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PREFACIO Prezado colega profissional de saúde, Em suas mãos está o 1º Guia de antimicrobianos na prática clínica da SIERJ e da AECIHERJ. Esse projeto foi iniciado em 2017, com o objetivo de trazer informação científica de qualidade, atualizada, ágil para consulta na beira do leito e gratuita. O propósito desse documento não é ensinar medicina ou interferir na conduta médica dos nossos colegas, mas orientar melhor a escolha e o espectro dos antimicrobianos, evitar a indução de resistência e atualizar as condutas de acordo com a literatura científica vigente. Outro objetivo do guia é ajudar as Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) sendo adotado em instituições que não tenham guia próprio ou servindo de base para a confecção de seus protocolos. A prescrição de antimicrobianos tem se tornado uma prática cada vez mais complexa e cada vez mais deve ser individualizada como se o prescritor fosse um alfaiate. O infectologista tem muitas oportunidades de avaliar e criticar as condutas dos colegas com relação aos antimicrobianos. Quando eu via uma prescrição com a qual não concordava na residência eu ouvia do meu chefe: “Rodrigo, medicina é muito difícil. Você poderia fazer o mesmo no lugar dele”. Faz parte da responsabilidade e missão do infectologista divulgar esse conhecimento para as outras especialidades e mais do que isso: reinventar essa divulgação de forma a despertar o interesse do médico no tema. Cada tema está apresentado de forma bastante sucinta, sempre abordando pontos fundamentais relacionados ao diagnóstico/classificação e abordagem completa em relação ao tratamento. A SIERJ e a AECIHERJ pretendem manter esse guia atualizado e com um conteúdo cada vez mais completo e adequado às necessidades do Rio de Janeiro. As recomendações servem como ponto de referência, não como critério absoluto. Elas devem ser seguidas na maioria dos casos levando-se em consideração cada paciente, estado clínico e doença e devem ser ajustados individualmente. Os autores de cada capítulo são profissionais importantes no cenário da infectologia do Rio de Janeiro e tiveram a preocupação de inserir informações adequadas à realidade do nosso estado, sempre que possível. Deixo em nome da SIERJ e AECIHERJ meus sinceros agradecimentos pelo esforço e doação do tempo de cada um dedicado ao projeto, pois entendo que tempo é o nosso bem mais precioso e muitas vezes raro nos dias de hoje. Desejamos que as informações possam ser úteis nos momentos de maior dificuldade que a nossa profissão nos proporciona. E que no fim de cada dia ou plantão possamos olhar para trás com o sentimento do dever cumprido, pois fazer o correto é bem mais difícil do que simplesmente fazer. Um grande abraço a todos, Rodrigo Schrage Lins Coordenador Geral do projeto Uma das perguntas que mais ouço na minha prática enquanto infectologista que trabalha com controle de infecção hospitalar, é sobre onde estudar antimicrobianos. Sem dúvida todos estudaram e aprenderam isso na faculdade, mas muitas das vezes passar da teoria à prática é um salto complexo. Muitas pessoas parecem ansiar por uma tecla mágica que uma vez acionada os faça entender total e completamente o uso de antimicrobianos. Trabalho diretamente com isso há nove anos, e digo a vocês que não há mágica ou forma fácil de aprender antimicrobianos, e o melhor que podemos fazer é sempre estar estudando e nos atualizando. Não é possível deter todo o conhecimento que há disponível sobre antimicrobianos, e a cada dia devemos nos esforçar por aprender mais deste assunto tão intrigante, extenso e rico. Creio que a principal dificuldade que as pessoas têm é em associar o conhecimento técnico sobre os antimicrobianos – suas diferentes classes, mecanismos de ação, efeitos adversos e espectro de ação – com o conhecimento de microbiologia – microbiota, colonização, infecção, Gram positivo ou negativo, e mecanismos de resistência – e a clínica do paciente. Dito isso, a AECIHERJ, primando por manter a contínua atualização dos profissionais de saúde envolvidos em tratamento de infecções, em parceria com a SIERJ, e a partir da iniciativa do Dr. Rodrigo Schrage Lins, resolveu escrever esse guia visando facilitar a aplicação desse conhecimento. O guia foi escrito por médicos experientes e com conhecimento nos assuntos tratados, e visa facilitar o reconhecimento das síndromes clínicas assim como o raciocínio diagnóstico e terapêutico a partir destas. Sendo um guia ele não visa ditar a única forma de abordagem dos casos de infecção, mas se propõe a provir uma orientação de condutas de forma prática, visando o melhor e mais seguro atendimento a nossos pacientes. Espero que vocês aproveitem! Foi escrito com muito carinho e esmero. Aproveito para agradecer a cada um dos autores e co-autores envolvidos na construção desse guia, que dedicaram seu tempo e conhecimento para tornar esse projeto uma realidade. Debora Otero B. P. Pinheiro Presidente AECIHERJ Biênio 2017-2018 Trabalhar na promoção à saúde e na educação continuada é uma meta da SIERJ. A despeito dos entraves financeiros, da dificuldade dos infectologistas entenderem que é importante estarem ligados à nossa Sociedade e do excesso de trabalho, mantemos nosso sonho de dividir com os demais os conhecimentos que cada um pode adquirir com seus anos dedicados à medicina. Com este manual estamos realizando mais um sonho da SIERJ, trazido para nossa diretoria por um dos seus membros, Rodrigo Schrage Lins, que fez todos os esforços possíveis e imagináveis para conquistarmos mais esta meta. Não se trata de um assunto inédito, mas foi totalmente preparado por infectologistas do Rio de Janeiro e com base nas melhores guias de tratamento em vigor no momento. Agradeço ao Rodrigo e a todos os infectologistas que participaram da redação. Como todas as realizações que considero importantes na infectologia, meu eterno reconhecimento a quem me levou, pelas mãos, para esta especialidade, Dr. Adrelírio José Rios Gonçalves. Tânia R. C. Vergara Presidente SIERJ – Biênio 2018 - 2019 COLABORADORES Alberto Chebabo Médico do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Clementino Fraga Filho/UFRJ Gerente médico do Laboratório Diagnósticos da América – DASA Membro da Diretoria da SBI Alexandre Hugo Durand Pereira Especialista em Clínica Médica pela UFRJ Especialista em Cardiologia pela UFRJ Mestrado em Cardiologia - UFRJ Cardiologista do HUPE – UERJ Andrea Maria de Assis Cabral Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UERJ Mestre em medicina tropical – FIOCRUZ – RJ Médica infectologista da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HUPE – UERJ Carolina Bandeira Graduação em medicina – FCM/UERJ Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias – Hospital Federal dos Servidores do Estado Professora da UNESA, Disciplina de Infectologia Claudio Querido Fortes Mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Faculdade de Medicina – UFRJ Doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Faculdade de Medicina – UFRJ Professor Adjunto de Infectologia da Faculdade de Medicina – UFRJ Professor Titular de Infectologia da Faculdade de Medicina – Universidade Estácio de Sá Debora Otero Britto Passos Pinheiro Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ Presidente da AECIHERJ (2017-2018) Membro da Câmara Técnica de Prevenção e Controle de Infecção Relacionada a Assistência em Saúde do Rio de Janeiro Médica infectologista nas Comissões de Controle de Infecção Hospitalar dos hospitais HUPE – UERJ, HEMORIO, e Hospital Adventista Silvestre Dirce Bonfim de Lima Mestreem Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ Doutora em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ Professora Associada da Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da FCM / UERJ Pesquisadora Visitante da FCM/UERJ Dominique Cardoso de Almeida Thielmann Graduação em Medicina – UERJ Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ Coordenação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Pró-Cardíaco – Rio de Janeiro Médica do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do HUPE/UERJ Fernando Luiz Lopes Cardoso Residência Médica em Clínica Médica – HSE/RJ Diploma em Medicina Tropical – Universidade de Liverpool – Inglaterra Mestrado em Imunologia das Doenças Infecciosas – Universidade de Londres – Inglaterra Doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ Guilherme Brenande Alves Faria Especialista em Cardiologia no Instituto Nacional de Cardiologia Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB Coordenador da UTI do Segundo Andar do Hospital Oeste D’Or Diretor de Comunicação da SOTIERJ (2018/2019) Hugo Boechat Andrade Mestre em Pesquisa Clínica em Doenças Infecciosas pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI FIOCRUZ) Médico infectologista do Setor de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense (UFF); Médico infectologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI FIOCRUZ) Júlia Herkenhoff Carijó Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias Mestre em Ciências do Aparelho Músculo Esquelético pelo Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (INTO), Brasil (2016) Médica Infectologista do INTO, Brasil Juliana Arruda de Matos Doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias - UFRJ Médica infectologista do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad Pesquisadora em Saúde Pública do Laboratório de Pesquisa em Imunização e Vigilância em Saúde do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI FIOCRUZ) Juliana Lapa Graduação em Medicina – FCM/UERJ Especialista em Doenças Infecciosas e parasitárias – UFRJ Mestrado em Infectologia – UFRJ Professora da UNESA, Disciplina de Infectologia Karla Regina Oliveira de Moura Ronchini Mestre em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias) – UFRJ Doutora em Ciências (Imunologia) – USP Professora Adjunta da Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF) Médica infectologista da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle – HUGG (UNIRIO) Luciana Gomes Pedro Brandão Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias Doutora em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias) – UFRJ Médica Infectologista e Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Imunização e Vigilância em Saúde do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI – FIOCRUZ) Marcia Garnica Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias Professora Adjunta de Clínica Médica da Faculdade de Medicina – UFRJ Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica – Faculdade de Medicina – UFRJ Médica infectologista da Unidade de Transplante de Medula Óssea – Complexo Hospitalar de Niterói Marco Antonio Sales Dantas de Lima Residência médica em Neurologia – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) Mestrado e Doutorado em Clínica Médica – UFRJ Professor Adjunto de Neurologia – UFRJ Pesquisador Titular – FIOCRUZ Marise Gouvêa Silva Especialista em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia – UERJ Mestre em Saúde e Tecnologia no Espaço Hospitalar, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) Médica anestesiologista do Serviço de Anestesiologia do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle – HUGG/UNIRIO) Chefe do Serviço de Anestesiologia do – HUGG/UNIRIO Mauro Romero Leal Passos Especialista em Ginecologia – UFRJ Mestrado em Ginecologia – UFRJ Doutorado em Ciências (Microbiologia) – UFRJ Professor titular do Setor de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense (UFF) Natália Rodrigues Querido Fortes Residência Médica em Reumatologia – UERJ Residência Médica em Clínica Médica – UFRJ Professora de Reumatologia da Faculdade de Medicina – Universidade Estácio de Sá Médica Reumatologista da Universidade Federal Fluminense Mestranda de Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ Nelson Gonçalves Pereira Doutor em Medicina Tropical – FIOCRUZ. Mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Faculdade de Medicina – UFRJ Professor Adjunto de Infectologia da Faculdade de Medicina – Fundação Técnico-Educacional Souza Marques Professor de Infectologia da Faculdade de Medicina - Universidade Estácio de Sá Professor Associado de Infectologia da Faculdade de Medicina – UFRJ (aposentado) Patrícia Yvonne Maciel Pinheiro Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias – Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião Mestrado em Ciências Médicas – UFF Chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Universitário Antônio Pedro Médica infectologista nas Comissões de Controle de Infecção Hospitalar dos hospitais Pasteur e Santa Lúcia Paulo Roberto Nascimento dos Santos MBA em Controle de Infecção Hospitalar - INESP Médico de Referência em Genotipagem - Ministério da Saúde Coordenador de Comissão de Controle de Infecção Hospitalar de Hospitais da Rede D’Or São Luiz Membro da Câmara Técnica de DST/AIDS do CREMERJ Paulo Vieira Damasco Pós-Doutorado em Microbiologia Medica e Prevenção de Infecção Hospitalar - UMCG, Groninguen University – Holanda Doutorado em Medicina – UERJ Professor Associado da Escola de Medicina e Cirurgia Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas Rodrigo Schrage Lins Mestrado em pesquisa clínica em doenças infecciosas pelo INI – FIOCRUZ Membro da diretoria da SIERJ e AECIHERJ Membro de Comissão de Controle de Infecção Hospitalar de Hospitais da Rede D’Or São Luiz Coordenador Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Municipal Albert Schweitzer Sílvia Maria Araújo de Oliveira Especialista em Infectologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Médica Infectologista da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Naval Marcílio Dias – Marinha do Brasil Médica Infectologista da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Rios D'Or Simone Aranha Nouér Residência e Mestrado em Infectologia pela UNICAMP Doutorado em Infectologia pela UFRJ Pós-doutorado na UAMS Infectologista da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HUCFF/UFRJ Professor Associado de Infectologia da UFRJ Solange Cavalcante Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ Mestrado em Medicina Tropical – Fiocruz Doutorado em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ Pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas – Fiocruz Tania Regina Constant Vergara Mestre em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFRJ, Doutorado em Medicina – UNIFESP, Presidente da SIERJ, Infectologista da Oncohiv Tatiana Silva Dantas Graduação em Medicina – UNIRIO Especialista em Doenças infecciosas – UFRJ Médica do Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Naval Marcílio Dias Valéria Cavalcanti Rolla Especialista em Doenças Infecciosas e Parasitárias – UFF Doutorado em Biologia Parasitária – FIOCRUZ Chefe do laboratório de pesquisa em micobacterioses do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI- FIOCRUZ) Sumário INTERPRETAÇÃO DO ANTIBIOGRAMA 1 FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA E O IMPACTO NA POLÍTICA DE USO DOS ANTIBIÓTICOS 9 ANTIBIOTICOPROFILAXIA CIRÚRGICA 29 SEPSE E CHOQUE SÉPTICO 43 FEBRE DE ORIGEM INDETERMINADA 47 DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS 61 DIARREIAS INFECCIOSAS 86 ENDOCARDITEINFECCIOSA 93 INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO 117 INFECÇÕES COMPLICADAS DE PELE E PARTES MOLES 124 PNEUMONIA ADIQUIRIDA NA COMUNIDADE 140 TUBERCULOSE E EMERGÊNCIA 163 HIV/AIDS NA EMERGÊNCIA 168 MENINGITES E ENCEFALITES 186 MANEJO DAS INFECÇÕES INTRA-ABDOMINAIS 194 INFECÇÕES PRIMÁRIAS DA CORRENTE SANGUÍNEA 215 INFECÇÕES OSTEOARTICULARES ASSOCIADAS À PRÓTESES ORTOPÉDICAS 224 INFECÇÃO OSTEOARTICULAR NO TRAUMA 238 NEUTROPENIA FEBRIL 248 TRATAMENTO DE GERMES GRAM POSITIVOS MDR 258 TRATAMENTO DE BACTÉRIAS GRAM-NEGATIVAS MULTIRRESISTENTES 270 ANTIFÚNGICOS EM PACIENTES GRAVES 277 PRINCÍPIOS DE ANTIBIOTICOTERAPIA NOS PACIENTES IDOSOS 284 COMO GERIR UM PROGRAMA DE OTIMIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS 303 ANTIBIÓTICOS PARA ADULTOS COM PESO ESTIMADO EM 70 KG 310 ANTIBIÓTICOS NA GRAVIDEZ E AMAMENTAÇÃO 322 INTERPRETAÇÃO DO ANTIBIOGRAMA Rodrigo Schrage Lins 1 Introdução O antibiograma é o exame que permite ao médico saber a sensibilidade do microorganismo isolado em cultura aos antimicrobianos pertinentes a ele. A escolha e prescrição de antimicrobianos na prática clínica diária tem se tornado uma atividade cada vez mais complexa, exigindo novos conhecimentos dia após dia. Avaliar um antibiograma vai além do “S” de sensível e “R” de resistente. Além de detectar e quantificar resistência, o antibiograma permite que se estime qual é o mecanismo de resistência do germe e traz importantes informações epidemiológicas pertinentes ao controle de infecção. Para a correta avaliação do antibiograma é necessário saber que existe uma resistência natural de certos germes a certos antimicrobianos. Dessa forma, nem todos os antimicrobianos são testados para todos os germes. Providencia spp, por exemplo é naturalmente resistente a polimixina B. Alguns exemplos podem ser observados na tabela 1. Tabela 1. Resistência natural dos microorganismos Organismo Naturalmente resistente a Todas as enterobactérias Penicilina G, glicopeptídeos, ác. fusídico, macrolídeos, clindamicina,linezolida, estreptograminas, mupirocina Acinetobacter baumannii Ampicilina, amoxicilina, cef. 1ªG Pseudomonas aeruginosa Ampicilina, amoxicilina, amoxicilina/clavulanato, cef. 1ªG e 2ªG,cefotaxime, ceftriaxone, ác. nalidíxico, trimetoprim Burkholderia cepacia Ampicilina, amoxicilina, cef. 1ªG, colistina, aminoglicosídeos Stenotrophomonas maltophilia Todos os B-lactâmicos exceto ticarcilina/clavulanato, aminoglicosídeos Salmonella spp. Cefuroxime (ativo in vitro, resistente in vivo) Klebsiella spp., Citrobacter diversus Ampicilina, amoxicilina, carbenicilina, ticarcilina Enterobacter spp., Citrobacter freundii Ampicilina, amoxicilina, amoxicilina/clavulanato, cef. 1ªG e cefoxitina Morganella Morganii Ampicilina, amoxicilina, amoxicilina/clavulanato, cef. 1ªG, cefuroxima,colistina, nitrofurantoína Providência spp. Ampicilina, amoxicilina, amoxicilina/clavulanato, cef. 1ªG, cefuroxima,gentamicina, netilmicina, tobramicina, colistina, nitrofurantoína Proteus mirabilis Colistina, nitrofurantoína Proteus vulgaris Ampicilina, amoxicilina, cefuroxima, colistina, nitrofurantoína Serratia spp. Ampicilina, amoxicilina, amoxicilina/clavulanato, cef. 1ªG, cefuroxima,colistina. Yersinia enterocolitica Ampicilina, amoxicilina, carbenicilina, ticarcilina, cef. 1ªG Campylobacter jejuni, Campylobacter coli Trimetoprim H. influenzae Penicilina G, eritromicina, clindamicina M. catarrhalis Trimetoprim Tabela 1. Resistência natural dos microorganismos Organismo Naturalmente resistente a Todos os gram positivos Aztreonam, temocilina, colistina, ác. nalidíxico Streptococcus spp Ác. fusídico, aminoglicosídeos (exceto como agente de sinergismo) S. pneumoniae Trimatoprim, aminoglicosídeos MRSA Todos os B-lactâmicos Enterococcus spp Penicilina G, carbenicilina, ticarcilina, todas as cefalosporinas,aminoglicosídeos*, mupirocina E. faecium Todos os acima + ampicilina Listeria Cef. 3ªG, quinolonas *Baixa resistência: aminoglicosídeos são úteis para sinergismo com penicilinas contra estreptococcus e enterococcus Adaptado de Livermore et al. 2001. (continua)(conclusão) É também fundamental que se entendam os seguintes conceitos: MIC ou CIM - Concentração Inibitória Mínima. É a menor concentração de um antimicrobiano capaz de inibir o crescimento do microrganismo isolado. É um número próprio que estabelece a relação da droga com o germe. Dessa forma, não devemos procurar no antibiograma o menor número pensando que é o antimicrobiano mais eficaz. Seria o mesmo que achar que captopril é melhor do que enalapril porque um tem 25 mg e o outro 10 mg. Sensível, Intermediário e Resistente. São a interpretação do MIC segundo os padrões que são estabelecidos pelo Clinical and Laboratory Standards Institute in the United States (CLSI) e pelo European Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing in Europe (EUCAST). “S”, “R” e “I” refletem a melhor ou pior ação in vitro dos antimicrobianos. Seu conjunto é o que chamamos de fenótipo do germe, ou seja, como se apresentam as resistências e sensibilidades no antibiograma. Genótipo. É a genética específica associada a um ou mais mecanismos de resistência. Ou seja, são os mecanismos que geram a resistência. Não aparece no antibiograma, mas podem ser inferidos em alguns casos. Genótipos diferentes podem provocar fenótipos parecidos ou iguais, como no caso de produção de ESBL ou Amp-c (como veremos mais a frente). Existe uma variabilidade no resultado (ou margem de erro) que é própria ao método: o valor do MIC pode ser uma diluição acima ou abaixo do que foi inferido pelo teste. Esse conceito ajuda a explicar casos de MIC limítrofe com evolução clínica contrária a interpretação daquela droga em específico. Considere essa informação ao escolher uma droga no antibiograma. Para saber os MIC dos antimicrobianos para os diferentes germes (versão 2018), você pode acessar o EUCAST ou sua versão em português traduzida e adaptada pelo BrCAST: http://brcast.org.br/download/documentos/1%20-%20Tabela-pontos-de-corte-cli%CC%81nicos-BrCAST-20-janeiro- 2018.pdf Para anos posteriores visite: http://www.eucast.org/clinical_breakpoints/ http://brcast.org.br/ 2 Mecanismos enzimáticos de resistência É o principal mecanismo em gram negativos, sendo comumente usado em gram positivos no caso de Staphylococcus aureus e Enterococcus. As enzimas mais conhecidas são as beta lactamases, classificadas de forma molecular e funcional: 1. Molecular - Divididas em classes A, B, C e D. Classe C precisa do íon zinco como cofator para funcionar e é chamada metalo-beta-lactamase ou metalo- carbapenemase. Classe A, B e D tem aminoácido específico no sítio de ação (serina). 2. Funcional - divide em três grupos: Grupo 1 - Amp-C São cefalosporinases com resistência cromossomial. Correspondem à classe molecular C e não são inibidas pelo EDTA, ácido clavulânico ou tazobactam. Inativam cefalosporinas de 1ª, 2ª e 3ª geração, aztreonam, cefoxitina e inibidores de B-lactamase. Podem ser sensíveis a cefalosporina de 4ª geração (cefepime), mas pode inativá-lo em associação com outro mecanismo de resistência. A produção de AmpC pode ser induzível dependendo do grau de expressão genético. Grupo 2 - Classe molecular A e D, incluindo Penicilinases (2a) Predominam em cocos gram positivos, como Staphylococcus e Enterococcus. Inativam as penicilinas, mas não agem sobre as cefalosporinas, carbapenemas e aztreonam. Beta-lactamases de espectro amplo (2b) Inativam penicilinas e cefalosporinas de 1ª geração (TEM-1, TEM-2, SHV-1). Beta-lactamases de espectro estendido (2e) Inativam penicilinas, cefalosporinas de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª geração, aztreonam. Mantém sensibilidade a cefoxitina, inibidores de B-lactamase (clavulanato,sulbactam e tazobactam) e carbapenemas. (Ex: TEM-3, SHV-2, CTXM-15. As duas primeiras inativam ceftazidima melhor que ceftriaxone enquanto a última faz o contrário). Carbapenemases dependentes de serina. As carbapenemases do grupo molecular A inativam cefalosporinas de 3ª e 4ª geração, aztreonam e carbapenemas, mas podem ser inibidas por clavulanato ou tazobactam. Ex: KPC-2, IMI-1, SME- 1, GES. Apesar de se chamar KPC, essa enzima plasmidial pode ser encontrada em outras bactérias além da Klebsiella, como Pseudomonas e Acinetobacter, por exemplo. Já as carbapenemases do grupo molecular D inativam penicilina, cefalosporina de 1ª geração, carbapenemas, e resistem a inibidores, mas não inativam aztreonam ou cefalosporinas de 3ª geração. Agem pouco em cefalosporinas de 4ª geração. Ex: OXA-23, OXA-48. Grupo 3 - Classe molecular B, as metalo-carbapenemases inativam todos os B-lactâmicos exceto o aztreonam; são inibidas pelo EDTA, mas não pelos inibidores (clavulanato, sulbactam, tazobactam). Ex: IMI, VIM. 3 Alteração do sítio de ação É o principal mecanismo de resistência de gram positivos (alteração da proteína ligadora de penicilina). Também podem ser alterados sítios de ação de quinolonas, tetraciclinas, aminoglicosídeos e macrolídeos. 4 Alterações na permeabilidade 1. Alteração de porinas - Predominantemente em gram negativos. As porinas são canais que atravessam a membrana externa das bactérias e por onde passam os antimicrobianos. 2. Bombas de efluxo - Mecanismo exclusivo de gram negativos. Elimina a presença do antimicrobiano, levando- o do citoplasma para o meio extra celular. Exemplo: Pseudomonas aeruginosa é uma bactéria que apresenta com frequência alterações na permeabilidade como mecanismo. Tabela 2. Mecanismos enzimáticos e seus perfis de resistência KPC - Klebsiella pneumoniae produtora de carbapenemase; GES - Guiana extended spectrum; MBL - metalo B-lactamase; Cef.1ª G - cefalosporina de 1ª geração; Cef.2ª G - cefalosporina de 2ª geração; Cef.3ª G - cefalosporina de 3ª geração; Cef.4ª G - cefalosporina de 4ª geração. ** Pode ser sensível ou resistente Adaptado de W. Coronell-Rodríguez et al. 2018. 5 MIC’s importantes 5.1 ESBL e Piperacilina/Tazobactam O uso de piperacilina/tazobactam para tratar bactérias produtoras de ESBL recentemente se tornou um tema polêmico com alguns artigos defendendo bom resultado. Porém os estudos mais recentes e mais bem elaborados mostram maior mortalidade quando comparados com o uso de carbapenêmicos, especialmente em pacientes graves. Assim sendo, para tratamentos empíricos, recomenda-se o uso de carbapenêmicos para pacientes graves de alto risco de ESBL. Mesmo que sejam sensíveis no antibiograma, recomenda-se evitar piperacilina/tazobactam em cepas com MIC limítrofe para esta droga, especialmente se for K. pneumoniae. Fatores de risco: Hospitalização recente (6 meses), uso recente de antimicrobianos (3 meses), 2 ou mais comorbidades, idade acima de 70 anos, passagem recente de cateter urinário. Alto risco = 2 fatores de risco ou mais (estudo de 849 pacientes não validado na população brasileira). OBS: A performance da droga melhora se puder ser feita infusão prolongada (ver capítulo específico sobre infusão prolongada de antimicrobianos). 5.2 Amp-C e o Grupo CESP Enterobactérias do grupo CESP (Citrobacter freundii, Enterobacter spp., Serratia marcescens, e Providencia spp.) são os típicos portadores de Amp-C induzível. A implicação prática do conhecimento de Amp-C na beira do leito é a possibilidade de um antibiograma do grupo CESP multissensível (mas com resistência induzível após o início do tratamento) em um paciente grave e sem evolução clínica favorável. Nesse caso é recomendável o uso de carbapenêmico. 5.3 Carbapenêmicos e gram negativos resistentes Em estudos envolvendo cepas de Klebsiella pneumoniae resistente aos carbapenêmicos, houve maior sobrevida e sucesso terapêutico nos grupos onde essas drogas foram prescritas, especialmente se o MIC para meropenem for igual ou menor que 16. Dessa forma, muitos infectologistas recomendam manter o carbapenêmico nas terapias combinadas contra germes gram negativos resistentes, somente abrindo mão de seu uso no caso de cepas com MIC maior que 16. Essa recomendação extrapola resultados específicos de pneumonia por Klebsiella spp resistente aos carbapenêmicos. 5.4 S. aureus com resistência borderline a oxacilina (BORSA) A resistência a meticilina ocorre normalmente por alteração das proteínas ligadoras de penicilina (PBP) e é codificada principalmente pelo gene mecA. Sendo o teste da cefoxitina negativo, estima-se que haja resistência de menor intensidade e ausência do gene mecA. Nesse caso, a resistência ocorre por outros motivos, como hiperprodução de beta-lactamase (um outro aspecto que pode sugerir essa hiperprodução é a sensibilidade mantida a amoxicilina/clavulanato). O tratamento de BORSA pode ser feito com oxacilina em casos de gravidade leve a moderada se o MIC de oxacilina não for > 2ug/mL. Gráfico 1. Fluxograma para avaliação do antibiograma de S. aureus (adaptado de W. Coronell-Rodríguez et al. 2018). 5.4 Vancomicina e MRSA A interpretação do CLSI para vancomicina é: Sensível < 2; Intermediário >2 e < 4; Resistente > 4 Estudos clínicos sugerem pior desfecho e mortalidade com o uso de vancomicina em MIC > 1,5. Dessa forma, sugerimos que sejam pensadas alternativas à vancomicina em caso de Staphylococcus aureus com MIC > 1,5, mesmo sendo indicados como sensíveis no antibiograma. 5.5 Penicilina e Streptococcus pneumoniae Em 2008 o CLSI modificou os pontos de corte para interpretação de sensibilidade e resistência do pneumococo para penicilina. Porém, essa modificação não se aplica para interpretação de germes isolados no líquor. Em casos de meningite pneumocócica, deve ser utilizado o ponto de corte antigo. Apesar de ser responsabilidade do laboratório adaptar o resultado/interpretação, esse é um MIC importante que todo médico deveria conhecer. A interpretação do MIC de penicilina para S. pneumoniae pelo CLSI é: Pneumococo não-meningite: S < 2; I = 4; R > 8 Pneumococo meningite: S < 0,06; R > 0,12 6 Conclusão A interpretação correta do antibiograma é apenas uma etapa na prescrição adequada de antimicrobianos. Outras informações, tais como características do paciente e farmacocinética e farmacodinâmica das drogas são fundamentais e podem, se negligenciadas, levar a uma prescrição inadequada mesmo com a interpretação correta do antibiograma. Referências Bibliográficas 1. Balouiri M, Sadiki M, Ibnsouda SK. Methods for in vitro evaluating antimicrobial activity: A review. J Pharm Anal. 2016 Apr;6(2):71-9. 2. Cag Y, Caskurlu H, Fan Y, Cao B, Vahaboglu H. Resistance mechanisms. Ann Transl Med. 2016 Sep;4(17):326. 3. Canton R. [Interpretive reading of the antibiogram: a clinical necessity]. Enferm Infecc Microbiol Clin. 2010 Jun-Jul;28(6):375-85. 4. Choi SH, Lee JE, Park SJ, Choi SH, Lee SO, Jeong JY, et al. Emergence of antibiotic resistance during therapy for infections caused by Enterobacteriaceae producing AmpC beta-lactamase: implications for antibiotic use. Antimicrob Agents Chemother. 2008 Mar;52(3):995-1000. 5. Coronell-Rodríguez W, Arteta-Acosta C, Dueñas-Castell C. Interpretive Reading of the Antibiogram: A Tool for Clinical Practice. In: Ortiz-Ruiz G, Dueñas-Castell C. (eds) Sepsis. New York: Springer; 2018 6. Harris PN, Ferguson JK. Antibiotic therapy for inducible AmpC beta-lactamase-producing Gram- negative bacilli: what are the alternatives to carbapenems, quinolones and aminoglycosides? Int J AntimicrobAgents. 2012 Oct;40(4):297-305. 7. Jacobs MR. Antimicrobial-resistant Streptococcus pneumoniae: trends and management. Expert Rev Anti Infect Ther. 2008 Oct;6(5):619-35. 8. Jacoby GA. AmpC beta-lactamases. Clin Microbiol Rev. 2009 Jan;22(1):161-82, Table of Contents. 9. Livermore DM, Winstanley TG, Shannon KP. Interpretative reading: recognizing the unusual and inferring resistance mechanisms from resistance phenotypes. J Antimicrob Chemother. 2001 Jul;48 Suppl 1:87-102. 10. Moise-Broder PA, Sakoulas G, Eliopoulos GM, Schentag JJ, Forrest A, Moellering RC, Jr. Accessory gene regulator group II polymorphism in methicillin-resistant Staphylococcus aureus is predictive of failure of vancomycin therapy. Clin Infect Dis. 2004 Jun 15;38(12):1700-5. 11. Ortiz-Ruiz G, Dueñas-Castell C. (eds) Sepsis. New York: Springer; 2018 12. Soriano A, Marco F, Martinez JA, Pisos E, Almela M, Dimova VP, et al. Influence of vancomycin minimum inhibitory concentration on the treatment of methicillin-resistant Staphylococcus aureus bacteremia. Clin Infect Dis. 2008 Jan 15;46(2):193-200. FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA E O IMPACTO NA POLÍTICA DE USO DOS ANTIBIÓTICOS Fernando Luiz Lopes Cardoso A partir do fim do século XX, estudos sobre farmacocinética e farmacodinâmica (PK/PD) dos antibióticos modernizaram a maneira de se pensar e prescrever os antibióticos. Modelos in vitro e in vivo de infecção avaliaram o modo de exposição ótima aos antibióticos que produziam a maximização da morte bacteriana enquanto que estudos em humanos avaliaram o impacto no desfecho clínico, permitindo uma atualização na posologia dos antibióticos. Além disso, a investigação científica em PK/PD está promovendo o necessário reajuste dos pontos de corte microbiológicos que estavam sobre-estimados para vários antibióticos. Muitos destes pontos de corte foram concebidos há décadas, época em que o conhecimento em farmacodinâmica era rudimentar, portanto, CLSI e EUCAST reduziram diversos pontos de corte para realidade clínica de modo a garantir maior eficácia. No conceito farmacodinâmico (PD), a concentração inibitória mínima (CIM) deve caber dentro da dose do antibiótico, ou, dando destaque ainda maior a importância da posologia correta, a dose do antibiótico deve ser dose CIM-dependente. Com a escassez de novos antibióticos e a alarmante expansão da resistência bacteriana, doses acima do habitual do uso clínico têm sido empregadas com sucesso para o tratamento de bactérias MDR (multidroga resistente) com CIMs acima do ponto de corte microbiológico graças ao conhecimento da PK/PD dos antibióticos. Para exemplificar, a ceftazidime numa dose diária de acima de 10g em infusão contínua (1) e o meropenem 12g ao dia em infusão prolongada (2) foram empregadas para terapia de pneumonia causada por Pseudomonas aeruginosa MDR. Em relação à farmacocinética (PK), absorção, distribuição, metabolismo e eliminação dos antibióticos, existe uma grande variabilidade fisiológica entre os indivíduos, o que influencia diretamente a concentração dos antibióticos, incluindo a função renal e hepática, o peso corporal, o volume de distribuição, o nível sanguíneo de proteínas, a ½ vida e o clearance do fármaco. Além disso, outras características do antibiótico tais como sua biodisponibilidade, se o fármaco é uma molécula hidrofílica ou lipofílica, a capacidade de concentração do antibiótico no sítio de infecção, e a CIM do microrganismo infectante, são todas variáveis que devem ser consideradas na escolha do antibiótico e determinação de sua posologia de modo individualizado. Existe uma tendência de se supervalorizar o resultado microbiológico da cultura conduzindo o médico não só a prescrever antibiótico sem indicação clínica, mas também quando existe infecção clínica, a escolha do antibiótico ou a via de administração podem comprometer a resposta terapêutica. Em outras palavras uma cultura demonstrando uma bactéria multi-susceptível pelo antibiograma não significa que todos os antibióticos testados podem ser considerados opções terapêuticas seguras. Exemplificando, a indicação de cefuroxima por via parenteral ou por via oral demonstra uma significante diferença terapêutica por causa da diferença da PK e da biodisponibilidade das duas apresentações. Cefuroxima por via oral, por exemplo, é seguro para terapia de cistite por E. coli isolado em urocultura susceptível a cefuroxima, habitualmente apresentando um CIM de 4 /mL. Enquanto que para terapia de pielonefrite por este mesmo agente, para se obter adequada concentração sistêmica de cefuroxima em todo parênquima renal o qual seria a conduta mais segura, e não apenas a concentração na urina, é necessário que seja administrada pela via intravenosa na posologia de 1,5g IV a cada 6 a 8h para indivíduos com a função renal ótima. A variabilidade da PK dos antibióticos entre indivíduos é notável incluindo gestantes e obesos, e particularmente em estados fisiopatológicos alterados, tais como sepse, anasarca, neutropenia, grandes queimados e estados hiperdinâmicos, dentre outros exemplos, em que as doses habituais dos antibióticos podem promover níveis subterapêuticos. Nas situações citadas acima para os antibióticos hidrofílicos como os β- lactâmicos, aminoglicosídeos e a vancomicina, a ocorrência do aumento do volume de distribuição pelo excesso de líquidos diminui a concentração destes antibióticos. Nos estados hiperdinâmicos quando sobrevém o aumento do débito cardíaco e o aumento da filtração glomerular, para os antibióticos que possuem eliminação renal, pode acarretar o aumento da excreção do antibiótico contribuindo para a redução da sua concentração sistêmica. Por outro lado, no indivíduo com comprometimento da função renal ocorrerá o inverso para os antibióticos com eliminação renal levando ao acúmulo do fármaco. Ponderando esta variabilidade na PK dos antibióticos, existe uma tendência crescente do monitoramento do nível sérico dos antibióticos, não apenas para os tradicionais glicopetídeos e aminoglicosídeos, mas também para os -lactâmicos, para guiar a terapia de infecções graves com objetivo de alcançar a exposição ótima ao antibiótico, maximizar o sucesso terapêutico e minimizar a toxicidade. A atividade antimicrobiana in vivo é complexa e multifatorial, pois compreende uma interação entre hospedeiro, microrganismo e antibiótico que através de uma exposição ótima contribui para o efeito microbiológico bactericida (redução bacteriana >2 log10) e para maior chance de cura clínica e erradicação bacteriana. Para os antibióticos serem eficazes é preciso alcançar e sustentar concentração adequada no local da infecção pelo tempo necessário para induzir a morte do microrganismo. O parâmetro microbiológico empregado tem sido a CIM. Bactérias com CIM elevado próxima ao ponto de corte de susceptibilidade podem se associar a falha clínica e desenvolver resistência ao antibiótico devido à possibilidade de uma exposição subótima ao fármaco. Portanto, daí a preocupação de se empregar doses otimizadas dos antibióticos na terapia empírica de infecções graves. Entretanto, a CIM isoladamente não explica a inibição do crescimento bacteriano ao longo do tempo, nem o efeito inibitório que pode persistir após a exposição ao fármaco. Estes efeitos inibitórios persistentes são conhecidos como três fenômenos diferentes: Efeito pós-antibiótico (PAE), efeito sub-CIM pós-antibiótico (PAE-SME), e potencialização do efeito pós-antibiótico dos leucócitos (PALE) (3). Nos modelos de infecçãoem animais não neutropênicos, em geral, a presença de neutrófilos pode dobrar a duração in vivo do PAE dos aminoglicosídeos e fluoroquinolonas para os Bacilos Gram negativos. Por outro lado, a presença de leucócitos não produz efeito considerável no mínimo PAE in vivo observado para os β-lactâmicos (3). Os parâmetros farmacocinéticos como Pico ou Concentração máxima (Cmax), área abaixo da curva em 24h (AAC24) e o tempo (T) em que o antibiótico atinge e mantém a concentração são integrados com a CIM para produzir os índices PD como Cmax/CIM, AAC24/CIM, e % Tempo > CIM e estão demonstrados na Figura 1. O índice PD ideal ou o alvo é aquele que promove a maximização da morte bacteriana através da exposição ótima ao antibiótico, isto é, através da posologia mais adequada. Na tabela 1 as classes de antibióticos são agrupadas conforme os índices PK/PD que são concentração-dependente, tempo-dependente com efeito pós-antibiótico mínimo ou nulo e tempo-dependente com efeito pós-antibiótico moderado ou prolongado. A prescrição dos antibióticos se tornou uma tarefa de crescente complexidade particularmente para infecções graves e para terapia de bactérias MDR onde se faz necessário a consultoria de um especialista em antibioticoterapia (4). No futuro temos esperança que a ciência será capaz de prevenir infecções com uma eficiência muito superior a atual; estarão disponíveis vacinas mais modernas, dispositivos resistentes à formação de biofilme, nanotecnologia e probióticos para aplicação no combate de patógenos. Todavia, até lá, é essencial preservar a efetividade dos antibióticos disponíveis e, unido a uma responsável política de uso destes fármacos, a aplicação da PK/PD de modo individualizado é atualmente o melhor aliado da ciência para revitalizar o potencial dos antibióticos. Tabela 1- Padrões de atividade antimicrobiana, meta terapêutica de exposição e índices de PK/PD correlacionados com a eficácia clínica Padrão de atividade de Morte bacteriana Antibiótico Objetivo da terapia Índice farmacodinâmico Concentração-dependente com efeito persistente moderado ou prolongado Aminoglicosídeos Daptomicina Cetolídeos Metronidazol Fluoroquinolonas Aumentar a concentração do antibiótico Pico/CIM AAC24/CIM Tempo-dependente com efeito persistente mínimo ou nulo β-lactâmicos Aumentar o tempode exposição Tempo > CIM Tempo- dependente com efeito persistente moderado ou prolongado Azitromicina, Macrolídeos Clindamicina Glicopeptídeos Oxazolidonas Tetraciclinas Glicilciclinas Aumentar a quantidade de antibiótico AAC24/CIM PK: farmacocinética, PD: farmacodinâmica, CIM: concentração inibitória mínima, AAC24: área abaixo da curva em 24h. Vancomicina A vancomicina (VAN) permanece como antibiótico de primeira linha para a terapia de bacteremia e infecções graves por Staphylococcus aureus resistente à meticilina, MRSA. Todavia, quando comparada com os β- lactâmicos, a vancomicina induz morte bacteriana numa taxa lenta e na presença de um grande inóculo bacteriano pode ter reduzida sua atividade bactericida, o que pode estar associado à falha terapêutica. Vancomicina é uma grande molécula hidrofílica com ligação proteica em média de 50%. Sua meia vida plasmática fica entre 6 a 8h com eliminação corporal totalmente dependente da filtração glomerular. A VAN, apesar de ser considerada um fármaco com ação % T > CIM, o índice farmacodinâmico da VAN que melhor se relaciona a resposta clínica e microbiológica é a concentração da VAN total (livre + ligada à proteína) abaixo da curva em 24h (AAC24) dividida pela CIM, AAC24/CIM. Um importante estudo em 2004 com 108 pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica por MRSA (5) mostrou que os indivíduos que tinham o índice AAC24/CIM >400 apresentaram melhor resposta clínica e maior cura bacteriológica. Neste estudo a CIM foi determinada pelo método de microdiluição. Outro estudo incluindo 320 pacientes com bacteremia por MRSA (6), pacientes com o índice AAC24/CIM <421, MRSA com CIM para VAN >1mg/L e o parâmetro farmacocinético de concentração inicial de vancomicina no valor <15mg/L foram associados a maior falha a VAN. Um estudo em pacientes com choque séptico por MRSA avaliou os parâmetros farmacocinéticos e a farmacodinâmica da VAN (7). Na análise multivariada pacientes com AAC24/CIM >451 apresentaram maior sobrevida (> 50%), quando comparados ao grupo com AAC24/CIM <451 (20% de sobrevida). Neste mesmo estudo a concentração da VAN no valor superior a 15mg/L esteve associada a uma chance de sobrevida 2,5 vezes maior quando comparada com pacientes com vancomicina inferior a 15mg/L. Em 2009, uma diretriz elaborada por três sociedades de infectologia e farmacologia (Infectious Diseases Society of America, American Society of Health-System Pharmacists e Society of Infectious Diseases Pharmacists) recomendava posologia e monitoramento de vancomicina de modo mais agressivo (8). A posologia da vancomicina deve ser individualizada e a posologia uniformizada para todo paciente de vancomicina 1g IV q12h deve ficar definitivamente no passado. A dose de vancomicina deve ser calculada pelo peso total do paciente (TBW) e, para se acelerar o alcance ao alvo farmacocinético ideal, uma dose de ataque de 25-30mg/kg está indicada em pacientes com infecções potencialmente graves, independentemente da função renal. Em geral, não se recomenda uma dose individual superior a 2,5g pelo risco de efeito adverso. Naqueles indivíduos com indicação de dose de ataque superior a 2,5- 3g de VAN, por exemplo, esta dose pode ser fracionada administrando-se 2g em 2h de infusão; aguardar por intervalo superior à 1h sem infusão, para administrar 1g em infusão em 1h para finalizar a dose total de 3g. Entretanto, outro estudo em que pacientes recebiam doses de 3g ou mais, a VAN era administrada numa infusão de 4h (9). Cada 1g de VAN deve ser infundido em uma hora para se reduzir efeitos adversos como a síndrome do homem vermelho. O nomograma abaixo com doses de ataque e manutenção de vancomicina foi elaborado considerando-se faixas de função renal e faixas peso corporal total dos indivíduos com infecções graves por MRSA (10). Tabela 2 - Nomograma de vancomicina com sugestões de posologia para adultos Dose de manutenção e intervalo terapêutico Clearance Creatinina (mL/min) Peso kg Dose deataque < 10 10-19 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80-99 100-119 ≥ 120 50-60 1500-1750 1000 96h 500 24h 750 24h 500 12h 500 12h 750 12h 750 12h 1000 12h 1250 12h 1750 12h 1750 12h 61-70 1750-2000 1250 96h 500 24h 750 24h 500 12h 750 12h 750 12h 1000 12h 1250 12h 1000 8h 1750 12h 1250 8h 71-80 2000-2250 1500 96h 500 24h 1000 24h 750 12h 750 12h 1000 12h 1000 12h 1500 12h 1000 8h 1250 8h 1000 6h 81-90 2250-2500 1750 96h 750 24h 1250 24h 750 12h 1000 12h 1000 12h 1250 12h 1500 12h 1750 12h 1000 6h 1000 6h 91-100 2500-3000 2000 96h 750 24h 1250 24h 750 12h 1000 12h 1250 12h 1500 12h 1500 12h 1000 6h 1000 6h 1000 6h Este nomograma contém sugestões de posologias e não foi validado clinicamente. As doses de VAN são apresentadas em mg. A posologia foi calculada para atingir meta de concentração entre 15-20mg/L para infecções graves (10). O monitoramento sanguíneo da VAN e a avaliação frequente da função renal são fundamentais para o ajuste da posologia. Cada 1000mg de VAN deve ser infundida em 1h. Indivíduos com peso> 100kg e <50kg a dosede ataque 25-30mg/kg e manutenção 40mg/kg/dia para clcr >100mL/min. Doses isoladas superiores a 2500-3000mg devem ser fracionadas, vide texto. Nomograma adaptado de Lima T et al (10) A dose diária de manutenção para os pacientes com função renal normal (taxa de filtração glomerular > 100mL/min) fica entre 15-20mg/kg a cada 8 ou 12h, uma dose diária em média de 40mg/kg para infecções complicadas. Na verdade, esta ampla faixa de posologia é para guiar o início do tratamento, enquanto que para guiar a posologia de manutenção é imprescindível o monitoramento sanguíneo da concentração da vancomicina, a resposta clínica e microbiológica, assim como a negativação das hemoculturas de controle, por exemplo. Em infecções graves e pacientes com bacteremia, a concentração de VAN no vale deve permanecer entre 15 a 20mg/L. Esta faixa de concentração se associa ao índice AAC24/CIM >400 para a maioria dos pacientes com infecções para o MRSA com CIM de <1µg/mL para VAN determinado pelo método de microdiluição (8,9). Contudo, o CIM da VAN determinado pelo método e-test habitualmente mostra-se maior do que quando determinado pelo método de Microdiluição (11,12), reduzindo consideravelmente o índice AAC24/CIM, e tornando o índice de PK/PD da vancomicina dependente do método de obtenção do CIM (11,12). O ponto de corte para vancomicina é 2µg/mL conforme CLSI e BRCAST 2018, porém, estudos mostraram que infecções complicadas por MRSA com CIMs superiores a 1mcg/mL estão associadas à maior falha terapêutica (8,13). Nestas infecções o aumento da dosagem de vancomicina para se obter o alvo farmacodinâmico, por exemplo, para a CIM 2mcg/mL, concentração no vale >25mg/L e/ou AAC24~ 800, se associa à maior risco de nefrotoxicidade (8,12,14). Portanto, terapias alternativas com a associação da vancomicina a um β-lactâmico como a oxacilina ou antibiótico de outra classe podem aumentar o sucesso terapêutico (15). A VAN tem a sua excreção corporal predominantemente através de filtração glomerular, portanto, discretas variações da função renal irão influenciar diretamente o nível sérico da VAN, assim sendo, o acompanhamento diário da função renal é essencial. Um fator complicante em pacientes instáveis é a estimativa fidedigna do clearance da creatinina e isto pode ser otimizado calculando-se o clearance pela creatinina urinária. O cálculo da dose de maneira individualizada e a utilização de um nomograma de VAN (tabela 2) com taxa de filtração glomerular (TFG) com faixas variando de 10, 20, 30mL/min tem contribuído no planejamento da posologia (10,16), entretanto, nomogramas não foram clinicamente validados e não devem substituir o julgamento clínico. A VAN também tem sido utilizada em infusão contínua (9), o que facilita o monitoramento do nível sanguíneo e possivelmente estaria associada a menor nefrotoxicidade (14), entretanto, não há consenso quanto ao benefício da infusão contínua no desfecho clínico. Monitoramento do nível sanguíneo da vancomicina O consenso destaca que o método mais disponível e ainda imprescindível para ajustar a posologia da vancomicina é o monitoramento da VAN no vale, em sua concentração total no seu estado de equilíbrio dinâmico (8). O monitoramento para ajuste de doses (tabela 3) deve ser feito em pacientes com expectativa de uso de VAN por > 7 dias; infecções graves incluindo bacteremia, endocardite infecciosa, pneumonia, infecção do sistema nervoso central, osteomielite e sepse com foco indefinido para terapia de MRSA; e outras bactérias coco Gram positivo (CGP) resistentes incluindo Staphylococcus Coagulase Negativa, enterococo e pneumococo. Em pacientes sépticos ocorrem alterações significantes na farmacocinética da VAN como aumento no volume de distribuição, alteração da função renal e do clearance da VAN. Indivíduos com função renal instável, grande obeso, desnutrido, amputado, queimado ou em anasarca, o monitoramento da vancomicina também está indicado. A dosagem do pico da VAN não é recomendada, pois não há dados correlacionando esta com a eficácia ou nefrotoxicidade (8). A coleta da amostra de sangue deve ser realizada no vale, ou na concentração plasmática mínima, no estado de equilíbrio dinâmico da VAN, isto é, a partir de 4 a 5 meias vidas da VAN (8h) e pouco antes da dose subsequente. Em pacientes com função renal normal, a partir de 36h do início da terapia ou pouco antes da 4ª dose no caso da posologia a cada 12h. Tabela 3- Sugestões de ajuste de doses de VAN para vancocinemia entre 15 a 20mg/L Concentração de vancomicina Sugestão de ajuste de dose < 10mg/L Diminuir intervalo em 12h (ex.: 36 h para 24h,24h para q 12h) ou aumentar a dose em 50% < 10 mg/L com intervalo de dose de 12 em 12 h Diminuir o intervalo para 8 h ou aumentar a dose em 50% < 10 mg/L com intervalo de dose de 8 em 8 h Diminuir o intervalo para 6 h ou aumentar a dose em 50% 10 - 14 mg/L Aumentar a dose em 25% 15 - 20mg/L Manter a dose, se função renal estável >20 - 30mg/L Considerar o aumento no intervalo de dose oureduzir a dose em 50% Tabela de ajuste de doses adaptada do Vancomycin RQHR Protocol June 2010 (17). Para o ajuste, arredondar as doses para 750, 1000, 1250, 1500, 1750 e 2000mg etc. Após a mudança da dose, para o paciente com função renal estável, aguardar 36h para coleta de nova vancocinemia. Em pacientes em insuficiência renal em hemodiálise, coletar a 1ª vancocinemia 48h após a 1ª dose para programar o intervalo para a 2ª dose, em média 4 dias (3 a 5 dias). Neste grupo de pacientes, outra coleta da vancocinemia antes da 2ª dose deve ser repetida, para confirmar o ajuste do intervalo e/ou da dose. Atentar para o tipo de hemodialisador, pois se for o de alto fluxo, a VAN será removida durante a sessão de hemodiálise sendo necessária dose de reposição ao término da sessão. Por outro lado, o uso do dialisador sem ser o de alto fluxo não interfere com a posologia da VAN. A meta farmacocinética recomendada de vancomicinemia é de 10 a 20mg/L. O nível sanguíneo inferior a 10mg/L foi associado à seleção de bactérias resistentes a VAN (8). Contudo, para casos de bacteremia e infecções complicadas é recomendado o alvo entre 15 a 20mg/L. Esta faixa de concentração habitualmente se relaciona ao índice AAC24/CIM > 400 (8,9) para bactérias com CIM para VAN < 1µg/mL. Todavia, outros autores mostraram superioridade com o uso de programas de computador aplicando-se uma ferramenta Bayesiana para cálculo do parâmetro farmacocinético AAC e planejamento mais eficaz da posologia da VAN (12,18). Aminoglicosídeos O ameaçador aumento da resistência bacteriana fez com que os aminoglicosídeos (AMGs) se tornassem uma das últimas opções terapêuticas para infecções por Bacilos Gram negativos MDR, como aquelas causadas por enterobactérias produtoras de carbapenemases. Todavia, apesar do uso de aminoglicosídeos há décadas, ainda há dúvidas quanto sua melhor posologia e como realizar seu monitoramento sanguíneo; além do que possuem reconhecidamente pontos de corte microbiológicos sobre-estimados, fato que pode induzir a posologia dos AMGs com doses subterapêuticas. Muita atenção é necessária no uso dos AMGs devido ao seu significante potencial de ototoxicidade (vestibular e coclear) e nefrotoxicidade, daí a necessidade da minuciosa vigilância quanto o surgimento de queixas de origem vestíbulo-coclear e também da frequente avaliação laboratorial da função renal. Os AMGs são moléculas hidrofílicas, característica que não favorece sua concentração em diversos tecidos e, portanto, limitam a sua indicação terapêutica como nas infecções óssea, depróstata e do sistema nervoso central; enquanto que na secreção brônquica e alvéolo pulmonar os AMGs alcançam apenas de 20 a 50% da concentração sanguínea. Por outro lado, os AMGs apresentam elevada concentração no rim, urina e perilinfa do ouvido interno. É fundamental destacar que, enquanto a nefrotoxicidade é reversível, o efeito ototóxico é frequentemente irreversível e por este motivo AMGs devem ser evitados em pacientes cegos, pois as consequências seriam desastrosas. Em estudos de modelo animal de infecção, os AMGs demonstraram que para maximizar a morte bacteriana era necessário promover exposição a concentrações maiores do antibiótico, portanto, um perfil farmacodinâmico concentração-dependente (Tabela 1). Estudos em humanos mostraram que a resposta clínica correlacionava-se favoravelmente tanto com o índice área abaixo da curva/CIM (AAC/CIM) quanto com o índice concentração máxima (Cmax ou Pico)/CIM, de modo que o emprego do AMG em dose única diária favoreceria a obtenção destes parâmetros PK sem aumentar a toxicidade para o paciente (3,19-21). O índice Pico/CIM é o mais citado na literatura, todavia, alguns autores preferem programas de computação que calculam AAC baseados em modelos bayesianos em preferência aos tradicionais nomogramas de ajustes de doses (22,23). O parâmetro PK AAC de 80 a 100mg.L.h para gentamicina (GEN) e tobramicina (TOB) tem sido usado como alvo PK nos modelos populacionais Bayesianos (23), e para amicacina (AMC) é extrapolado para AAC de 320 a 400mg.L.h (Tabela 4). A administração dos AMGs uma vez ao dia ou com intervalo estendido para 36-48h tem sido empregada desde os anos 90 baseada em estudos que comprovaram eficácia clínica no mínimo equivalente quando comparado ao esquema tradicional de multidoses ao dia. Além disso, a posologia em dose única agrega menor risco de nefrotoxicidade e ototoxicidade além de maior praticidade e menor custo (19,24,25). A meta terapêutica é aumentar a concentração dos AMGs para que seja alcançado o índice Cmax/CIM > 8-10, isto é, a concentração máxima deve ser 8 a 10 vezes maior que a CIM; além disso, este índice deve ser alcançado desde o 1o dia para maior eficácia clínica (19,21). É relevante salientar que a toxicidade dos AMGs não está associada com o pico de concentração, porém, com a AAC24. A eliminação dos AMGs é majoritariamente dependente da filtração glomerular e, portanto, o indivíduo com função renal comprometida tende a apresentar acúmulo do AMG formando um platô na curva de concentração e consequentemente maior AAC, ao contrário do indivíduo com a função renal ótima que elimina mais rapidamente o fármaco. Outra característica da PK/PD dos AMGs é que estes apresentam efeito pós-antibiótico (PAE) prolongado, fenômeno capaz de inibir o crescimento bacteriano mesmo após o nível sérico ficar abaixo da CIM. Por outro lado, é relevante fazer o contraponto com os β-lactâmicos (tempo-dependente) em que o PAE está praticamente ausente (Tabela 1). O PAE dos AMGs pode alcançar 7h ou mais e é favorecido com a posologia em dose única diária (25). Aminoglicosídeos são moléculas hidrofílicas fracamente ligadas às proteínas e com ótima distribuição no volume extracelular e interstício. Os AMGs têm volume de distribuição (Vd) em média de 0,25L/kg, ou 25% do peso corporal, o volume extracelular corporal estimado. Em pacientes mal distribuídos e com sepse, por exemplo, este valor de Vd aumenta para >0,30-0,35/kg e às vezes até acima de 0,5L/kg, e para garantir a obtenção do alvo terapêutico, o nível sérico do AMG e a função renal devem ser monitorados. Nos pacientes com infecção grave, ou naqueles necessitando de expansão volêmica, ou nos pacientes edemaciados, e, portanto, com aumento do volume de distribuição, é necessário que seja feito no 1º dia uma dose de ataque superior àquela de manutenção para que o nível sérico adequado seja alcançado precocemente (Tabela 4) (19,21). Os AMGs sofrem eliminação corporal essencialmente pela filtração glomerular, sendo para GEN, TOB e AMC mais de 95% sob a forma inalterada na urina; em indivíduos com função renal normal apresentam uma ½ vida entre 2 a 3h (19). Os pontos de cortes microbiológicos atuais dos AMGs estão muito elevados, o que diminui a chance de atingir a meta PK/PD, Cmax/CIM 8-10, e dificultando o sucesso terapêutico em infecções sistêmicas, particularmente fora do trato urinário (24,25). Os pontos de cortes da GEN e TOB pelo CLSI 2018 e BRCAST 2018 são 4µ/mL e 2µg/mL, respectivamente. No entanto, para a posologia tradicional de GEN e TOB na dose de 5mg/kg ao dia, o ponto de corte farmacodinâmico mais seguro seria 1µg/mL para o tratamento de infecções sistêmicas por BGN (24). Para bactérias com CIM >2µg/mL essas doses são insuficientes para a GEN e a TOB alcançarem o alvo PK, podendo ocasionar resposta clínica insatisfatória e o equivocado prolongamento da terapia, acarretando maior risco de toxicidade. Terapias por mais de 5 a 7 dias carreiam risco crescente de nefrotoxicidade e ototoxicidade (24). A AMC também possui ponto de corte microbiológico sobre-estimado de 16µg/mL pelo CLSI 2018. A dose habitual de AMC de 15mg/kg/dia é insuficiente para atingir a meta PK em infecções sistêmicas causadas por BGN com esta CIM, inclusive para a CIM de 8µg/mL, ponto de corte padronizado pelo BRCAST 2018. A falta de consenso quanto à posologia da AMC, ajustes na insuficiência renal e monitoramento são ainda mais preocupantes. Os pontos de corte para GEN e TOB de 4µ/mL e para AMC de 16µ/mL não deveriam mais ser considerados como na categoria de susceptível para terapia de infecções sistêmicas por BGN. Não obstante, mesmo para os pontos de corte pelo BRCAST para GEN e TOB CIM 2µ/mL e para AMC CIM 8µ/mL doses maiores que as habituais destes AMGs são necessárias. Concluindo, o objetivo é alertar para que sejam reconhecidas as limitações das indicações do uso clínico dos AMGs e auxiliar no planejamento de uma posologia mais eficaz destes preciosos fármacos, tendo em mente que para se atingir a razão Cmax/CIM 8-10, a posologia adequada dos aminoglicosídeos deve ser guiada de modo dose-CIM-dependente e com o auxílio de um especialista em antibioticoterapia. Posologia: gentamicina, tobramicina e amicacina Os AMGs devem ser administrados preferencialmente por via intravenosa em infusão de 30min, pois infusões muitos rápidas podem induzir bloqueio neuromuscular. Para infecções sistêmicas por BGN com CIM < 1µg/mL para GEN ou TOB, a dose de ataque indicada é 7mg/kg q24h e a dose de manutenção 5mg/kg q24h para indivíduos com função renal normal (Tabela 4). Para bactérias com CIM 2µ/mL não há definição quanto à posologia, provavelmente uma dose de ataque de 9-10mg/kg em dose única seguida de uma dose de manutenção de 7mg/kg a cada 24h; com essa posologia há uma expectativa que possam alcançar picos de concentração em média de 20µg/mL (25). Para AMC, em infecções sistêmicas por BGN com CIM < 4µg/mL a dose de ataque é 20mg/kg em dose única seguida de uma dose de manutenção de 15mg/kg a cada 24h para o indivíduo com função renal normal sendo 40µg/mL o pico estimado de concentração em média (25). A Tabela 4 traz sugestões de doses-CIM-dependentes que almejam a meta Pico/CIM > 8-10 e AAC de 80- 100 (19,23,25), entretanto, o julgamento clínico e o monitoramento individualizado são mandatórios, particularmente em infecções graves e em pacientes instáveis. Além disso, as doses sugeridas dos AMGs são para o início não empírico da terapia, e saliento que o índice PK/PD deve ser almejado desde o 1º dia do tratamento para se obter maior sucesso clínico. Para o uso empírico dos AMGs, a dose deveser baseada no CIM90 institucional dos AMGs para posterior reajuste da posologia após o resultado microbiológico. O uso de terapia combinada do AMG com outras classes de antibióticos é frequentemente necessário e recomendável, entretanto, a posologia deve ser planejada de maneira ótima para cada antibiótico da associação, de modo que uma vez que o paciente tenha sido exposto ao fármaco e a sua potencial toxicidade, ele tenha tido o benefício clínico da posologia adequada. Em outras palavras, evite a exposição do paciente a doses subterapêuticas, use doses altas por um período curto de tempo (3-5dias) ou no máximo até o resultado microbiológico para se assegurar da necessidade de manutenção do AMG, ou quanto à possibilidade de redução da dose empregada. Em infecções graves, como no caso da pneumonia causada por BGN com CIMs no ponto de corte Microbiológico BRCAST 2017, 2µg/mL para GEN e TOB, e 8µg/mL para AMC, provavelmente, o emprego dos AMGs deveria ser evitado sabendo-se de antemão a perspectiva de concentração limitada na secreção respiratória. A mesma recomendação se aplicaria para infecções em outros órgãos em que os AMGs alcançam baixa concentração tecidual. Por outro lado, considerando-se a elevada concentração urinária destes três AMGs, neste caso doses habituais de manutenção são suficientes para a terapia de infecções do trato urinário baixo, inclusive por bactérias com CIMs mais elevadas, considerando-se a susceptibilidade pelos pontos de corte microbiológicos CLSI 2018 (4µg/mL para GEN e 16µg/mL para AMC). A posologia da AMC para tratamento de infecções sistêmicas por BGN com CIM < 4µg/mL consiste na dose de ataque 20mg/kg/dia seguida de 15mg/kg/dia para manutenção, demonstrando com frequência ser suficiente para atingir a meta PK/PD. Entretanto, para bactérias com CIM 8µg/mL a posologia não está estabelecida (Tabela 4). Estudos investigaram a PK de doses maiores de AMC em pacientes com infecções graves e com volume de distribuição aumentado objetivando o pico >64mg/L para BGN com CIM 8µg/mL. Em um estudo foi necessária a dose de AMC de 30mg/kg/dia, enquanto que em outros estudos, 25mg/kg/dia fora insuficiente em 20-30% dos pacientes para atingir a Cmax desejada (4,26,27). A terapia com AMG em dose única diária, apesar de suas vantagens, não aboliu a prescrição tradicional com múltiplas doses ao dia. Um exemplo clássico é quando há indicação de sinergismo do β-lactâmico ou glicopeptídeo com o AMG para o tratamento de algumas infecções causadas por Coco Gram positivo, como a endocardite por enterococo. Para esta infecção a dose recomendada de GEN é menor e deve ser administrada na posologia de 1mg/kg IV a cada 8h. Ainda, alguns autores consideram que para determinadas populações de pacientes, a posologia do AMG em dose com intervalo estendido deve ser evitada, preferindo-se a terapia tradicional com múltiplas doses ao dia para indivíduos com fibrose cística, crianças, queimados com superfície corporal > 20% e ascite. Para pacientes com clearance de creatinina < 20mL/min e pacientes em diálise (peritoneal ou hemodiálise), a posologia com uma dose menor única diária do AMG também está descrita. Para o paciente obeso (peso acima de 20% do IMC ideal) a dose do AMG deve ser calculada utilizando-se o peso ajustado com a seguinte fórmula: [Peso ajustado= peso ideal + 0,4 X (Peso atual - peso ideal)] (28). Tabela-4 - Sugestões de doses únicas diárias de aminoglicosídeos para infecções sistêmicas por Bacilos Gram Negativos em adultos com função renal normal CIMµg/mL Dose ataque mg/kg/dia Dose de manutenção mg/kg/dia Alvo Cmax mg/L Concentração no vale mg/L AAC24 Gentamicina Tobramicina <1 7 5 8-10 <1-2 80-100 <2* 9-10* 7* 16-20 - - Amicacina <4 20 15 32-40 < 4 320-400 <8** 35** 30** 64-80 - - Função renal normal clcr > 60ml/min. Se o peso atual estiver 20% > IMC do peso corporal ideal, use o peso ajustado para cálculo da dose, Peso ajustado= peso ideal+ 0,4X (Peso atual - peso ideal). Para CIM 2 µg/mL para GEN e TOB e 8 µg/mL para AMC, doses elevadas de GEN*, TOB* e AMC** não estão clinicamente validadas. **Doses para infecções sistêmicas fora do trato urinário. Para pielonefrite (**MIC 8µg/mL) considerar AMC dose de ataque 30g/kg e dose de manutenção 25mg/kg. Para cistite não complicada doses menores podem ser empregadas. Monitoramento sanguíneo dos aminoglicosídeos O monitoramento pode ser realizado de diferentes modos e, assim como em relação à posologia dos AMGs, ainda não existe consenso. O monitoramento que é feito para determinar a concentração total do AMG (fração com ligação e sem ligação proteica) pode almejar a determinação da concentração sérica no vale, no pico ou num intervalo intermediário entre estes dois parâmetros citados conforme orientado pelos nomogramas de Hartford e Urban-Craig (Figura 2). Estes modelos populacionais dos nomogramas, que fixam a dose do AMG e ajustam o intervalo terapêutico, são mais simples de utilizar, exigem poucos recursos e podem ser aplicados à beira do leito, entretanto, não estão indicados para populações especiais como os pacientes com insuficiência renal e aqueles em anasarca, por exemplo. Por outro lado, o modelo populacional que utiliza um programa que calcula AAC pelo método Bayesiano indica posologias mais precisas. Este programa que aplica o método Bayesiano oferece vantagens de utilizar toda informação do modelo populacional (a priori) combinado com informações de PK atuais do paciente (a posteriori) para calcular o regime mais indicado e por isso seria o método mais recomendado por muitos especialistas (23). Informações sobre o paciente incluindo sexo, idade, peso, altura, creatinina sérica, dosagem, horário da amostra e resultado do nível sérico dosado, além do horário do início e duração da infusão, são empregados para computar os parâmetros PK (AAC, Cmax, Cmin, Clearance e Vd) e o cálculo da dose. Uma grande vantagem do modelo Bayesiano é que se pode calcular a dose baseando-se em uma única dosagem sérica do AMG; além disso, pode-se predizer a dose inicial ideal. Não obstante, é necessário um profissional de saúde ou farmacêutico com treinamento em PK e mais recursos de computação para uma análise mais complexa dos dados, o que pode tornar o método Bayesiano menos exequível (23). Figura 2- Os normogramas de Hartford e Urban-Craig são empregados para posologia em dose única fixa com intervalo terapêutico estendido; GEN e TOB nas doses de 7mg/kg (excluindo indivíduos em hemodiálise) e 5mg/kg (excluindo indivíduos com clcr <20mL/min), respectivamente; para posologia de AMC vide texto. Quando a concentração cai em cima da linha, optar pelo maior intervalo para se evitar acúmulo do AMG; quando a concentração cai acima da curva 48h, monitorar até o nível sérico no vale ficar < 1µg/mL para retornar a posologia do AMG. No nomograma de Urban-Craig quando o nível sérico fica abaixo de 2,5mg/mL, reduzir o intervalo para 12h (25,29) O monitoramento do nível sérico dos AMGs não seria necessário nos pacientes estáveis com clcr >60mL/min e com previsão de uso de aminoglicosídeos por cinco dias ou menos, incluindo aqueles pacientes sem uso concomitante de outros agentes nefrotóxicos, na ausência de hipovolemia, hipotensão ou hipoperfusão renal. Para os pacientes instáveis, com ascite, anasarca e com previsão de uso de AMGs por mais de 5 dias há indicação de monitoramento sanguíneo. Para a administração dos AMGs uma vez ao dia em dose constante e com intervalo estendido, dois nomogramas são mostrados (Figura 2) para orientar a posologia, o de Hartford (25) para dose 7mg/kg/dia e o de Urban-Craig (29) para dose 5mg/kg/dia; para ambosos nomogramas mantém-se a dose fixa da GEN ou TOB e se ajusta o intervalo terapêutico (Figura 2). Pelo nomograma de Hartford utilizando-se faixas de clcr para ajuste do intervalo, a dose plena GEN ou TOB de 7mg/kg para clcr > 60mL/min é feita a cada 24h, para a faixa de 40- 60mL/min a cada 36h e para 20-40mL/min a cada 48h; para clcr < 20mL/min a nova dose é administrada quando a concentração fica < 1µg/mL (25). Apesar da simplicidade no uso dos nomogramas, eles não devem ser aplicados para todos os grupos de pacientes; para citar uma exceção impactante, indivíduos em hemodiálise no nomograma de Hartford e aqueles com clcr < 20mL/min no nomograma de Urban-Craig não devem ser incluídos. No nomograma de Hartford a coleta da amostra para dosagem deve ser feita 6 à 14h horas após o início da infusão do AMG, e conforme o resultado a mesma dose deve ser repetida a cada 24, 36 ou 48h. No nomograma de Urban- Craig a amostra para dosagem poderá ser coletada 8 a 12h depois da infusão do AMG. Neste nomograma o indivíduo com nível < 2,5 µg/mL deve reduzir o intervalo para cada 12h, recebendo, portanto, 5mg/kg a cada 12h, 10mg/kg ao dia no total. Indivíduos com clcr < 60mL/min o intervalo recomendado seria > 24h. A amicacina (AMC) na dose de 15mg/kg/dia também pode ter o ajuste do intervalo terapêutico utilizando-se os nomogramas da Figura 2. Para o nomograma de Hartford divide-se o resultado da concentração da AMC da amostra por dois para determinar a faixa do intervalo terapêutico em que a dose da AMC deve ser repetida. No nomograma de Urban-Craig, o resultado da concentração da AMC da amostra deve ser dividido por três para determinar o intervalo terapêutico. Não obstante a praticidade dos nomogramas, para alguns autores o monitoramento dos AMGs deveria ser individualizado, pois os nomogramas disponíveis simplificam a complexa PK dos AMGs e a grande variabilidade entre pacientes (30). Para realizar o monitoramento dos AMGs há outros métodos, como aquele que visa determinar o pico da concentração; neste caso a coleta da amostra deve ocorre 1h após o fim da infusão a partir da 3ª dose (Tabela 4), e para determinação da concentração no vale a coleta deve ser feita 30min antes da 3ª dose. Todavia, para o paciente com risco aumentado de lesão renal, a coleta deve ser feita a partir da 2ª dose. É relevante salientar que para o indivíduo com função renal normal que recebe a posologia dose única diária, a concentração no vale pode ficar indetectável e este método de monitoramento não traria subsídios. Por fim este monitoramento de pico e vale apresenta limitações; além de mais oneroso não permite reajuste da posologia a tempo, pode induzir a ajustes incorretos de doses, e postergar a obtenção do alvo PK. Tabela 5- Sugestões de posologia de aminoglicosídeos com redução de doses para adultos com comprometimento da função renal (clcr < 60mL/min) e infecções por bacilos Gram negativos CIM µg/mL Dose ataquemg/kg Dose de manutenção mg/kg 24h Dose de manutenção mg/kg 48h Clcr mL/min 50-59 30-49 20-29 0-19 Gentamicina Tobramicina <1 5 -7 3,5 -5 2,5 -3,5 4-5,5 3-4 <2* 7-9* 5 -* 3,5 -* 5,5 -* 4 -* Amicacina <4 5-7,5 7,5-12 4-7,5 7,5 4 <8* 7,5-10 - - - - Pacientes em hemodiálise precisam de dose suplementar pós-hemodiálise (HD), GEN e TOB 2mg/kg pós-HD, AMC 5-7mg/kg. Doses maiores são rec omendadas para pacientes com infecções sistêmicas e com aumento do volume de distribuição; *BGN com CIMs mais elevados (GEN-TOB 2µg/mL e AMC 8µg/mL) não há padronização na posologia. Adaptado de Gilbert DN, Leggett JE. Aminoglycosides (30). A frequência do monitoramento uma vez por semana é suficiente após a obtenção do nível sérico desejado no indivíduo com função renal estável. Porém, para o paciente que realizou mudança da posologia, ou que apresenta variações no volume de distribuição, na função renal, ou aquele em diálise, é recomendável que o monitoramento seja feito mais de uma vez por semana. Para a posologia tradicional com múltiplas doses ao dia ainda se manteve a recomendação do monitoramento clássico com a coleta da amostra no vale, isto é, 30min antes da dose subsequente. Para a GEN e TOB tem sido sugerida a concentração no vale <1-2mg/L. Concentrações acima destes valores indicam redução da dose ou aumento do intervalo. Outros protocolos visando a redução da toxicidade dos AMGs recomendam o monitoramento no vale e que as concentrações fiquem ainda mais baixas, <0,5mg/L para GEN e TOB e <2,5mg/L para AMC. A posologia dos AMGs em pacientes com a função renal comprometida (Tabela 5) ou função renal normal se reportam em sua maioria a estudos de décadas passadas com a posologia tradicional de múltiplas doses ao dia para pontos de cortes microbiológicos sobre-estimados, portanto, esta posologia apresenta sérias limitações, logo, novos estudos são necessários para uma modernização da posologia dos AMGs. Fluoroquinolonas As fluoroquinolonas são antibióticos com perfil PD do tipo concentração-dependente (Tabela 1), portanto, para maximizar a morte bacteriana e otimizar a exposição ao fármaco, a meta é aumentar a concentração do antibiótico. O índice PK/PD empregado é AAC/CIM (3). Um estudo pioneiro em humanos com ciprofloxacina demonstrou que a obtenção do índice farmacodinâmico AAC24/CIM > 125 < 250 se associava a maior cura clínica e microbiológica em pacientes com infecções graves por bacilos aeróbios Gram negativos incluindo Pseudomonas aeruginosa (31). Os pacientes que obtiveram o índice AAC24/CIM > 250 alcançaram a erradicação microbiológica mais precocemente, em média 1,9 dias quando comparado com 6,6 dias com o outro grupo de paciente com a faixa inferior do índice PK/PD. Enquanto que pacientes que obtiveram AAC24/CIM < 125 tiveram uma chance de cura clínica e erradicação microbiológica inferior a 50%. Questão que se torna particularmente preocupante para P. aeruginosa onde com frequência as CIM podem alcançar 0,5 a 1µg/mL e, consequentemente, chance de exposição subótima. Neste estudo onde a maioria dos pacientes apresentava pneumonia, a posologia ideal da ciprofloxacina fora obtida com a dose diária 1200mg/dia para bactérias com CIM < 0,25µg/mL, concentração abaixo do ponto de corte microbiológico de 1µg/mL (CLSI 2018). Portanto, desde 1993, ano de publicação do estudo, o ponto de corte PD de 0,25µg/mL para terapia de infecções sistêmicas por P. aeruginosa e outros BGNs com ciprofloxacina era inferior ao ponto de corte microbiológico padronizado de 1µg/mL. Na verdade, de modo divergente do CLSI, e ainda que tardiamente, somente no ano de 2017 o EUCAST/BRCAST atualizaram este ponto de corte das fluoroquinolonas para bacilos Gram negativos reduzindo-o para 0,25µg/mL. Outros autores avaliando infecções por Enterobactérias em pacientes com hemoculturas positivas também recomendaram doses otimizadas de ciprofloxacina (1200mg IV ao dia) para se obter uma terapia mais eficaz (32). Estes estudos nos alertam que dependendo do método de ponto de corte utilizado no antibiograma, da CIM e do local da infecção, a prescrição apenas pelo resultado microbiológico sem uma análise crítica pode induzir ao médico assistente à escolha e posologia inadequadas dos antibióticos. Na tabela 6 são apresentadas sugestões de doses otimizadas de ciprofloxacina para atingir concentração sistêmica, isto é, não apenas concentração na urina para terapia de infecções por BGN para bactérias com CIM < 0,25µg/mL. Na verdade, se o médico assistente dispuser da determinação da CIM, infecções sistêmicas causadas por BGNs com CIM < 0,125µg/mL poderiam ser tratadas
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