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- -1 TEORIA DO CRIME FUNDAMENTOS DO DIREITO PENAL Thaís Camargo Rodrigues e Lais Ferraz Pessoa - -2 Olá! Você está na unidade . Conheça aqui a construção histórica da ciência criminalFundamentos do Direito Penal até culminar no direito atual, pautado em princípios cunhados pelo estado democrático de direito. Vamos partir do princípio de que o Direito Penal está presente no nosso dia a dia, afinal basta acesso às notícias: são inúmeros os casos de acidentes de trânsito, corrupção, violência doméstica, roubos, tráfico de drogas. Os princípios constitucionais se apresentam como um norte para saber quando e como este ramo do direito deverá ser aplicado na vida cotidiana. Bons estudos! - -3 1 Breve evolução histórica do Direito Penal As normas jurídicas e sua forma de aplicação são um reflexo do desenvolvimento de um povo. Desta forma, o direito penal, assim como todos os outros ramos do direito, é um . fenômeno histórico Apesar de ainda haver graves problemas na aplicação do direito penal, a sua evolução é inquestionável. Da vingança de sangue, passando pelos suplícios, hoje se vive o direito penal do fato. Muitas das garantias presentes no ordenamento jurídico-penal são reflexo da superação de situações passadas, vistas hoje como erros ou injustiças. Por exemplo, hoje “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV, CF), mas, nas Ordenações Filipinas (1603), que vigeram por quase dois séculos no Brasil, era uma prática comum a família do condenado também sofrer os efeitos da pena. 1.1 Direito penal primitivo Desde a Antiguidade até hoje verificamos grandes mudanças nos institutos criminais. Se analisarmos a pena, por exemplo, podemos traçar a seguinte evolução: "perda da paz ou vingança indeterminada, vingança limitada pela lei do talião, composição voluntária, composição legal e pena pública" (Bruno, 1956, p. 70 e 71). Conforme ensina Aníbal Bruno (1956, p. 66), "nas sociedades antigas, onde ainda não havia um órgão que exercesse a autoridade coletiva, o respeito às normas era baseado no temor religioso ou até mesmo mágico". E a punição, que era a vingança, visava aplacar a ira dos deuses. A religião sempre esteve muito presente no direito penal. Algumas normas podem servir de exemplo: Leis de Manu, Índia, sécs. 12 ou 13 a.C., e Pentateuco ou Torá , dos hebreus, 1250 a.C. Até hoje normas com cunho religioso são utilizadas na área penal, em especial em países teocráticos orientais. Remontando às sociedades mais primitivas, "a era um ato de guerra entre tribos e não umavingança privada pena" (Bruno, 1956, p. 68). Entre os membros do grupo a pena era a expulsão, e essa pena equivalia à pena de morte, pois dificilmente o indivíduo conseguiria sobreviver fora dos domínios de proteção e cooperação de seu clã. Da vingança o direito penal evoluiu para a composição. Por esse método o autor do delito “comprava” a sua liberdade. Ao invés da vingança de sangue era pago um valor pecuniário que visava “cobrir” os danos sofridos pela vítima, dentro da esfera privada. Assista aí https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2 /ef36f554c14461fedc2dc48e0502e73f https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2/ef36f554c14461fedc2dc48e0502e73f https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2/ef36f554c14461fedc2dc48e0502e73f - -4 1.2 Vingança pública Com a evolução social e uma maior organização estatal, o Estado afastou a vingança privada e assumiu o poder- dever de aplicar a . vingança pública Passa a ser um dever do Estado manter a ordem e “fazer justiça”. O Direito Romano, o Germânico e o Canônico, embora apresentando graus de evolução e princípios diferenciados, caminharam juntos para a formação do que Aníbal Bruno (1956, p. 84) denomina direito penal comum, o direito penal que regeu a prática da justiça punitiva em diversos países da Europa, durante a Idade Média e a Moderna. Nesse período, o direito visava a proteção do príncipe e da religião. Suas práticas arbitrárias e cruéis criavam uma “atmosfera de incerteza, insegurança e justificado terror” (Bruno, 1956, p. 86). O direito era instrumento para que a nobreza e o clero permanecessem no poder político e econômico: A ausência de proporcionalidade ou respeito à dignidade humana eram vistas na desigualdade de punição entre nobres e plebeus, na indeterminação das penas e na definição dos crimes, na falta de publicidade no processo, na ausência de defesa e nos meios inquisitoriais (Bruno, 1956, p. 86). 1.3 Período humanitário Esses excessos criaram na consciência de todos a necessidade de reformar as leis penais, assim inicia-se o período humanitário. Personagem mais importante desse período é sem dúvida Cesare Beccaria, que publicou em 1764 a obra Dos delitos e das penas. Essa obra é um marco no direito penal, pois visava romper com o direito vigente, baseado em suplícios e no arbítrio dos reis. Vivendo sob a égide do Iluminismo – de cunho racionalista e jusnaturalista – pode-se afirmar que Beccaria sofreu a influência de filósofos como Locke, D’Alembert, Diderot, Hume, Montesquieu, Rousseau e Voltaire. Beccaria pensou um direito fundado no respeito à personalidade humana. Ele defendia a elaboração de leis que fossem mais claras e precisas, com penas proporcionais e o fim da pena de morte e da tortura. As ideias de Beccaria foram aceitas e incluídas, mesmo que de modo ainda incipiente, na legislação de diversos países, como Rússia (1767), Toscana (1786), Áustria (1787), França (1791 e 1810) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) (Fragoso, 1976, p. 43 e 44). - -5 2 Evolução epistemológica do direito penal: escolas penais O estudo da história do direito penal inclui a análise da elaboração da dogmática jurídico-penal. Para Bitencourt (2018, p. 106), “o referencial mais significativo do valor da dogmática penal é a construção da Teoria Geral do Delito”. Se analisará a seguir as algumas linhas de pensamento, ou escolas penais, que foram determinantes na elaboração da dogmática jurídico-penal. Elas foram percussoras da moderna dogmática. É importante ressaltar que não se trata de um processo linear, pois “está vinculado às vicissitudes políticas, sociais, culturais e econômicas das sociedades, desde o advento do Iluminismo até nossos dias” (Bitencourt, 2018, p. 106). - -6 2.1 Escola Clássica A Escola Clássica não produziu uma doutrina única, mas seus juristas se baseavam nas ideias desenvolvidas por . Beccaria Um ícone dessa Escola foi Francesco Carrara (1805-1888). Em sua obra Programa do Curso de , de 1859, ele inicia a ciência penal na Itália. Direito Penal Para Carrara (1956, p. 11) o delito era um ente jurídico, pois na sua essência consiste na violação de um direito. Assim, não haveria delito fora das ações que ofendem ou ameaçam direitos. Para que haja crime Carrara observa a existência de duas forças essenciais. Vontade inteligente e livre Força moral ou elemento subjetivo. Fato exterior lesivo ao direito ou a ele ameaçador Força física ou elemento objetivo. Segundo Carrara (1956, p. 11), o direito é congênito ao homem, já que lhe foi dado por Deus. Embora refutasse a arbitrariedade e crueldade impingidos pela Igreja e pelos governos tirânicos, ele aceitava uma lei eterna, de cunho religioso, preexistente a todas as leis humanas, e que vinculava o legislador. Carrara (1956, p. 14 e 15) chama também a atenção para o processo penal. Para ele todos os preceitos relativos ao processo pertencem à ordem pública e devem proteger o direito, pois interessam a todos os cidadãos. A ideia é preservar os honestos de eventual erro judicial, e também os culpados, para que se lhes aplique uma pena justa. Essa pena é uma retribuição jurídica e o restabelecimento da ordem externa violada pelo delito. Na Alemanha podemos citar Feuerbach (1775-1833), a quem é atribuída a criação de uma ciência jurídico-penal em sentido moderno,caracterizada por uma conceituação e sistematização precisas, desenvolvidas em sua obra Lehrbuch, de 1801. O seu trabalho legislativo mais importante foi o Código Bávaro de 1813. O autor visa construir um sistema completo fundado na lei positiva. Alguns postulados vigoram até hoje, conforme ensina Alessandra Greco (2004, p. 52 e 53). Princípio da legalidade. A imposição da pena só pode ser dar por ocasião de um crime. Todo fato criminal tem uma pena legal correspondente a ele. O fim da pena para Feuerbach é o preventivo geral. - -7 2.2 Escola Positiva A ciência exerceu uma influência decisiva na configuração do Direito Penal do séc. XIX. O evolucionismo de Charles Darwin, o positivismo de Auguste Comte, dentre outros, ditaram os rumos seguidos pela Escola Positiva. A motivação para superar a Escola Clássica pautava-se na crítica a sua ineficácia como meio de repressão à criminalidade. Em linhas gerais, a pena retributiva deveria ser substituída por um sistema de prevenção especial, com base no estudo antropológico do homem delinquente, e o crime deveria ser visto como fato social, e não como ente jurídico (Fragoso, 1976, p. 49 a 60). Na Escola Positiva o delinquente passa a ser o foco do estudo. Ele é considerado um ser anormal, e por essa razão delinque. Não se considera mais o livre-arbítrio, e sim o determinismo. Na aplicação da lei penal deve levar-se em conta a periculosidade do agente, daí a aplicação das medidas de segurança. Essa Escola elaborou a história natural do homem criminoso, baseada no método empírico. Tentaram fazer do direito penal uma ciência natural. E, conforme assinala Aníbal Bruno (1956, p. 117), essa teoria foi superada, pois o método experimental deve ser aplicado às ciências criminológicas e não ao direito penal. A esse período puramente criminológico sucedeu depois um período jurídico. Foram expoentes da Escola Positiva: Cesare Lombroso (1986-1909) A Lombroso atribui-se o desenvolvimento da antropologia criminal. Ele insere o estudo do criminoso na estrutura do crime, visando uma explicação causal para seu comportamento antissocial. Para ele o delinquente é nato, pois possui um tipo antropológico específico. Algumas características citadas pelo autor: assimetria craniana, orelhas de abano, cabelos abundantes, portador de epilepsia. A teoria de Lombroso encontra-se superada. Porém, ele teve o mérito de iniciar os estudos sobre o delinquente. O seu grande problema foi estabelecer que aspectos físicos determinariam quem seria ou não delinquente, o que não corresponde à realidade. Rafael Garofalo (1851-1934) A Garofalo atribui-se o estudo da criminologia. Ele busca estabelecer um conceito naturalístico de crime identificando-o na violação daquela parte do senso moral que consiste nos sentimentos altruístas de piedade e probidade, considerando a “média” existente na comunidade. (Fragoso, 1976, p. 46). Para ele o crime está sempre no indivíduo e é a revelação de uma natureza degenerada. A causa não seria física, como em Lombroso, mas sim psíquica ou moral. Garofalo, partindo da seleção natural de Darwin, defendia “a aplicação da pena de morte aos delinquentes que não tivessem absoluta capacidade de adaptação, que seria o caso dos ‘criminosos natos’” (Bitenourt, 2018, p. 116). Enrico Ferri (1856-1929) - -8 Ferri é considerado o criador da sociologia criminal. Para ele o homem só é responsável porque vive em sociedade, substituindo a responsabilidade moral pela social. Conforme ensina Aníbal Bruno (1956, p. 114), Ferri tinha seu espírito orientado para as ciências sociais, e assim complementou o antropologismo inicial de Lombroso com uma compreensão mais abrangente das origens da criminalidade. Para ele existiam três ordens de fatores do crime: antropológicos, físicos e sociais. O autor defendia que o ambiente social influencia o indivíduo de forma determinante, apesar dos fatores individuais e físicos. Desta forma, “o homem está condicionado a agir pela influência do meio social, que determina seu caráter, visto que o crime é produto de uma doença social grave e o agente não poderia agir conforme o ordenamento jurídico vigente”. (Martinelli; Bem, 2018, p. 71). - -9 2.3 Escola Moderna Alemã Desenvolvida na Alemanha, com base na obra do austríaco Franz von Liszt. Trata-se de uma escola eclética, mais próxima da Escola Positiva, mas com “tendência de conciliação com os clássicos” (Bruno, 1956, p. 123). Em 1882, von Liszt lançou o Programa de Marburgo, considerado “verdadeiro marco na reforma do direito penal moderno, trazendo profundas mudanças de política criminal, fazendo verdadeira revolução nos conceitos do direito penal positivo até então vigentes”. (Bitencourt, 2018, p. 119). Segundo Bitencourt (2018, p. 120), as principais características da moderna escola alemã são: • Adoção do método lógico-abstrato e indutivo-experimental O primeiro para o direito penal e o segundo para as demais ciências criminais. Prega a necessidade de distinguir o direito penal das demais ciências criminais, tais como criminologia, sociologia, antropologia etc. • Distinção entre imputáveis e inimputáveis O fundamento dessa distinção, contudo, não é o livre-arbítrio, mas a normalidade de determinação do indivíduo. Para o imputável a resposta penal é a pena, e para o perigoso, a medida de segurança, consagrando o chamado duplo-binário. • O crime é concebido como fenômeno humano-social e fato jurídico Embora considere o crime um fato jurídico, não desconhece que, ao mesmo tempo, é um fenômeno humano e social, constituindo uma realidade fenomênica. • Função finalística da pena A sanção retributiva dos clássicos é substituída pela pena finalística, devendo ajustar-se à própria natureza do delinquente. Mesmo sem perder o caráter retributivo, prioriza a finalidade preventiva, particularmente a prevenção especial. • Eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração Representa o início da busca incessante de alternativas às penas privativas de liberdade de curta duração, começando efetivamente a desenvolver uma verdadeira política criminal liberal. • • • • • - -10 3 Evolução do Direito penal no Brasil Conheça, a seguir, a evolução do Direito penal no Brasil e suas características. 3.1 Ordenações Filipinas O Livro V das Ordenações Filipinas, vigente de 1603 a 1830, foi a legislação penal utilizada no Brasil durante o período colonial. Nessa época não eram muito diferentes o direito da moral e da religião. Podemos citar alguns crimes: feitiçaria, sodomia e adultério, que eram punidos com a pena de morte. Outra característica desse período era a crueldade das penas, que também eram um reflexo da época. Um caso emblemático foi o de Tiradentes, condenado à morte pelo crime de lesa-majestade, e, após ser enforcado, teve seu corpo esquartejado e seus membros fincados em postes e colocados à beira das estradas como “exemplo” para os demais súditos da coroa. Era uma forma de intimidar pelo terror. O Direito Penal desse período era visto como prima ratio, muito diferente de hoje, tudo era matéria de direito penal. As condutas hoje abarcadas por outras áreas do direito, como o administrativo ou civil, recebiam tratamento penal. Exemplo: Título LXXXI – Dos que dão música de noite – pena de prisão por 30 dias, multa e perda dos instrumentos musicais e armas. Outra característica que merece ser comentada é a interferência da “qualidade” do autor na definição da pena, pois não vigia o princípio da igualdade. Por exemplo, para os rufiões (Título XXXIII) a pena era de açoite, multa e degredo para África. Porém, se o homem fosse escudeiro, a pena seria de multa e degredo para fora da vila. Essa legislação também não se adotava o princípio da legalidade, ficando ao arbítrio do julgador a escolha da sanção aplicável (Bitencourt, 2018, p. 100). - -11 3.2 Código Criminal do Império do Brasil Com a proclamação da independência em 1822 se fez necessária a revisão de toda a legislaçãovigente no país, que era de origem portuguesa. Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do Brasil, e em 1830 foi promulgado o primeiro Código Criminal brasileiro. A Constituição de 1824, elaborada sob o ideário liberal e humanista, trazia em seu art. 179 direitos e garantias individuas que influenciaram sobremaneira a elaboração do Código Criminal. O Código de 1830 foi o primeiro código autônomo da América Latina foi um código elogiado e influente para outras codificações na América e Europa. Segundo aponta Basileu Garcia (1956, p. 179), "a única questão que deu margem a dissídio no Parlamento durante a aprovação do projeto foi a pena de morte. Os conservadores queriam mantê-la no código, e os liberais, extirpá-la. Venceram os primeiros, sob o argumento de que os escravos não temeriam nenhum outro castigo, que não a forca". Apesar de todos os elogios, esse Código mantinha resquícios de uma sociedade escravocrata. A crítica da sociedade da época era que o caráter liberal do Código levaria ao aumento da criminalidade, o que levou a todo um retrocesso de de cunho retrógrado, principalmente contra escravos (Toledo, 2002, p. 59). 3.3 Código Penal da República Com o fim da escravidão e o advento da República, novamente se fazia mister a ruptura com o velho, e, assim, a elaboração de novos diplomas legais. Em 1890 foi promulgado o novo Código Penal, que ficou pronto antes da primeira Constituição da República, promulgada apenas em 1891. Vale lembrar que nessa época já eram conhecidos os estudos de Francesco Carrara – Escola Clássica -, e também os ideais da Escola Positiva. Apesar de todas as críticas que esse novo código sofreu, por ter sido elaborado às pressas, cabe ressaltar que esse código aboliu a pena de morte e instalou o regime penitenciário de caráter correcional. - -12 3.4 Código Penal de 1940 Entre o final do séc. XIX e início do séc. XX houve um grande desenvolvimento da ciência penal, com Escola Clássica, Escola Positiva e escolas ecléticas. Surgiu a necessidade de um novo código mais moderno. O Código Penal de 1940 foi originado no projeto de Alcântara Machado, revisado por uma Comissão que participava juristas do peso de Nelson Hungria, Roberto Lyra, Costa e Silva, entre outros. Nasce no período entre guerras, em pleno Estado Novo, de índole ditatorial, onde Getúlio Vargas detém os Poderes Executivo e Legislativo. Mas, conforme leciona Francisco de Assis Toledo (2002, p. 63), “o curioso é que, fruto de um Estado Ditatorial e influenciado pelo código fascista, manteve a tradição liberal iniciada com o Código do Império”. Algumas características: "boa técnica e simplicidade; adoção do duplo binário; pena retributiva com finalidade repressiva e intimidatória; caráter repressivo, construído sobre a crença da necessidade e suficiência da pena privativa de liberdade para o controle da criminalidade" (Toledo, 2002, p. 64). Em 1988, com Constituição Federal, o direito penal brasileiro tem uma nova fase agora sob a égide do estado democrático de direito. Por essa razão, ao longo das últimas décadas o Código Penal de 1940 foi reformado diversas vezes. - -13 4 Conceito de crime O crime pode ser conceituado sob três perspectivas: Figura 1 - Perspectivas do crime Fonte: Elaborada pela autora, 2019. #PraCegoVer: Na imagem, temos a representação gráfica que apresenta as três perspectivas do crime: formal, material e analítica. Oconceito formal é aquele baseado na lei, ou seja,é crime a conduta definida pelo legislador. Esse conceito não se preocupa com o aspecto ontológico e nem em identificar os elementos essenciais do crime. O art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal apresenta a seguinte definição: Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Segundo o conceito material, crime é o fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos penalmente protegidos. Ou seja, não é qualquer conduta que pode ser punida. Há uma preocupação com a legitimidade da criminalização. Já o conceito analíticodispõe sobre os elementos estruturais do crime. Segundo a doutrina majoritária (teoria tripartida), o crime se compõe dos seguintes elementos: - -14 Figura 2 - Conceito analítico Fonte: Elaborada pela autora, 2019. #PraCegoVer: Na imagem, temos a representação gráfica do conceito analítico que soma três conceitos importantes: fato típico, antijuridicidade e culpabilidade. Desta forma, para que uma conduta humana seja considerada crime devem estar presentes todos esses elementos. É importante salientar que não há unanimidade na doutrina sobre este tema. Além disso, minoritariamente, há outros dois posicionamentos que defendem que os elementos do crime sejam: Figura 3 - Elementos do crime Fonte: Elaborada pela autora, 2019. Na imagem, temos a representação gráfica de dois posicionamentos distintos sobre os elementos#PraCegoVer: do crime. O primeiro soma fato típico e antijuridicidade; já o segundo, acrescenta a essa soma os conceitos de culpabilidade e punibilidade. - -15 5 Teoria do crime Segundo ensina Fragoso (1976, p. 155), “a teoria do crime é a parte da dogmática jurídico-penal que estuda o crime como fato punível, analisando suas características gerais, bem como suas formas especiais de aparecimento, que são a tentativa e a coautoria”. Conforme afirma Figueiredo Dias (2007, p. 235), tendo em vista que hoje vivemos sob a égide do direito penal do fato e não do direito penal do autor, a construção dogmática do conceito de crime é a construção do conceito de fato punível. Seguindo a evolução histórica estabelecida pela doutrina (Dias, 2007, p. 238 e 239; Mir Puig, 2007, p. 112 e 113; Estefam, p. 2018) há quatro grandes períodos na doutrina do fato punível, com marcante influência histórico-político-cultural das sociedades onde se desenvolveram: • sistema clássico; • sistema neoclássico; • sistema finalista; • sistema funcionalista. Essas teorias não se excluem. A intenção é sempre superar os pontos negativos ou obsoletos da anterior, e se utilizar de suas descobertas e acertos. • • • • - -16 5.1 Sistema clássico ou causalismo O conceito causal de ação foi desenvolvido por Liszt-Beling-Radbruch, denominado sistema clássico. Teve seu apogeu entre o último terço do séc. XIX e o início do séc. XX. As influências dessa corrente eram o positivismo, o empirismo e o cientificismo naturalista. A intenção era separar o estudo do direito positivo de qualquer preocupação não jurídica, como dados sociológicos ou psicológicos (Martinelli; Bem, 2018, p. 418). Segundo esse sistema havia de um lado a ação, no processo causal externo, objetivo (referindo-se à tipicidade e a antijuridicidade), e de outro o conteúdo da vontade, interno, subjetivo (referindo-se à culpabilidade). A ação seria o movimento corporal causado por um impulso voluntário, que causa modificação no mundo exterior. Essa ação se tornaria típica se se subsumisse ao tipo descrito na lei penal. A ação típica se tornaria ilícita se não estivesse presente nenhuma causa de justificação. Não havendo a causa, teríamos a parte objetiva do delito. A parte subjetiva estaria presente na culpabilidade. A ação típica e ilícita seria também culpável se fosse possível comprovar a existência de um liame psicológico entre o agente imputável e o fato, ou seja, se fosse possível imputar o fato ao agente a título de dolo ou culpa. Satisfeitos esses requisitos, estariam presentes todos os elementos do conceito de crime. Com o passar do tempo essa teoria tornou-se obsoleta. No entendimento de Figueiredo Dias (2007, p. 240), esse conceito de ação, ao exigir um movimento corpóreo e, também, uma modificação no mundo exterior, “restringia de forma inadmissível a base de toda a construção”. Para corroborar esseentendimento o autor cita como exemplos o crime de injúria e a omissão (Dias, 2007, p. 240 e 241), para os quais não se pode aplicar a teoria. Figueiredo Dias (2007, p. 241) faz ainda outras considerações. Segundo o autor o método lógico-formal de mera subsunção do fato ao tipo legal seria muito mecânico, pois desconsidera outras questões ligadas à tipicidade, como as de cunho social. No que se refere à ilicitude, o autor entende que considerar ilícito o ato pela simples ausência de uma excludente é uma compreensão pobre e inexata do que deveria ser um juízo de contrariedade da ordem jurídica. A última crítica de Figueiredo Dias diz respeito à concepção psicológica da culpa. Para o autor entende que o inimputável também pode agir com dolo ou culpa; na culpa inconsciente não há liame psicológico entre o agente e o resultado; não consideram a questão do erro ou da inexigibilidade de conduta diversa. Para Welzel (1997, p. 48), o erro fundamental da teoria causal da ação consiste em que não apenas desconhece a função constitutiva da vontade que rege a ação, mas inclusive a destrói e converte em um mero processo causal desencadeado por um ato qualquer de vontade. Não obstante às críticas, o grande mérito dessa teoria foi ter construído todo um sistema do crime baseado numa rigorosa metodologia, dotada de clareza e simplicidade. - -17 5.2 Sistema neoclássico ou neokantismo Essa teoria é baseada na filosofia dos valores de origem neokantiana, desenvolvida nas primeiras décadas do séc. XX pela Escola de Baden – Alemanha. Podemos citar Mezger e Delitala como seus defensores. Refutando o causalismo baseado nas ciências naturais, pregam a autonomia daquilo que denominaram ciências do espírito, que não se contentava em observar e descrever os fatos, exigindo compreendê-los e valorá-los (Mir Puig, 2007, p. 155). Segundo ensina Figueiredo Dias (2007, p. 242), essa teoria visa retirar o direito do mundo naturalista do ser, para, como ciência do espírito, o situar numa zona intermediária entre o mundo do ser e do dever-ser. Mais especificamente no “mundo das referências da realidade aos valores”. Aação continuou ligada à vontade do agente. Já o dolo ou a culpa permaneciam na culpabilidade. São reconhecidos elementos normativos e subjetivos do tipo, sendo afastada a sua concepção clássica, baseada em fatores puramente objetivos. A antijuridicidade, antes pautada na simples contradição formal a uma norma jurídica, passou a ser concebida sob um aspecto material, exigindo-se uma determinada danosidade social. Esse novo entendimento permitiu graduar o injusto de acordo com a gravidade da lesão produzida (Bitencourt, 2018, p. 275). Outra modificação é no conceito de culpabilidade, que deixa de ser psicológica para ser normativa. Trata-se de um juízo de censura. Essa corrente também já se encontra vencida. Além da superação filosófica do neokantismo, a crítica continua sendo no tocante ao conceito mecânico-causalista da ação. A essência da ação ainda era a modificação do mundo exterior causada pela vontade, mas não dirigida pela vontade. Não interessava se o autor queria ou não produzir o fato típico. Isso seria analisado na culpabilidade, onde se localizava o dolo. Os finalistas substituem a mera causação do resultado pela ação humana com finalidade. De uma forma ilustrativa, a crítica que Welzel (1997, p. 40) faz ao causalismo é no sentido de que este é cego, enquanto o finalismo é vidente. - -18 5.3. Sistema finalista Iniciaremos esse tópico ressaltando que o acolhimento do finalismo possui também um cunho político. Após o advento do Estado Nacional-Socialista de Hitler era imperioso romper com o sistema anterior. Por todo o terror descortinado desse período ficou claro que o normativismo neokantiano não oferecia garantias suficientes de justiça (Dias, 2007, p. 244). Havia a necessidade de limitar toda a normatividade, e o caminho encontrado foi o fenomenológico e ontológico, ou da natureza das coisas. Foi Welzel quem trouxe esse pensamento para o direito penal. , catedrático da Universidade de Bonn na Alemanha, revolucionou alguns conceitosHans Welzel (1904-1977) do direito penal, e tem seguidores até hoje. Para Welzel (1997, p. 1 e 2) "a missão do direito penal é proteger os valores elementares da vida em comunidade, ou seja, os bens jurídicos". Welzel (1997, p. 39) afirma que a ação humana é o exercício de uma atividade final. Assevera que o caráter final da ação, ou finalidade, se baseia na possibilidade do homem, graças a seu conhecimento causal, prever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de sua atividade, e, assim, dirigi-la à consecução de seus fins. Segundo Luís Greco (2007, p. 8), para o finalismo “o homem age porque antecipa as consequências dos atos a que se propõe, e porque pode valer-se do conhecimento de que dispõe a respeito dos cursos causais para dirigi- los no sentido que lhe aprouver”. Nesse contexto, a ação teria um conceito pré-jurídico, ontologicamente determinado, existente antes da valoração humana e por isso precedente à valoração jurídica. Podemos citar as principais características do finalismo: O dolo Que nas teorias anteriores compunha a culpabilidade, agora compõe o tipo penal. A ilicitude É a contradição de uma realização típica com o ordenamento jurídico em seu conjunto. A culpabilidade Excluídos dolo e culpa, passa a exercer apenas o juízo de censura. Fazem parte desta a análise da imputabilidade, da consciência da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa. Roxin (2008, p. 56 e 60) aponta como principais avanços do finalismo “o descobrimento do desvalor da ação enquanto um elemento constitutivo do injusto penal, e para a delimitação da culpabilidade”; e o comodolo componente do tipo. Porém, o autor (2008, p. 57) também critica esse sistema afirmando que “hoje não mais se contesta que a existência empírica da omissão, da culpa e da omissão culposa não podem ser explicadas através da finalidade”. - -19 Discutindo a relação entre dados empíricos e normativismo, Roxin (2008, p. 63) compara a sua teoria ao finalismo, e propõe “uma dogmática plena de dados empíricos, que se ocupa das realidades da vida de modo muito mais cuidadoso que um finalismo concentrado em estruturas lógico-reais um tanto abstratas”. Complementa afirmando que “o parâmetro de decisão político-criminal, que seleciona e ordena os dados empíricos jurídicos penalmente relevantes, tem preponderância”. Assim, “normativismo e referência empírica não são métodos que se excluem mutuamente, mas eles se completam”. Figueiredo Dias (2007, p. 246) é incisivo em sua crítica ao finalismo. Para ele o “pretenso ontologismo” que estaria na base do sistema, com o escopo de torná-lo um sistema imutável, válido para todos os lugares e atemporal, acabou resultando em um conceitualismo inflexível, sem deixar margens para a política criminal. Segundo o autor “tudo residiria afinal e só em determinar as estruturas lógico-materiais ínsitas nos conceitos usados pelo legislador, e a partir delas deduzir a regulamentação ou a solução aplicáveis ao caso”. Pelo exposto, como salienta Figueiredo Dias (2007, p. 246), essa postura não seria capaz de evitar a repetição de erros passados. Pois, não difere muito do “velho direito natural clássico, ao preencher os conceitos do direito positivo com os conteúdos considerados normativamente mais corretos, para em seguida os deduzir do corpo do direito natural e os apresentar assim como vinculantes e livres de discussão”. 5.4 Sistema funcionalista O estudo do funcionalismo no Brasil é baseado especialmente em dois autores alemães. Claus , queRoxin desenvolveu a sistemática e Günther , que criou o . funcional teleológica Jakobs funcionalismo sistêmico Roxin, que entende que a missão do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos, aproxima o direito penal da política criminal. Ele desenvolve e sistematiza as distintas categorias da teoria do delito partindo do prisma de sua função políticocriminal (Bitencourt; Muñoz Conde, 2004, p. 10 e 11). O conteúdo da tipicidade deixa de ser a ação para abraçar os fins do ordenamento jurídico. Jakobs, a seu turno, entende que a missão do Direito Penal é a proteção da norma penal. Assim, toda construção jurídico-penal deve ter como função resguardar este mister do Direito Penal. Ambos os autores também defendem a teoria da imputação objetiva. Para Roxin (2008, p. 80) “a imputação objetiva, ao considerar a ação típica uma realização de um risco não permitido dentro do alcance do tipo, estrutura o ilícito à luz da função do Direito Penal”, que seria “defender o indivíduo e a sociedade contra riscos sócio-politicamente intoleráveis”. A ideia do risco, segundo entendimento de Roxin (2008, p. 81), “possibilita e favorece a introdução de questionamentos políticos-criminais e empíricos, e faz com que a dogmática, encerrada em seu edifício conceitual pelas anteriores concepções do sistema, se abra para a realidade”. - -20 6 O Direito penal e o Estado Democrático de Direito O Direito penal pode ser estruturado sob diferentes perspectivas, dependendo da organização política do Estado. Se se trata de um Estado totalitário, ditatorial, o direito penal será seu maior reflexo, baseado na força e na violência, sem conceder direitos ou garantias aos seus cidadãos. Já o direito penal presente num estado democrático de direito, atuará como instrumento de controle social legitimado e limitado, protegendo os bens jurídicos fundamentais. Fazendo uma breve análise histórica, constata-se um desenvolvimento significativo na ciência penal. Superados os regimes absolutistas, com a presença marcante da inquisição, há o advento do direito moderno, pós revolução francesa, baseado no . É o .princípio da legalidade Estado Legislativo de Direito Para a sociedade daquela época uma norma jurídica não era válida por ser justa, mas por ser oriunda de um poder legítimo. Nesse positivismo extremo, a lei era vista como a expressão da vontade popular, sendo o legislador insuscetível de controle. Porém, após o término da segunda guerra mundial, restou evidente que esse sistema era falho, pois havia legitimado a barbárie dos estados nazista e fascista. Foram então promulgadas normas paradigmáticas, como a Lei Fundamental Alemã de 1949 e a Constituição da Itália de 1947. A partir desse momento a validade das leis já não depende apenas da legitimidade formal do processo legislativo, mas seu conteúdo deve subordinar-se à orientação constitucional. Nesse contexto, na década de 1970 um “‘novo’ modelo normativo de garantia aos direitos sociais, civis e políticos é lapidado na Itália como sinônimo de Estado constitucional democrático”. Nascia o garantismo, tendo como maior expoente Luigi Ferrajoli. “O autor, num modelo de ‘direito penal mínimo’, limita a atuação punitiva estatal, tanto na cominação, quanto na aplicação da pena, visando consagrar o direito de liberdade dos indivíduos” (Martinelli; Bem, 2018, p. 74). - -21 6.1 Direito penal e Direito constitucional no Brasil No Brasil, o surge apenas na década de 80, com o advento da Estado Democrático de Direito Constituição Federal de 1988. Esse modelo político determina que toda a atividade estatal (legislativa, judicial e administrativa) seja “sempre vinculada axiomaticamente pelos princípios constitucionais explícitos e implícitos” (Bitencourt, 2018, p. 69-70). Hoje, pela relevância de sua função, o legislador não está isento de responsabilidades e é obrigado a obedecer a requisitos de aspecto formal e material no exercício da função legislativa, sobretudo no processo de criação das leis penais. Por sua vez, o judiciário também só pode atuar respeitando a Constituição Federal (art. 5º, XXXVII e s., CF) e os princípios do Estado Democrático de Direito. Por mais grave e abjeto que seja um crime, o juiz não poderá impor uma pena perpétua. Tampouco pode o legislador apenar alguma conduta com a pena de morte. Pois, ambas as penas são vedadas pela Constituição Federal (art. 5º, XLVII, a e b). 6.2 Princípios A seguir encontram-se os principais penais mais relevantes, todos amparados pela Constituição Federal de 1988. 6.2.1 Princípio da legalidade e reserva legal O está fundamentado no : “não haverá crimeprincípio da legalidade art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Este princípio determina que nenhum fato "poderá ser considerado crime e nenhuma pena criminal poderá ser aplicada sem que antes exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir a conduta proibida de forma clara e precisa" (Bitencourt, 2018, p. 53). O princípio da reserva legal está pautado no art. 22, I, da Constituição Federal, que determina que compete privativamente à União legislar sobre matéria penal. Ou seja, apenas lei federal pode criar um tipo penal. Nenhum crime pode ser previsto pelo presidente da república, por meio de medida provisória, ou por meio de um decreto estatal ou municipal. Esses princípios atuam como uma limitação ao poder punitivo estatal. Pois, uma pessoa só poderá ser processada e punida com fundamento em leis elaboradas de forma válida. - -22 6.2.2 Princípio da culpabilidade O prevê que ninguém poderá responder penalmente por um resultado lesivo se nãoprincípio da culpabilidade agiu com ou dolo culpa. A existência de nexo causal entre a conduta do agente e o resultado lesivo não é suficiente para a responsabilidade penal. Ou seja, não se admite a na seara penal,responsabilidade objetiva qual seja, a responsabilidade individual que independe de dolo ou culpa. (Martinelli, Bem, 2018, p. 458). 6.2.3 Princípio da dignidade da pessoa humana A Constituição Federal determina que a é um princípio fundamental da ordemdignidade da pessoa humana jurídica nacional (art. 1º, III). Dessa forma, o estado brasileiro não pode prever penas que firam a dignidade humana (art. 5º, XLVII e XLIX, da CF). Segundo Bitencourt, (2018, p. 73), o princípio de humanidade do direito penal é o maior entrave para a adoção da pena capital e da prisão perpétua. Além disso, “nenhuma pena privativa de liberdade pode ter uma finalidade que atente contra a incolumidade da pessoa como ser social, o que violaria flagrantemente o princípio da dignidade humana, postulado fundamental da Carta da República” (op. cit., p. 75). 6.2.4 Princípio da intervenção mínima O Direito penal, por ser a forma mais grave de intervenção na liberdade do indivíduo, deve ser aplicado apenas como , ou seja, quando imprescindível. ultima ratio Desta forma, o princípio da intervenção mínima limita o poder incriminador estatal determinando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio idôneo para a prevenção de ataques contra bens jurídicos relevantes (Bitencourt, 2018, p. 56). Vale dizer, quando o controle social não puder ser feito por outro ramo do direito, como o civil ou o administrativo. 6.2.4.1 Princípio da fragmentariedade O decorre do princípio da intervenção mínima. Segundo este princípio devemprincípio da fragmentariedade ser protegidos penalmente apenas certos bens jurídicos e, ainda assim, contra determinadas formas de agressão (Toledo, 2002, p. 17). Para Bitencourt (2018, p. 57), “o Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica”. - -23 6.2.5 Princípio da lesividade ou ofensividade O determina que só há crime quando o bem jurídico-penal sofre “pelo menos, um princípio da ofensividade ” (Bitencourt, p. 64). perigo concreto, real e efetivo de dano Esse princípio não se destina apenas ao legislador, mas, especialmente ao magistrado. Cabe a este avaliar se houve efetiva lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico. 6.2.6 Princípio da proporcionalidade Como reminiscênciasdo princípio da proporcionalidade pode-se citar a conhecida . O exemplo maislei do talião famoso desse tipo de norma é o Código de Hamurabi, Babilônia, 2.083 a.C. O princípio da proporcionalidade contemporâneo fundamenta-se na necessidade da ponderação entre a norma penal restritiva da liberdade e o bem jurídico a ser tutelado por ela, pois há dois direitos igualmente fundamentais que se enfrentam. O quantum da pena indica o grau de importância que os diversos bens jurídicos tutelados penalmente têm no ordenamento jurídico. Assista aí https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2 /7d7065dcc6861410f182ebdf8dcb6d9b 6.2.7 Princípio da adequação social O dispõe que não se pode punir o sujeito que atua de maneira socialmenteprincípio da adequação social adequada (Martinelli; Bem, 2018, p. 255). Pois, esse tipo de conduta não se reveste de tipicidade e, por isso, não pode constituir delito (Bitencourt, 2018, p. 59). A título ilustrativo, a doutrina cita como exemplo a perfuração de orelhas de crianças, a realização de tatuagem ou o topless durante o carnaval (Martinelli; Bem, 2018, p. 257). 6.2.8 Princípio da insignificância O deve ser analisado em conjunto com outros princípios, como o daprincípio da insignificância fragmentariedade e da intervenção mínima, com o objetivo de afastar a tipicidade penal. Do ponto de vista formal, há condutas que se adequam perfeitamente a determinado tipo penal. Porém, não apresentam qualquer relevância no aspecto material. Há, nesses casos, exclusão da tipicidade, pois o bem jurídico-penal não chegou a ser lesado (Bitencourt, 2018, p. 63-64). Um exemplo clássico é o furto de algum alimento. Pois, deve haver proporcionalidade entre a conduta a ser punida e a pena a ser aplicada. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2/7d7065dcc6861410f182ebdf8dcb6d9b https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2/7d7065dcc6861410f182ebdf8dcb6d9b - -24 - -25 7 Fins e objetivos do direito penal O direito penal é uma forma de controle social, e se faz através Porém, porproteção de bens jurídicos. representar a forma mais agressiva de atuação do direito, só deve intervir quando absolutamente imperioso, ou seja, como .ultima ratio A sociedade atual caracteriza-se por um intenso processo de modernização que gerou uma complexidade social sem precedentes. Pode-se citar o surgimento de direitos difusos e coletivos, o incremento da violência, o crime organizado transnacional, crimes de perigo abstrato etc. Esses fenômenos geram uma grave sensação de insegurança na população, que cobra do poder público o endurecimento do direito penal. Essa nova realidade traz imensos desafios ao legislador penal, que necessita encontrar um ponto de equilíbrio entre a tutela penal dos bens jurídicos sem olvidar o respeito à dignidade humana. Contudo, o que se vê no Brasil é um Poder Legislativo desorientado. Ao lado de normas rígidas como a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), há a Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95) e a Lei das Penas Alternativas (Lei n. 9.714/98). Há, assim, com um emaranhado de normas penais orientadas por concepções teóricas contraditórias, adotadas sem planejamento, sendo impossível identificar um escopo comum que lhes confira harmonia. O que se mostra evidente é que quando há clamor público, o legislador se apressa em tipificar novas condutas e agravar sanções já existentes. Trata-se, muitas vezes, de um Direito penal meramente simbólico. Porém, o estudante de Direito deve ter em conta que a norma penal deve ser idônea para atingir seus fins e a menos gravosa possível, devendo respeitar a proporcionalidade entre o bem jurídico tutelado e a intervenção trazida pela norma penal incriminadora. Assista aí Enriqueça seu conhecimento! Clique aqui: https://www.youtube.com/watch?v=05H0R4I1tXI&feature=emb_title https://www.youtube.com/watch?v=05H0R4I1tXI&feature=emb_title - -26 7.1 Bem jurídico penal: conceito e funções Francisco de Assis Toledo (2002, p. 16) define bens jurídicos como “valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”. De forma sintética pode-se conceituar bem jurídico-penal como o objeto da tutela do Direito penal. Para que um bem jurídico seja tutelado pelo direito penal deve respeitar o seguinte binômio: efetivo exercício do controle social x . respeito a princípios limitadores Ainda neste passo, pode-se afirmar que devem ser tutelados apenas os bens jurídicos que tutelem valores fundamentais para a convivência social, não abrangendo valores de ordem estritamente moral, ética ou religiosa. Além da relevância, deve-se levar em conta o caráter subsidiário do Direito Penal. Se o bem puder ser protegido de forma adequada pelos outros ramos do direito, não deve ser objeto de tutela penal. Para exemplificar, pode-se citar o adultério, que até 2005 figurava como crime, previsto no art. 240 do Código Penal. Porém, trata-se de questão que pode ser resolvida no âmbito do Direito civil, sem a necessidade da intervenção penal. - -27 8 Direito penal e as ciências auxiliares O direito penal é uma ciência normativa, pois tem como objeto o estudo da norma. Há outras ciências que orbitam a dogmática jurídico-penal. Vejamos: Criminologia Ciência causal-explicativa que se preocupa com a análise da gênese do crime, das causas da criminalidade, numa interação entre crime, homem e sociedade. (Bitencourt, 2018, p. 40). A criminologia abrange a antropologia criminal (Lombroso), a (Ferri) e a (Mendelsohn). Sãosociologia criminal vitimologia ciências autônomas, mas intimamente ligadas ao direito penal, pelo menos para a finalidade a que se dirige sua atividade teórica (Martinelli; Bem, 2018, p. 92). Política criminal Ciência crítica que dispõe sobre o fundamento jurídico e os fins do poder de punir, bem como sobre o controle de suas consequências. (Martinelli, p. 92). Medicina legal e criminalística Áreas que auxiliam na esclarecimento dos crimes. Psiquiatriaforense Estuda as doenças e as perturbações mentais e suas consequências, bem como investiga a motivação dos agentes na seara criminosa. Fique de olho O definiu os para a aplicação da no caso concreto: (a) a mínimaSTF requisitos insignificância ofensividade da conduta do agente; (b) a nenhuma periculosidade social da ação; (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (Confira o acórdão completo: RHC n. 122.464 AGR/BA, rel. Min. Celso de Mello, DJ 10-6-2014). Além dos direitos e garantias penais previstos na Constituição Federal, são aplicáveis no país tratados internacionais (art. 5º, §§ 2º a 4º, da CF), como aDeclaração Universal dos Direitos Humanos(1948); aConvenção Americana de Direitos Humanos(1969) e oEstatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional(1998). - -28 é isso Aí! Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • a no estado democrático de direito é atuar como instrumento de controle missão do direito penal social legitimado e limitado, protegendo os ;bens jurídicos fundamentais • Cesare Beccaria é o expoente do . O autor publicou em 1764 a obra período humanitário Dos delitos e , que é um marco no direito penal, pois visava romper com o direito baseado em suplícios e no das penas arbítrio dos reis; • o dispõe sobre os elementos estruturais do crime, que são: conceito analítico fato típico + ilicitude ;(ou antijuridicidade) + culpabilidade • o está fundamentado no e determina princípio da legalidade art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal que “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”; • o estudo do funcionalismo no Brasil é baseado especialmente em dois autores alemães. Claus , que Roxin desenvolveu a sistemática funcional teleológica e Günther, que criou o .Jakobs funcionalismo sistêmico Referências BITENCOURT, Cezar Roberto. : parte geral. vol. 1. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.Tratado de direito penal BITENCOURT, Cezar Roberto; MUÑOZ CONDE, Francisco. . 2ª ed. São Paulo: Saraiva,Teoria geral do delito 2004. BRUNO, Aníbal. parte geral. Tomo I. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1956.Direito Penal: CARRARA, Francesco. : parte geral. vol. I. Trad. José Luiz V. de A.Programa do Curso de Direito Criminal Franceschini e J. R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956. DIAS, Jorge de Figueiredo. : parte geral. Tomo I. 1ª ed. brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais,Direito Penal 2007. ESTEFAM, André. : parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.Direito penal FRAGOSO, Heleno Cláudio. parte geral. São Paulo: Bushatsky, 1976.Lições de Direito Penal: GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. A autocolocação da vítima em risco GRECO, Luís. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.Um panorama da teoria da imputação objetiva. MARTINELLI, João Paulo Orsini; BEM, Leonardo Schmitt. parte geral. 3. Lições fundamentais de direito penal: ed. São Paulo: Saraiva, 2018. MIR PUIG, Santiago. fundamentos e teoria do delito. Trad. Cláudia Viana Garcia e José CarlosDireito Penal: Nobre Porciúncula Neto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. ROXIN, Claus. Trad. Luís Greco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.Estudos de Direito Penal. TOLEDO, Franciso de Assis. . 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.Princípios Básicos de Direito Penal • • • • • - -29 WELZEL, Hans. : parte geral. Trad. Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez. 4ª ed.Derecho Penal Alemán Santiago: Editorial Juridica de Chile, 1997. Olá! 1 Breve evolução histórica do Direito Penal 1.1 Direito penal primitivo Assista aí 1.2 Vingança pública 1.3 Período humanitário 2 Evolução epistemológica do direito penal: escolas penais 2.1 Escola Clássica 2.2 Escola Positiva 2.3 Escola Moderna Alemã Adoção do método lógico-abstrato e indutivo-experimental Distinção entre imputáveis e inimputáveis O crime é concebido como fenômeno humano-social e fato jurídico Função finalística da pena Eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração 3 Evolução do Direito penal no Brasil 3.1 Ordenações Filipinas 3.2 Código Criminal do Império do Brasil 3.3 Código Penal da República 3.4 Código Penal de 1940 4 Conceito de crime 5 Teoria do crime 5.1 Sistema clássico ou causalismo 5.2 Sistema neoclássico ou neokantismo 5.3. Sistema finalista 5.4 Sistema funcionalista 6 O Direito penal e o Estado Democrático de Direito 6.1 Direito penal e Direito constitucional no Brasil 6.2 Princípios 6.2.1 Princípio da legalidade e reserva legal 6.2.2 Princípio da culpabilidade 6.2.3 Princípio da dignidade da pessoa humana 6.2.4 Princípio da intervenção mínima 6.2.4.1 Princípio da fragmentariedade 6.2.5 Princípio da lesividade ou ofensividade 6.2.6 Princípio da proporcionalidade Assista aí 6.2.7 Princípio da adequação social 6.2.8 Princípio da insignificância 7 Fins e objetivos do direito penal Assista aí 7.1 Bem jurídico penal: conceito e funções 8 Direito penal e as ciências auxiliares é isso Aí! Referências
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