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PRIMEIRA PROVA GASTROENTEROLOGIA - RESPOSTAS TURMA 101 Questão 01 Alguns exames laboratoriais recebem o nome de Provas de Função Hepática, porém quais são os exames laboratoriais que realmente avaliam a função hepática? Justifique sua resposta Os marcadores que servem para caracterizar a função hepática são os que demonstram atividade de síntese, que irão mensurar a funcionalidade dos hepatócitos e não sua disfunção. São dois marcadores, descritos a seguir. ● Albumina sérica à Produzida exclusivamente pelos hepatócitos, tendo como nível sérico normal a faixa entre 3,5 – 4,5 g/dl. Apesar de sua síntese exclusiva, a albumina isolada não serve como parâmetro, pois tem meia vida longa (18-20 dias) o que não permite análise em distúrbios agudos e é alterada por outros fatores além da disfunção hepática, como síndrome nefrótica, enteropatias perdedoras de proteína e desnutrição proteica de causas variadas. ● Fatores de coagulação à Com exceção do fator VIII, todos os outros são produzidos exclusivamente pelos hepatócitos. Tendo meia vida variando de 6 horas a 5 dias, a mensuração dos fatores de coagulação são ótimos marcadores de função hepática, além de servir para diagnóstico/prognóstico. O método mais comum utilizado é o tempo de atividade da protrombina (TAP) que por meio dos fatores II, V, VII e X avalia a taxa de conversão da 3protrombina em trombina, dado em segundos ou a razão com o plasma controle (INR) com valor ideal entre 0,9-1,1. O TAP pode estar diminuído por déficit da função hepática ou por deficiência de vitamina K, para se diferenciar a causa pode ser realizado o Teste de Koller onde é feita a reposição de vitamina K durante três dias por via parenteral. Outros marcadores relatados são as globulinas, alfa e beta, sintetizadas no fígado; que no paciente hepatopata se apresentarão diminuídas, com suas porções fundidas e elevação da porção gama na eletroforese. Por fim, para maior clareza e especificidade dos resultados é importante que os dois marcadores sejam analisados em conjunto. Questão 02 Como avaliar laboratorialmente um quadro clínico de colestase? Justifique A colestase configura-se como uma condição em que a bile não consegue fluir ao duodeno, havendo diminuição ou interrupção do fluxo biliar. Seu quadro clínico pode cursar com icterícia, colúria, hipocolia ou acolia fecal e prurido generalizado. A colestase é avaliada laboratorialmente com base no aumento de enzimas canaliculares, tais como a fosfatase alcalina (FA) e gama glutamil transpeptidase (Gama GT), além da estase de bile também poder cursar com aumento de bilirrubina sérica, com predomínio de bilirrubina conjugada. Outro valor laboratorial possível, mas menos utilizado, é a 5’ nucleotidase. A elevação de um desses níveis de forma isolada deve ser avaliada com cautela, uma vez que não são específicas de fígado ou de casos de colestase. A fosfatase alcalina (FA) não é uma enzima específica de fígado, também sendo localizada em ossos e placenta. Pode estar aumentada em outras doenças, em particular ósseas, mas tem valor se associada ao quadro clínico colestático e a resultados de outras enzimas. No fígado, está mais concentrada no polo biliar, e sua síntese é estimulada pela estase biliar. Seu aumento isolado não é diagnóstico. O aumento de seu valor em até 3 vezes é inespecífico; acima de 3 vezes é um aumento importante. A partir daí, para confirmar-se origem hepática da enzima pode ser feito o teste de isoenzimas ao comparar pesos moleculares diferentes de FA de origens diferentes. O mais feito, no entanto, é comparar níveis de FA com aumento de outras enzimas canaliculares que também aumentam na colestase, além de somar-se a isso o quadro clínico apresentado. o É comum fazer-se análise de Gama GT. Tal enzima também tem ampla distribuição pelo organismo. No fígado, encontra-se nas membranas de hepatócitos e no epitélio do ducto biliar, daí sua relação com colestase. Também pode ter seu aumento induzido por lesão a hepatócito, inclusive com uso de medicação ou substâncias químicas, como álcool e certos anticonvulsivantes. No entanto, em casos de colestase, sua sensibilidade pode ser até seis vezes maior que a da fosfatase alcalina. Não encontra-se aumentada em caso de doenças ósseas ou gestação, sendo importante na determinação da origem da FA. A 5’ Nucleotidase também tem ampla distribuição pelo organismo. Sua principal utilidade é confirmar origem hepática de aumento de FA. Além disso, é mais sensível para quadros de colestase, aumentando com doença biliar e tumores hepáticos. Contudo, é pouco usada na prática clínica por ser um ensaio mais caro. Por fim, para avaliar colestase também é possível verificar valores de bilirrubina. Ela pode ser usada como fator prognóstico. Nesses casos, a bilirrubina sérica pode estar aumentada devido a estase do fluxo biliar, mas não é obrigatório. Na colestase, a pressão hidrostática aumenta e leva ao escape de bilirrubina e outros eletrólitos do líquido biliar para a corrente sanguínea. Dependendo do predomínio de bilirrubina conjugada ou não, pode-se inferir algo sobre a causa da hiperbilirrubinemia. Se predominar a bilirrubina conjugada, dada que a conjugação ocorre no hepatócito, presume-se que a origem da hiperbilirrubinemia seja por uma obstrução mecânica levando a colestase. Se há aumento da bilirrubina não conjugada, pode haver um dano hepático que impeça a conjugação de bilirrubina, ou o aumento da produção de bilirrubina por aumento de hemólise. O ideal é associar os exames laboratoriais a provas de imagem para confirmar o diagnóstico de colestase. O mais usado na prática clínica é a ultrassonografia. Questão 03 Como avaliar laboratorialmente um quadro clínico de lesão hepatocelular? Justifique. As aminotransferases (AST e ALT) são enzimas presentes em grandes concentrações no interior de hepatócitos e são os elementos mais comumente alterados nas doenças hepáticas, sendo o exame mais sensível para avaliar lesão hepatocelular e servindo de screening de lesão hepática. Isso porque, estão no interior de células hepáticas participando do catabolismo de aminoácidos e um exame com aumento dos níveis de AST e ALT significa que houve extravasamento dessas enzimas de dentro do hepatócito para o sangue, ou seja, lesão hepatocelular por necrose e consequentemente indica, sobre um contexto clínico adequado, lesão hepática. Os valores de referência para essas enzimas podem variar um pouco entre laboratórios, mas no HUCAM considera-se: AST até 34 U/L e ALT até 41 U/L. A magnitude do aumento das aminotransferases não tem valor prognóstico pois não possui correlação com a extensão de lesão observada na biópsia hepática, apenas sugere etiologias como por exemplo nas hepatites virais agudas, no uso de drogas hepatotóxicas e na isquemia hepática em que há aumento acima de 10x o valor de referência. A ALT é uma enzima citosólica e é específica do fígado, já a AST é uma enzima citosólica e mitocondrial e não é específica do fígado estando presente também em músculo cardíaco e esquelético, rins, cérebro e pâncreas. Portanto, aumento isolado de AST, principalmente com outros marcadores hepáticos normais, sugere lesão de causa extra-hepática, principalmente de músculo esquelético ou cardíaco. Nas doenças hepáticas sempre as duas estão elevadas, podendo uma estar mais alterada do valor de referência que a outra, como exemplo uma relação de AST/ALT≥ 2 com transaminases discretamente elevadas é altamente sugestivo de lesão hepatocelular de causa etílica sobre um certo contexto clínico pois o álcool induz a deficiência de 5-piridoxal-fosfato inibindo a atividade da ALT. Nos estágios avançados de doença hepática crônica os valores de AST e ALT podem estar normais, pois é como se o fígado do paciente tivesse trocado lesão hepatocelular por fibrose, não ocorrendo mais o extravasamento dessas enzimas e a dosagem sanguíneaaumentada, mas pela história clínica e exame físico é possível alocar o paciente no screening de lesão hepática. A nível de literatura mas com pouca prática clínica, nas lesões hepatocelulares também pode estar aumentado a Desidrogenase Láctica (DHL), porém é um exame pouco sensível visto que essa enzima possui distribuição tissular ampla e quando sugere lesão hepatocelular acompanha de AST e ALT também aumentadas. Questão 04 O que é a bilirrubina, fosfatase alcalina e Gama GT e quais seus significados clínicos? 1. Bilirrubina O que é? A maior parte corresponde a um subproduto da degradação de hemácias no baço, e o restante provém de outras proteínas, como citocromo e mioglobina. A hemoglobina proveniente das hemácias é transformada em biliverdina e posteriormente em bilirrubina livre, liberada gradativamente dos macrófagos para o plasma. Por ser lipossolúvel e apolar, ela se liga a albumina e assim é transportada no sangue. Ao chegar no fígado, há uma captação pelos hepatócitos através de transportadores de membrana (proteínas X e Y), sendo liberada da albumina sérica e conjugada pela UDP glucoroniltransferase. Após a conjugação, a bilirrubina é excretada através do polo biliar dos hepatócitos, que está em íntimo contato com os canalículos biliares. A maior parte da conjugação ocorre no fígado, mas também ocorre nos túbulos renais e enterócitos. A bilirrubina conjugada chega ao duodeno, e depois é desconjugada e reduzida no cólon formando urobilinogênios (maioria excretados nas fezes). Importância clínica? Problemas no metabolismo da bilirrubina podem fazer com que essa substância se deposite nos tecidos. Isso pode ocorrer devido a: - Produção excessiva: comum na anemia hemolítica, na reabsorção de sangue de hemorragias internas e síndromes eritropoiéticas - Captação reduzida pelo hepatócito: pela ação de drogas nos transportadores de membrana - Conjugação prejudicada: icterícia fisiológica do recém nascido, síndrome de Crigler-Najjar I e II, síndrome de Gilbert e doença hepatocelular difusa - Excreção hepatocelular reduzida: deficiência de transportadores na membrana canalicular - Fluxo biliar prejudicado: como nas colestases Os três primeiros correspondem a hiperbilirrubinemia não conjugada (bilirrubina indireta maior que 0,8mg/dL), e os dois últimos a hiperbilirrubinemia conjugada (bilirrubina direta maior que 0,2mg/dL). 2. Fosfatase alcalina (FA) O que é? É uma enzima presente em diversos tecidos, mas principalmente fígado e ossos. No fígado, está no polo canalicular dos hepatócitos e nas células dos ductos biliares. Importância clínica? A FA encontra-se elevada em diversos quadros importantes, como lesões infiltrativas hepáticas, colestase, crescimento ósseo e período gestacional (uma vez que é secretada também pela placenta). Ela diminui em casos de hipofosfatemia congênita, hipotireoidismo, caquexia, hemólise, hepatite fulminante por doença de Wilson e ou após uso de estrogênio. É importante analisar a fosfatase alcalina juntamente a Gama GT e bilirrubina para confirmar origem hepática. Algumas doenças do fígado (colestase intra-hepática recorrente benigna, doença de Byler, colestase da gravidez) apresentam fosfatase alcalina elevada com Gama GT normal. 3. Gamaglutamil transpeptidase (gama GT) O que é? É uma enzima encontrada em microssomos de hepatócitos e vias biliares. Importância clínica? Ela aumenta em quadros como cirrose hepática, hepatite viral aguda, neoplasias primárias e secundárias do fígado, colestase e uso de álcool e drogas. É um marcador muito sensível de dano hepático, portanto deve ser analisada junto de outras provas de função e bioquímica. Questão 05 O que é alfa feto proteína e qual seu significado clínico? Em que situações clínicas a alfa feto proteína estar alterada? A Alfafetoproteína (AFP) é uma glicoproteína que possui estrutura muito parecida com a da albumina que, durante o período fetal, se liga e transporta nutrientes de alto valor nutricional do sangue da mãe através da placenta para o sangue do feto. A AFP é produzida pelo saco vitelino embrionário e subsequentemente pelo fígado fetal, fazendo com que os níveis séricos maternos aumentem no início da gravidez normal com declínio à medida que a gestação progride e caindo rapidamente após o nascimento. Posteriormente à vida fetal, as elevações desses níveis podem ser observadas em pacientes com Carcinoma Hepatocelular (CHC), hepatite aguda, doenças hepáticas crônicas, cirrose, colangiocarcinoma intra-hepático, colite, ataxia telangiectasia, câncer gástrico, tumores de células germinativas. Na gastroenterologia a AFP funciona como um marcador sérico que auxilia no diagnóstico e no rastreio de CHC. De acordo com a AASLD (American Association for the Study of Liver Diseases) o teste sérico da AFP é considerado positivo para CHC se seu valor for superior a 20ng/mL e negativo se for inferior, destacando que este limite fornece uma sensibilidade de cerca de 60% e uma especificidade de cerca de 90%. Isso significa que a ausência de níveis elevados de AFP não exclui o diagnóstico de CHC, da mesma forma que o teste positivo pode significar a presença de outras doenças, como as citadas anteriormente. Dessa forma, somente o teste de AFP não é capaz de fechar o diagnóstico, mas a sua positividade indica a necessidade de uma investigação mais aprofundada, como uma tomografia computadorizada com contraste.iuy Diante disso, recomenda-se que o teste sorológico de AFP seja realizado em pacientes de risco (pacientes cirróticos, portadores de vírus B, com esteatohepatite, etc) juntamente com a ultrassonografia para o rastreio de CHC de 6 em 6 meses. Questão 06 Quais são as Hepatites virais por vírus hepatotrópicos de transmissão hídrica, quais as características da infecção e os marcadores sorológicos com seus significados? Os vírus hepatotrópicos cuja transmissão ocorre por meio de água e alimentos contaminados são o Vírus da Hepatite A (VHA) e o Vírus da Hepatite E (VHE). Em ambas as etiologias, a infecção é mais prevalente em crianças. A transmissão é fecal-oral e normalmente o curso da doença tende para a cura (infecção aguda), não sendo encontrados relatos de cronicidade para Hepatite A e havendo poucos relatos de doença crônica causada pelo vírus E, sendo esses casos principalmente em pacientes imunossuprimidos. O VHA tem um período de incubação de 15-45 dias, sendo os sintomas geralmente inespecíficos, relatando-se febre, mal-estar, dores musculares e fadiga que podem predispor um quadro gastrointestinal caracterizado por náuseas e vômitos, dor abdominal, constipação ou diarreia. Em adultos os sintomas tendem a ser mais graves, podendo desenvolver síndrome colestática, com escurecimento da urina antecedendo icterícia, e hepatite fulminante. A infecção é autolimitada, geralmente se resolve sem complicações em 3 a 4 semanas não necessitando de tratamento para a infecção. Quando a doença complica com hepatite colestática, uma ocorrência incomum, geralmente possui bom prognóstico, mas pode durar até 6 meses no adulto. A hepatite fulminante é ainda mais rara, mas sua incidência e mortalidade aumentam com a idade do paciente no momento da infecção, podendo ser necessário transplante hepático imediato. A hepatite E possui algumas características semelhantes à hepatite causada pelo VHA além de sua forma de transmissão, como o fato de ser geralmente uma infecção aguda de curso autolimitado (2-6 semanas), porém em gestantes os sintomas podem ser graves e pessoas imunossuprimidas podem desenvolver infecção crônica pelo VHE, embora isso seja raro. Quando a infecção ocorre na infância, normalmente é assintomática ou apresenta-se na forma de uma doença leve sem icterícia. Quando os sinais e sintomas estão presentes, o quadro clínico é igual ao da infecção por vírus A com sintomas inespecíficos seguidos de sintomas gastrointestinais e icterícia. Ahepatite E fulminante é rara, entretanto sua frequência aumenta durante a gravidez, sendo que mulheres grávidas, principalmente as que estão no segundo ou terceiro trimestre de gestação, têm maior risco de insuficiência hepática aguda, perda fetal e mortalidade. Os marcadores sorológicos da hepatite A são anti-VHA IgM que marca a infecção aguda e cai a níveis não detectáveis 8 semanas após o início da infecção, e o anti-VHA IgG que torna-se positivo na 6ª-8ª semana e marca a imunidade do hospedeiro pela infecção ou resposta vacinal, permanecendo por toda a vida e conferindo proteção definitiva contra o VHA. VHA fecal é o marcador de viremia, que pode ser identificado uma semana após a infecção e se mantém até 2 semanas após o início dos sintomas. Na hepatite E são encontrados anticorpos IgM anti-VHE na infecção aguda inicial, porém os anticorpos anti- VHE IgG são encontrados desde o início da infecção, tendo pico entre 30 e 40 dias após a fase aguda. O diagnóstico pode ser auxiliado ainda pela detecção da viremia em amostras de fezes por RT-PCR. Além dos marcadores relacionados aos vírus, é possível analisar os níveis séricos de transaminases que, durante hepatites virais agudas, podem estar elevados em até 10 vezes o valor de referência. As transaminases começam a aumentar na 3ª semana e chegam ao pico no início do quadro na 4ª semana e representam inflamação do fígado. e doenças nutricionais. Questão 07 Quais são as Hepatites virais por vírus hepatotrópicos de transmissão parenteral, quais as características da infecção? Hepatites B, C e D são de transmissão parenteral. Transmissão parenteral se caracteriza pelo contato com sangue ou hemoderivados. A transfusão sanguínea com sangue contaminado foi um grande fator de transmissão no passado, pois o sangue não era testado para essas doenças, porém, hoje, esse método de transmissão é muito menos comum em países desenvolvidos. Assim o uso de materiais perfurocortantes contaminados é principal fator de risco, e engloba o uso de drogas injetáveis, tatuagens, piercings, acupuntura e procedimentos cirúrgicos ou dentários. O uso de cocaína compartilhando objetos com pessoas infectadas também pode causar a transmissão da doença. Fases da hepatite: Prodrômica: sintomas inespecíficos, principalmente sistêmicos e gastrointestinais. Ictérica: icterícia podendo estar associada ou não com colúria, acolia fecal e prurido. Essa fase pode não acontecer. Convalescente: melhora dos sintomas das fases prodrômica e ictérica. Após a fase de convalescência o paciente pode estar curado da hepatite aguda ou evoluir para a hepatite crônica. Hepatite B: Além da transmissão parenteral, possui outras vias de transmissão: vertical (intrauterina e perinatal); horizontal; sexual (principal). A faixa etária mais acometida é dos 20 aos 69 anos, a incidência em crianças tem diminuído devido à ampliação da cobertura vacinal. Não é um vírus citopático, o dano é causado por resposta imune a antígenos virais expostos na superfície dos hepatócitos. O quadro clínico pode ser desde assintomático até uma hepatite fulminante. Também pode apresentar manifestações extra-hepáticas como a poliarterite nodosa e glomerulonefrite. Nos exames laboratoriais costuma-se encontrar níveis elevados de AST (TGO) e de ALT (TGP), que mesmo não tendo valor prognóstico, devem ser monitorados durante a evolução do paciente. Fosfatase alcalina e Gama-GT podem estar aumentadas, mas normalmente é um aumento discreto. Os níveis de bilirrubina também podem estar elevados, com um predomínio da BB direta. A hepatite B é considerada crônica quando o HBsAg é positivo por mais de 6 meses associado ao Anti-HBc IgG positivo. O espectro de manifestações clínicas é similar ao da hepatite B aguda, mas as manifestações extra-hepáticas tornam-se mais comuns, sendo síndrome nefrótica a principal. Hepatite C: A principal via de transmissão é a parenteral, mas também pode ser por contato sexual ou transmissão vertical, sendo muito menos comuns que na hepatite B. Menos de 20% dos pacientes são sintomáticos, mas aproximadamente 80% dos infectados se tornarão um portador crônico. As manifestações clínicas, quando presentes, são as das fases prodrômica e ictérica. Assim como o vírus B, o vírus C também não é citopático e o dano é causado ao hepatócito pelo próprio sistema imune do hospedeiro. Os níveis das aminotransferases são elevados, normalmente 10x o valor de referência, podendo atingir níveis muito maiores. Na hepatite C crônica a maior parte dos pacientes também é assintomática e os níveis de aminotransferases são flutuantes (variáveis). A principal manifestação extra-hepáticas é a crioglobulinemia mista (tipo II). A síndrome de Sjogren também possui associação ao HCV, assim como a fibrose pulmonar intersticial. Hepatite C crônica é a principal causa de óbito por hepatite viral e a infecção pelo HCV está relacionada desenvolvimento de doenças metabólicas sistêmicas, como a síndrome metabólica e a diabetes mellitus tipo 2. Hepatite D: O vírus da hepatite D necessita do vírus B para sua sobrevivência e disseminação. A principal via de transmissão da doença é a parenteral. O dano hepatocitário é causado pelo próprio vírus na hepatite D aguda e na crônica é causado pela resposta imune do hospedeiro. A infecção pode ser de forma simultânea com o vírus B, sendo chamada de coinfecção, ou ser em um paciente infectado pelo HBV cronicamente, sendo chamada de superinfecção. A superinfecção é mais comum, mais provável de causar hepatite D crônica e tem uma maior mortalidade. Os pacientes têm uma maior chance de ter uma hepatite fulminante, hepatite crônica grave ou cirrose quando, além de estarem infectados pelo vírus B, estão infectados pelo vírus D. Questão 08 Quais os marcadores sorológicos das hepatites virais de transmissão parenteral e seus significados? Na infecção pelo vírus da Hepatite B, o primeiro marcador detectável é o HBsAg que é o marco inicial da infecção, e que na resolução da hepatite deixa de ser detectável em até 6 meses. O Anti HBc IgM é o primeiro anticorpo produzido e um marcador de infecção aguda, com queda cerca de 16 semanas após o início da infecção. O anti HBc IgG é produzido em seguida ao início do IgM, presente na infecção aguda ou crônica e permanecendo detectável, marcando exposição prévia ao vírus. O Anti HBe é um marcador de fim/redução de replicação viral; enquanto o HBeAg é um marcador de replicação viral ativa e de risco de transmissão. Por fim, há produção de Anti HBs (contra o antígeno de superfície do vírus), anticorpo protetor e marcador de imunidade ao fim da infecção aguda resolvida. No curso da hepatite crônica, em vista da não resolução, não há produção de Anti HBs, com persistência de HBsAg e HBeAg em fase replicante, ou então presença de Anti HBe em fase não replicante. No indivíduo vacinado, a exposição é apenas ao antígeno de superfície do vírus, com produção apenas de Anti HBs. O HBV DNA é um marcador quantitativo do DNA viral que confirma replicação viral. Em altos níveis, é um fator de risco para cirrose, descompensação hepática e CHC. Assim, o painel de marcadores esperados conforme as principais situações clínicas se seguem: - Hepatite Aguda em Curso: HBsAg +, Anti HBc IgM +, Anti HBc IgG -/+, HBeAg +, Anti HBe -, Anti HBs -, HBV DNA +. - Hepatite prévia resolvida: HBsAg -, Anti HBc IgM -, Anti HBc IgG +, HBeAg -, Anti HBe +, Anti HBs +, HBV DNA -. - Hepatite Crônica em fase replicante: HBsAg +, Anti HBc IgM -, Anti HBc IgG +, HBeAg +, Anti HBe -, Anti HBs -, HBV DNA +. - Hepatite Crônica em fase não replicante: HBsAg -, Anti HBc IgM -, Anti HBc IgG +, HBeAg -, Anti HBe +, Anti HBs -, HBV DNA +/-.2a - Indivíduo vacinado: HBsAg -, Anti HBc IgM -, Anti HBc IgG -, HBeAg -, Anti HBe -, Anti HBs +, HBV DNA - Já na Hepatite C, dois são os marcadores importantes: o HCV RNA, que pode ser dosado desde oinício e persiste por todo o período da infecção (sugestivo de cronicidade após 6 meses); e o anti HCV, positivo cerca de 1 mês após a infecção e persistente mesmo em hepatite crônica. Na infecção crônica, as transaminases permanecem em níveis flutuantes. Assim, o painel de marcadores esperados conforme as principais situações clínicas se seguem: - Infecção Aguda: HCV RNA +, anti HCV -/+ (anti HCV pode ser positivo já na fase aguda). - Infecção prévia resolvida: HCV RNA -, anti HCV +. - Infecção Crônica: HCV RNA +, anti HCV +. A infecção pelo vírus Delta na Hepatite D é concomitante ou sequencial à infecção pelo vírus B. Os marcadores são o HDV RNA (marcador de replicação viral), o antígeno HDV Ag (marcador da infecção), o anti HDV IgM produzido na fase aguda (cuja persistência é indicativo de cronicidade) e o anti HDV IgG na imunidade. Na superinfecção, no portador crônico de hepatite B que se infecta com o vírus Delta, há uma agudização da hepatite com quadro clínico mais grave. Questão 09 O que é um portador crônico assintomático da hepatite B? Como se apresenta os marcadores sorológicos virais e os exames de enzimas hepáticas nesses pacientes? Portadores crônicos assintomáticos da hepatite B são aqueles que não desenvolvem resposta imunológica completa contra o vírus, sendo acometidos pelo vírus por pelo menos 6 meses, e não demonstram sintomas. Geralmente são neonatos que adquiriram o vírus verticalmente ou por contato intradomiciliar, ou menos frequentemente adultos que entraram em contato com o vírus por contato direto com sangue ou secreções, por via sexual, por uso de drogas injetáveis ou por transfusão sanguínea, e desenvolveram a forma crônica da doença. Por ser um vírus de DNA o vírus da hepatite B se integra no material genético do hospedeiro, portanto os portadores do HBV não podem ser doadores de sangue ou órgãos, e estão suscetíveis a infecção pelo vírus delta ou D da hepatite, que se integra ao material genético do HBV. Esses pacientes possuem risco aumentado para cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC), sendo a infecção crônica pelo HBV a causa mais frequente de CHC no mundo. Os marcadores se apresentam: Na Hepatite Crônica em fase replicante: HBsAg +, Anti HBc IgM -, Anti HBc IgG +, HBeAg +, Anti HBe -, Anti HBs -, HBV DNA +, ALT > 41 em homens e > 31 em mulheres. Na Hepatite Crônica em fase não replicante: HBsAg -, Anti HBc IgM -, Anti HBc IgG +, HBeAg -, Anti HBe +, Anti HBs -, HBV DNA +/-, ALT < 41 em homens e < 31 em mulheres. Os marcadores podem variar de acordo com a fase da história natural da doença: 1. Fase não inflamatória: Fibrose e inflamação mínimas, HBV DNA elevado e transaminases normais. Não houve reação inflamatória ao vírus ainda portanto Anti HBe - 2. Fase inflamatória: Inflamação crônica ativa, picos de HBV DNA e transaminases e soro conversão Anti HBe +. 3. Fase de portadora inativa: Hepatite leve e fibrose mínima, HBV DNA e ALT baixos. 4. Fase de reativação: Reativação da inflamação com risco de lesões graves, flutuação dos níveis de HBV DNA e ALT. Questão 10 Quais os riscos de complicações em um paciente portador de Hepatite B? E de Hepatite C? Como deve ser realizado o acompanhamento desses pacientes para diagnosticar precocemente essas complicações? O que é Elastografia Hepática e qual o resultado que o exame pode apresentar e seu significado? a) Complicações relacionadas a hepatite B e C e alguns marcadores que indicam evolução: ● Hepatite fulminante ○ Mais raro e gravíssimo ○ 50% das vezes está associada a hepatite B. ○ Sinais e sintomas de encefalopatia hepática que podem evoluir para coma profundo indicam esse quadro. ○ Hepatimetria reduzida. ○ Laboratorial: ■ Tempo de protrombina (TP) excessivamente aumentado. ■ Elevação muito rápida de bilirrubina (Bb) ○ Eventos terminais: compressão do tronco encefálico; hemorragia digestiva; sepse; insuficiência respiratória; colapso cardiovascular; insuficiência renal; ● Hepatite crônica ○ Hepatite B – <5% em adultos jovem imunocompetente; 90% em neonato ○ Hepatite C – 85-90% vão a um quando crônico; representa 40% das hepatites crônicas; evolui com cirrose em 20% dos casos; ○ O que indica a cronicidade? ■ Ausência da resolução dos sinais e sintomas; ■ Necrose hepática na biópsia durante a hepatite aguda grave de longa duração; ■ Aminotransferases, Bb e Globulina com níveis alterados 6-12 meses após o quadro agudo; ■ Persistência de HBeAg por mais de 3 meses ou HBsAg após 6 meses; ● Cirrose ○ Progressão para esse quadro deve ser monitorada com: ■ Taxa de replicação viral (é o principal); fibrose de acordo com a biópsia; ALT sérico elevado; ○ Descompensação hepática ■ Por conta da cirrose, em 20-23% dos casos; ■ Viremia, idade, baixa de albumina, aumento de Bb, baixa de plaquetas e ascite são preditores de gravidade. ● Carcinoma hepatocelular (CHC) ○ VHB ainda é a principal causa de CHC no mundo, tendo 5-15x maior risco do que a população geral. ○ Principalmente, nas hepatites virais, em relação ao tipo B. ■ ATENÇÃO para os níveis de HBeAg, pois quanto maiores os níveis, maiores os riscos de desenvolver CHC (níveis HBV DNA >2000 UI/mL). ■ Níveis de HBsAg também devem ser monitorados. HBsAg > 100 UI/mL + DNA viral > 2000 UI/mL, ou de forma independente (HBsAg > 1000 UI/mL). ○ Hepatite C crônica, pós 3 décadas de vida; ligado ao genótipo 3; ○ Atenção para história de alcoolismo associado. ● Mais raros -> pancreatite; miocardite; pneumonia atípica; anemia aplásica; mielite transversa; neuropatia periférica; PAN (em <1% dos casos de hepatite B); ● Complicações hepatite B ○ Síndrome semelhante à doença do soro (5-10% dos casos) ■ artralgia ou artrite / erupção cutânea / angioedema /hematúria e proteinúria mais raramente. Característico de fase aguda. Diagnóstico pelo aumento sérico de aminotransferases + aumento de HBsAg sérico. Geralmente entre 1-6 semanas antes das manifestações clínicas de hepatite propriamente dita. ■ Superinfecção ■ Relacionada ao VHD contribui para o aumento da gravidade do quadro clínico, com progressão grave e cirrose; aumenta chance de hepatite fulminante; ○ Coinfecção ■ Em 10% dos pacientes HIV+; ■ 10-15% dos casos de hepatite B com alguma complicação tem relação com o VHC ■ Isso eleva o risco de CHC; ● Complicações hepatite C ○ Crioglobulinemia essencial mista ■ Epidemiologia é muito variável, variando prevalência de 10-70% da população infectada pelo VHC. Mais raramente pode até evoluir para um linfoma de células B; ■ Aparece vasculite mucocutânea + púrpura palpável ao longo da hepatite C crônica; ○ Glomerulonefrite por deposição de imunocomplexo; ○ Manifestações da síndrome metabólica sugerem acelerar fibrose e diminuir resposta à terapia antiviral. b) O acompanhamento para evitar complicações é feito com: ● Investigação de sinais e sintomas completo ○ Atenção para: variações no peso, febre intermitente baixa. Toda atenção com pacientes já cirróticos! Investigar encefalopatia hepática. Questionar sobre resolução dos sinais e sintomas. ○ Exame físico completo ○ Exames laboratoriais ■ Aminotransferases, Bb, proteínas séricas, fosfatase alcalina (para a forma colestáticas), GGT, tempo de protrombina, alfafetoproteína (AFP), hemograma – são provas indiretas ■ Dosagem de HBsAg e HBeAg e seus respectivos anticorpos (IgM e IgG). Anti-HBe é importante para avaliar o prognóstico. Dosar anti-HBc. ■ Dosagem de RNA-VHC (genótipo 1) ou anti-HCV. ■ Teste sorológico de HIV; ○ Exames de imagem – Ultrassom (US), para investigação de CHC, sendo realizada a cada 6 meses para rastreamento em população de risco. Nos demais, ao menos 1x ao ano. Elastografia hepática vem sendo cada vez mais usada para avaliar o grau de fibrose de forma não invasiva; ○ Biópsia – não deve ser o procedimento inicial. Contraindicada em ascite significativa e INR prolongada. c)O que é a elastografia hepática, seus resultados e significado: ● É um exame mensura a elasticidade de um tecido biológico. ○ Essa medida se dá em relação à velocidade de propagação de uma onda, por um estímulo estático (ex.: palpação) ou dinâmico (estímulo de ondas pelo equipamento), que serão captadas pelo transdutor. O resultado pode ser dado em kiloPascoal (kPa) ou metros por segundo (m/s). ○ Velocidade é diretamente proporcional ao grau de rigidez do tecido alvo. No fígado, essa rigidez indica fibrose. ○ Vem sendo aprimorada para substituir técnicas mais invasivas. ○ Pode ser usada com o ultrassom (US), sendo chamada de elastografia transitória (ET), ou por ressonância magnética (RM), sendo conhecida por ERM. A técnica por RM demonstra ser superior à elastografia transitória. ● Elastografia hepática ○ Objetivo é detectar e dar o estágio da fibrose hepática em pacientes hepatopatas crônicos. ○ A classificação é estabelecida de acordo com as tabelas: Questão 11 Quais são os Tipos de alcoolismo pela Classificação de Lesch e qual a seqüência que deve ser seguida para a classificação do paciente? Tipos de alcoolismo pela classificação Tipo I – Modo de alergia •Pacientes com síndrome de abstinência ao álcool grave. •Pacientes com alterações genéticas dos receptores de dopamina. •Crises convulsivas fora do período de abstinência. •Boa adaptação social e bom relacionamento familiar. •Não apresenta distúrbios na infância. •Apresenta história familiar de alcoolismo. •Meta: abstinência total Tipo II – Modelo de ansiedade •Pacientes com síndrome de abstinência ao álcool ausente ou leve. Sendo muitas vezes considerado não alcoolista. •Boa atividade social, mas apenas relacionada ao álcool. Não tem problemas familiares a não ser a extrema dependência da figura materna, podendo ser a mãe ou esposa. •Apresenta comportamento passivo que muda após o uso de álcool. •Apresenta história familiar de abuso. •Tratamento: psicoterapia e tratamentos alternativos. Tipo III – Modelo de depressão •Geralmente paciente psiquiátrico e as alterações psíquicas antecedem o uso do álcool. •Tendências suicidas com ou sem álcool •Síndrome de abstinência gravíssima. •Álcool consumido como automedicação. •É pouco sociável. •Comum haver histórico de agressão •Tratamento: baseado na desordem psiquiátrica do paciente. Tipo IV – Modelo de adaptação •Síndrome de abstinência grave. •Apresentam dano cerebral neonatal (hipóxia periparto) ou até 14 de idade (meningite ou trauma). •Enurese noturna e dislalia (gagueira) •Pouco sociável e baixo rendimento escolar. •Ainda não há tratamento eficiente Sequência para classificação de Lesch O diagnóstico é baseado no sistema de árvore decisória, primeiramente excluímos o Tipo IV. Na anamnese devemos buscar por acometimento perinatal ou infância, enurese noturna, dislalia, se rói as unhas por 6 meses ou mais, analisar o rendimento escolar do paciente, se há crises convulsivas fora do período de abstinência e o desenvolvimento físico e motor. Sendo excluído iniciamos a pesquisa do Tipo III. Buscar por alterações psiquiátricas na infância e adolescência, se já teve intenção suicida ou quadro de depressão e se já sofreu algum abuso físico, psicológico e principalmente sexual. Não se enquadrou nos tipos III e IV e apresenta sinais de abstinência grave (tremores, taquicardia, alucinação, sudorese, insônia, pesadelos e convulsões) é do Tipo I. Já que a abstinência grave é comum aos tipos I, III e IV. Por fim, se a síndrome de abstinência é leve, investigar ansiedade, dificuldade de trabalhar com as adversidades e possibilidade de dependência da figura materna ou esposa e se apresenta alteração comportamental após beber, possivelmente é do tipo II. Questão 12 Como diagnosticar e tratar a Síndrome de Abstinência Alcoólica? Porque se usa cada uma das drogas que são indicadas no tratamento Síndrome de Abstinência Alcoólica? O diagnóstico da Síndrome de Abstinência Alcoólica (SAA) depende, principalmente, de uma boa anamnese com história clínica adequada. A SAA afeta pacientes etilistas crônicos de longa data e a História da Doença Atual (HDA) se caracteriza pelo aparecimento dos sintomas a partir de 6 horas da redução ou interrupção do uso intenso e/ou prolongado do álcool. Os primeiros sintomas e sinais são: tremores, ansiedade, insônia, náuseas e inquietação. Cerca de 10% dos pacientes apresentam sintomas mais graves que incluem febre baixa, taquipnéia, tremores e sudorese profusa. Ainda, 5% dos indivíduos não tratados podem evoluir com convulsões ou até mesmo com delirium tremens (DT), caracterizado por alucinações, alteração do nível da consciência e desorientação. A relação entre o tempo de abstinência e o aparecimento dos sintomas pode ser de até no máximo 14 dias após parar de beber, com uma frequência maior entre o primeiro e segundo dia e entre o terceiro, quarto e quinto dia. (Trevisan et al., 1998) É muito importante estabelecer o padrão de consumo do álcool dos últimos anos, levando em conta a quantidade e a frequência da ingestão alcoólica, e também o padrão de consumo mais recente, em especial o último consumo antes da interrupção que levou à SAA. A partir do diagnóstico desta, deve ser feita a avaliação de sua gravidade e o diagnóstico de comorbidades clínicas e/ou psiquiátricas associadas. Essa classificação é de comprometimento leve/moderado (nível I) e grave (nível II), considerando-se uma análise biopsicossocial. Para os pacientes classificados como nível I, a intervenção é psicoeducacional e o tratamento é ambulatorial especializado, enquanto os de nível II consistem em emergência clínica-psiquiátrica e devem ser encaminhados para tratamento hospitalar especializado. Os exames laboratoriais são importantes para complementar a avaliação inicial e evidenciam alterações orgânicas decorrentes do uso abusivo do álcool e que influenciam na SAA. Estes são: VCM, enzimas hepáticas (TGO, TGP, GGT) e eletrólitos como Mg++, Na+ e K+. Os objetivos do tratamento da SAA são: 1) alívio dos sintomas; 2) prevenção da evolução do quadro com convulsões e DT; 3) encaminhamento para tratamento da dependência; 4) prevenção de episódios graves no futuro. Quanto à abordagem farmacológica, é importante a reposição vitamínica de tiamina para evitar a Síndrome de Wernicke. O uso de benzodiazepínicos (BZDs) é baseado nos sintomas, com cautela aos sinais de dosagem excessiva. Seu uso é emergencial para o tratamento da SAA, sendo administrado inicialmente em doses altas de ataque que devem ser reduzidas em 20% diariamente até a interrupção em no máximo uma semana, afinal, também apresentam potencial de dependência. A deficiência de tiamina em etilistas crônicos se dá pela alimentação pobre em vitaminas comum no etilismo. Além disso, o etanol também compete com a absorção das vitaminas do complexo B, principalmente a tiamina, por isso é feita sua reposição. Na SAA há, também, uma hipoatividade funcional GABAérgica. Os receptores GABA apresentam atividade inibitória do Sistema Nervoso Central (SNC) e, à medida que deixam de exercer sua função durante a SAA, há uma maior estimulação do SNC. Os BZDs possuem um sítio de ligação em uma subunidade dos receptores GABAérgicos e apresentam ação agonista, estimulando a atividade GABAérgica e aumentando a inibição do SNC. Dessa forma, são utilizados adequadamente no tratamento da SAA. Em casos mais graves, pode ser necessário a reposição de Mg++ e, na ocorrência de convulsões e alucinações, é possível lançar mão do haloperidol para reduzir as doses de BZDs. Questão 13 No tratamento da Síndrome de Abstinência Alcoólica tem algumas drogas que não podem ser prescritas. Quais são elas e porque não devem ser prescritas? Os medicamentos contraindicados no tratamento da Síndrome de Abstinência Alcoólica (SAA) são: •O anticonvulsivante Difenil-hidantoína (fenitoína). Este medicamento parecenão ser eficaz no controle de crises convulsivas da SAA; Fenobarbital ou Propofol podem ser usados para tratamento de curto prazo em conjunto com benzodiazepínicos; •A Clorpromazina e os neurolépticos sedativos de baixa potência para controle da agitação também são contraindicados, uma vez que podem induzir convulsões e não reduzem o risco de evolução para Delirium Tremens. Contudo podem ser utilizados com cautela em associação a benzodiazepínicos nos casos de marcadF44a agitação ou alucinação; • O Baclofeno, um agonista seletivo do receptor GABA-B usado para tratar espasticidade reversível, foi estudado como terapia para abstinência alcoólica aguda, mas sua eficácia no controle de sintomas graves permanece não comprovada; • Agonistas alfa-2 de ação central - aguardando estudos mais convincentes, acredita-se que os agonistas alfa-2 de ação central (por exemplo, dexmedetomidina, clonidina) não devem ser usados como tratamento primário para abstinência alcoólica aguda grave. Nenhum estudo controlado demonstra que a dexmedetomidina ou a clonidina previnem desfechos importantes, como o desenvolvimento de convulsões ou DT. Embora essas drogas possam reduzir alguns sintomas de abstinência, não está claro se sua capacidade de reduzir os achados catecolaminérgicos é benéfica, uma vez que esses agentes não têm tolerância cruzada com álcool e outros agonistas GABA. A dexmedetomidina parece reduzir as necessidades de benzodiazepínicos, mas esse resultado não é benéfico se os benzodiazepínicos constituírem terapia definitiva. Além disso, o uso de dexmedetomidina está associado ao aumento do custo e a mais episódios de bradicardia e hipotensão. Medicamentos que não são contraindicados porém é necessário diligência ao aplicá-los na conduta: •Diazepam: a administração de Benzodiazepínicos por via intravenosa requer e retaguarda para manejo de eventual parada respiratória. Deve-se administrar no máximo 10mg de diazepam durante 4 minutos, sem diluição; • Beta Bloqueadores - os bloqueadores beta podem reduzir os sintomas menores de abstinência, mas não foi demonstrado que eles previnem o desenvolvimento de convulsões ou DT. Acredita-se que eles não devem ser usados para o tratamento da abstinência alcoólica aguda grave. No entanto, os pacientes com doença cardiovascular conhecida devem receber seus medicamentos de manutenção após sedação e ressuscitação com volume, pois taquicardia sustentada e hipertensão podem contribuir para a morbidade cardiovascular, especialmente em adultos mais velhos; Por fim, deve-se administrar glicose somente após a administração de Tiamina pois as células nervosas a utilizam na metabolização da glicose. Se administrada sem a reposição devida da vitamina, pode-se precipitar a Encefalopatia de Wernicke. Questão 14 Como é absorvido o álcool pelo organismo humano? Onde ele é metabolizado? Como é a farmacocinética do álcool no cérebro, em especial no sistema dopaminérgico? Quais drogas também agem no Sistema dopaminérgico? O álcool quando é ingerido é absorvido principalmente pelo estômago e duodeno por difusão simples e sem necessitar de processos de digestão. O pico sérico é atingido em aproximadamente 30 minutos quando o estômago está vazio e esse tempo varia com o teor alcoólico da bebida, a velocidade da ingestão, o sexo, o peso e a ingestão concomitante de alimentos. A grande maioria do álcool sofre metabolização hepática, entretanto é necessário ressaltar o papel da enzima álcool desidrogenase gástrica que inicia o metabolismo no tubo digestivo. No fígado, o álcool é transformado em acetaldeído por 3 vias: pela álcool desidrogenase no citosol, pelo sistema microssomal de metabolização do etanol ou pela catalase nos peroxissomos. O acetaldeído, que é tóxico, é em seguida metabolizado em acetato pela aldeído desidrogenase. O álcool atravessa a barreira hematoencefálica com facilidade e exerce os seus efeitos no cérebro principalmente pela relação com o receptor GABAA, agindo como um modulador positivo do efeito do neurotransmissor e causando depressão do sistema nervoso central. Além disso, há modificação importante dos receptores excitatórios NMDA, que sofrem neuroadaptação com o uso crônico do álcool e que durante a síndrome de abstinência alcoólica são excitados, provocando ativação do sistema autonômico simpático e seus sintomas (taquicardia, elevação da pressão arterial, etc) e sendo responsável pelas convulsões. No sistema dopaminérgico, o álcool age nas vias de recompensa que são formadas por neurônios provenientes da área tegmental ventral do mesencéfalo direcionados ao núcleo accumbens e ao córtex pré-frontal (sistema mesocorticolímbico). Essas vias são essenciais para reforçar atitudes que nos são vitais, como alimentação e reprodução, mas também perpetuam vícios como o uso de drogas. Há evidências da redução da atividade dos neurônios dopaminérgicos da área tegmental ventral durante a abstinência alcoólica, o que pode ser responsável pelo estado disfórico e a dificuldade de abandono da bebida. Além do álcool, o sistema dopaminérgico é responsável pelos efeitos aditivos de outras drogas, como as anfetaminas, a cocaína e a heroína. Questão 15 - Quais são as principais complicações clínicas do alcoolismo no sistema digestivo, sistema neurológico, sistema cardiovascular, sistema reprodutor e na gravidez? A ingestão de álcool possui efeitos já muito conhecidos como a euforia inicial seguida do rebaixamento do sistema nervoso central ( SNC ), contudo, seu consumo abusivo, tanto de forma crônica quanto aguda, leva a repercussões em diversos sistemas do corpo humano. Esses acometimentos serão estratificados a seguir: Sistema Nervoso: Aqui as complicações se dão por diversas razões, tanto de forma direta, pela ação do álcool nos neurônios, quanto pela ação indireta causando menor absorção da tiamina no estômago. Tais complicações são: ● Síndroma de abstinência alcóolica ( SAA). ● Encefalopatia de Wernick ou Sd. de Wernick-Korsakoff: : oftalmoplegia + alterações de memória + confusão mental + ataxia. ● Degeneração cerebelar. ● Neuropatia sensório-motora periférica ● Demência relacionada ao álcool. ● Encefalopatia Hepática. ● Convulsão. ● Atrofia cerebral e cerebelar. ● Traumatismo crânio encefálico. ● Transtornos neuropsicológicos. ● Apagamentos ( amnésia lacunar ). Sistema digestivo: Os acometimentos digestivos ocorrem tanto pela lesão direta do álcool à mucosa gástrica, quanto pela lesão crônica de órgãos acessórios ao trato, como: o Esteatose hepática. o Hepatite alcoólica. o Hemorragia digestiva. o Cirrose hepática. o Gastrite. o Esofagite de refluxo. o Pancreatite crônica. ● Sistema Cardiovascular: Novamente, os acometimentos se dão por uma ingesta aguda de álcool, como na Sd. De Holiday Heart, e lesões que se dão de forma mais insidiosa como, na cardiomiopatia, gerando insuficiência: o Holiday Heart Syndrome”: episódios de arritmia supraventricular após ingestão elevada de álcool. o Arritmias: fibrilação atrial, flutter atrial, extrassistolia. o Insuficiência cardíaca. o Miocardiopatia alcoólica. o Hipertensão arterial sistêmica. ● Sistema Reprodutor: As lesões, aqui pontuadas, têm sua patogênese oriunda das alterações hormonais causadas pelo álcool em diferentes órgãos, como o hipotálamo, por exemplo. Essas alterações são: o Alteração do ciclo menstrual. o Impotência sexual (por diminuição de testosterona). o Infertilidade. o Diminuição da libido. o Diminuição dos caracteres sexuais masculinas. ● Gravidez: As alterações mais marcantes na gravidez acontecem pelo efeito teratogênico do álcool na gestação, além de outros mecanismos complicadores da gestação, aqui pontuados: o Sd. Alcóolica Fetal ( SAF ) > anomalias craniofaciais típicas, deficiência de crescimento, disfunções do sistema nervoso central e váriasmalformações associadas. o Redução no tamanho do feto, peso, perímetro encefálico. o Aumento do número de abortos. o Descolamento prematuro de placenta. o Hipertonia uterina. o Prematuridade do trabalho de parto. o Líquido amniótico meconial. Questão 16 Quais os principais fatores etiológicos de Pancreatite Aguda? Quais as condutas que devem ser realizadas quando for descartado a etiologia biliar, hiperlipêmica e o abuso de álcool? Os fatores etiológicos causadores da pancreatite aguda (PA) são diversos. Para facilitar a exposição desses fatores, pode-se dividi-los em três grandes grupos. O primeiro grupo formado por causas biliares e abuso de álcool, correspondendo a 75% dos casos de PA; o segundo grupo formado por causas heterogêneas, no qual o denominaremos de “outras causas” (destaque para a hipertrigliceridemia). E, por fim, o terceiro grupo formado por causas idiopáticas (10 – 20%). Até que se prove o contrário, um paciente que abre um quadro agudo de pancreatite, tem como etiologias mais prováveis, a causa biliar ou uma agudização de uma pancreatite crônica causada por etanol. Esses são fatores causais muito prevalentes em nosso meio, por isso a investigação clínica por um histórico de abuso de álcool e a realização de uma ultrassonografia alta de abdome são condutas indispensáveis no rastreamento inicial. Descartadas essas etiologias, a dosagem de triglicerídeos séricos ganha destaque. A hipertrigliceridemia é responsável por 1 – 4% das causas de PA; triglicerídeos >1000mg/dL é um forte indicativo de PA causada por hipertrigliceridemia. Afastadas essas três principais possibilidades etiológicas, outras etiologias de pancreatite aguda, pertencentes ao segundo grupo etiológico, devem ser investigadas. Essas englobam causas infecciosas, neoplásicas, medicamentosas, metabólicas (hipercalcemia), traumáticas, hereditárias, autoimunes/vasculites e malformações congênitas (ex. pâncreas divisum e pâncreas anular). É um grupo formado por causas bastante heterogêneas, sendo imperativo uma anamnese detalhada para o esclarecimento etiológico; critérios clínicos e epidemiológicos serão guias nessa investigação. Em pacientes pediátricos, por exemplo, trauma de abdome fechado e viroses (caxumba, citomegalovírus, herpes simples) são pertinentes de serem interrogadas. Já em pacientes de meia idade, com pancreatite aguda a esclarecer, é importante aventar a hipótese de adenocarcinoma intraductal; nesse caso, a dosagem de CA 19.9 e realização de uma ressonância nuclear magnética podem elucidar a suspeita. Enumerar as possibilidades de exposição do paciente a medicamentos e tóxicos se faz imperativo no esclarecimento de uma possível hipersensibilidade ou geração de metabólito tóxico. Dosagem de antígenos autoimunes são importantes na suspeita de vasculites. Ademais, infecções parasitárias, hipercalcemia e causas iatrogênicas (ex. PA por colangiopancreatografia retrógrada endoscópica) estão neste grande leque de possibilidades que o médico assistente deve suspeitar. Por definição, pancreatites idiopáticas são pancreatites que, mesmo após um rastreio laboratorial inicial (lipidograma e cálcio séricos incluídos) e exames de imagem, continuam sem uma etiologia definida. Alguns pacientes, ao serem encaminhados para centros mais especializados, por terem acesso a exames, muitas vezes escassos na maioria dos serviços médicos, podem ter a etiologia desvendada. Contudo, frequentemente, a causa ainda pode permanecer duvidosa. A literatura descreve três principais etiologias de pancreatite idiopática que, eventualmente, podem ser esclarecidas; são elas: microlitíase biliar, disfunção do esfíncter de Oddi e pancreatites genéticas/hereditárias. A confirmação dessas causas é feita pelo achado ultrassonográfico de “lama biliar”, que é uma suspensão viscosa na vesícula biliar contendo cálculos biliares microscópicos; pela mensuração da pressão intraesficteriana da Papila de Vater, e pela realização de testes genéticos (ex. mutação no gene SPINK e CFTR, sendo este último ligado à fibrose cística). Dessa forma, conclui-se que a procura da etiologia da pancreatite aguda deve ser hierarquizada, realizando- se uma busca ativa baseada na epidemiologia e valorizando a prevalência dos principais fatores de risco. Descartadas as principais hipóteses, o médico assistente amplia seu arsenal investigativo para etiologias menos comuns por meio de uma anamnese detalhada e exames clínico-laboratoriais mais específicos. Frequentemente, as pancreatites agudas têm sua etiologia indefinida, sendo importante o manejo desses casos para centros especializados com expertise. Definir a etiologia pancreática é importante e vai além da curiosidade médica; as pancreatites agudas podem ser recorrentes, logo, definir sua causa e atuar na prevenção de recidivas faz-se necessário. Questão 17 Quais os parâmetros para o diagnóstico de pancreatite aguda e os fatores preditores de gravidade? No diagnóstico de pancreatite aguda, os parâmetros utilizados devem ser os estabelecidos pelas diretrizes práticas "American College of Gastroenterology Guideline: Management of Acute Pancreatitis", publicado em setembro de 2013, que preconizam identificação de dois de três critérios específicos para que o diagnóstico de pancreatite aguda seja realizado. O primeiro critério é presença de dor abdominal, usualmente de forte intensidade e constante, em quadrante superior esquerdo do abdome e/ou em região epigástrica, apresentando ou não irradiação para dorso, tórax e flancos. O segundo critério é o aumento dos níveis séricos de amilase e lipase, sendo o valor dessas enzimas para diagnóstico de três a cinco vezes o valor de referência. Esses valores de referência variam segundo fatores do paciente e do teste, estando entre 20 – 300 U/L para amilase e < 200 UI/L para lipase em adultos. Os níveis de amilase sérica se elevam rapidamente (de 2 – 6 h), tem meia vida de 10 – 12 h e se mantém elevada por 3 – 5 dias, já no caso da lipase, a concentração sérica se eleva em 3 – 6 h após início do quadro de pancreatite, com pico em 24h, podendo persistir aumentada por 1 – 2 semanas (2). O terceiro critério usado no diagnóstico é a visualização de padrões típicos de pancreatite aguda em exames de imagem abdominais como ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética. É tipicamente observado aumento focal ou difuso do pâncreas, realce heterogêneo da glândula com contorno irregular das margens, maior realce da gordura peripancreática com espessamento dos planos fasciais, presença de fluido intraperitoneal ou retroperitoneal e de necrose. O ultrassom deve ser realizado em todo paciente com suspeita de pancreatite aguda, enquanto os exames de tomografia computadorizada e de ressonância magnética devem ser reservados para casos em que não tenha sido possível estabelecer o diagnóstico a partir dos primeiros critérios de exames físico e laboratorial e para casos sem melhora clínica após 48 – 72h da admissão hospitalar Quanto aos fatores preditores de gravidade, esses consistem em obesidade, idade superior a 55 anos, sinais de alteração do estado mental, além de comorbidades associadas. Outros aspectos ao exame físico e a partir de exames complementares são a presença de efusões pleurais, como infiltrados pulmonares e/ou extensas ou múltiplas coleções fluidas extrapancreáticas e sinais de hipovolemia com elevação de creatinina, ureia ou hematócritos (maior que 44%), e, ainda, sinais de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) com FC > 90 BPM, FR > 20 IPM, temperatura > 38°C ou < 36°C , leucócitos > 12000, < 4000 ou com > 10% de bastões (3). Nesse contexto de pancreatite aguda, PCR aumentada e exames de imagens de tomografia ou ressonância falham em determinar gravidade antes de 24 – 48h após início de quadro clínico do paciente. Portanto, após avaliação preditora de gravidadee estratificação de risco, é recomendado realizar triagem e encaminhamento dos casos graves para unidades de terapia intensiva e, assim, prosseguir com o tratamento adequado (1). Questão 18 - IZABELLA CARDOSO Qual a classificação da pancreatite aguda e como se estabelece a estratificação de risco, pela Classificação de Atlanta de 2013? A pancreatite aguda (PA) possui três classificações de acordo com o American College of Gastroenterology Guideline ¹ de 2013 sendo elas a PA leve, a PA grave e a PA moderadamente grave. Na estratificação de risco o Guideline considera PA leve os casos nos quais a doença cursa apenas com o envolvimento do pâncreas, sem complicações locais, sendo definida pela ausência de falência de órgãos e/ou necrose pancreática. Nesses casos, após 48 horas da admissão hospitalar é possível observar melhora considerável típica no quadro do paciente. Já a PA grave é definida como doença persistente (não melhora após 48 horas da admissão hospitalar) que cursa com falência de órgãos podendo inclusive ocorrer óbito. Ou seja, nesse caso também pode haver a presença de complicações locais como necrose pancreática, por exemplo, e é importante notar que existe o comprometimento de outros órgãos além do pâncreas. Por fim, o Guideline define como PA moderadamente grave quando há ou uma falência de órgãos transitória (que pode ser revertida com ressuscitação volêmica, por exemplo) ou complicações locais (como necrose pancreática) ou sistêmicas, todos esses quadros ocorrendo sem uma falência de órgãos persistente. Caso essa falência aconteça a doença passa a ser classificada como PA grave e não mais como PA moderadamente grave. Questão 19 Como se faz o manuseio inicial de uma Pancreatite Aguda Grave? A pancreatite aguda grave tem que ser manejada em uma unidade de terapia intensiva, com foco em hidratação agressiva, analgesia e suporte nutricional. Primordialmente, deve haver avaliação do estado hemodinâmico do paciente e acometimento de outros órgãos, podendo ter insuficiência hepática, pulmonar e/ou renal. A hidratação agressiva é a intervenção mais efetiva apoiada pela literatura, definida como 250 a 500mL por hora preferencialmente de Ringer lactato, mais benéfica nas primeiras 12 a 24 horas, mantendo-se cautela em alguns grupos como idosos e pacientes com histórico de doença cardíaca ou renal para evitar complicações como sobrecarga de volume, edema pulmonar e síndrome compartimental abdominal. É de grande importância monitorar essa hidratação frequentemente nas primeiras 6 horas e em seguida nas próximas 12h a 24h, avaliando-se melhora da retenção nitrogenada com redução de BUN (nitrogênio ureico no sangue) e creatinina marcando aumento da perfusão renal e redução do hematócrito demonstrando hemodiluição. Vale notar que não há recomendações quanto a valor absoluto desses marcadores, a avaliação tem que ser comparativa e individual. A nutrição tem que ser iniciada o mais cedo possível e enteral em preferência à parenteral para proteção da barreira mucosa intestinal e redução de translocação bacteriana, sendo oligomérica e realizada com sonda nasogástrica ou nasoentérica. Além disso, vale lembrar que dor abdominal é um sintoma predominante na pancreatite aguda e pode até mesmo contribuir para a instabilidade hemodinâmica. A ressuscitação volêmica é o primeiro passo para manejo da dor mas analgesia também pode ser feita, sendo seguro e efetivo o uso de opioides, em terapia isolada ou multimodal com AINEs ou paracetamol. Em última instância, urge salientar que não é mais realizada antibioticoprofilaxia e o uso de antibióticos é restrito a infecções extrapancreáticas. Só se avalia uso de antibiótico em deterioração do quadro após o 7º ao 10° dia. Questão 20 Em paciente com Pancreatite Aguda Grave, com necrose pancreática maior que 1/3 do pâncreas, como deve ser conduzido quanto ao antibiótico, segundo o Guideline de Atlanta de 2013? Caso ocorra infecção na necrose, como deve ser realizado a conduta? Segundo o guideline de Atlanta de 2013 os antibióticos primeiramente são dados para infecções extra pancreáticas, como em cateteres, infecções do trato urinário e algumas pneumonias. Não há indicação de antibioticoterapia profilática em pacientes com pancreatite aguda grave e também nem para os casos de necrose estéril, quando se busca a prevenção de uma possível infecção no tecido necrosado. Já nos casos onde se houve a infecção da necrose aí sim é recomendável o uso de antibiótico nos casos onde não houve melhoras após 7-10 dias de hospitalização, a conduta nesses casos é primeiro a confirmação da infecção da necrose, por meio de uma tomografia computadorizada mostrando o sinal da bolha de sabão ou se disponível uma punção do tecido necrótico guiada por tomografia computadorizada que será levado para cultura e coloração por Gram que se vierem positivos fecha o diagnóstico de necrose pancreática infectada, após isso começa a introdução de antibióticos que sejam capazes de alcançar o pâncreas como os carbapenêmicos, imipenem, quinolonas ou metronidazol. Há também uma conduta cirúrgica para um segundo momento, com indicação para todos os casos com objetivo de reduzir a letalidade, chamada de necrosectomia, essa opção de intervenção só é considerada depois de 4 semanas após a introdução do antibiótico para permitir uma liquefação do conteúdo e desenvolvimento de uma parede fibrosa ao redor da necrose, porém esse procedimento é bem invasivo e sugere uma reabordagem a cada 2-3 dias e por isso se posterga ao máximo se assim a condição clínica permitir para que o pâncreas esteja melhor estruturado para ser feita a drenagem. Questão 21 Quais as principais causas de Pancreatite Crônica? Como as células estrelares pancreáticas podem ser o fator fisiopatológico da pancreatite crônica? ● Quais as principais causas de Pancreatite Crônica? Dentre as etiologias mais comuns de pancreatite crônica, destacam-se: (1) Uso crônico de substâncias tóxicas, tais como o álcool e o tabaco O uso abusivo de álcool é capaz de levar ao desenvolvimento de pancreatite crônica, uma vez que essa substância suscita toxicidade direta às células acinares do parênquima pancreático (através da inibição da atividade do retículo endoplasmático e o subsequente aumento do estresse oxidativo), influência na síntese de suco pancreático litogênico e está envolvida na indução da ativação prematura dos zimogênios pancreáticos. Ademais, é comum haver carências nutricionais relacionadas ao alcoolismo, sendo que essas também são possíveis causas do desenvolvimento da pancreatite crônica. O tabagismo, por sua vez, além de contribuir com o estresse oxidativo, parece potencializar os efeitos tóxicos do etanol, levando a uma progressão acelerada da doença e agravando suas manifestações clínicas. Apesar de não estar totalmente elucidado o mecanismo de agressão, a literatura evidencia que, em ratos, a inalação do tabaco cursa com aumento da síntese da matriz extracelular (MEC) e a consequente formação de fibrose no pâncreas, além da redução nas estruturas acinares e das anormalidades na estrutura lobular, nota-se, também, infiltração por células inflamatórias (2) Anormalidades metabólicas Destaca-se o hiperparatireoidismo, condição que pode resultar em um quadro de hipercalcemia. A patogênese proposta baseia-se na recorrência de pancreatite aguda devido a deposição de cálcio no ducto pancreático e ativação do tripsinogênio pelo cálcio no parênquima pancreático. (3) Mecanismo genéticos Pancreatite Hereditária pode ser definida como uma doença rara com padrão de herança autossômica dominante, caracterizada por episódios recorrentes de pancreatite aguda com provável evolução para pancreatite crônica. Nessa condição, a maioria dos pacientes apresenta mutações nos genes PRSS1, PINK1 ou CFTR. De maneira geral, as mutações propiciam a ativaçãoprecoce da tripsina ou interferem na sua inativação. Por meio desse processo, há autodigestão pancreática, desenvolvimento de resposta inflamatória local e quadros recorrentes de pancreatite aguda, podendo levar, a longo prazo, à pancreatite crônica. As mutações no gene CFTR podem causar pancreatite (por conta da não degradação da tripsina 1) com ou sem manifestações da fibrose cística. (4) Mecanismos obstrutivos Nos casos de obstrução, há dificuldade de drenagem do suco pancreático para o duodeno, fato esse que pode provocar pancreatite crônica segmentar distal ao local obstruído, com a presença hipotrofia acinar, fibrose e dilatação ductal. Dentre as possíveis causas obstrutivas, encontram-se: pâncreas divisium, estenoses pós- inflamatórias ou pós-traumáticas, cálculos e neoplasias pancreáticas. (5) Mecanismos autoimunes A pancreatite autoimune é uma manifestação da doença cujo componente fibroinflamatório é rico em células linfoplasmocitárias positivas para IgG4 ou em infiltrado neutrofílico sem IgG4. O quadro de pancreatite pode fazer parte de uma doença autoimune sistêmica ou se apresentar como uma lesão isolada. Geralmente, o processo inflamatório presente nessa condição responde bem aos corticoides. (6) Mecanismos idiopáticos ● Como as células estrelares pancreáticas podem ser o fator fisiopatológico da pancreatite crônica? Durante a pancreatite, em resposta a estímulos crônicos (tais como estresse oxidativo, citocinas, fatores de crescimento e toxinas), as células estrelares são ativadas, isto é, saem do estado de quiescência para assumirem um papel de miofibroblasto ativo, o qual é capaz de sintetizar e secretar quantidades excessivas de proteínas do meio extracelular (colágeno tipo I e tipo III e fibronectina), resultando na formação de fibrose. Por fim, considerando que na pancreatite crônica há substituição irreversível do parênquima pancreático por áreas de fibrose, então, devido a capacidade de realizar fibrogênese, as células estreladas podem participar da patogênese dessa doença. Questão 22 Qual o quadro clínico da Insuficiência Pancreática Exócrina em paciente com pancreatite crônica? Como deve ser feito o tratamento? O sintoma mais comum da pancreatite crônica é a dor abdominal em região epigástrica, irradiada para dorso, constante ou episódica em episódios de agudização. Além disso, devido a má absorção de vitaminas lipossolúveis (KEDA), o paciente pode apresentar equimoses, ataxia, neuropatia periférica, espasmos musculares, osteoporose, osteomalácia, cegueira noturna e xeroftalmia. A insuficiência pancreática exócrina causa esteatorreia, com aumento no número de evacuações diárias de duas a três vezes ao dia, fezes gordurosas/oleosas e volumosas, difíceis de limpar, que flutuam no vaso, ocorrendo principalmente após refeições com alto teor de gordura, não ocorrendo necessariamente todos os dias. Cursa também com perda ponderal com capacidade progressiva até quadros de anorexia e desnutrição. Deve-se realizar uma investigação para esclarecer a etiologia da dor abdominal e prosseguir com a melhor conduta, que varia entre terapia com analgésicos, bloqueio nervoso, terapia endoscópica ou terapia cirúrgica. É imprescindível, caso se aplique, que o paciente interrompa o uso de álcool e tabaco. A terapia de reposição enzimática, com pancreatina, também é realizada. As preparações com revestimento entérico são usadas com mais frequência nos casos de insuficiência exócrina, por serem mais potentes e demandarem menos comprimidos. As enzimas principais são amilases, proteases e lipases. O objetivo da terapia enzimática, que é a administração de pelo menos 10% do débito pancreático normal a cada refeição, traduz-se em cerca de 25.000 U a 75.000 U de lipase nas principais refeições, e 10.000 U a 25.000 U nos lanches, dependendo da quantidade de gordura consumida. Em relação a dieta, os lipídios devem representar de 30% a 40% das calorias diárias e a proteína de 1,0 a 1,5g/kg/dia. Realizar reposição de vitaminas lipossolúveis, de vitamina B12, Cálcio, Magnésio, Folato e Zinco, e de antioxidantes. Questão 23 Qual o quadro clínico da Insuficiência Pancreática Endócrina em paciente com pancreatite crônica? Como deve ser feito o tratamento? O mecanismo de lesão das células das ilhotas pancreáticas está intimamente relacionado com o mecanismo que afeta os ácinos pancreáticos. Tanto a insuficiência pancreática endócrina quanto a exócrina são complicações tardias da pancreatite crônica, ocorrendo, normalmente, décadas após o início da agressão ao tecido, quando o pâncreas já tem por volta de 90% do parênquima acometido. Portanto, é comum a clínica da insuficiência exócrina andar junto à clínica da insuficiência endócrina, apresentando-se com períodos de dor, perda ponderal, desnutrição, esteatorreia, fadiga, vômitos, etc. Entretanto, tratando-se apenas do acometimento endócrino pancreático na pancreatite crônica, observa-se lesão das ilhotas pancreáticas por fibrose. Dentre todos os hormônios regulatórios prejudicados nessa agressão, o que se destaca é a insulina e o glucagon. Essa lesão gera uma perda do controle da glicose no organismo, levando a uma diabete insulino-dependente, conhecida como diabete tipo 3c que, apesar de ser parecida com a diabetes tipo 1, são diferenciadas pela patogênese e pela deficiência concomitante de glucagon no tipo 3c. A diabetes tipo 3c é de extremo difícil controle pela deficiência de insulina e de glucagon, com cetose rara e hipoglicemia induzida pelo tratamento insulínico. Apesar das lesões da pancreatite crônica serem progressivas mesmo com a retirada do fator causal, essa remoção é de extrema importância na desaceleração da progressão da pancreatite crônica. Por isso, sempre deve observar se o desencadeador da agressão tecidual é um fator mutável, como o álcool e o tabaco, para que possam ter seu consumo cessado. Além disso, o tratamento da pancreatite endócrina é feito com insulina e dieta, sendo a dieta com restrição de carboidratos simples (não retirando os carboidratos complexos, para manter a dieta com pelo menos 2100 calorias) restrição de gordura e de proteína. O paciente deve ser encaminhado a um endocrinologista para acompanhamento no tratamento insulínico, prevenindo a todo custo o desencadeamento de eventos hipoglicêmicos. Deve ser reforçado ainda a cada visita ideias sobre práticas de um estilo de vida saudável. É imperativo o tratamento da pancreatite crônica como um todo, não se esquecendo da abordagem exócrina da lesão. Questão 24 O que é Pancreatite crônica autoimune? Quais são os tipos, as diferenças entre os tipos e qual a principal medicação para o tratamento. R: A pancreatite crônica autoimune é uma doença fibroinflamatória crônica do pâncreas, de etiologia autoimune, com proeminente infiltrado imunocelular que leva à disfunção orgânica pancreática. Existem 2 tipos de pancreatite crônica autoimune: ● Tipo I: neste tipo, a pancreatite está inserida no contexto de uma doença sistêmica, a doença do IgG4, afecção autoimune caracterizada por um aumento das concentrações séricas de IgG4 e que pode acometer, para além do pâncreas, vias biliares, glândulas salivares, retroperitônio e outros órgãos. É caracterizado da seguinte forma: ○ é o mais frequente tipo de pancreatite crônica autoimune; ○ é mais comum em homens (numa razão de 3-4:1), acometendo em especial a faixa etária entre 50-70 anos; ○ os achados histopatológicos característicos no pâncreas incluem infiltrado linfoplasmocitário periductal, fibrose generalizada e células IgG4 positivas abundantes, quadro que pode cursar com obliteração e ocasional destruição completa do ducto; ○ o diagnóstico é baseado no critério HISORt: Histologia característica, Imagem (pâncreas “em salsicha”), Sorologia (IgG4 sérico >140 mg/dL), Outros órgãos envolvidos, e Resposta à terapia com corticosteróides;● Tipo II: neste tipo, a doença é limitada ao pâncreas, não estando associada à elevação dos níveis séricos/teciduais de IgG4 na maioria das vezes. ○ é mais frequente em adultos jovens (30-40 anos), numa proporção equalitária de homens e mulheres; ○ cerca de ⅓ dos casos estão relacionados à presença de doença inflamatória intestinal; ○ se caracteriza histologicamente por infiltração neutrofílica do epitélio ductal do pâncreas (constituindo a denominada Lesão Epitelial Granulocítica), o que leva à sua destruição com possibilidade de obstrução luminal; ○ o diagnóstico é baseado em achados histológicos, de imagem (comumente na forma de massa “tumoral”) e ausência ou raridade de células IgG4 positivas; ○ devido à sua apresentação radiológica, faz diagnóstico diferencial com adenocarcinoma de pâncreas; Quanto ao quadro clínico, é semelhante em ambos os tipos, sendo comum a seguinte sintomatologia: icterícia obstrutiva, dor abdominal recorrente e perda ponderal. Nota-se que se trata de manifestações inespecíficas e comuns à várias pancreatopatias. Cerca de 50% dos pacientes apresentam outras doenças autoimunes, sobretudo a Síndrome de Sjögren. O tratamento é baseado na administração de corticosteróides orais (nomeadamente prednisolona), já que ambos tipos são altamente responsivos à essa terapêutica, havendo melhora significativa das alterações clínicas e radiológicas. Podem haver recidivas, sobretudo no tipo I, ocorrendo principalmente após a suspensão do glicocorticóide. Questão 25 Quais as principais complicações das pancreatites crônicas e quais os tratamentos de cada uma delas? A pancreatite crônica, por meio do seu processo fibrótico, leva à obstrução ductal e à hipertensão dos canalículos, gerando dor e complicações, que incluem: ● Pseudocistos – coleções líquidas de tamanho variável contidas por uma cápsula de tecido de granulação O tratamento, caso não haja complicação, é observar a evolução do pseudocisto por exames de imagem. Se houver expansão, sintomas (dor, vômito) ou complicações, indica-se intervenções para drenagem do pseudocisto, que podem ser cirúrgicas, endoscópicas ou por CPRE. ● Derrames Cavitários (Ascite Pancreática, Derrame Pleural, Derrame Pericárdico) - por rompimento de cisto/ducto ou por haver fístula de ducto, o líquido pancreático extravasa O tratamento conservador consiste em dieta zero, paracentese e/ou toracocentese de alívio associado a um curso de nutrição parenteral total. Octreotida para fechamento de fístula e, em casos refratários, stent no ducto pancreático principal ou resseção da porção pancreática que possua fístula. ● Obstrução do Colédoco – causada por fibrose da cabeça pancreática ou por pseudocisto A drenagem do pseudocisto é eficiente. Nos casos de colestase persistente lança-se mão da Coledocojejunostomia. ● Pseudoaneurisma – corrosão da parede de uma artéria justapancreática por pseudocisto expansivo ou pela própria pancreatite A abordagem pode ser por angiografia intervencionista ou cirúrgica (ligamento do vaso e/ou drenagem do pseudocisto). ● Trombose de Veia Esplênica e Veia Porta – Varizes de Fundo Gástrico O tratamento pode ser conservador, com monitoramento de sinais de sangramento de varizes gástricas; ou cirúrgico (esplenectomia), que é capaz de reverter por completo a hipertensão portal. ● Fístulas Pancreáticas Externas – anomalia na comunicação entre o canal pancreático e o exterior do corpo, geralmente por complicações de pancreatectomias O manejo consiste em dieta zero, nutrição parenteral total e octreotide (para fechamento da fístula). ● Obstruções de órgãos – por compressão de pseudocistos ou do processo fibrótico da pancreatite aguda (principalmente Duodeno) No caso de compressão por um pseudocisto a terapia é endoscópica. Já a obstrução por alterações fibróticas é cirúrgica (gastrojejunostomia paliativa, ressecção da cabeça do pâncreas que preserva o duodeno, ou pancreatoduodenectomia). ● Hemorragia Digestiva Alta e/ou Baixa – por ruptura de vasos na parede do pseudocisto ou secundário à formação de pseudoaneurismas e/ou trombose. O tratamento consiste na estabilização hemodinâmica do paciente, que pode ser cirúrgica (esplenectomia em casos de sangramentos significantes) ou por terapias endoscópicas, a depender da expertise local. O objetivo dos tratamentos é aliviar a dor abdominal grave, constante ou recorrente causada pela pancreatite crônica e pelas suas complicações e curar ou prevenir complicações orgânicas adicionais. Assim, além do supracitado, a analgesia também é indicada nos casos de dor. Questão 26 Como deve ser realizada a profilaxia primária de hemorragia digestiva alta varicosa? Em qual paciente deve ser realizada? Paciente com hipertensão portal de causa não cirrótica também deve fazer profilaxia primária de hemorragia digestiva alta varicosa? Na atualidade, há duas propostas factíveis em relação à profilaxia primária de hemorragia digestiva alta varicosa: a farmacológica, com o uso de β-bloqueadores não seletivos (BBNS) OU a endoscópica, por meio da ligadura elástica das varizes de esôfago (LEVE) [1,2,3]. Ambas abordagens se mostraram igualmente efetivas em prevenir o sangramento em pacientes com varizes de alto risco. Embora a LEVE numericamente induza menos efeitos colaterais, está associada a possíveis complicações potencialmente mais graves do que a terapia instituída com BBNS. Além disso, a LEVE, ao contrário do uso de BBNS, não tem impacto sobre a hipertensão portal e, portanto, não previne outras complicações decorrentes dessa condição, como a hemorragia proveniente de varizes gástricas, o que enseja uma preferência geral em sentido da terapia com BBNS primariamente [1,2], analisadas as contraindicações relativas a essa terapia, como insuficiência cardíaca descompensada, doença pulmonar obstrutiva grave, diabetes mellitus descompensado, bradiarritmias, dentre outros. Nesse sentido, o fármaco mais estudado é o Propranolol, que tem custo acessível e está disponível na rede pública de saúde, a profilaxia habitualmente é iniciada com a posologia de 40mg/dia em duas tomadas (12h/12h), com aumento progressivo a cada 3 a 5 dias até alcançar a dose máxima tolerada (isto é, frequência cardíaca entre 55 e 60bpm ou surgimento de efeitos adversos, como hipotensão) [3,4]. Outra droga que pode ser utilizada é o Nadolol, que é inicialmente prescrito na posologia de 40-80mg/dia uma única vez ao dia, de acordo com a tolerância do paciente. A instituição de profilaxia primária de hemorragia alta varicosa está bem indicada nos seguintes casos, ditos casos de “varizes de alto risco” [1,2,3]: 1) Pacientes com varizes de médio (3-5mm) e grosso (>5mm) calibre, independente da presença de doença hepática clinicamente avançada (Child-Pugh B ou C) ou presença de sinais vermelhos nas varizes à avaliação endoscópica. 2) Pacientes com varizes de fino calibre (<3mm) com doença hepática clinicamente avançada (Child- Pugh B ou C). Adendo: O EASL considera doença hepática clinicamente avançada apenas os pacientes com escore Child-Pugh C, não Child-Pugh B, o que leva a uma dissonância entre os diferentes Guidelines pesquisados quanto à indicação de profilaxia primária descrita nesse item 2. Como a maior parte dos Guidelines, inclusive o brasileiro, institui Child-Pugh B ou C como doença hepática clinicamente avançada, optei por escrever assim no texto. 3) Pacientes com varizes de fino calibre com sinais vermelhos nas varizes à avaliação endoscópica. Assim, os maiores preditores de risco de sangramento são o tamanho das varizes, a presença de cirrose hepática descompensada (Child-Pugh B ou C) e presença de sinais vermelhos nas varizes à endoscopia. Consideração deve ser feita sobre pacientes Child-Pugh A com varizes de fino calibre e sem sinais vermelhos nas varizes à avaliação endoscópica, uma vez que não existem evidências conclusivas
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