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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Faculdade de Direito Professora Sylvia Chaves Direito Penal I - Noite DIREITO PENAL: Noções Introdutórias 1. Considerações Preliminares Direito penal é o conjunto de princípios e regras (normas jurídico- penais) mediante as quais o Estado proíbe determinadas ações ou omissões, sob ameaça de sanção penal.1 Trata-se de um ramo do Direito Público, por versar sobre normas impostas a todas as pessoas. Apenas o Estado detém o monopólio do ius puniendi. Esse poder punitivo do Estado se dirige à proteção da convivência das pessoas em comunidade. Em outras palavras, cumpre ao Direito Penal contribuir para a evitação do caos social e o combate aos atos arbitrários perpetrados por determinados sujeitos, através da limitação graduada de suas liberdades. Sobretudo em um Estado Democrático de Direito, essa restrição somente será realizada se compatível com a cultura social e com os direitos dos indivíduos.2 1 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSU, Carlos Eduardo Adriano. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. P. 3. Tal ramo do Direito se diferencia dos demais ante a gravidade das sanções e severidade de sua estrutura. 2. Nomenclatura. O Direito Penal é conhecido também como Direito Repressivo, Direito Protetor dos Criminosos, Direito de Luta contra o Crime, Direito Restaurador, Direito Sancionador, etc. Apesar dessas inúmeras designações, houve, em um passado não muito distante, a discussão doutrinária acerca de qual terminologia seria mais adequada para a disciplina objeto de estudo: Direito Penal x Direito Criminal. Direito Criminal, adotado pelo Brasil durante a codificação do Império de 1830, rememora o momento histórico de entrelaçamento entre o Direito e a Religião. Atualmente, os países do sistema da Common Law, Estados Unidos e Reino Unido, ainda o seguem. Enquanto o Direito Criminal alude ao crime como conteúdo essencial da matéria, Direito Penal induz a ideia de 2 JESCHECK, HANS HEINRICH; WEINGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal: parte general, trad. Miguel Olmedo Cardenete, 5ª ed.. Granada: Comares, 2002. P. 3. pena, enquanto consequência jurídica do delito. A crítica quanto a predileção pela terminologia Direito Penal consiste na insuficiência de sua denominação, uma vez que não abrangeria a medida de segurança3, outra espécie de sanção penal. Ainda assim, tanto no Brasil como na maioria dos demais países, prefere-se a denominação Direito Penal. Ambas designações são corretas, porém, para primar pela técnica, é mais adequado usar o termo Direito Penal, uma vez que o Decreto-Lei 2.848/40, recepcionado pela CF/88 como Lei Ordinária, instituiu o Código Penal em vigor. Não bastasse isso, destaca o art. 22, I, da CF: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; A palavra pena deriva do latim poena, que advém da expressão grega poinè. Na Grécia antiga, poinè era empregada como indenização efetuada pelo matador em prol dos parentes de sua vítima. Também, na mitologia grega, nomeava a deusa grega responsável pela imposição de castigos. Hoje, a pena pode ser definida como “a perda de um direito, imposta pelo Estado em razão do cometimento de uma infração penal”.4 3 Sistema Vicariante (Lei nº 7.209, de 11.7.1984). 4 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSU, Carlos Eduardo Adriano. Op. cit., p. 5. A palavra crime encontra suas fontes no latim e no grego. Segundo os Professores Artur Gueiros e Carlos Eduardo Adriano Japiassú, no latim medieval, origina-se de cernere, verbo da base indo-europeia Krei, que significa peneirar, separar e discriminar. Contudo, no grego assumiu-se a conotação jurídica, derivada do verbo krimein, frequentemente utilizado na linguagem bíblica como ato de julgar.5 Com o passar do tempo, surgiu a fórmula latina crimen, que significava calúnia ou falsa acusação. Mais tarde, passou a ser utilizado para se referir à acusação.6 Logo, se buscarmos a origem etimológica da palavra, crime era conhecido como ato de julgar alguém no âmbito do Judiciário, não como uma conduta humana, tal qual conhecemos hoje. Por fim, delito do latim delictum, deriva do verbo delinquere. A partir da divisão desse verbo, pode-se extrair seu significado:7 De- significa completamente; –linquere assume a ideia de sair, deixa ou abandonar. Ao juntar tais fragmentos, formava- se o sentido latino ofender, fazer errado, praticar falta. Desde o Código de 1830, crime e delito possuem o mesmo significado. 5 Idem. 6 Idem. 7 Idem. Entretanto, o Brasil os distingue da chamada contravenção penal, regulada pela Lei n.º 3.688/41. As contravenções nada mais são do que infrações penais de menor gravidade, punidas com pena de prisão simples e/ou multa. Também são designadas como quase-crime, crime anão, etc. Encontram-se no rol de infrações de menor potencial ofensivo, conforme o art. 61, da Lei n.º 9.099/95. Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. 3. Características gerais. Segundo o autor clássico Magalhães Noronha, “é o direito penal ciência cultural normativa, valorativa e finalista”.8 É uma ciência cultural, que pertence a classe do “dever ser”; Valorativa por estabelecer sua escala de valores, de acordo com o fato típico; Finalista por se preocupar com a tutela de bens jurídicos fundamentais. Nesse último aspecto, cabe tecer algumas considerações. Por se tratar de uma introdução à disciplina, não nos ateremos às vicissitudes que permeiam o estudo da teoria do bem jurídico. 8 MASSON, Cléber. Direito Penal: parte geral, vol. 1, 11º ed.. Rio de Janeiro: Gen, 2017. P. 5. No entanto, cabe, desde logo, destacar que o Direito Penal não protege quaisquer valores ou interesses, mas tão somente aqueles caros a manutenção e ao desenvolvimento do ser humano no seio social. Segundo a doutrina majoritária, a origem dos interesses dignos de serem elevados à categoria de bens jurídicos- penais possuem fonte na Constituição da República. São bens que, dada magnitude, não conseguem ser protegidos eficazmente pelos demais ramos do Direito. Daí se extrai uma outra característica do Direito Penal, qual seja, a fragmentariedade.9 A existência de bens jurídicos protegidos penalmente é variável. No Direito atual possui tanto um aspecto incriminador como um viés descriminalizador, enquanto limite ao poder de punir estatal. Para proteger os bens jurídico- penais, o Direito Penal estabelece comportamentos proibidos e permitidos. Ao vedar determinadas ações ou omissões, o Estado o faz sob a ameaça de pena. A sanção penal materializa o caráter retribucionista, uma vez que o sujeito ativo do delito a cumpre em função da lesão ou ameaça de lesão a um interesse jurídico-penal. A contrario sensu, a sanção civil visa tão somente reparar odano, com o objetivo de fazer com que a vítima retorna ao seu status quo ante. 9 Idem, p. 6. 4. Criminalização primária e criminalização secundária. A criminalização primária, dirigida ao cidadão, lhe proíbe ou ordena atuar de determinada forma. Em outras palavras, é um ato formal sob o qual se estabelece que uma conduta deve ser punida, se perpetrada. Criminalização secundária é a ação punitiva exercida sob pessoas já individualizadas. No momento em que os órgãos estatais detectam o sujeito ativo, a quem se atribui a prática de um ato primariamente criminalizado, sob ele recai a persecução penal. Logo, a criminalização secundária que se dirige ao juiz, lhe obrigando a aplicar a consequência jurídica quando o agente venha a praticar o crime. 5. Finalidade e legitimidade. Dentre as orientações fundamentais quanto à legitimidade da pena mais importantes, vale citar:10 1) Pena é um mal que se converte em bem, pois nega o mal que é o delito e restaura o Direito e a justiça (Kant); 2) Pena é um mal menor ou socialmente útil; 3) A pena e, consequentemente, o Direito Penal, são ilegítimos, o que deveria conduzir a abolição de ambos. 10 SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSU, Carlos Eduardo Adriano. Op. cit., p. 8. 11 Afirmava que o crime consistia na violação de um direito subjetivo. (O direito subjetivo é a Os doutrinadores têm procurado explicar o fundamento da pena por meio das correntes absolutas, relativas e mistas ou unitárias. Objetivamente, essas teorias gravitam em torno de duas premissas fundamentais: prevenção e retribuição. Segundo as teorias absolutas, a pena é a exigência de justiça. Quem pratica o mal deve sofrer um mal. Defensores: Kant e Hegel. As teorias relativas, por sua vez, partem de uma concepção utilitária da pena, justificando-a por seus efeitos preventivos. Em outras palavras, a finalidade da pena não é punir, mas prevenir. Há teorias mistas ou unitárias, que combinam as teorias absolutas e relativas. Exemplo: A pena é retribuição, mas deve perseguir os fins de prevenção geral e especial. Distingue-se a prevenção em geral e especial: Prevenção geral – Intimidação que se supõe alcançar por meio da ameaça da pena, atemorizando possíveis infratores. Anselm von Feuerbach é o seu maior representante, através da denominada coação psicológica11; Prevenção especial – Atua sobre o autor do crime, para que ele não volte a delinquir. situação jurídica, consagrada por uma norma, através da qual o titular tem direito a um determinado ato face ao destinatário.) Atualmente, a tendência dos fins do Direito Penal se concentra em três posturas político-criminais básicas, quais sejam: a) Abolicionismo – postula a eliminação do Direito Penal, por ser sistema gerador de criminalidade. Se o crime é a manifestação da violência, o monopólio estatal do uso da força seria também violência; b) Postura ressocializadora – centra- se na obtenção de uma autêntica reinserção dos apenados ao seio social, a partir de mecanismos que eliminem ou reduzam a taxa de reincidência; c) Garantismo Penal – Propugna as garantias formais, buscando conciliar a prevenção geral dos delitos com as exigências formais dos princípios da proporcionalidade e humanidade, limitando a intervenção penal ao estritamente necessário. BIBLIOGRAFIA: MASSON, Cléber. Direito Penal: parte geral, vol. 1, 11º ed.. Rio de Janeiro: Gen, 2017. JESCHECK, HANS HEINRICH; WEINGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal: parte general, trad. Miguel Olmedo Cardenete, 5ª ed.. Granada: Comares, 2002. SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSU, Carlos Eduardo Adriano. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.
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