Buscar

4 MARXISMO E FILOSOFIA POLÍTICA

Prévia do material em texto

FILOSOFIA POLÍTICA 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Antonio Charles Santiago Almeida 
 
 
2 
 
CONVERSA INICIAL 
Saudações, caro aluno! 
Nesta aula trabalharemos com o Marxismo e a filosofia política. O 
Marxismo é bastante amplo e traz consigo uma série de implicações. Mas é 
possível, por meio de um recorte bibliográfico, compreender e sistematizar o que 
se entende por Marxismo. 
Para desenvolver e garantir uma boa discussão nesta aula, 
apresentaremos quatro tópicos, a saber: 
 Marxismo: uma leitura política do Capitalismo Contemporâneo, no 
qual faremos observações de como Marx pensa o Capitalismo e sua 
lógica de exploração. Não faremos uma leitura do Capitalismo, mas, 
antes disso, buscaremos apontar a crítica marxista desse modelo 
econômico. 
 Escola de Frankfurt: uma teoria crítica: nesse tópico, abordaremos 
a Escola de Frankfurt, a partir das reflexões de Max Horkheimer em 
sua obra Teoria Crítica e Teoria Tradicional e Theodor Adorno, a partir 
de sua obra Indústria Cultural. Pretendemos, justamente, fomentar 
uma leitura crítica do Marxismo. 
 Marxismo versus Anarquismo: novos rumos para compreensão 
do Estado. Buscaremos, nesse ponto, trabalhar o conceito de 
Anarquismo, bem como estabelecer relações com o Marxismo do 
ponto de vista de uma teoria política, especialmente no que concerne 
a ação revolucionária e o conceito de Estado. 
 Democracia: um debate à luz do Marxismo. Nesse último ponto, 
queremos discutir com você a questão da democracia e de como esse 
conceito sofreu uma variação ao longo da história. Para tanto, 
desenvolveremos, nesse tópico, o conceito de democracia burguesa. 
 
Desse modo, caro aluno, nesta rota temos o objetivo de refletir com você 
sobre o Marxismo e suas variações. Adiantamos que é um tema complexo, pois 
há diversas correntes dentro dessa temática, mas deixamos para você a 
sugestão de ampliar a leitura e fazer um quadro entre o que se denomina de 
marxiano e marxista, nesse contexto de teoria política. 
 
 
3 
A discussão em torno do Marxismo é complexa, pois o debate que 
circunscreve a temática é bastante amplo. E, para além dessa amplitude da 
temática, há uma confusão ideológica em volta desse conceito. Não se 
consegue, do ponto de vista teórico, fazer um recorte entre os textos de 
Marx/Engels e dos marxistas. Justamente por isso, há uma confusão entre o que 
é de Marx e o que é do Marxismo. 
É preciso definir que alguns autores agregam conceitos ao expediente 
marxiano e que, por isso, existe uma diferença entre os textos. Também existe 
uma diferença, tratando-se do texto de Marx, do jovem Marx e do velho Marx. 
Eu prefiro fazer uso do termo filósofo Marx e do Marx da economia política. Pois 
o recorte acontece também entre os textos até 1844 e depois de 1844. Observe 
que não é fácil fazer a leitura desse autor, bem como desse movimento que se 
denomina de Marxismo, sem que considere as implicações de leitura. 
Outra confusão comum, sobretudo no Brasil, é confundir a teoria de 
Marx/Engels com os movimentos revolucionários que aconteceram sobre a 
égide do Socialismo, com tons de autoritarismo e totalitarismo. Pois bem, de 
posse dessa apresentação, deixo para você um problema: o que se denomina 
de marxiano e Marxismo? Para responder à questão, sugiro que estude o 
capítulo do livro Filosofia Política, da editora Intersaberes, do autor Antonio 
Charles Santiago Almeida, capitulo 4, onde o autor faz a diferenciação desses 
dois conceitos. 
 
TEMA 1 - MARXISMO: UMA LEITURA POLÍTICA DO CAPITALISMO 
CONTEMPORÂNEO 
Muito se tem dito sobre o Marxismo, sobretudo, na sociedade 
contemporânea e, especialmente, na realidade brasileira. Fala-se, inclusive, 
sobre doutrinação marxista e uma possível tentativa de punir quem se supõe 
fazer esse tipo de doutrinação no âmbito educacional. O problema, 
especificamente do Brasil, com relação ao pensamento de Marx e a chamada 
equivocadamente “doutrinação marxista” ocorre justamente porque existe uma 
direita conservadora e reacionária no cenário político brasileiro, que nunca leu o 
pensamento de Marx e sequer o compreende em uma estrutura de complexidade 
teórica. Não é sem razão que o judiciário paulista, ao referendar uma peça 
jurídica, fez uso de Hegel como se fosse Engels, demonstrando uma inabilidade 
de leitura para com essa temática, o Marxismo. 
 
 
4 
Todavia, não se trata de esmiuçar a querela, mas, para além disso, fazer 
uma leitura política do Marxismo no sentido de compreensão do Capitalismo 
Contemporâneo. Contudo, para início de conversa, convém determinar o que é 
Marxismo e para uma boa compreensão do conceito vale citar BOBBIO (2004, 
p. 149), na obra Nem com Marx nem contra Marx: 
“[…] entende-se por Marxismo o conjunto de ideais, dos conceitos, das 
teses, das teorias, das propostas metodológica científica e da 
estratégia política e, em geral, a concepção do mundo, da vida 
associada e da política, consideradas como um corpo homogêneo de 
proposições até constituir uma verdadeira e autêntica “doutrina’, 
derivadas das obras de Karl Marx e de Friedrich Engels”. 
 
Pois bem, esse conjunto de teses, aqui denominado de Marxismo, faz 
uma observação da sociedade contemporânea e, dentre outras coisas, não só 
estuda o Capitalismo, mas, para além disso, faz críticas ao seu modo de 
produção, ao seu modo de operar, à lógica educacional e, acima de tudo, à 
maneira como o Estado é submetido a esse modelo. Para o Marxismo, o Estado 
não é racional, mas, para além disso, é o gestor da lógica burguesa. Desse 
modo, o Marxismo tem uma leitura política do mundo e, no que compreende o 
Capitalismo, faz a defesa de um novo modelo econômico, o Socialismo, pois 
somente esse sistema de economia pode inverter a ordem burguesa, ordem que 
se denomina de Capitalismo Contemporâneo. 
A proposição dessa leitura política, o Marxismo, reivindica uma 
consciência crítica do sujeito para o que se denomina “emancipação dos 
indivíduos”. Nas palavras de István Mészáros (2011, p. 167), em sua obra 
Filosofia, Ideologia e Ciência Social, “Marx descreve as condições de liberação 
como a emancipação de todos os indivíduos das forças e determinações 
esmagadoras a que estão sujeitos”. De acordo com Mészáros, Marx representa 
uma luta política e que tem uma proposta de libertação desses indivíduos, na 
medida em que descreve, ao lado de Engels, as bases de compreensão do que 
se denomina “Capitalismo” e suas formas de opressão. 
Decerto que em Manifesto do Partido Comunista, os seus autores, Marx 
e Engels, fazem um diagnóstico do processo revolucionário e afirmam que “um 
espírito ronda a Europa, o comunismo”. Mas, na medida em que há, no ar, um 
espírito comunista, há também, segundo os autores desse manifesto, uma 
organização burguesa de sociedade, isto é, (2011, p. 40) 
a sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade 
feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez mais do que 
 
 
5 
estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas 
formas de luta em lugar das que existiram no passado. 
 
Nesse sentido, a sociedade moderna, com seu projeto de modernidade, 
não fez desaparecer o antagonismo da luta de classes, pelo contrário, criou 
novas classes e, com elas, novas condições de opressão. Tais condições são, 
nesse entendimento, asseguradas pelo Estado que, dentre outras coisas, 
representa, no itinerário marxista, a defesa e a gestão do patrimônio burguês. E 
esse patrimônio burguês fez, no entendimento de Marx e Engels (2011, p. 42): 
“fez do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio seus servidores 
assalariados”.Perceba, caro aluno, como os autores criticam o funcionamento 
do Capitalismo, pois, segundo eles, os pensadores – homens livres do passado 
– tornaram-se funcionários da burguesia, ou seja, pensam e produzem para o 
sistema, o Capitalismo. 
É por essa razão que o Marxismo reivindica um novo modelo de 
sociedade, pois essa estrutura de sociedade, gerida pelo Capitalismo Moderno, 
não condiciona a emancipação dos indivíduos, uma vez que os mesmos são 
reféns do sistema, ou seja, estão acorrentados ao sistema. É por essa razão 
que, ao final do manifesto, os autores fazem a seguinte reclamação (2011, p. 
69): “que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista. 
Nela os proletários nada têm a perder a não ser os seus grilhões. Têm um mundo 
a ganhar”. 
Não se trata, apenas, de uma assertiva política, mas de uma nova 
perspectiva de vida política. Veja bem, os autores conclamam para a revolução 
socialista, posteriormente fala da dominação, isto é, da luta política e por fim fala 
da emancipação política. A expressão nada a perder, senão os grilhões, 
representa a destruição da força ideológica operada pela classe burguesa. 
As pessoas estão presas ao sistema capitalista moderno sistema e, ainda, 
são inteiramente dependentes dele. Mas o grau de dependência pode ser, em 
algum momento, ideológico. Veja que, nessa perspectiva marxista, há, uma 
denúncia da exploração que se camufla no discurso do trabalho. Não 
adentraremos na questão do trabalho, mas vale destacar que esse tem sido, na 
sociedade contemporânea, o calcanhar de Aquiles para o sistema capitalista. 
Em que se constitui, na sociedade presente, o Marxismo? A pergunta 
serve para que você possa, caro aluno, pensar em que medida o Marxismo tem 
força para sustentar suas críticas ao sistema capitalista? Isso porque não se tem 
 
 
6 
uma experiência do Socialismo no mundo e todas as suas tentativas não 
efetivaram o sonho marxiano de comunismo. Bom, pensemos no exercício 
teórico, quer dizer, o projeto marxiano de sociedade nunca fora experienciado, é 
fato. Mas sua compreensão teórica é, sem sombra de dúvida, eficiente para se 
compreender o sistema capitalista, uma vez que, conceituado por Bobbio, esse 
conjunto de tese serve para se pensar como se opera a lógica do sistema 
capitalista e sua engenharia de produção/exploração. 
O Marxismo, como corrente teórica, nos faz pensar que, por meio da 
mercadoria, a sociedade vive e se deixa viver, quer dizer, a lógica da mercadoria, 
com seus valores de uso e de troca, redimensiona a estrutura da sociedade no 
sentido da necessidade e do consumo. A fantasia, provocada pela mercadoria, 
cria, ideologicamente, necessidades que movimentam o sistema e somente com 
uma educação emancipatória se pode barrar a lógica do fetiche. Deixo para você 
a sugestão de leitura do conceito de mercadoria, conceito trabalhado na primeira 
parte do Livro I de O Capital de Karl Marx. 
 
TEMA 2 - ESCOLA DE FRANKFURT: UMA TEORIA CRÍTICA 
A Escola de Frankfurt, configura-se como a Escola que promove o que se 
denomina, dentre outras coisas, a Teoria Crítica. É um movimento que refaz, 
criticamente, o pensamento marxista e, de algum modo, busca responder o 
problema cotidiano, a vida política. Entre os autores classificados na primeira 
geração da Escola de Frankfurt, destacam-se os pensadores Theodor Adorno, 
Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamin. 
Pode se dizer que a Escola de Frankfurt, enquanto Instituto de Pesquisa 
Social, buscava a compreensão dos problemas sociais e políticos, ou seja, a 
escola tem um claro objetivo, ofertar estudos a respeito dessa realidade social e 
política para, a partir disso, transformá-la. O Instituto de Pesquisa Social 
reivindicava uma ação política da filosofia, isto é, que tivesse uma função crítica, 
quer dizer, que não só compreendesse a realidade, mas para além disso, 
pudesse, de alguma maneira, modificá-la. Barbara Freitag, estudiosa da Teoria 
Crítica, na obra A Teoria Crítica: ontem e hoje afirma que, 
[…] com o termo Escola de Frankfurt procura-se designar a 
institucionalização dos trabalhos de um grupo de intelectuais 
marxistas, não ortodoxos, que na década de 20 permaneceram à 
margem de um Marxismo-leninismo clássico, seja em sua versão 
teórico-ideológica, seja em sua linha militante e partidária (1994, p. 10). 
 
 
 
7 
 
Para a professora Barbara Freitag, o Instituto tinha caráter interdisciplinar 
e, por isso, era muito comum a união de pesquisadores das áreas da filosofia, 
da psicologia, da ciência política e da economia, mas, entretanto, os membros 
dessa escola distanciavam-se do Marxismo ortodoxo e a partir de uma leitura 
crítica de Marx, buscavam fundamentar uma teoria crítica da sociedade. 
Max Horkheimer buscou delinear os pressupostos de uma teoria crítica, 
pois, segundo ele, a teoria tradicional é positivista e se limita à compreensão da 
realidade. Por isso, de acordo com Horkheimer, fazia-se premente uma teoria 
capaz de transformar a realidade. A transformação proposta faz-se em razão da 
crítica, mais precisamente, à condição de emancipação. Vale destacar que não 
se trata de uma emancipação kantiana, pensada exclusivamente no prisma da 
razão instrumental. Para Horkheimer a questão ultrapassa os limites de uma 
razão instrumental, pois a razão se limitava à compreensão do mundo. Desse 
modo, pode se entender como Teoria Crítica uma tendência de distanciamento 
da teoria tradicional, cartesiana, e, também, da razão instrumental kantiana, 
projetada como símbolo da modernidade. 
A Teoria Crítica, fundamentada numa metodologia dialética, buscava a 
compreensão da realidade e, também, construir interdisciplinarmente um 
caminho de transformação da realidade. O objetivo dessa nova teoria, pautado 
num Marxismo científico, era, metodologicamente, de compreender criticamente 
a sociedade e transformá-la. 
Ao lado de Theodor Adorno, expoente da Escola de Frankfurt, Horkheimer 
propõe uma dialética do iluminismo. A proposta é de perceber as contradições 
existentes no interior da racionalidade instrumental que se traduziu como 
esclarecimento. Decerto que a crítica não se reduz ao período iluminista, mas 
faz um regresso na história do pensamento e aponta como o discurso de uma 
racionalidade instrumental é incapaz e inoperante frente à transformação da 
realidade, pois se reduz à compreensão, à classificação, ou seja, às formas de 
redução do objeto à realidade. Ainda nas palavras de Barbara Freitag (1999, p. 
34): 
[…] a Dialética do Esclarecimento descreve uma dialética da razão que 
em sua trajetória, originalmente concebida como processo 
emancipatório que conduziria à autonomia e à autodeterminação, se 
transforma eu seu contrário: em um crescente processo de 
instrumentalização para a dominação e repressão do homem. 
 
 
8 
A análise crítica elaborada pelos autores da Dialética do Esclarecimento, 
no entendimento da professora Freitag, refaz o caminho da emancipação a partir 
do que se entende por criticidade, mas não reduzida a racionalidade 
instrumental, pois esta, de acordo com os autores, Horkheimer e Adorno, 
instrumentalizou-se e serviu de elemento para a dominação. As palavras desses 
autores, clarificadas na obra Dialética do Esclarecimento (2006, p. 17) “mas a 
terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal. 
O programa do esclarecimento era de desencantamento do mundo. Sua meta 
era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber”. 
Max Horkheimer e Theodor Adorno vão se destacar nesse instituto de 
pesquisa. Horkheimer, notadamente com a discussão da teoria crítica em 
oposição à teoria tradicional. Theodor Adorno, sendorepresentante da crítica à 
denominada indústria cultural. A leitura crítica, apresentada pelo Instituto de 
Pesquisa, reformulou o Marxismo e possibilitou novas leituras dessa corrente 
filosófica. Os conceitos que compõem o ideário marxista, de um modo geral, 
foram revisados e, quando não, reconfigurados no sentido de atualização, isto é, 
adaptados à realidade circunstancial e cotidiana para atender à complexidade 
dos novos tempos. 
Mas, em que consiste, do ponto de vista político, uma teoria crítica? 
Primeiro, pensemos no instituto como espaço de estudo e de debate político. 
Segundo, no objetivo do instituto, que seria compreender e transformar a 
realidade. De posse dessa compreensão, cabe responder à questão: consiste, 
na esteira do Marxismo, em fazer uma opção política, promover uma ciência 
engajada, não só capaz de compreender a realidade, mas, como dito 
anteriormente, de transformá-la em razão de uma classe política, a trabalhadora. 
A discussão aqui apontada remete para uma ação político-filosófica, quer 
dizer, as ciências humanas devem assumir um discurso de compreensão da 
realidade e sua consequente transformação. Mas, segundo Theodor Adorno, 
existe, na sociedade contemporânea, uma indústria da cultura que não favorece 
a transformação dos indivíduos, uma vez que os mesmos são, no cotidiano, 
coisificados. Essa coisificação do indivíduo é fomentada pela falta de cultura e 
de educação política. Por isso, não há como, na sociedade contemporânea, com 
o fenômeno da indústria cultural, emancipar os indivíduos. 
Decerto que Theodor Adorno é um filósofo pessimista. Mas o pessimismo 
advém de um desencantamento com o mundo, uma vez que esse se restringiu 
 
 
9 
ao comércio e, por isso, até mesmo a cultura – elemento de expressão máxima 
da humanidade – tornou-se um comércio. E com a vulgarização da cultura, 
tomada pela indústria de consumo, acaba por reproduzir-se uma cultura 
dominante. Nas palavras de Horkheimer e Adorno na obra Indústria Cultural, “a 
cultura é uma mercadoria paradoxal. É de tal modo sujeita à lei da troca que não 
é nem mesmo trocável; resolve-se tão cegamente no uso que não é mais 
possível utilizá-la” (2011, p. 67). 
Desse modo, sugerimos que você faça um estudo cuidadoso desse 
movimento que se denomina Escola de Frankfurt, levando em consideração os 
autores Horkheimer e Adorno. Não que os outros não sejam importantes – não 
se trata disso – mas, para compreensão do exposto, a noção de teoria crítica e 
da indústria cultural são recorrentes no itinerário desses dois autores. 
 
TEMA 3 - MARXISMO VERSUS ANARQUISMO: NOVOS RUMOS PARA 
COMPREENSÃO DO ESTADO 
Definimos anteriormente o Marxismo. Agora, vamos definir o Anarquismo 
e usaremos, para compreensão desse conceito, o Dicionário de Política, 
organizado por BOBBIO, MATTEUCCI e PASQUINO. Para esses autores, uma 
boa definição de Anarquismo pode ser dada da seguinte maneira: 
[…] precisados os termos, por Anarquismo se entende o movimento 
que atribui, ao homem como indivíduo e à coletividade, o direito de 
usufruir toda liberdade, sem limitação de normas, de espaço e de 
tempo, fora dos limites existenciais do próprio indivíduo: liberdade de 
agir sem ser oprimido por qualquer tipo de autoridade, admitindo 
unicamente os obstáculos da natureza, da ‘opinião’, do ‘senso comum’ 
e da vontade da comunidade geral – aos quais o indivíduo se adapta 
sem constrangimento, por um ato livre de vontade (2004, p. 23). 
 
Pois bem, podemos destacar que tanto o Marxismo quanto o Anarquismo 
são movimentos revolucionários e que fazem opção para com os trabalhadores. 
Todavia, há diferença metodológica de luta e de poder entre essas duas 
correntes filosóficas. Já vimos que, para o Marxismo, é preciso a tomada do 
Estado e, consequentemente, a ditadura do proletariado. 
Já para os anarquistas devemos, com a revolução, destruir o Estado, pois 
este é fonte de poder e de privilégio, por isso a ação revolucionaria anarquista 
deve promover a abolição do Estado. O Anarquismo repudia a concepção de 
autoridade e por isso não comunga com o Marxismo, sobretudo quando a 
discussão é sobre revolução e Estado no sentido de um Estado intermediário, a 
 
 
10 
Ditadura do Proletário. Já vimos, na citação acima, que o Anarquismo faz a 
defesa da liberdade e não aceita perdê-la sobre qualquer alegação, inclusive 
sobre o pretexto da ação revolucionária. Devemos destacar que a ausência de 
autoridade não quer dizer, pejorativamente usado, bagunça e desordem. Não, o 
Anarquismo é muito mais do que isso, faz parte do quadro político do século XIX 
e tem sua etimologia assegurada, no sentido grego, ausência de autoridade. 
É bem verdade que, em determinados momentos, ao observar o itinerário 
metodológico do Anarquismo parece existir uma teoria que se orienta para o 
indivíduo e não para a sociedade, sobretudo quando se propõe a observar o 
discurso do egoísmo filosófico, especialmente, no texto que se denomina de O 
único e a sua propriedade, obra de Max Stirner, anarquista que defende o 
egoísmo absoluto. 
Para o estudioso da esquerda hegeliana, o professor José Crisóstomo de 
Souza, na obra A questão da Individualidade, a Crítica do humano e do social na 
polêmica Stirner-Max, faz a seguinte constatação: “quem é o único? Stirner nos 
dirá de forma quase apaziguadora: ‘você é único’. O único representa o último 
dos predicados, ‘a expressão que não é expressão’, pois tem como conteúdo 
apenas... você, o impensável e inexprimível” (1993, p. 146). Crisóstomo aponta 
que em Stirner se tem a radicalização do egoísmo e não há outra maneira de 
conceber o movimento da anarquia se não por pela via do egoísmo absoluto. 
Na obra O único e a sua propriedade, STIRNER dedica um capítulo ao 
que ele chama de o “eu-proprietário”. Nesse capítulo ele faz a seguinte 
afirmação: “só quando eu estiver seguro de mim e deixar de me procurar serei 
verdadeiramente propriedade minha: tenho-me, e por isso me uso e gozo” (2009, 
p. 414). Para esse anarquista o homem busca a felicidade fora dele, quer dizer, 
em Deus, no Socialismo, no Estado, mas nuca nele mesmo, por isso, o homem 
deve bastar a si mesmo e isso se constitui como realização; a efetivação do seu 
egoísmo. 
Retornemos ao debate: quando pensamos na anarquia parece haver, 
justamente, o que foi apresentado, ou seja, uma proposição para o indivíduo e 
nunca para a sociedade. Mas devemos considerar que a anarquia não se 
restringe ao egoísmo, sobretudo o de Stirner. Temos outros autores como 
Proudhon, que, na obra O que é a propriedade? trouxe para o cenário político a 
seguinte assertiva, “a propriedade é um roubo” e assegura que a liberdade nasce 
da luta e da organização dos trabalhadores. Temos Bakunin, filósofo que 
 
 
11 
dialogou com Karl Marx e que defendeu, constantemente, a liberdade em seu 
grau último. Bakunin sofreu a influência de Feuerbach, sobretudo, no que diz 
respeito à crítica ao pensamento religioso. Para esse autor (In: ARVON, 1966, 
p. 61), “se Deus existe, o homem é escravo: ora, o homem pode e deve ser livre: 
por tanto, Deus não existe”. Pode-se perceber a influência da obra A essência 
do cristianismo de Feuerbach na citação apresentada. 
Malatesta, anarquista italiano, chega a dizer, na obra Anarquia, que é 
preciso libertar o homem de toda autoridade para, a partir disso, formalizar uma 
sociedade livre, organizada por meio de associações livres, conduzidas pelas 
ciências e pela experiência. Para esse autor, os homens não acreditam na 
anarquia porque, segundo ele, nunca houve uma sociedade anárquica e os 
homens só conseguem falar daquilo que existe ou que já existiu e por isso não 
depositam crença nesse modelode sociedade livre. 
Pois bem, quando Henri Arvon analisa os fundamentos filosóficos do 
Anarquismo, na obra História breve do Anarquismo, chega à seguinte conclusão: 
[…] é costume dizer-se que o Anarquismo é uma doutrina cujo 
borboletar cega mais do que ilumina, sendo, como é, uma doutrina sem 
consciência e vaga. Mas, ao examiná-la com mais atenção, verificamos 
que este movimento mergulha as suas raízes nas profundezas do 
século XIX, de onde retira a sua seiva. A concepção de liberdade 
abstrata dar-lhe a da liberdade real, a noção do espírito soberano e a 
do eu únicos (1966, p. 25). 
 
Percebemos que, no entendimento de Arvon, não se pode reduzir o 
Anarquismo, enquanto corrente filosófica, a uma doutrina sem consciência, mas 
pensá-la como movimento do século XIX, capaz de enfrentamento político, 
sobretudo, numa sociedade pré-disposta ao autoritarismo e à barbárie. Desse 
modo, aconselho que você, meu caro leitor, faça a leitura do livro A Revolução 
dos Bichos e, a partir disso, observe como o autor George Orwell faz uma crítica 
ao Marxismo e o faz com vistas ao pensamento anarquista. 
Nesse sentido, o debate em torno de uma relação entre Marxismo e 
Anarquismo se pode fazer, dentre outras coisas, em razão da ação 
revolucionária e suas etapas na solidificação do comunismo. Um elemento de 
distinção é a compreensão do Estado, pois já vimos como o Marxismo pensa o 
Estado e como defende o estágio intermediário, a ditadura do proletariado. Os 
anarquistas pensam que não é possível falar de Estado do Trabalhador, pois a 
expressão Estado já é carregada de poder e de privilégio. 
 
 
 
12 
TEMA 4 - DEMOCRACIA: UM DEBATE À LUZ DO MARXISMO 
Já vimos que o conceito de democracia nasce do povo grego e que 
representa o poder do povo. Mas, já vimos também que os grandes autores da 
filosofia, Platão e Aristóteles, sobretudo no espaço grego antigo, repudiavam a 
democracia, pois ela era o poder do povo em demasia, o poder de um povo que 
não sabe ou não pode participar autenticamente do processo democrático. Mas, 
sabemos também, que essa concepção é marcada por um elitismo político, pois 
havia, nesse espaço político, um desenho aristocrático de sociedade. 
Sabemos que, do ponto de vista etimológico, a democracia corresponde 
ao poder do demos, povo. E quando pensamos na democracia, especialmente 
na Grécia Antiga, costumamos pensar na praça e o povo participando. Mas já 
sabemos que existem limitações para participação desse “povo”, uma vez que 
para participar dessa “democracia” era necessário ser cidadão. Não entraremos 
nessa discussão, mas só estamos fazendo com que você se recorde desse 
debate que já fizemos em montemos anteriores de nosso estudo. 
Já na sociedade contemporânea, quando se pensa em democracia uma 
série de coisas é observada. Para Norberto Bobbio, na obra A Filosofia Política 
e as Lições dos Clássicos, “no seu uso descritivo, por democracia os antigos 
entendiam a democracia direta, os modernos, a democracia representativa. 
Quando falamos em democracia, a primeira imagem que nos vem à mente é o 
dia das eleições” (2000, p. 371). A Reflexão que Faz Bobbio é no sentido de 
atentar para a ressignificação do conceito. 
Ainda de acordo com a assertiva de que no passado a participação do 
povo era direta, quer dizer, eles estavam lá, na ágora, escolhendo e decidindo, 
mas, nesse período moderno, a imagem se configura como o dia das eleições. 
E daí, acrescenta BOBBIO (2000), a eleição não é o povo que participa 
diretamente, mas indiretamente, pois o povo escolhe os seus representantes 
para fazer a escolha por ele. 
O Marxismo faz uma análise da democracia contemporânea e assevera 
uma série de críticas, mas essa é uma temática complexa, pois mesmo dentro 
do Marxismo, quando se pensa na democracia, uma enxurrada de questões 
surge e o debate é ampliado e, por isso, é uma tarefa homérica observar a 
democracia com as lentes do Marxismo. Podemos, com algum cuidado, observar 
o conceito de democracia a partir de questões que foram propostas pelo próprio 
Karl Marx. 
 
 
13 
Já vimos que o Estado, para Marx, é o lugar de gestão do patrimônio 
burguês e que, por isso, nasce com o propósito de assegurar a propriedade 
privada. Sabemos que, para Hegel, o Estado nasce com o propósito de colocar 
fim no reino do particularismo, a sociedade civil. Marx inverte a ordem e diz que 
o Estado nasce porque a sociedade civil precisa deste para garantir o seu poder, 
ou seja, o Estado nasce com propósitos particulares, a defesa dessa sociedade 
burguesa, transvertida de sociedade civil. Pois bem, devemos partir desse ponto 
para pensar a democracia através das lentes de Marx. 
Se o Estado é o lugar que opera a fortuna do burguês, no entendimento 
de Marx, esse mesmo espaço institucional deve ser legítimo, ou ainda, 
ideologicamente recebido e aceito como legítimo. Um dos elementos capitais 
para a legitimação desse Estado é a manutenção de uma democracia 
burguesa. Para Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, existe, 
historicamente uma luta de classes e essa luta nunca desapareceu. Na 
sociedade capitalista moderna, essa luta acentuou-se (disfarçadamente, mas 
acentuou-se). E, uma vez existindo classes sociais se pode dizer que a 
democracia é, sem dúvida, uma democracia de classe. 
Voltemos à imagem apresentada por Bobbio de que na sociedade 
contemporânea a expressão da democracia se faz com a visualização das 
eleições, isto é, com o direito de votar e de ser votado, mas que se encerra com 
o direito de votar, pois o de ser votado é, de algum modo, uma quimera. Nessa 
sociedade contemporânea, de Estado moderno, a sociedade burguesa, 
disfarçada de civil, orquestra e administra as eleições e, nesse conjunto, tem-se, 
numa leitura marxista, o mito da democracia. 
Em que consiste o mito? Primeiro, o povo é levado às escolhas, das quais 
todas (ou quase todas) se referem ao modelo capitalista, isto é, faz a defesa 
desse Estado que opera a lógica do Capitalismo. Desse modo, no entendimento 
marxista, fazendo o jogo do Capitalismo não se destrói suas estruturas, mas, 
antes disso, o legitima – daí o mito da democracia, do “poder do povo”. Poder 
esse que é assegurado para legitimar as práticas do Capitalismo, poder que é 
determinado pelo Estado burguês. 
Por isso, pensar sobre Marxismo e democracia é, também, pensar Estado 
e democracia. E nessa relação, contrariando os anarquistas, Marx propõe a 
ditadura do proletário, quer dizer, faz um recorte nesse processo de democracia 
 
 
14 
burguesa e, propõe para o asseguramento de uma democracia de fato, no uso 
de termo, a ditadura. 
Decerto que Marx espera com a ditadura do trabalhador fazer a formação 
do indivíduo para que se tenha a emancipação humana, pois, somente por meio 
da formação do indivíduo se pode libertar o homem do jugo do Capitalismo e de 
suas lógicas de opressão. E a democracia, nos moldes burgueses, não faz outra 
coisa senão legitimar a opressão com o mito da participação. 
Existe, mesmo dentro desse modelo de sociedade capitalista, a 
possibilidade da emancipação dos indivíduos, mas para que isso aconteça é 
necessário que a educação ultrapasse os limites da formação para o trabalho e 
promova uma consciência de que existe, veladamente, numa sociedade 
capitalista, ideologias de cimentação de uma cultura dominante, a burguesa. De 
posse dessa consciência política a democracia, nos moldes do Capitalismo, 
será, de acordo com o Marxismo, desmascarada. 
Todavia, podemos destacar que, para o Marxismo, grosso modo, a 
democracia é, na sociedade contemporânea, um elemento burguês. Essa, como 
forma política, serve de legitimação para um Estado que é, dentreoutras coisas, 
um instrumento de reprodução de uma classe dominante. E toda disputa, dentro 
desse modelo, não deixará de reproduzir uma lógica de trabalho, de consumo e 
de vida feliz. 
 
NA PRÁTICA 
Realize uma entrevista com cinco pessoas interrogando-as sobre a 
situação política Brasileira na atualidade. Depois procure relacionar as falas dos 
entrevistados com os conteúdos estudados nesta rota de aprendizagem. 
 
SÍNTESE 
Fizemos, nessa rota, um debate em torno do Marxismo e de sua 
localização nesse debate político. Propusemos uma análise do Capitalismo à luz 
desse movimento, fizemos um recorte da Escola de Frankfurt, relacionamos a 
Teoria anarquista com a teoria marxista e, por último, trabalhamos ligeiramente 
a compreensão de democracia burguesa a partir do Marxismo. 
Esperamos que você consiga, caro aluno, ampliar a leitura e buscar novas 
fontes de debate. E para compreensão do Marxismo, deixamos a leitura do 
Manifesto do Partido Comunista, pois essa obra expressa o que se entende por 
 
 
15 
Marxismo, bem como aponta para o que seus autores chamaram de luta 
revolucionária. 
 
REFERÊNCIAS 
ADORNO, T. A indústria cultural. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Rio de 
Janeiro: Zahar Editores, 1996. 
ALMEIDA, A. C. Filosofia Política. Curitiba: Intersaberes, 2015. 
ARVON, H. Anarquismo. Lisboa: Editorial Verbo LDA, 1966. 
BOBBIO, N. Teoria Geral da Política. A Filosofia Política e as Lições dos 
Clássicos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000. 
________ Estado, Governo e Sociedade. Para uma Teoria Geral da 
Política. São Paulo: Paz e Terra, 2012. 
________ Nem com Marx nem contra Marx. São Paulo: Unesp, 2004. 
BOBBIO, N.; METTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. 
Brasília: UnB, 2004, V. I. 
CHÂTELET, F. História das Ideias Políticas. Jorge Zahar Editor, Rio de 
Janeiro, 2000. 
FREITAG, B. A Teoria Crítica: ontem e hoje. São Paulo: Brasiliense, 
1994. 
MÉZÁROS, I. Filosofia, ideologia e Ciência Social. São Paulo: 
Boitempo, 2008. 
SOUZA, J. C. A questão da individualidade. A crítica do humano e do 
social na polêmica Stirner-Marx. São Paulo: editora Unicamp, 1993. 
STIRNER. M. O único e a sua propriedade. São Paulo: Martins Fontes, 
2009. 
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: 
Boitempo, 2011.

Continue navegando