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Crimes ct a Paz Pública arts 286 a 288

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DIREITO PENAL IV
Crimes contra a Paz Pública
A título introdutório, vale à pena considerar as ponderações de Hungria, no particular:
296. A expressão ordem pública caracteriza-se pela sua limitada abrangência e imprecisão, principalmente em referência a crimes. Todo crime atinge a ordem pública, mediata ou imediatamente, qualquer que seja o conceito que dela se tenha. Tome-se a expressão ordem pública no sentido de arranjo social, no de organização econômica, no de conformação política, no de ordenação jurídica, o crime sempre a afeta (...).
298. Ordem pública e paz pública são coisas intimamente relacionadas, entretecidas, mas que não se confundem, não se identificam numa só, distinguindo-se como se distinguem o direito e o avesso de um mesmo pano. Paz pública é um estado psicológico dos homens. O objetivo do criminoso de crime contra a ordem pública não é o de perturbar essa estado psicológico mas sim o de alterar aquele estado de coisas, exterior ao homem, mas que lhe interessa essencialmente. O ataque à ordem pública pode se dar sem quebra da paz pública, antes com reforçamento e aprimoramento dela. (...) O crime contra a ordem pública se classifica, pois, a posteriori, pelo seu resultado, como tantos crimes do Código Penal, classificados e apenados segundo a sua efetiva, embora não querida, atuação no mundo exterior, isto é, segundo o fato resultante do ato (...).� 
(a) Crimes em Espécie:
i) Incitação ao crime: incitar, publicamente, a prática de crime (art. 286, CP).
ii) Apologia de crime ou criminoso: fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime (art. 287, CP).
iii) Associação Criminosa: associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes (art. 288, CP).
iv) Milícia: Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código.
(b) Tópicos Importantes:
- Obs. I: no art. 286 pune-se a conduta sugestiva à prática de um crime; no art. 287, pune-se a apologia a um fato criminoso já ocorrido ou ao autor de um crime já praticado. Para DAMÁSIO, “o fato criminoso deve ser determinado e ter realmente ocorrido anteriormente à apologia criminosa”�. No mesmo sentido, MIRABETE�:
“O dolo é a vontade de incitar, ou seja, de instigar a prática de crime, tendo o agente ciência de que está dirigindo-se a número indeterminado de pessoas” (comentários quanto ao crime de “incitação”). 
“A lei, porém, refere-se a fato criminoso na descrição típica, exigindo que a apologia seja feita a fato ocorrido, concreto e não a crime futuro” (comentários quanto ao crime de “apologia”).
- Obs. II: segundo MIRABETE, tanto no crime de incitação como no de apologia, “exige-se que a conduta seja praticada perante um certo número de pessoas (coram multis personis) e que se caracterize a publicidade. Não há crime na instigação efetuada em uma reunião privada, familiar, ainda que na presença de várias pessoas”�.
- Obs. III: caso o agente que tenha sido incitado venha a cometer o crime, o sujeito que o incitou poderá responder pelo crime de “incitação ao crime” em concurso com o crime por este cometido, pois será partícipe. A espécie de concurso (formal próprio, impróprio ou material) varia conforme o entendimento de cada autor:
- BITTENCOURT: “o agente pode responder em concurso com a prática do crime pela pessoa instigada (art. 29 do CP), resultando em concurso material entre os dois ilícitos penais”�. 
- MIRABETE: “caso seja cometido o crime pelas pessoas instigadas, há concurso de delitos em relação ao sujeito ativo da incitação. Havendo desígnios autônomos e dois resultados (lesão à paz pública e lesão ao bem jurídico referente ao crime praticado pelos induzidos) provenientes de uma só conduta, aplica-se o disposto no art. 70, segunda parte (concurso formal impróprio)”�.
- NUCCI: “Entretanto, se forem vários os destinatários da incitação e apenas um deles cometer o crime, haverá concurso formal, isto é, o agente da incitação responde pelo delito do art. 286 e também pelo crime cometido pela pessoa que praticou a infração estimulada”�. 
- Obs. IV: a incitação e a apologia à contravenção não caracterizam os crimes dos arts. 286 e 287. Quanto ao tema, DAMASIO� adverte que “a incitação deve ser a prática de crime. Se o agente incita, publicamente, à prática de contravenção, o fato é atípico, o mesmo devendo ser dito se incita publicamente à prática de ato imoral”. Com o mesmo raciocínio, registra que “a apologia deve ser de fato definido como crime, não configurando o delito o elogio de fato contravencional nem de fato imoral”.
- Obs V: não se pune o agente que se limita a externar sua opinião social ou política, sem que tenha o dolo de “incitar” ou “fazer apologia” à prática de crime (ex: defender a reforma agrária). MIRABETE entende que “não há crime quando o agente faz apenas a defesa de uma tese sobre a ilegitimidade ou sem razão da incriminação de tal ou qual fato, como, por exemplo, o homicídio eutanásico, o aborto, etc”�. Especificamente quanto à descriminalização das drogas, o Pleno do STF julgou procedente a ADPF no. 187 no seguinte sentido:
O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a argüição de descumprimento de preceito fundamental, para dar, ao artigo 287 do Código Penal, com efeito vinculante, interpretação conforme à Constituição, “de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos” (ADPF 187/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julg. 15/06/2011, Tribunal Pleno, pub. 29-05-2014).
- Obs. VI: a apologia ao sujeito que ainda responde a processo criminal não caracteriza este crime. Isto porque, segundo NUCCI “autor de crime é a pessoa condenada, com trânsito em julgado, pela prática de um crime, não se incluindo a contravenção penal. Não é suficiente a mera acusação, pois o tipo não prevê apologia de pessoa acusada da prática de crime”�. MIRABETE, contudo, diverge, pois entende que “a referência na lei a autor de crime e não a criminoso condenado leva à interpretação de que não importa se o elogiado já foi condenado ou mesmo denunciado pelo crime, como aliás é indiferente, para os fins do mesmo artigo, que o fato criminoso tenha sido objeto de sentença irrecorrível”�.
- Obs. VII: no crime do art. 288 a pena é aumentada até a metade, se a quadrilha é armada, mas “não é necessário que todos estejam portando armas”�. O mesmo ocorre se há envolvimento de criança ou adolescente.
- Obs. VIII: quanto à diferença entre os termos (“quadrilha” x “bando”), da redação anterior, MIRABETE ensina que “já se tem afirmado que a quadrilha é a associação para cometer crimes nas cidades e bando é a que opera no interior do país sem organização interna e com chefe eventual. Mas, como bem acentua Fragoso, quadrilha ou bando são termos que a lei emprega como sinônimos, definindo-se como associação estável de delinqüentes com o fim de praticar reiteradamente crimes”�.
- Obs. IX: no crime do art. 288 exige-se pelo menos três pessoas para a caracterização do crime, sendo, em regra, desinfluente que um dos agentes seja inimputável. Se, contudo, se tratar de menor absolutamente incapaz, este não será agente, e, sim, autor mediato. Ainda sob a redação anterior, ensinava a doutrina:
“21. Número mínimo de quatro pessoas: o tipo penal não exige que todas elas sejam imputáveis, de modo que se admite, para a composição do crime, a formação de quadrilha entre maiores e menores de 18 anos (posição majoritária: Mirabete, Delmanto, Damásio, Noronha). É o que se denomina ‘concurso impróprio’. Natural, ainda, argumentar que depende muito da idade dos menores, uma vez que não tem cabimento, quando eles não têm a menor noção do que estão fazendo, incluí-los na associação. Se três maiores valem-se de uma criança de nove anos para ocometimento de furtos, não pode o grupo ser considerado uma quadrilha ou bando, pois um deles não tem a menor compreensão do que está fazendo. É apenas uma hipótese de autoria mediata, ou seja, maiores usando o menos para fins escusos. Mas, quando se tratar de adolescente que, não responsável penalmente, tem discernimento para proceder à associação, forma-se a quadrilha e configura-se o tipo penal”�. 
- Obs. X: no crime do art. 288 há necessidade que a associação, além de permanente, tenha a intenção de praticar mais de um crime. DAMASIO adverte que “o fim dos componentes da quadrilha ou bando deve ser o de cometer delitos, da mesma espécie ou não. Não configura o crime a associação momentânea para o fim de cometer delitos. Exige-se a estabilidade e a permanência da associação, sendo desnecessário, entretanto, que a associação seja organizada formalmente, bastando a organização de fato”�. 
- Obs. XI: é possível o concurso de associação criminosa com outro crime (ex: roubo majorado pelo emprego de arma ou concurso de agentes)�. 
- Obs. XII: se a associação se formar para o fim de cometer crimes hediondos ou equiparados, a pena será de 3 a 6 anos (art. 8º da Lei nº 8.072/90), nada impedindo o aumento de pena, também, pelo emprego de arma.
- Obs. XIII: a jurisprudência entende que cessa a permanência da associação com o recebimento da denúncia�. NUCCI tem a mesma opinião:
“31. Cessação da permanência: ocorre com o recebimento da denúncia pelo crime de quadrilha ou bando. Assim, caso os agentes permaneçam na mesma atividade criminosa, é possível haver nova acusação, inexistindo, nessa hipótese, bis in idem”�.
- Obs. XIV: se a incitação for a crime militar e ao racismo/discriminação, há crimes especiais (art. 155 do CPM e art. 20 da Lei no. 7716/89, respectivamente).
- Obs. XV: se a apologia à crime ou ao seu autor envolver a prática de racismo/discriminação, há tipo autônomo (art. 22 da Lei no. 7716/89).
- Obs. XVI: o crime de associação criminosa não se confunde como conceito legal de “crime organizado”, cuja previsão está no art 1o, par. 1o, da Lei de Organização Criminosa (Lei no. 12850/2013). Antes desta lei, a conceituação de organização criminosa” ocorria com fundamento na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado, conhecida como Protocolo de Palermo, internalizada através do Decreto no. 5.015/2004. Na sequência, surgiu a lei no. 12.694/2012, que passou a trazer um conceito mais próximo do atual (art. 1o, par. 1o). Atualmente, a questão é regida pela Lei 12850/2013 que exige como elementos: associação estruturada de quatro ou mais pessoas, divisão de tarefas (ainda que informalmente), prática de infrações penais com penas superiores a quatro anos (ou delitos transnacionais) como atividade-meio e objetivo final de obtenção de vantagem de qualquer natureza. Neste aspecto, Bittencout, por exemplo, explica que a “associação criminosa para se revestir da característica de ‘organização’ necessita ser ‘estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas’, ainda que informalmente”�.
- Obs. XVII: se a associação for para a prática de delitos contra a segurança nacional (arts. 16 e 24, Lei no. 7170/83), de genocídio (art. 2o, Lei no. 2889/56), de crimes hediondos (art. 8o, Lei no. 8072/90) ou de drogas (art. 35, Lei no. 11343/2006), há previsão legal especial.
� HUNGRIA, Nelson; DRUMMOND, J. Magalhães. Comentários ao Código Penal. Vol. IX. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1944. pp. 166-168.
� JESUS, Damásio E. Direito Penal. Ed. Saraiva. Vol. 03. 16ª edição. p. 404. São Paulo, 2007. 
� MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Ed. Atlas. Vol. III, 22ª edição. pp. 164 e 168. São Paulo, 2007.
� MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Ed. Atlas. Vol. III, 22ª edição. pp. 165 e 167. São Paulo, 2007.
� BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 4. 2ª edição. p. 286. São Paulo, 2006.
� MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Ed. Atlas. Vol. III, 22ª edição. p. 166. São Paulo, 2007.
� NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Ed. RT. 6ª edição. p. 946. São Paulo, 2006.
� JESUS, Damásio E. Direito Penal. Ed. Saraiva. Vol. 03. 16ª edição. pp. 404 e 408. São Paulo, 2007. 
� MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Ed. Atlas. Vol. III, 22ª edição. p. 165. São Paulo, 2007.
� NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Ed. RT. 6ª edição. p. 946. São Paulo, 2006.
� MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Ed. Atlas. Vol. III, 22ª edição. p. 168. São Paulo, 2007.
� JESUS, Damásio E. Direito Penal. Ed. Saraiva. Vol. 03. 16ª edição. p. 414. São Paulo, 2007.
� MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Ed. Atlas. Vol. III, 22ª edição. p. 172. São Paulo, 2007.
� NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Ed. RT. 6ª edição. p. 947. São Paulo, 2006.
� JESUS, Damásio E. Direito Penal. Ed. Saraiva. Vol. 03. 16ª edição. p. 412. São Paulo, 2007.
� STF: HC nº 84.669/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, in DJ 17/6/2005; HC nº 67.111/RJ, Rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, in DJ 4/4/89; STJ: HC nº 60.695/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, in DJ 18/12/2006; HC nº 28.035/SP, rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, in DJ 18/2005; TJDF: Ap. Crim. nº 245.750, Rel. Des. Sérgio Bittencourt, 1ª Turma Criminal, in DJ 7/6/2006; Ap. Crim. nº 234.958, Rel. Des. Edson Smaniotto, 1ª Turma, in DJ 22/2/2006. 
� STF: HC nº 78.821/RJ, Rel. Min. Octávio Galotti, 1ª Turma, in DJ 17/3/2000; STJ: HC nº 3.222/RJ, Rel. Min. Adhemar Maciel, 6ª Turma, in DJ 2/10/95.
� NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Ed. RT. 6ª edição. p. 950. São Paulo, 2006.
� BITTENCOURT, Cézar Roberto. Comentários à Lei de Organização Criminosa. São Paulo: Saraiva, 2014.

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