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A relação da escola com as famílias pobres a atualidade do livro a produção do fracasso escolar

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ISSN 2176-1396 
 
 
A RELAÇÃO DA ESCOLA COM AS FAMÍLIAS POBRES1: A 
ATUALIDADE DO LIVRO “A PRODUÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR 
DE MARIA HELENA DE SOUZA PATTO” 
 
Edissônias Cordeiro Moraes2 - SEEDF/UnB 
 
Grupo de Trabalho: Educação da Infância 
Agência Financiadora: não contou com financiamento 
 
Resumo 
 
Esta pesquisa buscou investigar as discriminações vivenciadas por famílias pobres em suas 
relações cotidianas com a escola. Algumas indagações surgiram neste percurso: Qual a 
importância da educação para as famílias pobres? Quais os preconceitos enfrentados por essas 
famílias na relação com a escola? Como metodologia, utilizou-se da abordagem qualitativa, 
que se justifica por tratar de um estudo em que se procura entender o sujeito em suas relações 
intersubjetivas e subjetivas, na qual o pesquisador não se isenta na construção do 
conhecimento. Para coleta dos dados, realizou-se uma observação participante em uma escola 
pública do Distrito Federal, localizada em uma região empobrecida economicamente, distante 
do centro de Brasília. Utilizou-se uma entrevista semi-estruturada com uma mãe de alunos 
que reside em uma invasão próxima à escola. Também foi feita uma pesquisa documental 
junto às atas do conselho de classe para se investigar como os docentes referem-se aos alunos 
com dificuldades e às famílias dessa comunidade. Buscou-se nos estudos de Patto (1990) 
explicações para os preconceitos vivenciados pelas famílias pobres junto às instituições 
educativas e constatou-se que essa obra continua atual. Os resultados encontrados corroboram 
os achados da autora nos anos 80 e apontam que mesmo em condições de vida adversas essas 
famílias atribuem valor considerável ao processo educativo dos filhos. Mesmo com alguns 
avanços nas políticas públicas a escola se comporta atualmente buscando justificativas na 
teoria da carência cultural e na ausência de capital cultural para culpabilizar as famílias em 
situação de precariedade econômica pelos fracassos no processo de escolarização de seus 
filhos. 
 
Palavras-chave: Escola. Famílias pobres. Preconceitos. 
 
1 Classificação de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – www.ibge.gov.br 
2 Aluna do Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil (ESDEI). O curso é oferecido em uma 
parceria entre a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) e a Universidade de Brasília 
(UnB). Professora da SEEDF. E-mail: edissonias@hotmail.com 
1749 
 
Introdução 
As reflexões desse artigo decorrem de uma pesquisa desenvolvida em uma escola 
pública do Distrito Federal na qual estou inserida na comunidade escolar. A escola exerce 
junto à comunidade um papel de referência, pois se localiza em uma região de extrema 
pobreza do Distrito Federal. Além de receber as crianças, atende à comunidade nos horários 
vagos como uma opção de lazer e também possibilita encontros de diversos grupos religiosos 
nos finais de semana. A escola atende, em sua maioria, alunos da comunidade e se observa no 
decorrer do ano as salas de aula se esvaziando com as faltas dos estudantes, principalmente os 
da etapa da educação infantil. Isto ocorre pela grande circularidade de pessoas nessa região e 
pela precariedade dos postos de trabalho. Assim, a comunidade recebe muitas famílias que 
chegam e saem do local vindo de outras partes do país em busca de melhores condições de 
vida. No entanto, na escola outro motivo para a evasão é apontado: para os professores 
haveria desconhecimento dos pais quanto à importância desta etapa de ensino para as 
crianças. Diante disso, muito do que se ouve pelos corredores da escola e nos conselhos de 
classe é que essas famílias não ligam para escola e não atribuem a devida atenção à educação 
de seus filhos. 
Em face dessas observações, surgiu o desejo de investigar como ocorre o 
relacionamento das famílias empobrecidas com a escola, mais especificamente com as 
famílias que possuem filhos na educação infantil e no ensino fundamental. Além disso, a 
pesquisa teve como norte as seguintes indagações: Qual a importância da educação para as 
famílias pobres? Quais os preconceitos enfrentados por essas famílias nas escolas? 
O trabalho conduziu-se a partir dos estudos de Maria Helena de Souza Patto realizados 
no final da década de 80 e publicada em 1990, cuja obra mantém sua atualidade intacta. Pode-
se inferir, inclusive, que as escolas brasileiras, na segunda década do século XXI, mantêm a 
mesma relação com as famílias pobres desde a década da redemocratização brasileira. De 
acordo com Carvalho (2011) o livro “A Produção do Fracasso Escolar” tornou-se uma obra de 
referência para pesquisadores em educação. O autor levanta duas hipóteses para explicar a 
longevidade desses estudos: a primeira delas advém da precisa apresentação do cotidiano de 
uma instituição escolar e da subjetividade dos agentes nela envolvidos. A segunda hipótese é 
que essa apresentação não se reduz à peculiaridade de tal instituição, pois não se “desliga” a 
escola dos condicionantes históricos de natureza política e social que sustentam as concepções 
e práticas educativas em nossa sociedade. 
1750 
 
Preconceito contra famílias das camadas populares no decorrer da história 
A relação escola pública e famílias pobres tem sido um tema frequente de interesse de 
pesquisas no meio acadêmico. Ao longo dos anos, essas famílias sofrem preconceitos que são 
históricos e sempre houve a tentativa de culpá-las pelo fracasso dos filhos na escola. Já no 
final da década de 80 e início dos anos 90, Maria Helena Souza Patto publicou seu livro “A 
produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia”, no qual constam os motivos 
que levam as crianças das camadas mais pobres fracassarem na escola. 
Uma das explicações se baseia em preconceitos étnicos, Patto (1990) aponta os 
estudos de Gobineau (1854) publicado na França como um dos mais relevantes desta teoria. 
Com a publicação de o Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas o autor pretendia 
mostrar as diferenças raciais, sendo que tais concepções influenciaram muitos intelectuais, 
pois em suas obras transpareciam traços racistas. 
Na tentativa de tornar a teoria das raças científica comprovando a superioridade da 
raça branca, estudos foram feitos com escavação em cemitérios e com comparação de crânios, 
buscando-se comprovar que os crânios retirados dos cemitérios das classes altas eram 
diferentes dos crânios encontrados nos cemitérios das classes baixas. Para Patto (1990), “o 
racismo, antes de ser uma ideologia para justificar a conquista de outros povos, foi muitas 
vezes uma forma de justificar as diferenças entre classes” (PATTO, 1990, p. 32). Também na 
França, as teorias de determinismo racial buscavam explicações distorcidas para evasão dos 
filhos das famílias pobres do cenário educacional. 
A medicina também foi utilizada para explicar os preconceitos. Francis Galton (1869 
apud PATTO, 1990) foi pioneiro em estudos sobre o determinismo hereditário, em seus 
estudos adotava testes psicológicos como medidores da inteligência. Utilizava-se da história 
familiar de homens importantes para comprovar sua tese. Porém, os estudos do autor apenas 
reforçavam a hierarquização das raças em que os considerados inaptos estavam entre os 
trabalhadores pobres. “A preocupação com as diferenças individuais e seus determinantes, 
[...] dos aptos e dos inaptos, só poderia ocorrer no âmbito da ideologia da igualdade de 
oportunidades enquanto características distintivas das sociedades de classe”. (PATTO, 1990, 
p. 38 – grifos da autora), portanto, tais estudos nunca foram válidos. Galton também ousou ir 
além dosoutros teóricos do racismo, propôs o aperfeiçoamento da raça humana com o 
cruzamento de indivíduos selecionados para esse fim, processo denominado de eugenia. 
1751 
 
Com a evolução das ciências médicas, em especial a biologia e a psiquiatria, no século 
XIX, os médicos se tornam os grandes responsáveis em explicar os problemas de 
aprendizagem, época em que os estudos neurológicos e neuropsiquiátricos se destacam para 
explicar as dificuldades de aprendizagem. É nesta época que termos como anomalias são 
transferidos da medicina para educação, pois “as crianças que não acompanhavam seus 
colegas na aprendizagem escolar passaram a ser designadas como anormais escolares e as 
causas de seu fracasso são procuradas em alguma anormalidade orgânica” (PATTO, 1990, p. 
41- grifos da autora). 
Nesta época, aparece na psicologia instrumentos de medição de aptidões, com os testes 
do psicólogo Binet (1895 apud PATTO, 1990) para medir a inteligência das crianças. Além 
disso, os estudos de Edouard Claparède (1924 apud PATTO, 1990) se destacavam com a 
criação de testes mensuráveis os quais se baseavam na ideia de comprovar que alguns 
indivíduos eram inteligentemente mais aptos que outros sem considerar as implicações 
socioeconômicas nas suas vidas. 
Na década de 70, a teoria da carência cultural surge na psicologia norte-americana na 
intenção de explicar por que negros e latino-americanos não alcançavam o mesmo destaque 
na sociedade em comparação com os brancos; segundo os estudiosos isso ocorria pelas 
deficiências culturais das famílias por terem pouco estudo, tornando-se, assim, o pano de 
fundo para explicar o fracasso escolar nas classes baixas. De posse dessa teoria, nas escolas 
passou-se a culpabilizar o próprio aluno pelo fracasso escolar, por pertencer a um ambiente 
carente de estímulos e recursos financeiros. A suposição repleta de preconceitos é: “a pobreza 
ambiental nas classes baixas produz deficiências no desenvolvimento psicológico infantil que 
seriam a causa de suas dificuldades de aprendizagem e de adaptação escolar”. (PATTO, 1990, 
p. 94). 
No Brasil, esta teoria teve grande aceitação pela crença histórica arraigada da 
incapacidade intelectual dos negros, mestiços e pobres. Foi mais um reforço para a 
discriminação das classes pobres. Tal discurso foi, inclusive, na década de 70 a justificativa 
da falta de escolas para as camadas populares. Conforme Schultz (1968 apud PATTO, 1990), 
os governantes alegavam que essas crianças não se matriculavam por pobreza e outras 
prioridades como a necessidades de trabalhar, deficiências físicas e mentais, que ocasionariam 
o desinteresse pela escola. 
Em síntese, a obra de Patto (1990) descreve que o fracasso escolar nas classes 
populares é explicado no decorrer da história. Inicia-se com argumentos racistas, depois busca 
1752 
 
apoio na medicina e psicologia com testes sensoriais, intelectuais e de aptidão. Logo depois, a 
teoria da carência cultural ganha grande aceitação nas instituições escolares e na sociedade em 
geral. Mesmo com a legislação e as reformas educacionais na tentativa de incluir os mais 
pobres no cenário da educação brasileira, observa que estes esforços não produziram 
mudanças significativas e concretas para o alcance de todos a uma escola de qualidade. 
Podemos dizer que o “ideário de déficit” que Patto (1990) apontou para explicar o 
fracasso das crianças pobres na escola foi consolidado ao longo das últimas décadas no Brasil 
e ampliado conforme destaca Legnani et al (2015). Segundo essas autoras, o mal-estar 
docente persiste presente e pulula nas salas de aulas, nos corredores, nas salas de reunião, nos 
encontros com as famílias. Uma das estratégias atuais do corpo docente, para não se 
responsabilizar diante das dificuldades encontradas, é alegar despreparo e atribuir 
competências para resolver os problemas de aprendizagem no interior das escolas aos 
profissionais da saúde, ou seja, recorrem à medicalização dos problemas escolares. Estratégia 
em que questões das ordens relacionais, socioeconômicas e culturais tornam-se meramente 
biológicas e associadas a um suposto aparato cerebral disfuncional. 
Assim, presenciou-se nas últimas duas décadas um aumento exorbitante do 
diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade como uma explicação para 
as dificuldades de aprendizagem. (LEGNANI, 2012). Conforme esta autora, foram atendidos 
dois interesses: o de “desresponsabilização” dos profissionais da educação em relação aos 
“alunos problemáticos” e o crescimento de mercado para os profissionais da saúde (médicos, 
farmacêuticos, psicólogos, etc.), os quais dão provas de que não têm conhecimento dos 
problemas educacionais ao aderirem a essa demanda de forma acrítica. Como aponta Guarido 
(2007), o recurso ao uso de medicamentos e à técnica, seja ela a dos manuais de psicologia ou 
de medicina, pode ser lida também como apelo ao silêncio dos conflitos. 
Legnani et al (2015) destacam que além do déficit emocional em função de problemas 
familiares, do déficit cultural e do déficit de atenção, temos ainda hoje outra explicação para 
os problemas na escolarização para compor o conjunto desse “ideário do déficit”, qual seja: o 
mito criado em torno do déficit de autoestima. Segundo Franco (2009), a expressão 
autoestima tem sido considerada como uma qualidade própria do indivíduo, presente em sua 
vida independentemente das condições e das relações que ele estabelece em seus contextos 
sociais. As autoras explicam que se trata de uma ideia decorrente da Psicologia Positiva 
estadunidense que, ao introduzir-se no senso comum, adquiriu um caráter universal, 
ignorando a compreensão de que o homem seja um ser complexo, relacional, social, histórico 
1753 
 
e cultural. Basicamente consiste na concepção de que o sujeito deve ser capaz de acreditar em 
suas possibilidades pessoais para além das experiências vividas, sendo essa crença sobre si o 
alicerce para o sucesso e adequação na sociedade. Assim, essa concepção de que a baixa 
autoestima seria a causa do fracasso escolar e da indisciplina não somente desconsidera a real 
importância de que os alunos produzem seus processos psicológicos a partir do intercâmbio 
com o outro, como também os avalia já prontos desde suas idades mais precoces. Isto é, a 
valoração que o sujeito teria de si seria um aspecto pronto e acabado (FRANCO, 2009). 
Bernard Lahire (1997) em sua obra “Sucesso escolar nos meios populares: as razões 
do improvável” relata o resultado de uma pesquisa em escolas populares na França, em suas 
análises, aponta para o mito da omissão parental. Segundo o autor, a escola ignora as lógicas 
dessas configurações familiares, deduzindo a partir dos comportamentos e dos desempenhos 
escolares dos alunos que os pais não se importam com a educação dos filhos. 
Metodologia 
Realizou-se uma pesquisa qualitativa, sendo que inicialmente foi feita uma observação 
participante na escola. No segundo momento, fez-se uma entrevista com uma mãe de alunos 
que vivem em situação de extrema pobreza e, por fim, uma pesquisa documental nas atas do 
Conselho de Classe. 
Resumo de algumas falas das docentes sobre a relação escola/alunos na faixa etária de 4 
e 7 anos/famílias 
Quadro 1: Professoras da Educação Infantil: alunos 4 e 5 anos 
Professores Alunos/Turma 
A Aluno A: muito inteligente, gosta de desafios, tem comportamento infantil, futuramente 
necessita ser acompanhado pela SEAA e psicólogo. É desafiador o tempo todo, necessita de 
atenção de atenção da equipe multidisciplinar. Suspeita de agressão familiar, linguagem além, 
carência afetiva. 
Aluno B: tem dificuldades em acompanhar a rotina/regras, desorganização pessoal, chamar amãe para conversar, não quer fazer as atividades propostas, quer apenas brincar. 
B Aluno reprimido pelos pais (comportamento diante dos pais), longe deles se mostram agitado e 
inquieto. 
C Aluna carente, abandonada pela mãe, falta acompanhamento familiar; falta acompanhamento 
familiar; aluna chora muito, apresenta aspecto de carência, pois a mãe trabalha e passa a semana 
fora. 
D Falta acompanhamento familiar nas tarefas de casa; concentração no vídeo; higiene pessoal. 
Fonte: dados coletados das atas de conselho de classe do ano de 2014. 
 
Quadro 2: Professores de alunos de 6 e 7 anos (1º e 2º ano) 
Professores Alunos/Turma 
1754 
 
E Turma mista, agitada e infrequente; principais necessidades da turma: pré-requisitos para o 1º 
ano, melhorar a frequência, participação da família na vida escolar da criança: auxilio nas tarefas 
de casa, reposição de materiais escolares básicos e orientação dos hábitos básicos de higiene; o 
aluno A é agressivo e tem dificuldades de interagir com os colegas em sala de aula e no recreio 
(isola-se dos outros alunos) e a família reforça esse comportamento. 
F Aspecto geral da turma: falta acompanhamento da família nas tarefas de casa, imposição de 
limites no caso dos alunos: A: agressivo, agitado, ausência de limites e nesse caso a família foi 
orientada pela equipe pedagógica a procurar ajuda do profissional habilitado para o caso e não 
teve retorno. B: desinteressado pela realização das tarefas, disperso e apresenta fala 
infantilizada, superprotegido pela família e ausência da mãe na reunião de pais. C: não tem 
interesse em frequentar as aulas, disperso, vive no mundo dele, brinca muito em sala de aula e a 
mãe argumenta que não pode ajudar nas tarefas escolares por que trabalha fora. D: participativo 
e interessado, mas falta acompanhamento da família. E: apático e não tem acompanhamento da 
família. F: apresenta dificuldades, mas melhorou em alguns quesitos, entretanto a mãe não 
auxilia nas tarefas escolares por ser analfabeta. 
Fonte: dados coletados das atas de conselho de classe do ano de 2014. 
Como se percebe, por meio das frases no quadro 1 e no quadro 2, todas as concepções 
sobre as dificuldades dos alunos não levam em consideração o que ocorre na relação 
professor/alunos e no cotidiano escolar, ou seja, a teoria da carência cultural familiar 
disseminou-se nas escolas e permanece profundamente atual. 
Entrevista com a mãe de alunos da escola 
A entrevista foi concedida por uma mãe que faz parte da comunidade escolar. Para que 
a colaboradora se sentisse confortável com o encontro, foi lhe dado alternativas de escolha de 
local para que a entrevista fosse concedida. Esta por sua vez escolheu a escola para conversar 
com a pesquisadora, à tarde, depois da entrada do turno, momento que ela ia à escola deixar 
seus filhos. Perante a autorização da direção da escola, no local e hora marcada a 
pesquisadora e a participante se encontraram na sala de informática para realização da 
entrevista. 
Ana3 mora na comunidade há 5 anos, tem 33 anos, mãe de 6 filhos, quatro estudam na 
escola e destes, dois na educação infantil. Mora em um barraco perto de uma erosão na 
comunidade onde está inserida a escola, está desempregada e participa do programa Bolsa 
Família4 do governo federal. A entrevista gravada foi concedida no dia 20 de maio de 2015. 
Pesquisadora: Como você avalia o desempenho de seus filhos na escola? 
 
3 Os nomes dos colaboradores foram mudados para preservar as identidades dos participantes da pesquisa. 
4 O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação 
de pobreza e de extrema pobreza do País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, que tem como 
foco de atuação brasileiros com renda familiar per capita inferior a 77 reais mensais. 
1755 
 
Participante: A professora disse que Gabriel é muito inteligente, eu ensino ele em 
casa, faço assim – Gabriel aqui é a família do “D”, eu não preciso pegar na mão 
dele não, ele faz sozinho. O outro – Marco Antônio – tem a caligrafia meio ruim e a 
professora não está chamando para o reforço, mas a professora disse que ele está 
melhorando, mas tem que melhorar na caligrafia – escreve faltando letras e junto. 
Pesquisadora: Você acompanha os deveres de casa com eles? 
Participante: ‘Ahan’, lá em casa não tem um quarto separado para os meninos 
estudarem – para dizer assim: aqui é o lugar para vocês estudarem (a casa só tem 
dois cômodos). Ainda não tem lugar para estudar, mas um dia vai ter. 
O relato mostra a preocupação da mãe em acompanhar seus filhos na escola. Ana não 
concluiu o ensino fundamental, mas sente a necessidade de acompanhar seus filhos, 
mostrando-se atenta para identificar as dificuldades das crianças. Sabe que um filho necessita 
do reforço escolar, que outro escreve faltando letras e/ou aglomeradas. 
Como vimos, os estudos apontam que as famílias das camadas populares sofrem com a 
exclusão escolar dentro de um processo histórico, político e econômico. Esse processo se 
traduz de maneira concreta na vida dessas pessoas quando analisamos os motivos do 
alijamento das camadas populares da escola. 
Pesquisadora: Vamos falar de seus pais. Seus pais sabiam ler? Quantos irmãos 
você tem? 
Participante: Não tenho mais pai. Tenho 6 irmãos por parte de pai e 1 por parte do 
padrasto. Não sei até quando minha mãe estudou, mas ela estudou pouquinha coisa 
e assina o nome, a letra dela não é muito boa mas ela entende. 
Pesquisadora: Você diz que reprovou, você lembra quantas vezes, qual foi a série? 
Participante: Sim, eu reprovei duas vezes na quarta série, passei para quinta série, 
mas não cheguei a cursar a quinta série. Não voltei mais a estudar porque 
engravidei da menina, a que mora no Maranhão e aí não voltei mais a estudar. 
Pesquisadora: Porque você não voltou a estudar? Seu marido não deixou? 
Participante: É, vivi com ele um ano, assim... falei com a mãe dele que eu não ia 
mais viver com ele, ele tinha ciúmes demais e queria me maltratar. Aí eu tomei uma 
decisão arrumei um serviço aqui mesmo em Samambaia e vim embora para cá. 
Trabalhava como doméstica, mas as casas também não me deixavam estudar, pois 
trabalhar em casas é assim... 
Assim vemos os impasses da experiência de Ana com a escola: a gravidez precoce e as 
repetidas reprovações, o maltrato no casamento e seu emprego como empregada doméstica. A 
teoria de Bourdieu (1960 apud PATTO, 1990) acerca do capital cultural aponta a escola como 
instituição formal que mais reproduz os valores de uma sociedade capitalista. Tal teoria foi 
1756 
 
mal assimilada pelas escolas, que esvaziaram seu foco crítico sobre a sociedade que reproduz 
desigualdades e passaram a apregoar que a ausência do capital cultural impede as crianças 
pobres sejam bem-sucedidas nas escolas. Desse modo, as escolas normalmente ignoram que 
essas famílias desafiam a própria condição para que os filhos não se sintam excluídos, 
situação vivenciada por Ana no dia de um passeio ao zoológico promovido pela escola. 
Pesquisadora: Você tem cinco filhos aqui com você, você disse que todos estudam. 
Eu queria que você falasse das dificuldades que você enfrenta no dia-a-dia em casa 
para enviar os filhos à escola. 
Participante: A dificuldade maior é quando eles pedem uma coisa e eu não posso 
dar, por exemplo, quando quebra o chinelo de alguém, aí eu tenho que ‘tá’ 
amarrando com arame ou com prego. E quando também têm eventos na escola que 
precisam de dinheiro para pagar, tipo assim: a primeira vez que eles foram ao 
zoológico eu vendi latinha juntei o dinheiro e comprei um salgadinho para cada um 
deles levar com refrigerante.Thin (2006) mostra que no processo de escolarização nas camadas populares as 
relações sociais apontam para sujeitos com práticas sociais diferentes, “de um lado, os 
professores, cujas lógicas educativas fazem parte daquilo que chamamos modo escolar de 
socialização; do outro, famílias populares com lógicas socializadoras estranhas ao modo 
escolar de socialização” (THIN, 2006, p. 2). Nesse desencontro, o que se observa atualmente 
é um mais lento processo de exclusão dessas crianças da escola. Antes, como vimos na 
história de Ana, havia quase uma naturalização da evasão escolar das crianças das camadas 
populares por não se se enquadrarem no modo de socialização imposto pela escola. Hoje as 
políticas públicas impedem que essa ‘expulsão’ se dê precocemente, mas isso não implica que 
essas crianças tenham a uma escola que as compreendam e lhes forneçam um ensino de 
qualidade. 
Na entrevista, Ana informa que está à procura de emprego para dar condições 
melhores aos seus filhos. Ao mesmo tempo, preocupa-se em deixar os filhos sozinhos, fato 
que será resolvido com o pagamento de cuidadora dos seus filhos enquanto trabalha. “Meu 
filho pequeno está na creche pública e se eu conseguir emprego, vou pagar uma vizinha para 
levar e buscar os meninos na escola para mim que estão na escola integral, ela disse que não 
vai cobrar caro”. 
Assim, as políticas públicas atuais destinadas à inclusão das famílias carentes no 
cenário educacional brasileiro visam garantir o direito a igualdade na educação. Os programas 
1757 
 
do governo de Escola Integral5 e Bolsa Família são citados por Ana como programas 
importantes para sua família. 
Eu gosto da escola integral, o professor que coordena é muito atencioso, paciente. 
Para mim, a criança aprende mais, pois fica em duas salas, vai de manhã e só vem a 
tarde. O lanche também é muito bom, às vezes ele leva para casa e fala assim, mãe 
olha que biscoito gostoso tem na escola. Eu falo para ele, que ele pode comer, pois 
na escola tem o que não temos em casa. 
Ana aponta que os programas citados ajudam a incluir seus filhos na escola. O 
dinheiro que recebe da bolsa família, no momento, é utilizado para ajudar nas despesas da 
casa, enquanto a Escola Integral permite que seus filhos passem mais tempo na escola e 
tenham complemento na alimentação. 
Em síntese, os dados apontam que Ana teve um histórico de vida muito difícil, apesar 
das dificuldades vivenciadas em sua vida, persiste em se preocupar com a educação de seus 
filhos. Percebe-se, sem dúvida, o esforço dessa mãe para que as crianças fiquem na escola 
para conviver em uma sociedade cada vez mais discriminadora pela posição social e pela 
capacidade de cada um no mundo do consumo. 
Considerações finais 
O intuito desta pesquisa foi mostrar por meio de um trabalho acadêmico os 
preconceitos e discriminação por quais uma família pobre pode vivenciar na escola. Esta 
pesquisadora teve essas mesmas dificuldades durante sua infância. Meus pais não foram à 
escola. Já adolescente, lembro-me que frequentavam uma escola na comunidade, que 
ofereciam aulas a adultos, conseguindo apenas aprenderem a assinar seus nomes. Quando 
criança morávamos em uma casa feita pelo meu pai – de barro e coberta com palha. Minha 
mãe lavava roupa para complementar a renda familiar e minha irmã mais velha cuidava das 
crianças menores. Íamos para escola sem faltar sequer um dia de aula, era lá que 
complementávamos nossas refeições, mas, sobretudo, sempre houve em meus pais um desejo 
que todos nós estudássemos para termos melhores condições de vida. 
 
5 Programa do Governo do Distrito Federal em parceria como o Programa Mais Educação do Governo Federal 
que visa à ampliação do tempo de permanência do estudante na escola é amparado no decreto nº 33.329, de 
10/11/2011 que regulamenta a Lei Federal nº 4.601, de 14 de julho de 2011, instituindo o Plano pela Superação 
da Extrema Pobreza – DF sem Miséria, que em seu art. 43. Diz: Para o atendimento das famílias pobres e 
extremamente pobres, em territórios de vulnerabilidade social urbana e rural, deverá ser ampliada a rede de: 
educação infantil; ensino fundamental; ensino médio; e educação de jovens e adultos - EJA. Parágrafo único. 
Deverá ser progressivamente implantada a educação integral nas redes descritas. 
1758 
 
Recordar desses fatos sem ressentimento e sem tamponamentos possibilita-me 
entender a lógica socializadora das famílias pobres, suas concepções sobre a educação e os 
desafios que enfrentam nas escolas. A comunidade em que trabalho hoje como docente na 
Educação Infantil retoma a minha infância em suas características sociais e econômicas. 
Assim, diante de minha história de vida, da qual não me envergonho, busquei nas escavações 
de minha memória a construção desse trabalho. Nas palavras de Almeida (2002): 
[...] é possível pensar a memória educativa como a palavra contida na enunciação 
mínima do professor, com poder também de construir uma verdade histórica, de 
produzir uma nova relação com o vivido, construindo e (re) construindo sua 
identidade, enfim, desencadeando um processo no qual o professor possa fazer as 
pazes com a criança que está dentro dele, ou seja, o Ser infante no Ser professor 
(ALMEIDA, 2002). 
Com a análise dos dados observa-se que de um lado a família é apontada como 
responsável do fracasso escolar de seus filhos, mas por outro lado o que se percebe é que 
mesmo uma família muito carente, sem condições econômicas de dar aos filhos uma situação 
ideal de sobrevivência, não desiste perante as dificuldades. 
Outro importante resultado obtido com a pesquisa diz respeito à desmistificação 
atribuída às famílias populares que por sua situação socioeconômica não se interessam pela 
educação dos filhos que é comprovado com as palavras de Ana: É importante... [...] eu falo 
para eles, eu sofri muito, mas não é porque eu sofri que vocês têm que sofrer também, vocês 
estudam para ter um serviço bom. Se eu tivesse estudado ou feito um curso, eu teria uma vida 
bem melhor da que tenho hoje. Patto (1990) traz contribuições muito importantes acerca de 
como as famílias pobres foram alijadas do processo escolar dentro de um decurso histórico da 
sociedade capitalista. Muitas foram as formas de exclusão das famílias pobres passando por 
teorias racistas, teoria da carência cultural – com teses que culpam os estudantes e famílias 
pela exclusão dos filhos do cenário educacional e isentam a escola – sem que a existência de 
igualdade de oportunidades fosse questionada; além de interpretações equivocadas de teste 
psicológicos. 
REFERÊNCIAS 
ALMEIDA, Inês Maria Marques Zanforlin Pires de. O Ser infante e o Ser professor na 
memória educativa escolar. In: COLOQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 4., 2002, São Paulo. 
Anais eletrônicos... Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo>. Acesso em: 
04 fev. 2015. 
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CARVALHO, José Sérgio F. de. A produção do fracasso escolar: a trajetória de um 
clássico. Psicol. USP, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 569-578, 2011. Disponível em: 
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103>. Acesso em: 16 ago. 2015. 
FRANCO, A. F. O mito da autoestima na aprendizagem escolar. Revista Semestral da 
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v. 13, n. 2, pp. 325-332, 2009. 
GUARIDO, R. A medicalização do sofrimento psíquico: considerações sobre o discurso 
psiquiátrico e seus efeitos na educação. Educação e Pesquisa, v. 33, n. 1, pp. 151-161, 2007. 
LAHIRE, Bernard. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São 
Paulo: Ática, 1997. 
LEGNANI, V. N. Efeitos Imaginários do diagnóstico de TDA/H na subjetividade da criança.Fractal Revista de Psicologia, v. 24, n. 2, pp. 307-322, 2012. 
LEGNANI, Viviane Neves; Silva, Fernanda Mendes da; Penso, Maria Aparecida. A relação 
da escola com alunos em medida de acolhimento institucional ou reintegradas às suas 
famílias. In: Infância e adolescência abandonadas: o acolhimento institucional no Distrito 
Federal. Org: Maria Aparecida Penso e Liana Fortunato Costa. São Paulo, Paco Editorial, 
2015 ( no prelo). 
PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e 
rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990. 
THIN, Daniel. Para uma análise das relações entre famílias populares e escola: confrontação 
entre lógicas socializadoras. Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006.

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