teológicos exteriores. 625 Um exemplo disso pode ser a crítica feita à exclusão social a partir da noção de que Deus quer que todos tenham uma vida digna, ou de algum ponto da doutrina social da Igreja ou então a partir da noção de Direitos Humanos. A característica deste modo de conceber a educação não é feita de um modo articulado e a partir da dinâmica da realidade social, nem das teorias sociais que justificam esta dinâmica, mas sim a partir de um princípio exterior e de uma lógica estranha às ciências sociais. Um terceiro tipo é o das disciplinas que trabalham a “religiosidade natural” do todos os seres humanos, estudando por exemplo teorias sobre o mito e rito, e/ou apresentam o estudo comparado das religiões. Abandona-se a idéia de transmitir algumas verdades “privilegiadas” e se assume uma postura “relativista”, uma postura mais descritiva próxima da sociologia da religião, antropologia e história das religiões. Estas três formulações da questão religiosa nunca aparecem de modo “puro” nas salas de aulas. Na prática, estes três tipos e outros aparecem misturados; com o domínio de um ou de dois sobre outros tipos. A inter ou transdisciplinaridade são importantes não só para obter a respeitabilidade acadêmica por parte de outros departamentos ou centros, mas principalmente porque os objetivos e objetos básicos destas disciplinas não são em primeira instância objetos temáticos, mas fundamentalmente posturas ou perspectivas de viver e conhecer a realidade existencial, humana e social. E conhecimentos que alteram e desenvolvem essas posturas ou perspectivas não se dão na assimilação de conteúdos, mas nas mudanças qualitativas no modo de conhecer. Portanto, é preciso que haja disciplinas que tratem destes assuntos tematicamente, mas é fundamental que também haja uma articulação com outras disciplinas que devem trabalhar também com posturas epistemológicas semelhantes ou convergentes. Alguns sistemas confessionais dão o nome de integração Fé /Ensino, onde todas as disciplinas além do conteúdo programático têm em seus fundamentos a integração com o transcendente. Além da interdisciplinaridade, não se pode esquecer do currículo oculto que permeia o ambiente escolar. A experiência educacional da escola confessional é obviamente mais ampla que o desenvolvimento do assunto no currículo formal e ensinado pelos professores na sala de aula. Os aspectos curriculares informais devem estar em harmonia com os propósitos da instituição e integrados com a filosofia ensinada, assim como o currículo formal. (KNIGTH, 2001) Em muitas instituições há professores destas disciplinas desejando e tentando estes diálogos e estas abordagens interdisciplinares ou transdisciplinares, mas o problema se torna mais patente quando se percebe a falta de interesse por parte de colegas de outras disciplinas. 626 Não é estranho somente aos alunos, mas também aos colegas que trabalham com disciplinas que dão identidade e corpo para os cursos oferecidos. Para não falar de casos mais graves, quando a própria direção ou a mantenedora não vêm nem o sentido ou a importância desses diálogos. Considerações Finais As instituição confessionais independente da doutrina religiosa específica que professem deveriam pautar-se pelo respeito às liberdades individuais, a tolerância para com os que manifestam crenças diferentes e a convivência pacífica entre as diversas manifestações religiosas que compõe a pluralidade étnica e cultural da nação brasileira. Pois "toda religião comporta uma ética e toda ética desemboca numa religião, na mesma medida em que a ética se orienta pelo sentido do transcendente da vida humana" (Catão, p. 63). É necessário propor uma ética da consciência e da liberdade em lugar da ética da lei e da obrigação. Na raiz da Ética está a busca da Transcendência que dá sentido à vida, que proporciona a plena realização do ser humano pessoal e social. Algumas indagações, porém, têm ecoado por parte daqueles que estão envolvidos nesse processo: as ciências na forma atual são capazes de abrir espaço para este tipo de diálogo? Isto é, as epistemologias que estão na “alma” das ciências modernas são capazes de dar conta da complexidade da realidade atual e do possível diálogo com disciplinas ético- teológicas? Será que não se deve levar a sério uma revisão epistemológica proposta pelos teóricos da complexidade ou de outras correntes que estão repensando a epistemologia das ciências? Citam-se aqui os trabalhos de Edgar Morin, Humberto Marrioti, Maturana, Varela entre outros. Em outros termos, estas perguntas apontam para o fato de que as instituições confessionais que quiserem repensar as suas identidades e os seus papéis na sociedade contemporânea precisam fomentar o diálogo entre estas duas partes e precisam repensar as epistemologias e conteúdos não só do departamento das disciplinas ético-teológicas, mas também as posturas epistemológicas de outros departamentos e cursos. Isto é, é preciso repensar o conhecimento como um todo. REFERÊNCIAS BAETA NEVES, L. F.. 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