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A fibrose cística é uma doença genética autossômica recessiva caracterizada pela disfunção do gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR), que codifica uma proteína reguladora de condutância transmembrana de cloro. Trata-se de uma doença multissistêmica, acometendo principalmente pulmões e pâncreas, mais frequente em populações descendentes de caucasianos. No Brasil, apresenta diferenças regionais, com valores mais elevados nos estados da região Sul. Alteração no braço longo do cromossomo 7 posição 31 (7q3.11). Nas últimas décadas, diversos avanços no diagnóstico e tratamento da fibrose cística mudaram drasticamente o cenário dessa doença, com aumento expressivo da sobrevida e ganho em qualidade de vida, além do maior número de casos diagnosticados, por isso e também pelo maior número de diagnósticos de formas atípicas de expressão fenotípica mais leve que, antigamente confinada à faixa etária pediátrica, tem-se observado um aumento de pacientes adultos com fibrose cística. Atualmente, o Brasil dispõe de um programa de ampla cobertura para a triagem neonatal dessa doença. Fisiopatologia Existem 6 classes de mutações no gene CFTR, que correspondem a um espectro de aproximadamente 2.000 mutações DELTA F 508 é a mais conhecida; As mutações no gene CFTR conferem variações nas células epiteliais pulmonares quanto à expressão da proteína CFTR: • mutação de classe I: ausência total de síntese; • mutação de classe II: bloqueio no processamento da CFTR, causando degradação da proteína e não ancoragem no epitélio; • mutação de classe III: bloqueio na regulação da proteína que está presente na superfície celular; • mutação de classe IV: condutância alterada por mutações que modificam a translocação do cloro pelo poro da proteína; • mutação de classe V: síntese da CFTR reduzida; • mutação de classe VI: degradação precoce da proteína por instabilidade na superfície celular. As classes de mutações I, II e III são associadas às manifestações graves da FC (doença clássica), enquanto as classes IV, V e VI resultam em fenótipos de menor gravidade. A fibrose cística cursa com doença pulmonar progressiva, insuficiência do pâncreas e infertilidade masculina. Na membrana apical das células, o cloro não consegue sair, para a luz dos alvéolos/brônquios, por exemplo, permanecendo, assim, dentro da célula. Por se tratar de um íon negativo, atrai para si um íon positivo, o sódio, formando o NaCl, que, na qualidade de sal, puxa a água, que deveria estar no meio extracelular. Dessa forma, temos na luz alveolar, uma secreção desidratada, com pouca água, essa será responsável pela série de alterações decorrentes da fibrose cística. Os canais de cloro não respondem aos estímulos hormonais, não havendo saída de cloro para a luz do brônquio, de forma que o sódio penetra na célula junto com a água, a secreção do meio extracelular fica desidratada, espessa e de difícil expulsão, induzindo a tosse produtiva no paciente. O clearance (limpeza) não é removido, virando meio de cultura, ótimo ambiente para colonização de bactérias, de modo que ocorrerão infecções de repetição, no caso, pneumonias. IMPORTÂNCIA DA DOCUMENTAÇÃO DAS PNEUMONIAS (anamnese, exame físico, raio x) Como o paciente tem pneumonias de repetição, assim como sua colonização, ele faz um processo inflamatório crônico, produzindo, então, fibrose. FIBROSE CÍSTICA O brônquio fica espessado, com o passar do tempo, cheio de fibrose, dilatando-se; a secreção se acumula, devido à dificuldade em sua remoção, formando, assim, um meio de cultura, ocasionando inflamação, que pode obstruir a passagem do ar, fazendo uma atelectasia, visto que a falta da passagem de ar provoca colabamento das estruturas do pulmão. Uma das coisas que mais acontece com essa inflamação crônica ao decorrer do tempo são as bronquiectasias, dilatações irreversíveis dos brônquios, que passa a ser fibrótico, com acúmulo de muco e promoção de infecção de repetição. A secreção espessa que causa inflamação e obstrui a passagem do ar causa atelectasia, pois o espaço que não está mais sendo aerado colaba, isso acontece com grande frequência, principalmente nos brônquios mais distantes. Pode acontecer também enfisema, que é um aprisionamento de ar. O ar consegue entrar, mas na hora de sair, o brônquio, que está fibrosado, não é eficiente o bastante para expulsar esse ar, de modo que ele vai se acumulando e criando cavernas/espaços/buracos preenchidos de ar, ou seja, locais em que o ar está preso e não consegue sair (de modo que o paciente não consegue realizar trocas gasosas). Pode haver também pneumotórax, quando, por exemplo, um enfisema desses vai até a periferia e “explode”, fazendo com que o ar entre no espaço pleural, fazendo um pneumotórax. A fibrose pode acontecer nos brônquios também, mas predomina no interstício, isto é, entre o alvéolo e o vaso sanguíneo, dificultando as trocas gasosas e ocasionando, progressivamente, a hipoxemia. Existe colonização de bactérias, sendo nos primeiros anos, mais frequente a presença de bactérias do trato respiratório mesmo, como S. aureus, Haemophilus influenzae, pneumococos. Já nos anos seguintes, encontramos a Pseudomonas, a grande vilã da fibrose cística, que, quando se instala, é bem difícil erradica-la de uma vez, para sempre, visto que ela promove um processo inflamatório bem intenso e, consequente, destruição do parênquima pulmonar. Além disso, por encontrar o ambiente ideal, pois os pulmões são úmidos, cheios de ar, com muco viscoso, transporte mucociliar incompetente, desnutrição. Colonização paciente com presença da bactéria, mas sem sinais e sintomas de infecção; Colonização crônica quando detecta-se a bactéria 3 vezes durante 6 meses; Infecção presença da bactéria + sinais de infecção pulmonar (febre, aumento da tosse produtiva, secreção bem espessa e amarelada no escarro, perda ponderal ou falta de ganho ponderal, perda de apetite, hipoatividade) Infecção crônica o mesmo raciocínio; Colonização de fungos Aspergillus é o mais comum; A evolução dos pacientes após a colonização é variável: alguns apresentam pequeno declínio da função pulmonar (FP); em outros, a FP piora rapidamente. Outros fatores que deterioram a FP são desnutrição, infecção por B. cepacia, diabete melito, exacerbações pulmonares (EP), insuficiência pancreática (IP) e mutações das classes I, II e/ou III. LEMBRAR QUE TODA DESNUTRIÇÃO É UMA IMUNODEPRESSÃO EM POTENCIAL Depois que a fibrose se instala, não tem como reverter esse quadro, de modo que a NOSSA FUNÇÃO é retardar o máximo possível que isso aconteça. O prognóstico varia com o tempo de diagnóstico, a adesão ao tratamento, o quadro clínico do paciente. O CORRETO É INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA, E NÃO PARADA RESPIRATÓRIA, POIS, EVENTUALMENTE, TODOS SOFREM DISSO. HEMORRAGIA PULMONAR devido a corrosão dos brônquios até atingir os vasos sanguíneos. No pâncreas, o raciocínio é o mesmo. Nós temos “2 pâncreas”, o exócrino, que produz as enzimas para a digestão de proteínas; o endócrino, que produz insulina. Na FC, o pâncreas exócrino é acometido, a desidratação da secreção pancreática obstrui os ductos desse órgão, causando um déficit na secreção de enzimas na luz intestinal, assim como a do bicarbonato, havendo uma digestão inadequada de gorduras e proteínas, de maneira que o paciente apresentará esteatorreia. Além disso, pode haver destruição das ilhotas de Langerhanse, consequente, diabetes. A insuficiência pancreática é bem frequente (85- 90%), já iniciando o quadro no primeiro ano de vida ou, até mesmo, ao nascimento. Sintomas da insuficiência pancreática diarreia explosiva e volumosa com esteatorreia, odor fétido, bastante flatulência, pode haver distensão abdominal e a desnutrição ocorre pela não digestão de gorduras pelo intestino. Na região dos seios da face, existe a mesma sintomatologia dos pulmões, o muco nasal é espesso, a limpeza é prejudicada pela estase do muco, existe bloqueio dos óstios de drenagem, que já são estreitos por vida, imagine com um muco espesso. A falta de drenagem, portanto, propiciará a colonização e, consequente, sinusite crônica, que tem como complicação, a polipose nasal. NÃO SE FAZ MAIS RADIOGRAFIA EM CASOS DE SINUSITE, VISTO QUE O DIAGNÓSTICO É CLÍNICO Sintomas tosse produtiva, obstrução nasal, rinorreia amarelada e espessa, anosmia, mau hálito e cefaleia. Íleo meconial é a obstrução do mecônio na luz intestinal, manifesta-se precocemente; Sintomas dor, distensão abdominal, massa palpável, vômitos. As glândulas salivares também são comprometidas, a saliva é espessa com fibrose dos ductos e hipertrofia dos ductos salivares. O suor é realmente salgado, por uma inversão na polarização do cloro. Sistema reprodutor masculino obstrução dos ductos deferentes e, consequente, infertilidade masculina. Pode apresentar TÓRAX EM BARRIL, baqueteamento digital (hipóxia crônica); Ausculta pulmonar rude com estertores, sibilos; Pode haver refluxo gastroesofágico, constipação, diarreia. Pode haver icterícia colestática. DIAGNÓSTICO Quanto mais precoce melhor, o teste do pezinho é um teste de triagem em que um dos exames é o IRT (tripsina imunorreativa), precursor da enzima pancreática, estando elevada nos casos de FC. Por se tratar de um teste de triagem, não tem caráter diagnóstico e, assim, não confirma a doença. Se for positivo em até 30 dias, repetimos o IRT; já se passou desse período, o IRT não tem mais valia, sendo necessário solicitar um exame específico. Podemos dosar a gordura fecal, que dará positiva, pois não temos digestão/absorção desses nutrientes, mas não será exclusivo da FC, existindo outras doenças com essa positividade. O exame específico para FC é a dosagem de cloro no suor, em que, primeiramente, coletamos o suor, para depois analisarmos. Como um lactente não produz suor espontaneamente, pois não se exercita, estimulamos, de maneira artificial, a produção de suor pela pele, por meio da introdução de pilocarpina, e, em seguida, verificaremos se a quantidade de cloro presente nesse é compatível com o estimado para portadores da doença. Abaixo de 40 = normal Entre 40 e 60 = duvidoso Acima de 60 = provável diagnóstico Existem outras situações em que esse exame pode dar acima de 60, mas associaremos SEMPRE à clínica, posto que essa É SEMPRE SOBERANA. Outra maneira de diagnosticar é por meio de estudo genético, geralmente eles procuram pela delta F508, que pode ou não ser positivo, mas o indivíduo pode ter a doença, mesmo que o exame dê negativo, pois ele pode ter uma mutação rara, que o estudo não detectou. Como confirmar o diagnóstico de fibrose cística após triagem neonatal positiva? O algoritmo de triagem neonatal para fibrose cística usado no Brasil baseia-se na quantificação dos níveis de tripsinogênio imunorreativo em duas dosagens, sendo a segunda feita em até 30 dias de vida. Frente a duas dosagens positivas, faz-se o teste do suor para a confirmação ou a exclusão da fibrose cística. A dosagem de cloreto por métodos quantitativos no suor ≥ 60 mmol/l, em duas amostras, confirma o diagnóstico. Alternativas para o diagnóstico são a identificação de duas mutações relacionadas à fibrose cística e os testes de função da proteína CFTR. A triagem neonatal positiva ou negativa confirma ou exclui o diagnóstico de fibrose cística? Não. A triagem neonatal para fibrose cística identifica os recém-nascidos com risco de ter a doença, mas não confirma o diagnóstico. Por outro lado, a triagem neonatal negativa não exclui o diagnóstico. Após a confirmação do diagnóstico de fibrose cística em pacientes com triagem neonatal positiva, o paciente deve ser encaminhado imediatamente ao centro de referência de fibrose cística, pois exige manejo multidisciplinar precoce, visando manter o estado nutricional normal e tratar as infecções respiratórias em tempo oportuno. Quando indicar outros testes para a avaliação da função da CFTR? Testes da função da CFTR são indicados quando o teste do suor e a análise genética são inconclusivos. Em essência, esses testes avaliam a função da proteína CFTR através da medida do transporte do cloreto. TRATAMENTO Não há cura da fibrose cística, visto que se trata de uma alteração na condutância de cloro. O papel do médico, então, é retardar os sintomas mais graves, principalmente os pulmonares, para que o paciente tenha uma sobrevida maior e uma melhor qualidade de vida. A insuficiência pancreática é muito fácil de tratar e consiste na reposição das enzimas pancreáticas por via oral, na hora das refeições. Dessa forma, o paciente consegue absorver e digerir os alimentos, apresentando fezes de aspecto normal. Nas sinusites, teremos que procurar melhorar a limpeza por meio de “lavagem”, antibioticoterapia e, por vezes, cirurgia, para aumentar a abertura dos óstios e, assim, melhorar a drenagem da secreção. Do ponto de vista pulmonar, o objetivo é sempre melhorar o clearance pulmonar, a limpeza do trato respiratório, por meio de fisioterapia respiratória e da medicação dornase α, fornecida pelo governo. Essa medicação é feita em nebulização uma vez por dia, com o objetivo de melhorar a hidratação do muco ciliar, facilitando a sua expulsão e evitando o acúmulo desse e a colonização de bactérias. Outra opção é usar solução salina hipertônica (3 vezes por dia/20 min). Às vezes, podemos usar broncodilatadores, mas a resposta é muito fraca. Por vezes ainda precisamos fazer antibioticoterapia, porque esse paciente vai infeccionar, é inevitável. Essa terapia se orienta de acordo com o agente etiológico. O paciente com FC terá que fazer cultura eventualmente (3/3 meses ou 6/6 meses), seja de escarro, seja de orofaringe. A maioria vai a óbito por insuficiência respiratória, porque o comprometimento é tão grande, que o paciente não consegue realizar trocas gasosas. É comum, porém, que morram antes de outras infecções. Infecções S.aureus Sulfa, cefalexina, amoxicilina com clavulanato; Oxacilina; Vancomicina; Pseudomonas ciprofloxacino oral; Ceftazidima + aminoglicosídeo; Carbapenem (imipenem, meropenem) ATB Inalatória (colistina) As amostras de secreções respiratórias são essenciais para o acompanhamento do paciente, para verificar possíveis infecções, assim como o sucesso do tratamento. Podemos fazer cultura do escarro expectorado, secreção faríngea após tosse induzida com swab (região tonsilar ou palato mole) ou lavado broncoalveolar. Quando colher as amostras? Nas consultas (com intervalo máximo de 3 meses), nas exacerbações e após o tratamento para a erradicação da infecção. Recomenda-se uma triagem anual para micobactérias e fungos para pacientes que expectoram ou para aqueles com evolução clínica desfavorável. Qual é o papel dos testes de função pulmonar no manejo dos pacientes com fibrose cística? A espirometria deveser realizada a partir dos 5 anos de idade em toda visita clínica ou no mínimo duas vezes ao ano. Testes com e sem uso de broncodilatadores são recomendados. Serve para avaliar a evolução e o prognóstico na FC e, consequentemente, a qualidade de vida. Quais exames de imagem devem ser feitos no paciente com fibrose cística? Com que frequência? A radiografia de tórax é o método mais difundido e correlaciona-se com os testes de função pulmonar na detecção da progressão da doença. A TCAR de tórax apresenta melhor acurácia no diagnóstico e no seguimento de lesões pulmonares em todas as idades, incluindo crianças com função pulmonar normal. Não há consenso sobre a frequência da realização dos exames de imagem, mas recomenda-se uma radiografia de tórax anual. Sugere-se ainda realizar TCAR de tórax na presença de deterioração clínica, funcional ou radiológica. O seguimento periódico com TCAR de tórax pode ser indicado, com intervalos de 2 a 4 anos, de forma individualizada. Qual é a importância dos nebulizadores no tratamento da doença pulmonar na fibrose cística? O tratamento diário da doença pulmonar na fibrose cística inclui nebulizações de diversos medicamentos fundamentais na manutenção da saúde pulmonar, como salina hipertônica, colistimetato, dornase alfa e aztreonam. Técnicas de fisioterapia respiratória devem ser realizadas em todos os pacientes a partir do diagnóstico, com frequência diária. A ventilação não invasiva pode ser utilizada como coadjuvante da terapia de desobstrução brônquica e em pacientes com doença avançada e insuficiência respiratória hipercápnica. Qual é o papel do exercício na fibrose cística? O exercício (aeróbico e anaeróbico) pode auxiliar em desfechos funcionais e posturais. Recomenda-se frequência de 3-5 vezes por semana e duração de 20-30 min. Sua prática deve ser recomendada, mas não substitui a fisioterapia. Quais são as indicações do uso de dornase alfa? A dornase alfa inalatória melhora a função pulmonar e, assim, a qualidade de vida, além de reduzir as exacerbações respiratórias. É recomendada a partir de 6 anos de idade em pacientes com doença pulmonar desde seus estágios iniciais. A administração em dias alternados pode ser considerada nos pacientes estáveis e duas vezes ao dia em pacientes graves. Pode ser utilizada em qualquer horário, pelo menos 30 min antes da fisioterapia respiratória. Quando usar dornase alfa em menores de 6 anos? O uso de dornase alfa deve ser considerado nos pacientes mais jovens com sintomas respiratórios persistentes ou com evidências de doença pulmonar precoce (bronquiectasias, por exemplo). Como deve ser o tratamento de erradicação da P. aeruginosa? Visa erradicar a bactéria e postergar a infecção crônica. A estratégia mais recomendada é o uso da tobramicina inalatória. O colistimetato de sódio é uma alternativa, devendo ser associado a ciprofloxacina oral por 2-3 semanas. O tratamento inalatório pode ser estendido por 2-3 meses. A antibioticoterapia endovenosa por 2 semanas pode ser a opção em casos selecionados, sempre seguida da antibioticoterapia inalatória. Sucesso na erradicação é definido como a ausência da bactéria por 1 ano nas culturas subsequentes ao término do tratamento. Como deve ser o tratamento de erradicação de MRSA? A infecção crônica por MRSA está associada a piores desfechos clínicos em pacientes com FC. Utilizamos combinações de drogas orais, tópicas e inalatórias, como sulfametoxazol/trimetoprima, rifampicina, ácido fusídico e clorexidina, além de vancomicina. A linezolida pode ser considerada. Protocolos de tratamento mais curtos (< 3 semanas) parecem ser tão eficazes quanto os mais longos, com menor chance de intolerância e efeitos adversos.
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