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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM Fundamentos de Psiquiatria Professor Doutor Richardson Miranda Machado - Divinópolis / Minas Gerais - 2 SUMÁRIO 1 HISTORIA DA PSIQUIATRIA ................................................................................................ 7 1.1 Histórico Mundial .............................................................................................................. 7 1.2 Histórico do Brasil ............................................................................................................ 9 1.3 Histórico de Minas Gerais ................................................................................................ 10 2 DOENCA MENTAL ............................................................................................................... 12 2.1 Causa das Doenças Mentais ........................................................................................... 12 2.2 Classificação Psiquiátrica ............................................................................................... 15 2.3 Topografia da Mente .......................................................................................................... 15 2.4 Classificação da Psique Humana ..................................................................................... 17 3 EXAME PSIQUIATRICO ........................................................................................................ 19 3.1 Histórico Familiar ............................................................................................................... 19 3.2 Histórico do Paciente ........................................................................................................ 20 3.3 Historia da Moléstia Atual ................................................................................................. 21 3.4 Exame do Estado Mental ................................................................................................... 22 4 PERSONALIDADE ................................................................................................................. 27 4.1 Teoria da Personalidade .................................................................................................... 27 4.2 Classificação dos Transtornos da Personalidade .......................................................... 28 4.3 Transtornos de Personalidade de Preferência Sexual ................................................... 29 4.4 Personalidades Psicopáticas ............................................................................................ 30 3 5 TRASNTORNOS NEUROTICOS .......................................................................................... 33 5.1 Transtorno Neurótico Fobico Ansioso ........................................................................... 33 5.2 Transtorno Obsessivo-Compulsivo ................................................................................ 37 5.3 Reação ao “Stress” .......................................................................................................... 40 5.4 Transtorno de Adaptação ................................................................................................ 41 5.5 Transtornos Somatoformes ............................................................................................. 41 5.6 Transtorno Hipocondríaco ............................................................................................... 42 5.7 Distúrbios Psicossomáticos ............................................................................................ 42 6 TRANSTORNOS PSICOTICOS ............................................................................................ 44 6.1 Esquizofrenia .................................................................................................................... 44 6.2 Esquizofrenia Paranóide .................................................................................................. 50 6.3 Esquizofrenia Hebefrênica ............................................................................................... 50 6.4 Esquizofrenia Catatônica ................................................................................................. 50 6.5 Esquizofrenia Indiferenciada ........................................................................................... 51 6.6 Esquizofrenia Residual .................................................................................................... 51 6.7 Esquizofrenia Simples ...................................................................................................... 51 7 TRASNTONOS PSIQUIATRICOS EM DECORRENCIA DE ALTERACOES ORGANICAS.............. 52 7.1 Psicose Orgânica .............................................................................................................. 52 7.2 Estados Confusionais Agudos (Delírio Agudo) ............................................................. 53 7.3 Estados Crônicos Irreversíveis ....................................................................................... 53 4 7.4 Demência ........................................................................................................................... 53 7.5 Doença de Alzheimer ........................................................................................................ 53 7.6 Demência Vascular (Arteriosclerotica) ........................................................................... 54 7.7 Demência da Doença de Pick .......................................................................................... 54 7.8 Demência Pré-Senil .......................................................................................................... 54 7.9 Demência Senil ................................................................................................................. 54 8 DISTÚRBIOS AFETIVOS ...................................................................................................... 55 8.1 Estados Depressivos ........................................................................................................ 55 8.2 Classificação da Depressão ............................................................................................ 55 8.3 Depressão Reativa ou Neurótica ..................................................................................... 57 8.4 Depressão Endógena ou Psicótica ................................................................................. 57 8.5 Melancolia Involutiva ........................................................................................................ 57 8.6 Transtorno Afetivo Bipolar .............................................................................................. 60 9 SINDROMES COMPORTAMENTAIS ASSOCIADAS A DISFUNCOES PSICOLOGICAS E EMOCIONAIS ....................................................................................................................... 63 9.1 Transtornos da Alimentação – Anorexia Nervosa ......................................................... 63 9.2 Transtornos da Alimentação – Bulimia Nervosa ........................................................... 66 9.3 Transtornos do Sono ........................................................................................................ 69 9.4 Insônia Não Orgânica ....................................................................................................... 69 9.5 Hipersonia Não Orgânica .................................................................................................69 9.6 Transtornos do Ciclo Vigília-Sono .................................................................................. 69 5 9.7 Sonambulismo .................................................................................................................. 72 9.8 Terror Noturno .................................................................................................................. 72 9.9 Pesadelos .......................................................................................................................... 72 9.9.1 Narcolepsia ..................................................................................................................... 73 10 TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO E TRANSTORNOS EMOCIONAIS QUE APARECEM HABITUALMENTE DURANTE A INFANCIA OU ADOLESCENCIA ................. 75 10.1 Transtornos Hipercinéticos ........................................................................................... 75 10.2 Distúrbios de Conduta ................................................................................................... 75 10.3 Tiques .............................................................................................................................. 75 10.4 Enurese de Origem Não Orgânica ................................................................................. 76 10.5 Encoprese ........................................................................................................................ 76 10.6 Transtornos de Alimentação na Infância ...................................................................... 77 10.7 Pica do Lactente ou da Criança ..................................................................................... 77 10.8 Gagueira (Tartamudez) ................................................................................................... 77 10.9 Linguagem Precipitada .................................................................................................. 77 11 TRANSTORNOS NEUROLOGICOS ................................................................................... 78 11.1 Epilepsia .......................................................................................................................... 78 11.2 Grande Mal Epilético ...................................................................................................... 80 11.3 Pequeno Mal Epilético .................................................................................................... 80 11.4 Epilepsia Focal ................................................................................................................ 80 12 DEPENDENCIA DE DROGAS ............................................................................................ 83 6 12.1 Tipo de Dependência ...................................................................................................... 84 12.2 Drogas Alucinógenas ..................................................................................................... 85 12.3 Alcoolismo ....................................................................................................................... 86 13 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................................... 89 7 1 HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA Histórico Mundial Através de toda a história tem sido registrada a existência de distúrbios mentais, desde as épocas mais remotas, os quais são retratados em diversas obras por historiadores, poetas, pintores, escultores e médicos. Os próprios homens primatas em suas pinturas nas paredes das cavernas deixaram indícios da existência dos distúrbios mentais. Deste modo, como disse o grande filósofo René Descartes, “penso, logo existo”, podemos ousar em dizer, “desde que o homem pensou e passou a existir, logo existiram os distúrbios mentais’”. Apenas para citar algumas figuras históricas conhecidas que eram portadoras de distúrbios mentais, temos os exemplos na Bíblia, Saul (rei), primeiro rei de Israel, sofria com estados depressivos, que atribuía ao fato de se encontrar possesso de um espírito maligno. Para combater essas crises, Saul pedia a David, seu sucessor, que lhe tocasse a harpa. Temos os Imperadores Romanos Calígula e Nero, os reis franceses Clóvis II e Carlos VI, este último chamado de Carlos, o Louco, o qual acreditava ser feito de vidro e que inseria pequenas hastes de ferro em suas roupas a fim de prevenir que se partisse em pedaços. Entretanto, antes da cultura grega, toda a medicina física e psíquica do homem primitivo se apoiava em concepções de natureza mágica e intuitiva, constituindo assim atividade de sacerdotes e feiticeiros, pois as doenças representavam a manifestação da ira divina, não tendo assim seu conhecimento e tratamento nenhum caráter científico. Na Grécia, algumas doenças mentais eram vistas como sendo vinganças dos deuses, porém com o materialismo grego, iniciou-se uma visão mais detalhada e profunda para aspectos naturais como sendo causadores de doenças mentais, iniciando assim nessa época uma das primeiras abordagens científicas dos distúrbios mentais através de tratamentos médicos para alguns transtornos dos quais deixava de participar a mitologia grega. Na ansiedade de se compreender os distúrbios mentais ganham assim destaque todos os estudos já realizados sobre essas desordens, tendo grande crédito os estudos que se originaram no antigo Egito, (pois os egípcios, pelo seu conhecimento em anatomia humana, adquirido pelo hábito de embalsamar cadáveres, produziram diversos escritos) que destacavam o papel do cérebro na origem dos transtornos mentais. Hipócrates (460-377 A.C), por muitos chamado de o pai da medicina, em sua época prossegue na investigação das doenças mentais apoiando-se nos aspectos científicos, e, sabiamente vem a confirmar que o cérebro era o órgão central e principal do corpo humano, de onde provinham os pensamentos e as emoções e que a cura das doenças se dá com a participação principal da própria natureza, sendo os médicos apenas auxiliares para os processos de cura. Os seguidores de Hipócrates parecem ter sido os primeiros a produzirem uma classificação das doenças mentais. Porém, durante o período medieval (Idade Média) consta, segundo alguns autores que com o advento do cristianismo, modifica-se a atitude para com os doentes mentais. As doenças mentais novamente passam a ter explicações mísitico-religiosas e teriam ligação com o diabo e suas atividades. Tal conceito chegou ao auge com a Inquisição da Igreja Católica Romana que torturou e queimou doentes mentais em fogueiras sob a alegação de que necessitavam ser destruídos, pois estariam possessos por demônios. E as supostas possessões teriam se iniciado por algum envolvimento deliberado desses doentes com o Diabo. Durante três séculos os doentes mentais foram perseguidos, particularmente as mulheres, que eram queimadas como bruxas. 8 O primeiro grande passo para a retomada do progresso científico da Psiquiatria ocorreu apenas no século XVIII, onde começou a se espalhar pela Europa uma atitude mais humana e esclarecida para com o doente mental. Algumas personalidades mostraram-se indignadas pelo modo como o insano era tratado, como o médico francês Philippe Pinel, que através dos seus estudos instituiu reformas humanitárias para o cuidado com os doentes mentais e os libertou das correntes que os prendiam no manicômio Bicêtre. Na Inglaterra, ocorreram também mudanças importantes que influenciariam o modo como os doentes mentais eram tratados na Europa, como as reformas realizadas por Willian Tuke, que fundou o hospitalRetreat de York, onde proibiu o uso das correntes e algemas, sendo os pacientes tratados com respeito e bondade. Estas mudanças no tratamento do insano suscitaram assim grande interesse e preocupação com o doente mental, gerando em vários países da Europa uma investigação sobre as condições dos hospícios, o que revelou uma situação terrível. Mas já em 1808 havia sido introduzido um projeto de lei visando proporcionar um melhor tratamento ao doente mental. Foram emendas a tal projeto que levaram à criação da Comissão de Doentes Mentais (Lunacy Commission). Assim, através da atuação da Lunacy Commission começaram a ser construídos hospitais dignos destinados para doentes mentais em todo o país. Em sua maior parte, eles eram enormes, com dois mil ou mais leitos, situados em locais bem distantes das grandes cidades, das quais recebiam seus pacientes. Entretanto, a visão esclarecida dos primeiros reformadores gradualmente deu lugar à indiferença e à apatia entre os membros da equipe clínica dos hospitais. Os pacientes passaram assim a serem empilhados em pavilhões trancados, freqüentemente muito sedados e praticamente sem qualquer oportunidade para o desenvolvimento de respeito próprio e iniciativa. Em certo sentido, eram parias sociais, segregados das pessoas normais e considerados como animais. Como alternativa para reverter novamente a situação dos doentes mentais, em 1890 foi outorgada a Lei da Insanidade, a qual dispunha que somente os pacientes com atestados médicos podiam ser admitidos num hospício. Esta situação se manteve até a lei de 1930, onde novamente passaram a permitir que os hospitais para doentes mentais admitissem pacientes que procurassem tratamento. Em 1948, foi criado o Serviço Nacional de Saúde e de uma hora para outra todos os hospitais, gerais e psiquiátricos, passaram ao controle do estado, que os igualou em status e auxílio financeiro. Isso levantou o ânimo dos membros das equipes dos hospitais psiquiátricos, repercutindo favoravelmente para os pacientes. Novas formas de direção foram introduzidas e esforços foram realizados para enfrentar os efeitos danosos da internação. Muitas portas foram abertas, passando a ser posto em prática o conceito de comunidade terapêutica. Os pacientes passaram a ser tratados como seres humanos, proporcionando-se-lhes liberdade e independência. Tudo isso foi melhorado ainda com a introdução, no início da década de 50, dos tranqüilizantes do grupo fenotiazina e, alguns anos mais tarde, dos antidepressivos. A Lei da Saúde Mental de 1959 completou o processo de abolição das diferenças legais entre doente mental por ordem de internação compulsória ou pela própria vontade do paciente. Enquanto isso, os velhos hospícios tornaram-se demasiadamente grandes e decrépitos, não satisfazendo as modernas exigências psiquiátricas. Em virtude do melhor tratamento, da instalação de clínicas particulares, da atitude mais tolerante e esclarecida do povo para com as doenças mentais e dos preceitos da Lei de 1959 autorizando as autoridades de saúde locais a propiciar acomodações residenciais e cuidados ao insano – os quais mesmo assim estavam longe de ser satisfatórios - o índice de altas dos hospícios aumentou. Um levantamento feito em 1961 indicou que a necessidade de leitos para hospitais psiquiátricos cairia de 3,3 para cada mil habitantes em 1961 para 1,8 para cada mil 9 habitantes em 1976. Desse modo, foi sugerido que parte ou a totalidade dos muitos hospitais psiquiátricos poderia ser fechada, tendo sido fixadas datas para o fechamento. O departamento de Saúde e Segurança Social da Inglaterra define então que as populações especificas sejam servidas por uma espécie de Hospital Geral Distrital, dentro do qual existiriam departamentos de doenças mentais. Tais departamentos incluirão serviços fé ambulatório, possibilidade de tratamento diurno e meios para o atendimento de pacientes geriátricos. Espera-se que, por fim, que esses hospitais sejam capazes de substituir os grandes hospitais para doentes mentais, desde que tenham o devido apoio dos serviços de uma comunidade adequada. A chave para o êxito do desenvolvimento de tais serviços tão necessários está no conceito da “equipe terapêutica”, nas acomodações adequadas e nos recursos da comunidade. Uma equipe é constituída de um psiquiatra e um grupo de enfermeiras, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais, responsáveis por uma população de cerca de 60 mil habitantes. O objetivo é manter um serviço flexível e sempre que possível tratar o paciente na comunidade. É essencial que exista um bom relacionamento entre os membros da equipe, o médico da família, as enfermeiras distritais, os educadores sanitários e os assistentes sociais da comunidade local. O conceito em sua totalidade é estimulante, exigindo novas habilidade e conhecimentos por parte dos enfermeiros. Histórico do Brasil Para compreender o contexto histórico no Brasil sobre os chamados alienados, em fins do século XIX, bem como as atitudes colocadas na pratica, devemos considerar o contexto ao qual pertenciam. No século XIX a loucura era mais uma das modalidades de exclusão em uma sociedade brasileira praticamente polarizada entre senhores e escravos, onde havia uma grande margem de “inadaptados” aos quais se buscava repreender e disciplinar (Carneiro, 1993). Assim é que foi significativa, mesmo após o fim da escravidão e a proclamação da Republica, a quantidade de indivíduos situados como vadios e vagabundos. Nas ultimas décadas do século XIX as pessoas consideradas loucas eram equiparadas aos indivíduos classificados como desordeiros, unindo-se ao grupo dos incômodos e perigosos, que deveriam ser postos longe da dita boa sociedade. A loucura adquiria ares de moléstia social. Constata-se isto na pratica do recolhimento nas cadeias publicas, confirmando o fato de que não importava tanto o destino e os procedimentos empregados. A tônica em relação aos alienados era a falta de assistência publica, a qual se somava a marginalização de que foram alvos. O Projeto de Construção dos Hospícios As iniciativas que pretendiam organizar os espaços urbanos no Brasil começaram a ganhar impulso considerável na 1º metade do século XIX, contando com a atuação da chamada Medicina Social, possuidora de propostas que reclamavam a necessidade de intervir na constituição das cidades: sua distribuição, suas características físicas e arquitetônicas, os hábitos de seus moradores. Atacando aqueles lugares vistos como possíveis propagadores de doenças ou desordens, pretendia interferir na criação e no funcionamento de ruas, fabricas, cemitérios, escolas, hospitais. Buscava uma espécie de normalização da sociedade baseada na idéia de uma formação sadia, uma cidade limpa (em vários aspectos), composta por indivíduos “sãos” (MACHADO, 1978). Entre as bandeiras levantadas pela medicina da época estava a construção de hospícios, instituições que deveriam ter por responsabilidade exclusiva o abrigo e tratamento das pessoas consideradas alienadas, cujo vagar pelas ruas era motivo de tantas queixas e protestos. Em 1852 foi inaugurado na cidade do Rio de Janeiro o Hospício D. Pedro II, estabelecimento criado para servir de modelo a todo 10 o país, ao menos na teoria. Na realidade o que se viu foram inúmeros problemas como excesso de lotação, falta de pessoal especializado, arbitrariedades, falta de organização e muito descrédito na capacidade de empreender qualquer cura efetiva. Um local onde os próprios médicos tinham um campo de atuação e autoridade muito limitado (ENGEL, 2001). Apesar disso a 2º metade do século XIX assistiu à inauguração de vários hospícios por todo o Brasil, inclusive no Norte-Nordeste: Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Paraíba, Salvador e Maceió (REZENDE, 2000) História da Psiquiatria Mineira Até que provem o contrário,em 24 de janeiro de 1817 foi internado o primeiro doente mental em Minas Gerais, na Santa Casa de São João del Rei, no seu anexo para loucos. Certamente, tivemos ali nossa primeira unidade psiquiátrica em hospital geral, que funcionou até 1902. Até então, ou alhures, os alienados vagavam pelas vias públicas, ou eram recluídos às cadeias. Em 1903, em Barbacena, instalou-se o Hospital de Assistência a Alienados, centralizando recursos que eram aplicados em várias santas casas. Em 1911, inaugurou-se a Colônia em Barbacena, sob o princípio de que o alienado deve trabalhar. Entrementes, a superlotação hospitalar afogou todos os planos de um "trabalho terapêutico". A solução encontrada foi a criação de um novo hospital psiquiátrico: em 1922, em Belo Horizonte, o Instituto de Neuropsiquiatria, mais tarde, Insituto Raul Soares. Chegou a desfrutar do status de hospital modelo, para, em seguida, cair na rotina de superlotação e cárcere. Outros hospitais psiquiátricos públicos: o Hospital Psiquiátrico de Oliveira (1924), o Manicômio Judiciário de Barbacena (1929), o Hospital de Neuropsiquiatria Infantil (1947) e o Hospital Galba Veloso (1962). Entram em cena, agora, os hospitais privados. A internação de pacientes particulares “os contribuintes” já era realizada no Hospital Colônia de Barbacena. Contudo, a primeira clínica particular foi a Casa de Saúde Santa Clara, de Belo Horizonte, fundada em 1937. Em 1953 existiam, em Minas Gerais, 16 clínicas privadas, embora a maior capacidade de internação ficasse por conta dos hospitais públicos, grandes manicômios. As clínicas desenvolviam atuação puramente comercial; estavam precariamente instaladas e não tinham vocação terapêutica. Em 1991, a proporção havia mudado: dos 8087 pacientes psiquiátricos internados no estado de Minas Gerais, 1266 estavam em seis hospitais públicos e 6861 em trinta hospitais privados, contratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O eixo Belo Horizonte - Barbacena - Juiz de Fora, com 30% da população do Estado, absorvia 73% dos leitos. Até aqui, a história da psiquiatria mineira está dominada pela história de seus manicômios. Uma história de segregação, brutalidade e mercantilismo, onde o interesse terapêutico só apareceu em momentos efêmeros ou em iniciativas isoladas. O ano de 1979 marcou virada decisiva, culminando o trabalho de mais de um decênio, a Residência de Psiquiatria da FHEMIG (fundada no Hospital Galba Veloso, em 1968, e transferida para o Instituto Raul Soares, em 1971) programou o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, para apresentar e discutir as suas teses. O programa não restringia o debate aos profissionais da área; pelo contrário, pretendia que a participação fosse a mais ampla possível. O êxito foi grande. O Congresso seria em dezembro. Desde agosto começaram as denúncias e as publicações nos jornais. Em setembro, numa decisão histórica, o Secretário da Saúde abriu as portas de todos os hospitais psiquiátricos públicos à imprensa. Veio a série de reportagens intitulada “Nos Porões da Loucura”, além do filme “Em Nome da Razão”. Em dezembro, com as presenças de Basaglia e de Castel, realizou-se o Congresso, com renovação das denúncias e a apresentação de propostas de reformulação da política de saúde mental. Hoje, avaliando retrospectivamente, podemos dizer que teve início ali a Reforma Psiquiátrica de Minas. 11 Em 1980, com o apoio do Secretário da Saúde e da Direção Geral da FHEMIG, instalou-se o Projeto de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Pública, que teve início no Instituto Raul Soares, e que posteriormente se estendeu ao Hospital Galba Veloso, ao Centro Psicopedagógico (ex-Hospital de Neuropsiquiatria Infantil) e ao Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (ex-Hospital Colônia de Barbacena). As transformações verificadas foram tão impressionantes que, retornando a Barbacena em 1993, o jornalista autor daquela célebre série de reportagens publicou outra: Os Jardins da Loucura. A questão, porém, deixou de ser a mudança dos hospitais psiquiátricos. A partir de 1987, o movimento de saúde mental de Minas adotou as teses do II Encontro Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental, realizado em Bauru, que propõem uma sociedade sem manicômios. Tratar-se-á não somente da transformação do hospital psiquiátrico mas de sua abolição, de sua substituição gradativa pelo modelo da saúde mental: ambulatórios, hospitais-dia, serviços de urgência, unidades psiquiátricas em hospitais gerais, centros de convivência, pensões protegidas. É com este objetivo que têm sido criados, na capital e no interior do Estado, serviços de saúde mental como os referidos. Entretanto, os recursos públicos para a saúde mental são limitados, e estão concentrados no modelo manicomial. É preciso, além de nova política, redestinação de recursos. Numa tentativa de formalizar suas propostas, avançar na sua relização e implicar setores atuantes da sociedade, o movimento de saúde mental de Minas elaborou o Projeto de Lei nº 11802. Aprovada em dezembro de 1994 pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, a Lei nº 11802, a Lei da Reforma Psiquiátrica de Minas, foi assinada pelo Secretário da Saúde e sancionada pelo Governador em janeiro de 1995, e encontra-se em fase final de regulamentação. Para terminar definiremos, em poucas palavras, o que distingue o movimento da reforma psiquiátrica de Minas. É a consideração e o entrecruzamento de três eixos básicos, a saber: a psiquiatria, a psicanálise e a dimensão sociopolítica. Complexa elaboração, num contexto onde tiveram audiência Pinel e Kraepelin, Freud e Lacan, Foucault e Basaglia. Não há aqui nenhuma síntese ou composição: pelo contrário, trata-se de exercício teórico-prático tenso e difícil, com avanços e retrocessos, onde se procura relevar o conceito de cidadania e uma clínica do sujeito. 12 2 DOENÇA MENTAL A doença mental pode ser considerada do ponto de vista subjetivo ou objetivo. O próprio paciente pode dizer que está doente, que sofre de ansiedade e medo intoleráveis e que tudo isso interfere seriamente em sua vida, assim como, um outro paciente pode se considerar são e equilibrado e, apesar disso, ser tido como louco por seus amigos. A final “quem é louco e quem é normal? - Essa é uma questão que tem estimulado discussões sem fim. Popularmente ou culturalmente, o problema da Doença Mental, notadamente daquela doença mental responsável pela superlotação dos hospitais psiquiátricos, resume-se à alguém cujo comportamento difere dos demais e é capaz de provocar algum grau de ansiedade e constrangimento social. Para o diagnóstico médico, entretanto, não basta o incômodo social ou familiar. É impossível fazer uma avaliação completa do paciente sem entender sua origem social e cultural. Pois a despeito disso, sabemos que formas extremas de doença mental, são reconhecíveis em qualquer cultura, raça, gênero, idade, credo e classe econômica, assim para que possamos entender como e por que elas se desenvolvem necessitamos conhecer o contexto geral no qual o paciente está inserido. Deste modo, a Psiquiatria Clínica se constitui em um ramo da medicina aplicado às alterações psíquicas, ao diagnóstico, ao tratamento e à profilaxia das doenças mentais, onde através da Psicopatologia se propõe a conhecer e descrever os fenômenos psíquicos e patológicos no contexto sócio-cultural ao qual estão inseridos. A Psiquiatria assim procura se desvelar das pressões político-sociais, e busca o diagnóstico dos “Distúrbios Mentais” não apenas pelos atos dos pacientes, mas, sobretudo, em razão de seus sofrimentos e suas limitações. Isso quer dizer que, enquanto a sociedade tem uma preocupação centrada exclusivamente no comportamento da pessoa, a psiquiatria se preocupa também e, predominantemente, como sentir e o sofrer. Desta forma, as alterações psicopatológicas ou os desvios da normalidade devem ser considerados tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo, freqüentemente ambos e simultaneamente. Dentro deste critério, devemos ter em mente o seguinte: nem sempre o habitual é normal ou ainda, nem sempre o excepcional é patológico. Portanto, as exceções não podem servir como único parâmetro para se estabelecer um diagnóstico em psiquiatria, mas sim o prejuízo funcional e emocional pelo qual o indivíduo é acometido. CAUSAS DAS DOENÇAS MENTAIS Toda doença mental e sua sintomatologia se desenvolvem a partir das interações da personalidade da pessoa com uma ou mais tensões. A tensão pode ser “interna”, como resultado de alterações orgânicas e psicológicas no organismo (uremia, moléstias de deficiência, perturbações endocrinológicas, carcinoma, alterações vasculares, intoxicantes e assim por diante), ou “externa”. É importante reconhecer que a tensão externa não é necessariamente ruim e tenha que ser evitada. Para que funcionemos eficientemente, precisamos de contínua estimulação do nosso meio ambiente. Freud via o estado ideal da mente como uma ausência de tensão, mas isto só é possível e desejável com a morte. É impossível viver uma vida sem tensão, o que dito de outra maneira significa que todo mundo tem que se adaptar continuamente. Sem tensão não haveria a estimulação (motivação) nem o conseqüente desenvolvimento. As crianças saem de sua rotina na busca de motivação. Observe como uma criança pequena continuamente explora e experimenta seu meio ambiente. Isto é essencial para o desenvolvimento de suas funções mentais. Crianças superprotegidas pela mãe e resguardadas de 13 tensões são menos capazes de se defender na vida futura. No entanto, por outro lado, a tensão pode ser dominante. A tensão dominante pode retardar seriamente um ou mais aspectos do desenvolvimento mental de uma criança. Como, onde e quando a tensão é dominante é uma questão que depende em parte de fatores constitucionais e de experiências anteriores. Provavelmente há idades críticas para o desenvolvimento de diferentes funções, e se a tensão tem ou não um efeito contrário, isto pode depender da idade da criança na época. Por exemplo, há alguma evidência de que a tensão resultante da separação por mais de três meses de uma criança menor de cinco anos de idade de sua mãe pode em alguns casos retardar seu desenvolvimento emocional e deformar sua personalidade. Talvez seja melhor pensar na tensão em termos de física, para qual ela significa a pressão exercida por qualquer força sobre um objeto. A reação interna do organismo à tensão é conhecida como esforço (strain). A natureza e a extensão do esforço dependem do organismo e da forma como ele é pressionado. Assim, diferentes organismos apresentam esforços em níveis diferentes e de diferentes modos. A tensão é tolerada até certo ponto. Porém, há o perigo de se tornar insuportável para o organismo. Imaginemos, por exemplo, uma caldeira que só pode funcionar eficientemente com uma certa pressão de vapor. Se a válvula de segurança se emperrar e a pressão interna continuar aumentando, mais cedo ou mais tarde a caldeira explodirá. Caso semelhante acontece com o corpo humano. A personalidade individual depende em parte da hereditariedade e em parte de experiências anteriores. Assim, a hereditariedade e o meio ambiente é que determinam quanta tensão e de que tipo uma pessoa pode tolerar. Se você já superou com êxito um acometimento de sarampo durante a infância, normalmente não terá dificuldades para enfrentar futuras infecções. Isto porque seu organismo “aprendeu” a produzir anticorpos aos vírus. Durante o primeiro surto o corpo aprendeu a se adaptar, capacitando-se desse modo a lidar com futuras tensões deste tipo. Da mesma forma uma pessoa aprende a lidar com situações emocionais na vida futura. As defesas desenvolvem-se durante as primeiras experiências, repetindo-se sempre que surgirem situações semelhantes. Os indivíduos diferem muitíssimo quanto aos motivos da tensão. A medida exata da tensão existente em qualquer situação ou evento depende de seu significado especial para tal ou qual pessoa. Certas situações provocam muita tensão na maioria das pessoas, como por exemplo, um sério acidente rodoviário ou ferroviário. Algumas situações afetam mais umas do que outras. A morte súbita de uma mãe já idosa provavelmente causa algum pesar em todos os seus filhos. Mas a filha solteira pode perturbar-se de tal forma a ponto de tornar-se mentalmente enferma. Uma reprovação no exame pode ter um efeito moderado numa enfermeira, ao passo que, numa outra pode precipitar um colapso, na medida em que seu amor próprio dependa de seu êxito e da aprovação pública. A morte de um gato provavelmente não constituirá uma tragédia séria numa família feliz, mas uma velhinha solitária poderá ter um colapso se o seu gato vier a morrer. Também ocorre tensão em um nível principalmente físico. Fome, sede, ferimentos, moléstias e extremos de calor e frio podem causar danos diretos ao organismo ou provocar alterações que interfiram na eficiência de seu funcionamento. Se a tensão for excessiva, os mecanismos de homeostase entram em colapso, podendo sobrevir a morte. O efeito de uma tensão psicológica irresistível sobre o sistema nervoso é o de torná-lo instável e mal adaptado. Indecisão e dependência emocional podem aparecer numa pessoa que anteriormente era decidida e estável. Um soldado dominado pelo medo poderá correr direto para a linha de fogo ao invés de procurar abrigo. Uma esposa que acabou de ver o marido ser assassinado diante dos seus olhos poderá rir e brincar como se nada tivesse acontecido. Uma jovem que é assaltada pode tentar gritar, mas poderá perder a voz. Em alguns casos, a personalidade se desintegra totalmente e aparecem os “Distúrbios Mentais”; são essas reações extremas que interessam aos psiquiatras. 14 Há um crescente interesse pela possível relação entre a ocorrência de eventos que provoquem tensão na vida de uma pessoa e o aparecimento de uma moléstia física ou mental. Vários estudos têm demonstrado que o “estado de luto” é freqüentemente seguido de crescente morbidez psíquica e morte. O início de um “Distúrbio Mental” agudo é freqüente e imediatamente precedido de considerável tensão. Eventos com tensão precedem o início de enfermidades psíquicas, apesar de elas usualmente se estenderem por um período de tempo maior. Durante uma guerra ou revolução, a morbilidade psiquiátrica entre os combatentes está diretamente relacionada ao índice de mortalidade e, conseqüentemente, com o perigo físico encontrado. Por vezes, parece que os “Distúrbios Psíquicos” se seguem imediatamente a um evento causador de tensão como, por exemplo, após um parto ou uma histerectomia. Em outros casos, o distúrbio psíquico vem à tona depois de decorridos meses ou até anos. Ainda não sabemos de que maneira a tensão provoca a doença mental ou física, embora a síndrome de adaptação geral de Selye possa proporcionar uma explicação parcial. Tampouco sabemos se a tensão age somente como um fator não específico desencadeador da doença ou se ela tem um efeito mais específico, ligando-se conflitos e perturbações precedentes e trazendo-os à tona. As tensões mais comuns hoje em dia são: 1 – Perda de coesão familiar ou social: O “estado de luto”. A perda de um dos pais na primeira infância, em particular da mãe, predispõe à depressão na vida futura. É provável que o “estado de luto” na meia-idade seja seguido por enfermidade depressiva e crescente risco de trombose coronária. Divórcio e separação, a dissolução de uma família e a aposentadoria são prováveis causas de depressão e suicídio. Até os 55 anos, as mulheres solteiras são mais propensas a cometer suicídio do que as mulheres ou homens casados, certamentedevido a seu estilo de vida e relativo isolamento. Um casamento que para um estranho possa parecer infeliz não sofre necessariamente tensões. Um marido agressivo pode ter brigas constantes com uma esposa “masoquista”, que procura compulsoriamente a punição, mas elas provavelmente são necessárias para manter o casamento. Por outro lado, sabemos que brigas freqüentes e violentas provocam estados de tensão nas crianças. Com o tempo, as necessidades psicológicas originalmente sentidas por um cônjuge em relação ao outro são passíveis de alteração. A chegada de uma criança freqüentemente altera a relação conjugal. O homem ou a mulher pode se envolver numa relação extraconjugal. Ressentimentos guardados por um longo período de tempo podem provocar tensões e depressões intoleráveis. Quando uma mulher está presa a um casamento indesejável por uma criança cujo nascimento não foi bem recebido ou uma filha solteira sustenta financeiramente e convive com uma velha mãe impertinente, ambas podem entrar em colapso e necessitar de tratamento psiquiátrico. Habitações ruins e com gente demais têm efeito negativos na saúde mental e física. Porém , a mudança para uma nova casa e mais satisfatória não é necessariamente vantajosa. Ambientes estranhos e vizinhos que não se mostram amigos provocam uma crescente sensação de isolamento que pode torna- se uma extrema tensão. O conceito de “neurose urbana’ entre as pessoas que se mudam de uma área central da cidade para um empreendimento imobiliário da periferia, especialmente as mulheres, foi descrito em 1938. Ela foi então atribuída à perda do ambiente conhecido, isolamento social, distância do emprego e grandes despesas. Apesar da relação entre as condições sociais dos novos empreendimentos imobiliários e os distúrbios neuróticos terem sido recentemente questionados, tal situação sem dúvida provoca alguma tensão em algumas pessoas. Há muito se reconheceu que os imigrantes correm risco consideravelmente acima da média de desenvolver distúrbios psíquicos. Em nosso país, o imigrante, particularmente de cor, tem que lutar com tensões consideráveis, apesar de elas serem freqüentemente compensadas pela presença da família e dos amigos. Péssimas acomodações representam uma tensão a mais para o imigrante, mas muitos não procuram auxílio para enfrentar seus problemas psíquicos senão quando seriamente enfermos. 15 2 – Tensões financeiras e profissionais. As tensões financeiras podem ser reais, “imaginárias” (demonstrando uma personalidade insegura) ou mais freqüentemente uma mistura de ambas. Um homem pode ter que economizar ou gastar excessivamente para “manter as aparências” ou manter os filhos em escolas particulares que vão além de suas possibilidades financeiras. Muita gente fica consternada ao perder seus empregos. Não apenas suas finanças sofrem, mas também seu moral e autoconceito. Não são pouco, relativamente, os que entram em colapso, em se tratando de pessoas naturalmente inseguras, que necessitam constantemente contar vantagens e se atribuir êxitos e aplausos. Pessoas de habilidade limitada, por serem conscienciosas e trabalhadoras, às vezes alcançam posições de responsabilidades que excedem a sua capacidade. Mas acabam por entrar em colapso mais cedo ou mais tarde. Um outro tipo de paciente tem grande motivação e habilidade. Inicialmente, fantasia e realidade se mesclam. Êxito atrai êxito e repentinamente ele se vê na direção de uma grande empresa, parecendo não haver razão para que não confiando em ninguém para a execução correta de um trabalho. Preocupado com detalhes, ele se torna cada vez mais exausto. A ansiedade cresce, explodindo então subitamente em ataques de pânico. Sendo todos esses exemplos de tensões de acordo com o peso que representam para cada indivíduo, podem levá-los mais cedo ou mais tarde a um estado de tamanha pressão que pode fazer com que eles apresentem um “Distúrbio Mental”. CLASSIFICAÇÃO PSIQUIÁTRICA A classificação de uma moléstia requer conhecimento de suas causas. Há um século atrás, a pneumonia era considerada uma síndrome, um grupo de sintomas que indicava moléstia do pulmão. Hoje, as pneumonias são claramente classificadas numa base etiológica. A psiquiatria, infelizmente, ainda se encontra no estágio da síndrome. Nosso conhecimento da etiologia dos distúrbios psíquicos ainda é rudimentar, embora esteja se desenvolvendo. Assim, a classificação dos distúrbios psiquiátricos é insatisfatória. Entretanto, tendo os psiquiatras que antecipar as conseqüências de qualquer doença, pesquisar e se comunicar entre si, torna-se necessária a classificação. Uma síndrome é constituída por um certo número de sintomas que, quando agrupados, formam um padrão reconhecível. É importante compreender então que um “Distúrbio Mental” é uma síndrome e não uma entidade etiológica. Hoje, numa tentativa de enquadrar os “Distúrbios Mentais” para que haja maior concordância de diagnostico entre os profissionais da área de psiquiatria, usa-se freqüentemente o conceito de “sintomas de primeira linha” de Kurt Schneider, os quais são um conjunto de sintomas que nos permitem classificar um “Distúrbio Mental” dentro de um grupo específico; porém somente quando se descobrir uma base bioquímica para os “Distúrbios Mentais” sua classificação se tornará realmente satisfatória. TOPOGRAFIA DA MENTE A teoria psicanalítica aparece no cenário mundial com Sigmund Freud (1856-1939), médico vienense que se especializou no tratamento das doenças do sistema nervoso e em particular as desordens psíquicas. Para Freud essas desordens psíquicas são nada mais que ansiedades excessivas, depressão, fadiga, insônia, paralisia e outros sintomas relacionados com conflitos ou tensões. Deste modo, Freud elaborou a teoria da “Topografia da Mente” a qual define como um sistema psíquico onde são elaboradas e armazenadas todas as informações que adquirimos em nossa vida através de nossas vivências. 16 O “psiquismo humano” ou melhor dizendo a “psiquê humana” seria composta por três partes distintas: Consciente: seria a parte da mente mais acessível, veiculada pelo nosso ego (pessoa); onde se armazena o que se vê, o que se enxerga, o que se conhece; é a manifestação de nossa individualidade encarnada, o ponto de contato com o mundo exterior onde chegam e são processadas as informações captadas pelos órgãos dos sentidos. Para Freud, o consciente é somente uma pequena parte da mente, incluindo tudo do que estamos cientes num dado momento. O interesse de Freud era muito maior com relação às áreas da mente menos expostas e exploradas, que ele denominava Pré-Consciente e Inconsciente. Pré-consciente: estritamente falando, o Pré-Consciente é uma parte do Inconsciente, uma parte que pode tornar-se consciente com facilidade. As porções da memória que nos são facilmente acessíveis fazem parte do Pré-Consciente. Estas podem incluir lembranças de ontem, o segundo nome, as ruas onde moramos, certas datas comemorativas, nossos alimentos prediletos, o cheiro de certos perfumes e uma grande quantidade de outras experiências passadas. O Pré-Consciente é como uma vasta área de posse das lembranças de que a consciência precisa para desempenhar suas funções. Inconsciente: a premissa inicial de Freud era de que há conexões entre todos os eventos mentais e quando um pensamento ou sentimento parece não estar relacionado aos pensamentos e sentimentos que o precedem, as conexões estariam no inconsciente. Uma vez que estes elos inconscientes são descobertos, a aparente descontinuidade está resolvida. "Denominamos um processo psíquico inconsciente, cuja existência somos obrigados a supor - devido a um motivo tal que inferimos a partir de seus efeitos - mas do qual nada sabemos" (1933, livro 28, p. 90 na ed. bras.). No inconsciente estão elementosinstintivos não acessíveis à consciência. Além disso, há também material que foi excluído da consciência, censurado e reprimido. Este material não é esquecido nem perdido mas não é permitido ser lembrado. O pensamento ou a memória ainda afetam a consciência, mas apenas indiretamente. O inconsciente, por sua vez, não é apático e inerte, havendo uma vivacidade e imediatismo em seu material. Memórias muito antigas quando liberadas à consciência, podem mostrar que não perderam nada de sua força emocional. "Aprendemos pela experiência que os processos mentais inconscientes são em si mesmos intemporais. Isto significa em primeiro lugar que não são ordenados temporalmente, que o tempo de modo algum os altera, e que a idéia de tempo não lhes pode ser aplicada" (1920, livro 13, pp. 41-2 na ed. bras.). Assim sendo, para Freud a maior parte da mente é inconsciente. Ali estão os principais determinantes da personalidade, as fontes da energia psíquica, as pulsões e os instintos. O inconsciente deste modo é constituído por tudo aquilo que ignoramos, por aquilo que não tem qualquer relação com o eu; é tudo o que conheço, mas não penso num dado momento, tudo aquilo de Inconsciente Pré- Consciente Consciente 17 que já tive consciência mas esqueci, tudo o que foi percebido por meus sentidos e meu espírito consciente não registrou, tudo o que involuntariamente e sem prestar atenção, sinto, penso, relembro, desejo e faço, todo o futuro que se prepara em mim e que só mais tarde se tornará consciente, tudo isso é conteúdo do inconsciente. A esse conteúdo se acrescentam as representações ou impressões penosas mais ou menos intencionalmente reprimidas: chamo de inconsciente pessoal ao conjunto de todos esses conteúdos. Mais além disso encontramos também no inconsciente propriedades que não foram adquiridas individualmente, foram herdadas, assim como os instintos e os impulsos que levam à execução de ações comandadas por uma necessidade, mas não por uma motivação consciente. CLASSIFICAÇÃO DA PSIQUÊ HUMANA Freud inovou em dois campos. Simultaneamente, desenvolveu uma teoria da mente e da conduta humana, e uma técnica terapêutica para ajudar pessoas afetadas psiquicamente. Provavelmente a contribução mais significativa que Freud fez ao pensamento moderno foi a de dar ao conceito de inconsciente um status científico (não compartilhado até então por várias áreas da ciência e da psicologia). Seus conceitos de inconsciente, desejos inconscientes e repressão foram revolucionários; propuseram uma mente dominada em certa medida por vontades primitivas que estariam escondidas sob a consciência e que se manifestam nos lapsos e nos sonhos. Como parte de sua teoria, Freud postulou também a existência de uma mente dividida em camadas ou níveis, a qual os indivíduos ao nascerem já a possuem na sua forma latente, sendo essa mente o resultado de uma predisposição genética, somada a fatores exógenos, orgânicos, ambientais e psicossociais. De acordo com Freud, a “Mente” ou “Psiquê Humana” se apresenta sob duas formas, segundo a sua elaboração e formação. Cada indivíduo já nasce portador de uma estrutura “Psíquica”, ou seja, nasce portador de uma “Psiquê”, a qual fará parte de sua essência por toda a sua vida. Sendo assim, existem dois tipos de “Psiquê Humana”, os quais segundo a sua apresentação nos permitem classificá-la em: Neuróticos Psicóticos Inconsciente Pré- Consciente Consciente Inconsciente Consciente 18 NEUROSE A “Psique” classificada como “Neurótica” como podemos observar apresenta uma estrutura mais completa, ou seja, o fato de possuir o pré-consciente proporciona uma melhor separação do Consciente do Inconsciente. Isso faz com que os processos mentais do Consciente não se fundam aos processos do Inconsciente, preservando assim a distinção do real e do imaginário. Um paciente com neurose reconhece que está doente, embora não possa associar seus sintomas com um conflito emocional, óbvio. Mas só parte de sua personalidade está envolvida e ele permanece em contato com a realidade, sendo capaz de reconhecer a qualidade subjetiva de seus sintomas e de distinguir entre o “eu” e o “não eu”. Sendo assim, podemos considerar a “Psique Humana” classificada como “Neurótica”, como sendo a mais adequada para o funcionamento psicossocial dos indivíduos; o que, deste modo, se nos permite classificar dentro do conceito de normalidade essa estrutura seria o padrão ideal para o ser humano. Cabe ressaltar que baseando-se em termos estatísticos supõe-se que cerca de 90% do contingente populacional mundial tem a “Psique” classificada como “Neurótica”. PSICOSE A “Psique” classificada como “Psicótica”, não possui o pré-consciente, o que deste modo não possibilita a separação do Consciente do Inconsciente. O indivíduo psicótico tem assim sua “Psique” inteiramente distorcida, aceita fatos imaginários como reais e a partir deles passa a reconstruir seu ambiente, recriando um mundo que somente ele pode reconhecer: é seguido por estranhos, raios lhe são dirigidos, mulheres estão secretamente tendo relações sexuais com ele, vozes desconhecidas o criticam, e assim por diante. Nenhuma espécie de diálogo irá persuadi-lo a mudar seu pensamento. Enquanto o neurótico pode continuar a adaptar-se socialmente, o psicótico não pode fazê-lo tornando- se incapaz de continuar seu trabalho ou até mesmo de viver com a família. Um paciente psicótico por vezes parece ser incapaz de distinguir entre seu mundo de fantasia e a realidade, tornando-se incapaz de se adaptar à sociedade como faz um paciente neurótico. Um paciente neurótico sofre com seus sintomas, enquanto que um paciente psicótico mais comumente faz os outros sofrerem. O indivíduo que possui uma “Psique” a qual pode ser classificada como “Psicótica”, pode até certo ponto levar uma vida próxima da normalidade, entretanto, devido a própria inadequação da sua estrutura psíquica, mais cedo ou mais tarde, se evidenciarão os primeiros sintomas do mal funcionamento psíquico. Assim sendo, quando surgir essa inadequação psíquica, podemos dizer que o indivíduo está apresentando um “Transtorno Psicótico” ou “Esquizofrenia”. O primeiro a identificar que a esquizofrenia como uma síndrome foi Emil Kraepelin (1856-1926), que lhe deu o nome de “demência precoce”. Exatamente uma década mais tarde, Eugene Bleuler (1857- 1939) sugeriu o termo esquizofrenia. Ao contrário de Kraepelin, ele acreditava que a doença, algumas vezes e não sempre, causava séria deterioração na personalidade. 19 3 EXAME PSIQUIÁTRICO O exame psiquiátrico tem por objetivo colher o maior numero possível de informações a respeito do paciente, de forma que os diferentes fatores de colapso possam ser analisados. È importante deixar o paciente à vontade, bem como ganhar sua confiança e cooperação. È melhor deixá-lo contar sua própria história da primeira vez, sem interrupções desnecessárias. Entrevistar bem é uma arte, mas algo sempre pode ser aprendido. O bom entrevistador precisa saber que informações deseja de seu paciente. Não deve mostrar-se superansioso e sobretudo deve ter a capacidade de ouvir e observar, pois a boa entrevista envolve a comunicação verbal e não-verbal. O modo como um paciente se comporta enquanto conta sua história, quandoe onde faz uma pausa ou obviamente evita certos tópicos, quando cora ou demonstra fortes emoções, são indícios importantes para o conhecimento de sues problemas. A primeira entrevista psiquiátrica é importante não apenas pelo diagnóstico, mas muitas vezes por seu valor terapêutico, especialmente se o próprio paciente simpatiza com o entrevistador e sente compreendido por ele. Sempre que possível, o que foi contado pelo paciente deve ser confirmado por um parente, próximo ou amigo. Às vezes, isso é feito por um assistente social psiquiátrico ou por uma enfermeira domiciliar que possa visitar a casa do paciente. Histórico familiar É necessário descobrir se algum parente consangüíneo de qualquer um dos ramos da família sofreu alguma espécie de distúrbio mental, suicidou-se, bebia excessivamente, esteve na prisão ou numa instituição psiquiátrica. Os pacientes às vezes relutam em revelar as misérias da família. Portanto, devem ser obtidos perfis detalhados dos pais e do ambiente familiar, pois a predisposição para determinados distúrbios mentais tais como: psicoses, depressão endógena, transtornos de personalidade etc., possuem uma relação hereditária. Para termos um exemplo: uma em cada quinze crianças filhas de casais em que um dos membros é portador de esquizofrenia corre o risco de ser esquizofrênica, enquanto que a proporção normal é de um por cento da população geral. Se ambos os pais sofrem de esquizofrenia, as probabilidades aumentam para mais de cinqüenta por cento. É importante lembrar que a predisposição para doença que é hereditária, apesar de certas tensões ambientais também se fazerem presentes antes que os sinais e sintomas da doença mental apareçam. Não há o menor questionamento acerca de que algumas doenças mentais sejam herdadas, porém alguns argumentos referentes a influência do meio social no desenvolvimento de algumas doenças mentais, tais como a esquizofrenia, são ainda questionáveis e frágeis. Apesar de observarmos que indivíduos que convivem em um meio social deturpado com pais instáveis desenvolvem mais facilmente a esquizofrenia do que indivíduos em ambientes sadios e com pais estáveis. Lares desfeitos, brigas constantes, afastamento ou ausência de um dos pais são descobertas comuns nos doentes mentais, constituindo-se em pontos que sempre devem ser investigados. A morte de um dos pais do paciente durante a infância pode predispô-lo a uma enfermidade depressiva na vida futura. A ordem de nascimento do paciente também deve ser investigada. Cada criança representa uma parte especial e individual dentro da família. De maneira inevitável e freqüente, sem saber, os pais tratam, cada criança com uma diferença mínima. A primeira e a última criança, bem como o filho único, freqüentemente desenvolvem um relacionamento particularmente apegado com a mãe. Quanto maior a família, menor é a atenção que cada um recebe. Isto é mais que compensado pela sensação de segurança existente nas grandes famílias. Reações depressivas são menos comuns em membros de 20 família numerosas. Ao contrário de crianças adotadas e ilegítimas que possuem uma maior probabilidade de se defrontar com um problema emocional. Histórico do Paciente O tipo de parto, peso ao nascer, prematuridade, sofrimento fetal, traumatismos decorrentes do parto ou icterícia podem ser fatores predisponentes aos distúrbios mentais. Informações sobre amamentação devem ser obtidas através da mãe do paciente. A questão da alimentação natural e artificial provavelmente não tem importância em si mesma. Mas os bebês amamentados tendem a ser mais acalentados do que os bebês que tomam mamadeira, e a estimulação pelo tato parece influenciar o desenvolvimento emocional na infância. A atitude da mãe para com o bebê pode ser revelada através de seu próprio relato dos hábitos alimentares da criança. É pouco provável que uma mãe que amamentou satisfatoriamente por seis meses ou mais teria rejeitado o filho ou sofrera de ansiedade. Dificuldade na alimentação, severa constipação intestinal ou constantes fases de enfermidade nos primeiros anos de vida da criança sugerem que sua mãe devia sofrer de ansiedade e preocupação. E mais, se a mãe engravidou novamente, ou então ela ou a criança tiveram que passar algumas semanas no hospital, longe de casa, devido a essa ausência, o indivíduo pode apresentar ainda na fase adulta comportamento áspero, depressivo e difícil. Por vezes, alguns dos chamados “aspectos neuróticos”, como roer as unhas, tiques, preferência alimentares estranhas, acessos de furor e sonambulismo, tão comuns em crianças, nada podem significar, exceto em relação ao comportamento total. Por exemplo: urinar na cama, especialmente em meninos, um hábito que se persistir até seis ou sete anos, e até mais, há uma grande relação entre um comportamento anti-social persistente que será a base para distúrbios comportamentais que poderão surgir mais tarde. Progresso na Escola: este é um guia rudimentar sobre o nível de inteligência do paciente. A aritmética é particularmente difícil para qualquer criança de inteligência abaixo da média. Algumas crianças têm grande dificuldade de aprender a ler, fato conhecido sob o nome de dislexia. Proporcionalmente fatores emocionais podem ser responsáveis pelo atraso. Freqüentemente se estabelece um circulo vicioso: aumentando a intensidade das perturbações emocionais, a leitura torna- se ainda mais difícil. Nota-se um sério retardamento na leitura em cerca de 4% das crianças de sete anos na Inglaterra, excluindo-se as portadoras de deficiência mental profunda. Há uma grande ligação entre o retardamento na leitura e a delinqüência. Desejos durante a infância são por vezes reveladores. As crianças que não têm autoconfiança desejam coisas absurdas; outras contentam com muito pouco para não ter que admitir o fracasso. Ocupação: a ficha profissional de uma pessoa freqüentemente indica sua estabilidade e perseverança. Depois de deixar a escola, o jovem pode mudar muitas vezes de emprego antes de descobrir o que realmente quer, mas a pessoa que continua mudando sempre de emprego, nunca permanecendo num lugar mais que um ano, tem geralmente pouca capacidade de suportar as tensões e frustrações do dia- a-dia. A puberdade é uma época de mudança e adaptação. As atitudes em relação aos pais, as atitudes e relacionamentos sexuais, a maneira de enfrentar as tensões sexuais, o comportamento moral e social, revelam o nível de maturidade atingido e expõem conflitos e sentimentos de culpa não solucionados. A discussão sobre o comportamento sexual ou a vida conjugal do paciente muitas vezes mostra até que ponto ele é capaz de se adaptar nesta área. Conflitos de lealdade entre os pais e a esposa podem ser 21 causa de impotência, depressão ou alcoolismo. A gravidez, a menopausa e a aposentadoria são períodos de tensão por vezes difíceis, exigindo uma readaptação considerável. Um estudo do passado clínico deve incluir não apenas as enfermidades sérias, mas os menores sintomas que tenham resultado em falta ao trabalho. Na infância, longos períodos de falta à escola por pequenas enfermidades podem significar uma mãe superprotetora e ansiosa. Na vida adulta, o absenteísmo freqüente é sempre sinal de perturbação emocional. Se já houve colapsos psíquicos anteriores, o conhecimento dos sintomas e sua duração, bem como da reação ao tratamento, pode indicar por quanto tempo os sintomas atuais vão perdurar e o tipo de tratamento a ser prescrito. A personalidade do paciente antes do inicio dos sintomas deve ser cuidadosamente avaliada. O relato do próprio paciente sobre sua pessoa pode ser errôneo. Um homem deprimido pode se descrever como um monstro de depravação; um psicopata inadapto pode pintar um grande retrato de sua pessoa. Nenhum dos relatos irá coincidir com o que cada um fez sua vida ou com o que seus familiarese amigos dizem dele. Perguntas do seguinte teor são úteis na avaliação: (Ciclotomia) Você passa facilmente e por motivos insignificantes da maior alegria a um profundo desespero? (Ansiedade) Você prevê e teme sempre o pior? Você se preocupa antecipadamente, durante dias ou semanas, antes de uma prova ou um encontro importante? (Esquizóide) Você prefere geralmente ficar sozinho a estar acompanhado? Você fica envolvido emocionalmente, principalmente por acontecimentos e encontros não humanos? (Obsessivo) Você se sente impelido a verificar e tornar verificar se desnecessariamente seu trabalho, se você trancou as portas, fechou as torneiras e apagou as luzes? Você se aborrece excepcionalmente com uma inesperada alteração de rotina em seu trabalho? (Paranóide) Você sente que as pessoas tentam prejudicá-lo o tempo todo? Você é tratado injustamente no trabalho? (Histérico) Você acha que as pessoas sempre o abandonam e ninguém se satisfaz exatamente seus padrões? Você gosta de ser o centro das atenções em qualquer reunião? (Hipocondríaco) Você se preocupa constantemente com sua saúde física ou com alguma parte de seu corpo em especial? História da Moléstia Atual Pergunte ao paciente qual foi a última vez que ele sentiu realmente bem. Isto lhe dará a época aproximada do inicio da doença atual. Depois, faça perguntas sobre os fatores que a precipitaram. 22 Nem todos os pacientes cooperam. Alguns podem em insistir em que não há nada de errado com eles, tendo sido trazidos para ali sob falsas alegações. Outros dirão que é o cônjuge quem está doente. Em certas ocasiões, marido e mulher podem se acusar mutuamente, e então torna-se evidente que ambos estão mentalmente enfermos. Um certo grau de folie à deux não é absolutamente incomum. Não se pode obter a história clínica de um paciente cuja consciência esteja seriamente perturbada ou que esteja em estado de estupor ou muito hiperativo e perturbador. Nesse caso, tudo o que se pode fazer é registrar o comportamento e o diálogo e realizar um exame físico. O exame físico deve ser feito tão logo seja possível. Neoplasmas cerebrais, distúrbios endócrinos, insuficiência renal e hepática, esclerose generalizada e outros problemas podem estar presentes juntamente com os sintomas psiquiátricos. O comportamento do paciente durante o exame pode ser revelador. A constituição física deve ser registrada. Há uma pequena correlação entre a constituição física do paciente e a forma de enfermidade mental que ele desenvolve. A depressão endógena por exemplo, tende a ocorrer em pessoas pícnicas ou endomórficas, a esquizofrenia nas de constituição astênica ou ectomórfica. Se a esquizofrenia ocorrer em alguém de constituição pícnica, as possibilidades de recuperação estarão aumentadas. Inversamente, a depressão em um individuo astênico por vezes tem matizes de esquizofrenia. Exame do Estado Mental Aparência e Comportamento: a expressão facial, o asseio no vestir, a velocidade dos movimentos e da fala e a atitude em relação a outras pessoas são logo notadas. Por exemplo: um paciente em fase de mania é hiperativo, fala demais, com interrupções constantes é impaciente e muitas vezes divertido. Já os pacientes obsessivos freqüentemente tentam controlar a entrevista e revelam claramente seu conflito entre obediência e desafio. Repetem as perguntas do examinador, talvez apresentem a observação mais banal como uma pérola de sabedoria, pedem ao examinador que defina suas perguntas mais claramente, olham para o relógio, elaboram longas listas (escritas) de sintomas e perguntas. Caracteristicamente, provocam no entrevistador aborrecimento e irritação. O paciente de personalidade histérica é exatamente o oposto do obsessivo. Embora possa ser, por vezes, difícil e infantil no seu comportamento, o histérico nunca é monótono. Por vez, um paciente com depressão pode apresentar desleixo em sua roupa, seus movimentos e sua fala são lentos e seu rosto é impassível como numa máscara expressando desolação. Tal aspecto é conhecido como retardamento. No caso de um paciente demente ele pode ou não estar arrumado, dependendo do cuidado dos outros, ele é freqüentemente lento, desatento e perplexo. Se pressionado em demasia, entrará em colapso como uma criança, estado que é conhecido pelo nome de “reação catastrófica”. E quando se tratar de um esquizofrênico este pode sorrir enfatuadamente e fazer estranhos gestos e caretas, ou então entrar cautelosamente na sala, olhando desconfiado ao redor antes de sentar-se. Pode ser negativista, recusando-se a cooperar ou falar (mutismo). Perturbações do Humor e da Emoção (usa-se freqüentemente a palavra afeto em lugar de humor): na primeira entrevista, qualquer que seja a queixa, é demonstrada uma certa ansiedade pela maioria dos pacientes. Músculos tensos, constantemente movimento das mãos e pele úmida são facilmente conhecíveis. A ausência total de ansiedade é uma indicação de histeria. Alguns esquizofrênicos também mostram uma clara ausência de preocupação. A agitação ocorre quando a ansiedade transborda para uma atividade motora. O paciente não pode ficar quieto, parado. Anda para lá e pra cá continuamente, torcendo as mãos e falando alto consigo mesmo. A agitação ocorre particularmente durante a crise. 23 A depressão é usualmente evidente pelo ar geral de abatimento e desinteresse do paciente, apesar de aparecer de tempos em tempos o “sorriso amarelo”. Existe um contraste marcante entre a depressão, por um lado, e a alegria contagiante e a superatividade da mania, por outro. Deve-se sempre perguntar abertamente sobre as idéias de suicídio. O embrotamento afetivo ocorre principalmente na esquizofrenia, resultando em apatia e falta de resposta emocional. O “rapport”, essa sensação indefinível de estar “sintonizado”, não existe. Conversar com um paciente esquizofrênico por vezes é como estar separado do paciente por uma parede de vidro. A dissociação do afeto também é característica da esquizofrenia, evidenciando a divergência entre o estado emocional e o pensamento. Isto causa incongruência afetiva. Como, por exemplo, no caso do paciente que dá risadinhas a maior parte do tempo enquanto descreve como sua amada mãe morreu de câncer. Estados de êxtase são por vezes experimentados pelos esquizofrênicos, com o paciente experimentando uma sensação de exaltação, de rompimento e possessão mística. Difere do júbilo da hipomania por não estar em associação com a hiperatividade e fuga das idéias. Despersonalização e estranheza descrevem sensações de que tudo se alterou, tornando-se sombrio e desconhecido, como se fosse um sonho. O paciente não pode sentir emoção de espécie alguma. A despersonalização afeta o individuo: ele próprio mudou, e essa é a razão de o mundo parecer diferente. Na sensação de estranheza, o mundo é que muda, não o observador. Um paciente com despersonalização afirmou que “este não é o meu corpo”, apesar de saber intelectualmente que era. Os sentimentos de familiaridade estavam perdidos. Essas condições podem ocorrer em vários distúrbios, mas são particularmente comuns na depressão, fobia ansiosa e transtorno obsessivo. O déja vu é uma inexplicável sensação de familiaridade, a de “ter estado aqui antes”, não sendo necessariamente anormal. Distúrbios de Percepção: o que percebemos é influenciado por nossos interesses, necessidades e emoções. Um homem ressequido de sede no deserto vê água no lugar em que o sol se reflete na areia. Um marinheiro sobrevivente de um navio destroçado toma a imagem da crista de uma onda como sendo terra. A falsa interpretação de uma sensação é conhecida como ilusão. As ilusões são freqüentes durante os estados de confusão e medo. Um paciente delirante toma as felpas de um cobertor por insetos. Um homem amedrontado vê o pé de sua cama como uma formaameaçadora surgindo na escuridão. As alucinações diferem das ilusões no sentido de que não é necessário nenhum estímulo externo. As imagens mentais surgem espontaneamente no cérebro, sendo projetadas para o mundo exterior como se fossem reais. As alucinações devem ser distinguidas dos sonhos. Alucinações hipnogógicas e hipnopômpicas são experimentadas por muitas pessoas quando estão prestes a adormecer ou despertar. As alucinações mais comuns são as auditivas, geralmente com o paciente ouvindo chamar seu próprio nome; depois vêm as alucinações visuais, não tendo elas um significado próprio. Na esquizofrenia, as alucinações características são auditivas, nas quais se repetem os pensamentos do paciente, criticando-o e injuriando-o. As alucinações visuais são mais típicas dos estados orgânicos e mentais agudos. Na esquizofrenia ocorrem alucinações visuais, mas elas não servem de diagnóstico primário nessa condição. Também ocorrem na histeria e na epilepsia, particularmente envolvendo o lobo temporal. As alucinações liliputianas fazem com que o paciente veja gente minúscula (micropsia), ocorrendo na epilepsia do lobo muitas vezes pelos toxicômanos. Um alcoólatra em fase de abstinência pode sentir animais caminhando sob sua pele (alucinações táteis). Os esquizofrênicos por vezes relatam alucinações gustativas e algumas mulheres de meia-idade com depressão queixam-se de sensações 24 bizarras na região genital. Alucinações olfativas ocorrem em condições orgânicas, particularmente na epilepsia do lobo temporal, esquizofrenia e depressão psicótica. Distúrbios do Pensamento: o curso do pensamento, assim como os movimentos do corpo, tornam-se lentos na depressão. Isto é conhecido como retardamento. O retardamento pode ser tão pronunciado ao ponto de chegar ao estupor. Toda atividade é reduzida ao mínimo, mas o consciente não é afetado. Observações feitas perto de um paciente em estado de estupor são lembradas mais tarde por ele, podendo tornar-se embaraçosas. O estupor também ocorre como resultado da esquizofrenia e de outras condições. O curso do pensamento se acelera durante a mania. Uma idéia rapidamente sugere outra e o curso do falar contínuo muda freqüentemente (fuga de idéias). Mas há sempre certa conexão entre as mudanças, ao contrário do que acontece com a fala do esquizofrênico, por vezes rápida, mas desconexa. Os pacientes em fase de mania são desatentos e raramente se fixam numa idéia por muito tempo. Algumas vezes, o fluxo de pensamentos é tão grande que a fala se torna incoerente. Também pode ocorrer pressão de pensamento chegando à incoerência em casos de esquizofrenia. O esquizofrênico pode tornar-se incapaz de manter a linha de pensamento devido ao bloqueio do pensamento, tornando-se impossível a associação de uma idéia com outra, resultante de um processo de pensamento semelhante ao movimento do cavalo, no jogo de xadrez. O que é mais característico na esquizofrenia é a superinclusão de pensamentos e o fato de falar de coisas que nada têm a ver com o assunto em questão. Idéias de auto-referência são crenças delirantes de que certos eventos externos ocorridos estejam especificamente relacionados com o paciente. Testes de bomba atômica, transmissão de rádio, consertos em rodovias, uma mudança de carteiro são fatos que podem ter evidentemente uma significação especial e pessoal. Podem surgir delírios das tentativas do paciente racionalizar suas sensações anormais. Ela pode chegar a acreditar que seu vizinho está interferindo em seus pensamentos e impedindo-o de pensar. Tais delírios são chamados de secundários. Delírios primários ou autóctones surgem “do nada”, sendo, geralmente, um sinal de esquizofrenia. O começo da esquizofrenia pode ser súbita “revelação” ofuscante ao paciente de que ele tem uma missão divina a cumprir. Todos os delírios são crenças falsas, absurdas à luz da inteligência e dos conhecimentos do paciente, que já não respondem ao raciocínio. Ocorrem distúrbios orgânicos e psicóticos. Os delírios não são incomuns nem a depressão psicótica. Tais pacientes têm idéias de culpa, sentem-se pecadores perversos e causadores da ruína de suas famílias. Idéias niilistas também aparecem quando o paciente acredita que sua mente ou até mesmo seu corpo deixaram de existir. Idéias de pobreza e doença também são comuns. Além disso, idéias hipocondríacas podem surgir em qualquer condição. Certos pensamentos podem preocupar a mente a ponto de excluir quaisquer outros. Quando tais preocupações são reconhecidamente irracionais e persistem, não obstante todos os esforços para sufocá-las, são chamados obsessões. A compreensão de que aquele pensamento e sua persistência são absurdos, indica que o paciente tem insight; aos pacientes com idéias delirantes falta o insight. A perseveração é a maior característica das moléstias orgânicas cerebrais. O padrão de comportamento do paciente e seu pensamento continuam por período maior que o necessário. Cada perseveração ocorre por vezes nas pessoas normais, quando cansadas. A perseveração precisa ser distinguida da estereotipia, que ocorre na esquizofrenia catatônica e pode ser associada com perseveração verbal. Ecolalia é a repetição de uma palavra ou frase dita ao paciente. Ecopraxia é a imitação total ou parcial das ações de alguém. Elas ocorrem na esquizofrenia catatônica, freqüentemente associadas com obediência automática e flexibilidade. Perturbação da memória. A memória é feita daquilo que se aprende, que requer do paciente atenção, fixação, evocação e reconhecimento. A memória pode ser afetada em qualquer destes ou mesmo em todos os estágios: 25 (a) Qualquer perturbação ao nível da consciência, marcante distração e falta de atenção irão obviamente interferir com a memória. Súbitas perturbações transitórias de memória ocorrem nas convulsões epiléticas e nos estados de pós-concussão cerebral. (b) A capacidade de fixação é prejudicada na síndrome de Korsakov. O paciente não pode reter acontecimentos recentes, apesar de lembrar claramente de eventos passados há muito tempo. Algumas vezes, os pacientes compensam este tipo de deficiência da memória através da confabulação, isto é, preenchendo os claros da mente com fatos forjados. (c) A evocação de coisas passadas pode traduzir forte emoção. A ansiedade opressiva pode resultar no desenvolvimento de uma amnésia histérica ou perda de memória. Fuga é a perda de memória num paciente que está vagando ao léu. Que a retenção não seja afetada é um fato demonstrado pela facilidade com que a memória pode ser restaurada em tais casos. Do ponto de vista prático, os testes de memória dividem-se em eventos relativamente recentes e mais antigos. É mais provável que a memória recente seja particularmente prejudicada nas primeiras fases da demência e lesão cerebral. Nos estados progressivos de demência, a perda de memória se estende ainda mais. Perturbações da Consciência e da Inteligência: um paciente pode estar desorientado, mostrando-se incapaz de dizer onde está ou o que fez recentemente. Isto pode ser devido a delírio agudo, demência ou histeria. O delírio agudo é um estado de confusão, geralmente de início súbito ou subagudo, com possibilidade total ou variável de recuperação. O delirium tremens (observado na fase de abstinência dos alcoólatras), por exemplo, tanto pode terminar com total recuperação da memória e das funções intelectuais como pode ser seguido pela síndrome de korsakov. A demência é um estado progressivo e permanente de dano cerebral e por conseqüente intelectual. A memória é sempre afetada. As emoções tornam-se instáveis e os aspectos mais delicados da personalidade do paciente desaparecem, dando lugar ao egoísmo e ao egocentrismo. Deficiência mental significa que a pessoa, desde o começo, possui uma inteligência muito abaixo da média. Alguns testes simples, levando em consideração o background social
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