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POLÍTICAS PÚBLICAS POLÍTICAS PÚBLICAS TERESA OLINDA CAMINHA BEZERRA Niterói 2011 A função exercida pelo Estado na sociedade passou por diversas transformações com o passar do tempo. Nos séculos XVIII e XIX estava voltada apenas para a segurança pública e a defesa externa em caso de ataque inimigo (LOPES; AMARAL, 2008). Entretanto, com o aprofundamento e expansão da democracia, as responsabilidades do Estado se diversificaram. Atualmente, é comum se afirmar que a função do Estado é promover o bem-estar da sociedade, necessitando, portanto, desenvolver uma série de ações e atuar diretamente em diferentes áreas, tais como saúde, educação, meio ambiente. As políticas públicas correspondem aos direitos assegurados na Constituição ou que são garantidos por meio do reconhecimento da sociedade e/ou pelos poderes públicos como novos direitos: das pessoas, das comunidades, das coisas ou outros bens materiais ou imateriais. Além da dimensão material, a vida humana é composta por elementos imateriais, em relação a estes a Constituição conferiu importância especial, tais como: a honra, o nome, a reputação e a imagem, que integram a personalidade moral dos indivíduos. Na busca de obter resultados, em diversas áreas e promover o bem-estar da sociedade, os governos fazem uso das Políticas Públicas. Assim podemos dizer que a função da política pública é tentar resolver os problemas enfrentados pela Administração Pública, de uma maneira mais ampla são as diretrizes elaboradas pelos governos para resolver os problemas públicos. Podem ter a forma de uma lei, um programa um conjunto de obras como um programa de aceleração do crescimento, etc... Podemos também entender Políticas Públicas como uma forma de resolver, mas também de se antecipar aos problemas que a sociedade venha a enfrentar mais adiante. Um ponto fraco, de acordo com os professores Marcelo Zappelini e Viana do Séc. (2011) da TV Câmara, é a visão brasileira de curto prazo das Políticas Públicas, a lógica eleitoral e não a de políticas de Estado, de longo prazo, de forma aa ser continuada por seus sucessores, seja situação, seja oposição. De acordo com Fernando Coelho, professor e coordenador de Políticas Públicas da (EACH - USP Leste) da USP, Políticas Públicas é pensar o Estado e o governo em ação, são todas as atividades que saem do Estado e a forma como isso é executado pelo governo. Podemos dividir a definição de uma maneira mais política, ou de uma forma mais administrativa. No primeiro caso é sempre um processo decisório que envolve conflitos de interesse promovendo um debate entre os diversos grupos que compõem a sociedade. O conceito proveniente disso é política pública é aquilo que o governo decide fazer ou não fazer, definindo quem ganha e porque ganha. Na segunda visão, ou seja, a administrativa a política pública é vista como um conjunto de programas, projetos e atividades governamentais. É importante ressaltar que existe diferença entre política de Estado e política de governo. Política de Estado é aquela que independente de qual seja o governo e o governante terá que ser feita, geralmente está presente dentro de um aparato político legal, como exemplo a Constituição e será realizado de qualquer maneira, não há escolha. Já a Política de Governo vai depender do Governante, daquele que está no poder, cada um tem o seu projeto durante o mandato e vai transformar suas ideias em políticas públicas durante seu período de tempo. Uma boa política de governo que tenha continuidade pode ser transformada em política de Estado. As políticas públicas podem ser de sociais (saúde, educação, habitação, assistência social, etc...) econômicas (geração de emprego/renda, políticas monetária, fiscal e industrial) de infraestrutura (transportes, telecomunicações, abastecimento/saneamento, meio ambiente, energia) e de gestão que são aquelas que dão suporte para o governo colocar em práticas as demais (política de recursos humanos, governo eletrônico, arrecadação, atendimento ao cidadão – como o Estado vai atender ao cidadão). Segundo Motta (1987), Política Pública é tão antiga quanto a existência de governo. Historicamente, as bases para a tomada de decisão pública se encontravam restritas às opiniões e preferências dos governantes, às suas intuições, analogias, inferências sobre experiências passadas, em moral e ética e, até mesmo, em místicos e rituais mágicos. Só, recentemente, é que se tem utilizado os argumentos racionais com o objetivo de aprimorar o processo de decisão da Administração Pública. A existência de uma determinada situação problemática para cuja modificação de sentido desejado se elege e efetua um determinado curso de ação que produz certos resultados mais ou menos diferentes dos desejados e, em consequência, obriga revisar o curso de ação elegido (Aguilar, 1993: 16, citado em Vega, 2007: 74). Por política pública, entende-se um comportamento propositivo, intencional, planejado e sistemático (AGUILAR, 1993). Além de sua institucionalidade estatal, implica três elementos: o desenho de uma ação coletiva intencional, o curso que efetivamente toma a ação como resultado das decisões e interações que comporta e os fatos reais que essa ação coletiva produz. Em um ambiente sociogeográfico brasileiro de muitos contrastes e profundas desigualdades sociais, as políticas públicas se mostram, por vezes, inconstantes e pouco abrangentes e, em muitos casos, ineficientes e sujeitas a controvérsias próprias da extensão e das peculiaridades socioambientais. Em sociedades com muitos conflitos e interesses de classe, elas são o resultado do jogo de poder, entre agentes (os políticos, os partidos políticos, os empresários, os sindicatos, as organizações sociais e civis) que disputam o Estado. Constituem-se em ações empreendidas pelo Estado para os políticos, os partidos políticos, os empresários, os sindicatos, as organizações sociais e civis cumprir o que prescreve nossa Constituição, sobre as necessidades da sociedade, nos três âmbitos: federal, estadual e municipal. Uma política pública é uma ação deliberada dos poderes públicos constituídos visando atender às necessidades de uma sociedade; sendo que tais ações tanto podem ser definidas para atender demandas focalizadas – atenção a problemas que afetam a população no seu todo – quanto para a solução de questões setoriais – educação, habitação, justiça, estrutura agrária, saúde, saneamento, segurança, transporte etc., ou geograficamente delimitadas – nacional, regional, sub-regional, local etc. (TENÓRIO, 2004, p.144). O mesmo autor, complementa, afirmando que uma política pública caracteriza-se por ações em que o poder público, por seus diferentes órgãos, procura antecipar necessidades. Exemplificando, remete às ações públicas que, planejadas e implementadas, criem condições estruturais de desenvolvimento socioeconômico de um país ou região (TENÓRIO, 2004, p.144). Para Saravia (2006, p. 28-9), política pública é “um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade”; sendo certo que a finalidade última dessa dinâmica, também denominada metapolítica, ou seja, consolidação da democracia, justiça social, manutenção do poder, felicidade das pessoas, constitui o elemento orientador das várias ações que compõem uma determinada política pública. Políticas Públicas são“programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados, constituindo, em sentido lato, um problema de direito público” (BUCCI, 2002, p. 241). As políticas públicas são estabelecidas, sobretudo por iniciativa dos poderes executivo ou legislativo, separada ou em conjunto, com base nas demandas e propostas provenientes dos diversos seguimentos da sociedade. Em algumas situações, a participação da sociedade na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas é assegurada na própria lei que a institui, como por exemplo, os casos da Educação e da Saúde, nos quais a sociedade participa por meio dos Conselhos em nível municipal, estadual e nacional. Diversas são as etapas da política pública. Cada política e cada etapa possuem elementos diferentes, entre eles, destacam-se os atores, as coalizões, os processos e ênfases. Aqui, para uma melhor compreensão, utilizamos a sequência apresentada por Saravia (2006). A primeira etapa é a da agenda ou da inclusão de um determinado assunto na lista de prioridades do poder público. Por assunto, consideramos determinados fatos sociais que ganham relevância e status de problema público em decorrência de intervenção pública legítima sob a forma de uma decisão das autoridades públicas. A segunda etapa é a elaboração. Nessa etapa, os critérios técnicos são utilizados para identificar e delimitar um problema público (atual ou futuro), apresentar alternativas para sua solução ou satisfação, avaliar custos e efeitos de cada uma dessas alternativas e estabelecer prioridades. A terceira etapa - formulação, por sua vez, reveste-se de caráter político, uma vez que entre as alternativas, racionalmente, apresentadas, uma será selecionada e adotada, após exercício de juízo de conveniência e oportunidade, com a consequente definição de objetivos, observados os critérios jurídicos. A implementação, quarta etapa, é constituída pelo planejamento e organização do aparelho administrativo e dos recursos humanos, financeiros, materiais e tecnológicos necessários para executar uma política. A quinta etapa, momento decisivo da política, é execução, caracterizada pelo conjunto de ações destinado a atingir os objetivos estabelecidos pela política. Fernando Coelho concebe o processo de construção de políticas públicas, abrangendo um ciclo de quatro etapas: a primeira se constitui no surgimento da agenda - como uma ideia chega e entre no processo político, que pode ser por planejamento ou diante da ocorrência de um fato importante ou uma crise; a segunda é a formação – como a ideia vai ser transformada em uma política pública, envolvendo o aspecto político que é o processo decisório, relações entre o executivo e o legislativo e o aspecto administrativo (orçamento, áreas de governo responsável pela política); na sequência, a terceira fase é a implementação das políticas públicas, ou seja a execução propriamente dita e como última fase a avaliação (discussão da gestão pública por resultados), saber se o Estado está alcançando as políticas propostas, para isso são usados indicadores, como por exemplo os utilizados na educação. Para Teixeira (2002, p. 5 e 6) são necessários os passos a seguir: a) Elaboração e formulação de um diagnóstico participativo e estratégico com os principais atores envolvidos, que possibilite identificar os obstáculos ao desenvolvimento, fatores restritivos, oportunidades e potencialidades; negociação entre os diferentes atores; b) Identificação de experiências bem sucedidas nos vários campos, sua sistematização e análise de custos e resultados, tendo em vista possibilidades de ampliação de escalas e criação de novas alternativas; c) Debate público e mobilização da sociedade civil em torno das alternativas mais entre os atores; d) Decisão e definição em torno de alternativas; competências das diversas esferas públicas envolvidas, dos recursos e estratégias de implementação, cronogramas, parâmetros de avaliação; e) Detalhamento de modelos e projetos, diretrizes e estratégias; identificação das fontes de recursos; orçamento; mobilização dos meios disponíveis e a providenciar; mapeamento de possíveis parcerias, para a implementação; f) Na execução, publicização, mobilização e definição de papéis dos atores, suas responsabilidades e atribuições, acionamento dos instrumentos e meios de articulação; g) Na avaliação, acompanhamento do processo e resultados conforme indicadores; redefinição das ações e projetos. Em Cunha e Cunha, “As políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo a expressão do compromisso público de atuação numa determinada área a longo prazo” (CUNHA & CUNHA, 2002, p. 12). Para Teixeira (2002, p.4) existem diferentes formas de encarar as Políticas Públicas: a concepção das políticas públicas varia conforme a orientação política. A visão liberal opõe-se à universalidade dos benefícios de uma política social. Para ela, as desigualdades sociais são resultado de decisões individuais, cabendo à política social um papel residual no ajuste de seus efeitos. Na visão social-democrata, concebem-se os benefícios sociais como proteção aos mais fracos, como compensação aos desajustes da supremacia do capital, o que, ao mesmo tempo, garante sua reprodução e legitimação; as políticas públicas têm o papel regulador das relações econômico-sociais, são constituídos fundos públicos para serem utilizados em investimentos em áreas estratégicas para o desenvolvimento e em programas sociais. Essa concepção foi traduzida no sistema do chamado Estado de Bem Estar Social, cujo aparato cresceu muito, levando a uma relativa distribuição de renda e ao reconhecimento de uma série de direitos sociais, mas também a um controle político burocrático da vida dos cidadãos, considerados como objetos, como meros consumidores de bens públicos. A partir dos anos 70, esse modelo entra em crise devido às mudanças no processo de acumulação, com novas tecnologias, novos padrões de relações de trabalho, provocando o esgotamento das possibilidades de atendimento às necessidades crescentes da população, o burocratismo, a ineficiência do aparelho governamental. Com a falência do Estado protetor e o agravamento da crise social, o neoliberalismo, responsabilizando a política de intervencionismo pela estagnação econômica e pelo parasitismo social, propõe um ajuste estrutural, visando principalmente o equilíbrio financeiro, com uma drástica redução dos gastos sociais, uma política social seletiva e emergencial. A globalização torna o processo de formulação de políticas públicas mais complexo, por estarem em jogo, agora, em cada país, interesses internacionais representados por forças sociais com um forte poder de interferência nas decisões quando essas não são diretamente ditadas por organismos multilaterais. A seguir serão apresentadas algumas políticas públicas brasileiras, provenientes de teses, dissertação e Trabalho de conclusão de curso (TCC). POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO As políticas públicas sobre a educação brasileira foram desenvolvidas objetivando preparar o país para ser uma nação independente. Em Gama (2008) temos que o século XX com duas grandes guerras alterou os rumos do capital internacional a ser investido. Parte do investimento industrial veio para o Brasil, surgindo, portanto, oportunidades de trabalho industrial na zona urbana. Neste contexto, a alfabetização do trabalhador torna-se uma questãode Estado, já que havia demanda de uma mão-de-obra pelo menos alfabetizada. Fato este que confere à educação o status de política pública, que foi avançando daí em diante para: educação primária pública, obrigatória e gratuita; investimentos em material didático gratuito, merenda escolar gratuita, transporte escolar gratuito e até incentivo em dinheiro para as que as famílias mantivessem os seus filhos matriculados na escola; combate à repetência; combate à evasão escolar; os programas de aceleração da educação dos que ficaram à margem da política; o ensino supletivo e o ensino semi-presencial. Ainda em (GAMA, 2008, s/p) “o financiamento da educação pública passou a ser prioridade. A Constituição Federal/1988 determina que 25% do orçamento seja gasto em educação. A educação pública evoluiu para a universalização do ensino básico, passou a ser um direito da criança, incluiu os portadores de necessidades especiais na mesma turma dos demais”. Vencida a etapa da quantidade, a busca é pela melhoria da qualidade do ensino, da profissionalização dos docentes, da modernização dos equipamentos midiáticos nas escolas públicas, do financiamento de computadores para professores, da exigência de educação superior para os docentes ingressantes na carreira do magistério (GAMA, 2008). No nível superior aconteceram algumas iniciativas tímidas de inclusão da população na educação em nível universitário. O Estado criou as universidades federais, estaduais. Passo muito importante, porém aqueles que se beneficiaram, em sua maioria, eram exatamente os que podiam pagar uma Universidade privada. Parte do objetivo da política pública era atingida, ou seja: a formação de profissionais, mestres, doutores e pesquisadores para suprir mão-de-obra qualificada à nova economia industrial. No entanto, “a outra parte do objetivo não foi atingida: os beneficiados pelo diploma universitário eram os alunos de famílias mais ricas. Os de famílias mais pobres tinham de pagar para entrar nas universidades privadas” (GAMA, 2008, s/p). A educação superior no Brasil se conformava, até os anos 1990, como um patrimônio reservado aos estudantes provenientes das camadas mais altas da população. Nos últimos anos, houve uma expansão bastante expressiva, mas que ainda mantém o acesso ao nível superior para uma parcela muito pequena. De acordo com Braga (2008), a educação superior é vital para colocar a América Latina no caminho do desenvolvimento econômico e social sustentado, cuja chave consiste, através da mobilidade social, na maior participação dos pobres e dos setores sociais excluídos na educação superior. Sustenta o Autor que a inclusão de pobres e das populações indígenas, no ensino superior, evita a perda de talentos e fornece um caminho possível para superar a pobreza. A “Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL, 2007)” tem destacado a importância fundamental da educação e do emprego como mecanismos para o desenvolvimento econômico e social, uma vez que os conhecimentos e as habilidades conformam um capital que se mobiliza no mercado de trabalho, permitindo a ascensão social e a sustentação do status em geral. Afirma que a educação é central para o desenvolvimento não apenas por ser um direito humano fundamental, mas também pelo fato de contribuir com o desenvolvimento produtivo, promover a equidade intergeracional e capacitar as pessoas a seus diversos projetos de vida, bem como exercer sua condição de cidadãos em um marco democrático e de fomento à paz. Ainda, no relatório, a CEPAL (2007) destaca o papel da educação superior, como elemento favorecedor de uma melhor distribuição de renda. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA/2011, o total da população residente no Brasil é de 190.732.694 milhões de pessoas, sendo que deste, 39.631.550,00 milhões são considerados pobres. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/2005 o Brasil tinha 53,9 milhões de pobres, como tal identificados os 31,7% da população que recebiam até meio salário mínimo em 2003 (BLATT, 2006). A pesquisa registra, de igual modo, que 1% dos brasileiros mais ricos – 1,7 milhão de pessoas – detém uma renda equivalente à da parcela formada pelos 50% mais pobres (86,5 milhões de pessoas), superando a população de países como a França, Itália ou Alemanha e o dobro da população da Espanha (42 milhões de habitantes). O mesmo estudo revela, também, que a pobreza no Brasil tem cor, isto é, 44,1% da população negra vive em domicílios com renda per capita inferior a meio salário mínimo, enquanto entre os brancos esse índice é de 20,5%”. Ainda em Blatt (2006), dados do Ministério da Educação – INEP/MEC/2004 informam que: 62% dos alunos matriculados nas escolas privadas de ensino médio pertencem aos 20% de famílias de classe social mais alta, enquanto apenas 2% vêm das de mais baixa renda; no ensino público, 17% do alunado estão entre os de maior renda e somente 12% no grupo inferior; no ensino universitário público e gratuito, 61% dos alunos pertencem a 20% das famílias mais ricas e apenas 3% deles são originários de famílias de baixa renda. Nesta perspectiva, forte marginalização de segmentos excluídos requer políticas públicas de inclusão social, expressando o sistema de cotas para ingresso na Educação Superior essa preocupação pública, em um contexto que favorece, histórica e economicamente, em quase sua totalidade, o ingresso universitário à elite da sociedade brasileira. Na Constituição Federal de 1988, conforme consta do Art. 3º, está expresso o princípio da igualdade de direitos, sendo papel do Estado promover o bem-estar social sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Um projeto de origem no Poder Legislativo Federal, de novembro 2002, transformou- se em lei, com a Medida Provisória n º 63, de 2002, criando-se o Programa Diversidade na Universidade. Tinha por intuito implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos. A polêmica surgiu, porque a considerada maioria (brancos e alunos oriundos de escolas privadas) se disse discriminada, alegando a violação do tratamento de igualdade garantido pela Constituição. Nos últimos 10 anos, o Brasil tem apresentado algumas alternativas na busca de uma maior equidade, com a criação de novos tipos de IES (Instituições de Ensino Superior), de novas modalidades de cursos, da proposta de políticas inclusivas Prouni – Lei 11.096/2005, alterada pela Lei 11.509/07 –, de política de cotas, assim como da ampliação das vagas na Universidade pública, através do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – Reuni – Decreto nº 6.096/2007. O Programa Universidade para Todos (PROUNI), por meio da Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004, institucionalizado, posteriormente, pela Lei nº 11.096/2005, que prevê a oferta de vagas a estudantes carentes da rede particular, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquela instituição que aderir ao Programa. Instituído sob a gestão do Ministério da Educação, o PROUNI tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais de 50% (cinquenta por cento), ou de 25% (vinte e cinco por cento), para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos. A bolsa de estudo integral será concedida a brasileiros não portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de um salário-mínimo e meio. As bolsas de estudoparciais de 50% (cinquenta por cento), ou de 25% (vinte e cinco por cento), cujos critérios de distribuição serão definidos em regulamento pelo Ministério da Educação, serão concedidas a brasileiros não portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de 3 (três) salários-mínimos, mediante critérios definidos pelo próprio Ministério da Educação. O Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Enviou, também, ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 3.627, de 20 de maio de 2004, que “institui o Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior.”. A partir deste ato, de acordo com Queiroz (2008), com base no Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira, do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, são as seguintes instituições universitárias que implantaram a Lei de cotas: Fundação de Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro; Centro Universitário Estadual da Zona Oeste; Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Universidade do Norte-Fluminense; Universidade de Minas Gerais; Universidade Estadual de Montes Claros; Universidade Federal de Juiz de Fora; Universidade Federal de São Paulo; Universidade Estadual de Campinas; Universidade Federal do ABC; Faculdade de Medicina S. J. do Rio Preto; Faculdade de Tecnologia de São Paulo; Universidade Federal de Brasília; Universidade Estadual de Goiás; Universidade Estadual do Mato Grosso; Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul; Universidade Federal do Paraná; Universidade Estadual de Ponta Grossa; Universidade Estadual de Londrina; Universidade do Estado da Bahia; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal do Recôncavo da Bahia; Universidade Federal de Alagoas; Universidade Federal do Pará. As pesquisas do referido Programa concluíram que, das 24 (vinte e quatro) IES que adotaram ações afirmativas para negros, 21 (vinte e uma) utilizaram o sistema de reserva de vagas e 03 (três) o sistema de pontuação adicional; 16 (dezesseis) universidades são estaduais; 08 (oito), federais; 07 (sete) adotaram ações afirmativas através de leis estaduais; 15(quinze), por decisões dos Conselhos Universitários; 01 (uma) tem um percentual destinado a mulheres negras e a autodeclaração (QUEIROZ, 2008). Ainda, segundo o autor, como forma de identificação dos candidatos e condições para concorrer ao sistema de cotas nas universidades: 06 (seis) delas exigem que o candidato seja negro e tenha uma determinada renda per capta máxima (critério socioeconômico); 14 (quatorze), que sejam negros e oriundos da rede pública de ensino; 04 (quatro) têm como pré-requisito serem negros, independentemente se oriundos da rede pública ou privada. O ponto mais polêmico da discussão é definir quem será beneficiado pelo sistema de cotas. A proposta original era destinar as vagas para quem se declarasse negro, ou pardo, no ato da inscrição do Vestibular. Tal recurso, o da autodeclaração, é hoje o mais defendido por quem apoia o sistema de cotas. Aqueles que a ele se opõem, no entanto, veem a auto declaração como muito subjetiva. Para Braga (2008), a inclusão da população negra no ensino superior é um dos temas mais debatidos no Brasil, nos últimos dez anos, tendo como ponto central a reserva de cotas para afrodescendentes nas universidades públicas. Esta vem sendo defendida, não somente pelo movimento negro, mas por vários professores e intelectuais. Não há discórdia quanto ao fato de que os negros estão em desvantagem nos exames de seleção para ingresso nas universidades públicas. Existem, porém, argumentos bem diferentes dos que defendem a política de cotas raciais, por acreditarem que medidas direcionadas para a questão socioeconômica seriam insuficientes para incluir, significativamente, os negros na educação terciária. Já os críticos da política de cotas raciais, em uma tentativa de manter intocável o processo de reprodução das elites estatais dirigentes, enfatizam que os beneficiários da política de cotas seriam, em grande parte, os negros ricos, o que afastaria ainda mais a população pobre do ensino superior, alimentando o racismo nessas camadas da população. Muggiati (2003) traz as considerações de Elizabeth Rasekoala, durante a Conferência “Inclusão Social na Ciência: Desafios e Oportunidades para Ação para a Mudança em Gênero, Raça e Desigualdade Socioeconômica”, durante a 55ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em julho de 2003, na cidade de Recife. Afirma Elizabeth que o sistema de cotas não promove inclusão social. Enquanto ativista formada no Reino Unido, a engenheira química nigeriana sempre se sentiu isolada, invisível e marginalizada na comunidade científica da Inglaterra. De acordo com ela, apesar de possuir PhD em sua área de atuação, é negra, africana e mulher. Em sua avaliação, o Brasil não deve adotar o modelo norte-americano de cotas, mas se voltar para o enfrentamento desta situação, como estão fazendo os países europeus, dentre eles a Inglaterra. Entende “a ansiedade das pessoas na busca de resolver o problema de forma imediata, através da criação das cotas”, mas considera “que a questão deve ser abordada onde a desigualdade se origina, ou seja, no início do sistema de ensino” (MUGGIATI, 2003). Na análise de Moehlecke (2004, p. 104) sobre a experiência da Universidade da Califórnia em Berkeley, “as políticas de ação afirmativa tiveram impacto positivo nas condições de vida da população negra e na diminuição das diferenças em termos de acesso à educação existente entre brancos e negros nos Estados Unidos”. Quanto à polêmica em torno da escolha por critérios sociais e raciais e a questão da qualidade, observa que, também nos Estados Unidos: [...] houve críticas e preocupações quanto à queda da qualidade de seus cursos com a introdução de ações afirmativas, mas estas foram respondidas com medidas equilibradas na seleção dos alunos e sérios programas de acompanhamento dos mesmos nos cursos, fazendo com que a UCB se mantivesse sempre no ranking das melhores universidades do país. (MOEHLECKE, 2004, p. 105). A Cepal 2007 apoia as ações afirmativas, amplamente utilizadas em toda a região (como o PROUNI no Brasil), principalmente no combate à desigualdade que, como sabemos, tem forte correlação com a pobreza. Conforme assinalou recentemente a Cepal, a construção de um novo pacto de coesão social na América latina e no Caribe é um elemento fundamental dessa tarefa e a grande desigualdade social que subexiste, seu grande obstáculo. Em tal sentido, esse novo contrato de coesão social deve incluir, de forma explícita, políticas educacionais que enfrentem, de maneira ativa, o problema da desigualdade social, por meio de ações afirmativas que compensem as desvantagens dos estudantes mais pobres e melhorem a qualidade dos processos de aprendizagem, minimizando a forte estratificação que persiste nos sistemas educativos (CEPAL 2007, p. 189). 1 Tradução da autora. Pode-se, assim, afirmar com Rawls (1997) que a justiça distributiva só pode ser alcançada, quando forem satisfeitos os dois princípios de justiça, isto é, o da liberdade igual e o da igualdade equitativa de oportunidades. Nessa concepção, as cotas nas universidades aparecem como uma tentativa de reverter a injustiça que acompanha a história da sociedade brasileira, qual seja, a exclusão de uma grande parcela da sociedade, em busca de condições para elevar seu patamar social, cultural e econômico.Segundo Gomes (2001), Menezes (2001), Guimarães (1997), Walters (1997), as bases filosóficas das políticas afirmativas são a justiça distributiva e a justiça compensatória. Na visão de Gomes (2001, p. 40): [...] as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais, como a educação e o emprego. Menezes (2001, p. 27) define ação afirmativa como: [...] é um termo de amplo alcance que designa o conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam favorecer grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores condições de competição em qualquer sociedade em razão, na maior parte das vezes, da prática de discriminações negativas, sejam elas presentes ou passadas. Colocando se de outra forma, pode-se asseverar que são medidas especiais que buscam eliminar os desequilíbrios existentes entre determinadas categorias sociais até que eles sejam neutralizados, o que se realiza por meio de providências efetivas em favor das categorias que se encontram em posições desvantajosas. Entende Guimarães (1997, p.154) que essas ações vão além da dimensão redistributiva, “a novidade das ações afirmativas como políticas públicas, uma vez que elas 1 Como señaló recientemente la Cepal, la construcción de un nuevo pacto de cohesión social en América Latina y el Caribe es un elemento fundamental de esa tarea, y la gran desigualdad social que subsiste, su gran obstáculo. En dicho sentido, este nuevo contrato de cohesión social debe incluir en forma explícita políticas educacionales que enfrenten de manera activa el problema de la desigualdad social, por medio de acciones afirmativas que compensen las desventajas de los estudiantes más pobres y mejoren la calidad de los procesos de aprendizaje, aminorando la fuerte estratificación que persiste en los sistemas educativos (CEPAL 2007, p.189). podem prevenir que pessoas pertencentes a grupos com grande probabilidade estatística de serem discriminados ou indivíduos de certos grupos de risco tenham seus direitos alienados.” Em Walters (1997), o conceito de ação afirmativa não indica qualquer técnica de implementação dessas ações, mas sim um fundamento filosófico que visa a corrigir os efeitos da discriminação racial sofrida, no passado, pelos ascendentes dos indivíduos pertencentes ao grupo racial negro, entre outros grupos historicamente marginalizados. Munanga (2003) afirma que as políticas de ação afirmativa são recentes na história da ideologia antirracista. Comenta, também, que, nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Índia, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia, Malásia foram estabelecidas com o objetivo de proporcionar aos grupos discriminados e excluídos um tratamento diferenciado, como medida compensatória das desvantagens resultantes do racismo. Para Moehlecke (2002), a expressão ação afirmativa possui uma carga semântica cujos significados se amoldam às circunstancias históricas, refletindo os debates e experiências dos países em que foram desenvolvidos. Esta expressão, proveniente dos Estados Unidos, simbolizava, nos meados do século passado, as reivindicações democráticas internas, expressas principalmente no movimento pelos direitos civis, na busca da extensão da igualdade de oportunidades a todos. O assunto expandiu-se para outras regiões – Europa Ocidental, na Índia, Malásia, Austrália, Canadá, Nigéria, África do Sul, Argentina, Cuba, dentre outros –, sempre na perspectiva de afirmar e assumir compromissos sociogovernamentais para o público-alvo ou grupos humanos em situações de exclusão, sob a ótica do gênero, da raça ou das oportunidades de trabalho e estudo para os menos favorecidos (MOEHLECKE, 2002). Defende, ainda, Moehlecke (2002, p.199) que, para dar representatividade política, “a ação afirmativa também envolveu práticas que assumiram desenhos diferentes. O mais conhecido é o sistema de cotas, que consiste em estabelecer um determinado número ou percentual a ser ocupado em área específica por grupo(s) definido(s), o que pode ocorrer de maneira proporcional ou não, e de forma mais ou menos flexível”. Um consenso, no entanto, é entendido pela maioria de estudiosos: a ação afirmativa consiste em promover a representação política de grupos ou categorias de pessoas em situação de desvantagem, tendo como função precípua promover oportunidades iguais de acesso aos bens sociais. Em Wedderburn (2005), o conceito de ação afirmativa teve sua origem na Índia, antes de sua independência. Entende o Autor que existe uma verdadeira cegueira política e social que deixa milhões de pessoas, que deveriam estar estudando e produzindo riquezas para todos, fora do sistema: [...] em termos puramente econômicos e financeiros, a incorporação ativa dos segmentos marginalizados à economia representa um bem absoluto, mesmo na perspectiva do lucro, que é, em definitivo, o mecanismo propulsor da dinâmica capitalista. É por isso que a globalização capitalista implica também certa adaptação dos mecanismos econômicos mundiais à diversidade cultural, étnica, religiosa e racial do planeta (WEDDERBURN, 2005, p. 333). Ainda, na análise do autor, os Estados Unidos figuram no mundo como o primeiro país a legalizar e implementar propostas de ação afirmativa, pressionados pela luta dos negros norte-americanos por direitos civis. Uniram-se os negros, índios, mulheres, idosos, deficientes físicos, homossexuais e transexuais, como também, os imigrantes do “Terceiro Mundo” (principalmente latino-americanos e asiáticos). O movimento negro norte-americano expandiu a luta de todos esses segmentos nos países do “Primeiro Mundo”, principalmente a do movimento feminista europeu nos anos 70. Segundo Holanda (2008, p. 37), na percepção de Gomes (2005, p. 45-79): [...] a noção de igualdade como categoria jurídica de primeira grandeza, emergiu como princípio jurídico incontestável em constituições promulgadas logo após as revoluções do final do século XVIII. Consequentemente, a partir do pioneirismo revolucionário da França e dos Estados Unidos foi se construindo o conceito de igualdade diante da lei, uma edificação jurídico-formal, conforme a qual a lei, genérica e abstrata, deve ser igual para todos, sem nenhuma diferença, ou privilégio, devendo ser aplicada com neutralidade seja sobre conflitos individuais ou situações jurídicas concretas. Parece existir um consenso em torno daquilo a que se destinam as ações afirmativas, no sentido de reduzir as desigualdades e de promover uma justiça social voltada aos grupos socialmente discriminados e alijados do sistema. Todos os autores relacionados acima, que discutem o tema, estão, na realidade, demonstrando que elas funcionam como um mecanismo de inclusão social para tais grupos. Com essas ações, o Estado pretende atender a uma de suas finalidades, ou seja, a promoção da justiça distributiva. Torna-se importante destacar que as cotas precisam ser encaradas como uma medida emergencial, e não como solução definitiva, para o enfrentamento do problema da exclusão, pois seu principal mérito é trazer a questão para o centro do debate em relação às desigualdades. Entende Rawls de que a justiça só poderá ser alcançada se buscarmos a igualdade de oportunidades, bem como a minimização das desigualdades preexistentespor meio da justiça distributiva. A Política Pública de cotas em Universidades públicas vem ao cenário brasileiro exatamente com este objetivo, diminuir as desigualdades, na busca da inclusão social. Para ele a igualdade de oportunidades só pode ser efetivada a partir do momento em que todos se beneficiem das mesmas condições formais de educação, saúde e alimentação, dentre outros bens primários. Quando todos possuírem o mesmo acesso, pelo menos aos bens básicos, aí sim teremos uma condição inicial Justa, o que não significa que não haverá mais desigualdade, mas sim, que a mesma será pelo menos aceitável para os que se encontram na base da pirâmide social (Rawls,1997). Na percepção daquele filósofo, é por meio de uma educação essencialmente pública que os talentos naturais e as habilidades poderão aflorar: talentos naturais de vários tipos (inteligência inata e aptidões naturais) não são qualidades naturais fixas e constantes. São meramente recursos potenciais, e sua fruição só se torna possível dentro de condições sociais; quando realizados, esses talentos adotam apenas uma ou poucas das muitas formas possíveis. Aptidões educadas e treinadas são sempre uma seleção, e uma pequena seleção, ademais, de uma ampla gama de possibilidades. Entre os fatores que afetam sua realização estão atitudes sociais de estimulo e apoio, e instituições voltadas para seu treinamento e uso precoce. Não só nossa concepção de nós mesmos e nossos objetivos e ambições, mas também nossas aptidões e talentos realizados refletem nossa historia pessoal, nossas oportunidades e posição social, e a influencia da boa ou má sorte (RAWLS, 1997: p.79, 80). As bases da política de educação encontram-se na tese de doutorado da autora, intitulada “A política de cotas em universidade e inclusão social: desempenho de alunos cotistas e sua aceitação no grupo acadêmico” e os resultados da pesquisa realizada entre 2009 e 2010, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, onde a política de cotas teve sua primeira e mais cuidadosa experiência. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no art. 196, a saúde como “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). A Constituição de 1988 instituiu ainda a criação do SUS, organizado em torno de três diretrizes: descentralização, atendimento integral e participação da comunidade (art. 198). As competências do SUS estão descritas no art. 200 da Constituição Federal, dentre as quais se destaca ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde (art. 200). Mesmo com esta previsão constitucional, observamos que muito ainda tem a se aprimorar no campo da saúde pública no Brasil. Conforme afirmação de Roncalli (2003) é comum ser reportado nos meios de comunicação a falência do sistema público de saúde, sua ineficácia e ineficiência ilustradas nas grandes filas e nos atendimentos em macas espalhadas pelos corredores dos hospitais públicos. Entretanto, este quadro certamente não surgiu da noite para o dia e muito menos é resultado de ações realizadas em curto prazo, de acordo com o mesmo autor (Idem, 2003). Vamos apresentar um breve histórico de como se deu o desenvolvimento das políticas públicas no Brasil, da proclamação da República até o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas à compreensão de como a questão é tratada por parte do Estado. Antes, é preciso estabelecer uma breve definição acerca de políticas públicas. Souza (2006) afirma não existir uma única e nem uma melhor definição sobre políticas públicas. A autora cita várias definições como a de Mead (1995) 2 que diz ser políticas públicas um campo de estudo dentro da política que analisa o governo à luz de questões públicas; e a de Peters (1986) 3 , que fala de políticas públicas como a soma das atividades dos governos que agem, diretamente ou por meio de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Ainda conforme Souza (2006), a uma definição resumida do que são as políticas públicas: Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus 2 MEAD, L. M. “Public Policy: Vision, Potential, Limits”, Policy Currents, fevereiro: 1-4. 1995. 3 PETERS, B. G. “Review: Understanding Governance: Policy Networks, Governance, Reflexivity and Accountability by R. W. Rhodes”, Public Administration 76: 408-509. 1998. propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (Souza, 2006, p. 26). HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL De acordo com Bravo (2001), a intervenção do Estado brasileiro na saúde só ocorre no século XX, mais efetivamente na década de 30. Antes, no século XVIII, a assistência médica era pautada na filantropia e na prática liberal. Durante o século XIX, em decorrência das transformações econômicas e políticas, algumas iniciativas surgiram no campo da saúde pública, como a vigilância do exercício profissional e a realização de campanhas limitadas. No começo do século XX, surgem algumas iniciativas de organização do setor saúde, que serão aprofundadas a partir de 30. Kligerman (2000) afirma que no período compreendido entre a proclamação da República até o os anos 70, a política pública de saúde brasileira era pautada na necessidade de controle de doenças infectocontagiosas, o que estimulou o modelo sanitarista. No início do século XX, o Brasil possuía uma economia agroexportadora, voltada para a produção de café. Sendo assim, conforme relata Roncalli (2003), nos primórdios da República, as primeiras preocupações do Estado brasileiro eram com os portos, os principais espaços de circulação de mercadorias, daí a realização de ações voltadas ao saneamento dos portos e da cidade do Rio de Janeiro, bem como combate à febre amarela em São Paulo. No que tange às ações voltadas ao assistencialismo, o surgimento de um modelo de prestação de serviços de assistência médica esteve condicionado ao amadurecimento do sistema previdenciário brasileiro, que teve como marco inicial as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP), criadas pela Lei Elói Chaves, de 24 de janeiro de 1923. As CAP eram mantidas pela União, pelas empresas empregadoras e empregados. Seus benefícios eram proporcionais às contribuições e eram previstos como assistência médico-curativa, aposentadoria por tempo de serviço, auxílio funeral, entre outros (BRAVO, 2006). Entretanto, nem todos os grupos de trabalhadores assalariados da época dispunham das CAP nas empresas em que trabalhavam. Ainda de acordo com o relato da autora, os trabalhadores de vinculados ao setor urbano voltado à exportação foram os mais combativos politicamente e os primeiros a obterem os benefícios das Caixas em suas empresas, o que corrobora com a ideia que o Governo neste período dava prioridade às organizações cujas atividades estavam voltadas ao escoamento de produtos. Já a partir da década de 30, surgem os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP), cuja organização era feita por categoria profissional. São exemplos de institutos o IAPM (Institutode Aposentadoria e Pensão dos Marítimos), o IAPC (dos comerciários, entre outros. Foi um período de contenção de gastos, marcado pela acumulação previdenciária e participação dos IAP em investimentos de interesses do governo. (RONCALI, 2003). Bravo (2006) comenta que durante este período houve uma preocupação maior da previdência em acumular reservas financeiras do que com a ampla prestação de serviços de assistência. Ainda na década em questão, houve a criação do Serviço Nacional de Febre Amarela, dos Serviços de Malária do Nordeste e da Baixada Fluminense, representando assim o auge da campanha sanitarista no Brasil iniciada no princípio do século XX. A Política Nacional de Saúde, que se esboçava desde 1930, foi consolidada no período de 1945-1950. O Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) 4 foi criado durante a 2ª Guerra Mundial, em convênio com órgãos do governo americano e sob o patrocínio da Fundação Rockfeller. No final dos anos 40, com o Plano Salte, de 1948, que envolvia as áreas de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia, a saúde foi posta como uma de suas finalidades principais. O plano apresentava previsões de investimentos de 1949 a 53, mas não foi implementado. Até 1964, apesar de pequenas melhorias nas condições sanitárias, o país não conseguiu eliminar as altas taxas de morbidade e mortalidade infantil, assim como a mortalidade geral (BRAVO, 2006). Ainda de acordo com Bravo (2006), a estrutura de atendimento hospitalar de natureza privada, com fins lucrativos, já estava montada a partir dos anos 50 e apontava na direção da formação das empresas médicas. A corporação médica ligada aos interesses capitalistas do setor era, no momento, a mais organizada e pressionava o financiamento através do Estado, da produção privada defendendo claramente a privatização. Entretanto, apesar das pressões, a assistência médica previdenciária até 1964 era fornecida basicamente pelos serviços próprios dos Institutos. As formas de compra dos serviços médicos a terceiros aparecem como minoritárias e pouco expressivas no quadro geral da prestação da assistência médica pelos institutos. Esse 4 O Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), cujo objetivo era realizar ações sanitárias nas regiões mais afastadas o território brasileiro, em especial a região amazônica, onde se desenvolvia a produção de borracha (CUNHA & CUNHA, 1998 apud RONCALI, 2003). cenário foi mantido até o ano de 1964, quando o regime ditatorial se iniciou na história de nosso país. A ditadura civil-militar instaurada no ano de 1964 fez com que ocorressem mudanças no rumo do sistema previdenciário brasileiro. Houve um esvaziamento da participação da sociedade nos rumos da previdência. Este regime trouxe uma centralização crescente da autoridade decisória, que ficou marcada pela criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que nada mais foi que a união dos IAP criados na era Vargas (Oliveira & Teixeira, 1985 5 , Mendes, 1993 6 , apud Roncalli). Na primeira fase da ditadura brasileira, as ações voltadas às políticas públicas de saúde do governo brasileiro ficaram caracterizadas por uma síntese, produto de reorganizações setoriais do sanitarismo campanhista do inicio do século XX com as ações voltadas à atenção médica previdenciária do movimento populista do Governo de Getúlio Vargas (Luz, 1991 7 , apud Roncalli, 2003). Já nas palavras de Bravo (2006), o Estado utilizou para sua intervenção o binômio repressão-assistência, sendo a política assistencial ampliada, burocratizada e modernizada pela máquina estatal com a finalidade de aumentar o poder de regulação sobre a sociedade, suavizar as tensões sociais e conseguir legitimidade para o regime, como também servir de mecanismo de acumulação do capital. A Previdência Social foi utilizada pelo Governo da época para atender os interesses do capital nacional e internacional. O Estado se consolidou como gerenciador do sistema de seguridade social na medida em que aumentou seu poder nas questões econômicas e políticas, seja pelo aumento nas alíquotas, seja pela extinção da participação dos usuários do sistema previdenciário, antes permitido na vigência das CAP e dos IAP (Oliveira & Teixeira, 1985; Mendes, 1993, apud Roncalli, 2003). Um fato importante no âmbito das Políticas Públicas de Saúde no Brasil no regime da ditadura foi a promulgação do Decreto-Lei 200/1967 que dispõe sobre a organização da Administração Pública Federal e estabelece diretrizes para a Reforma 5 OLIVEIRA, J.A.A., TEIXEIRA, S.M.F. (In) Previdência social. 60 anos de história da previdência no Brasil. Vozes-Abrasco, Petrópolis/Rio de Janeiro, 1985. 6 MENDES, E.V. As políticas de saúde no Brasil nos anos 80: a construção da Reforma Sanitária e a construção da hegemonia do projeto neoliberal. In: _____. Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo/Rio de Janeiro: HUCITEC/ABRASCO, 1993. p. 19-91. 7 LUZ, M.T. Notas sobre as políticas de saúde no Brasil de “transição democrática”- anos 80. PHYSIS. v. 1. n. 1, p. 77-96, 1991. administrativa. Neste Decreto-lei são estabelecidas as áreas de competências do Ministério da Saúde 8 , quais sejam: a formulação e coordenação das políticas nacionais de saúde; responsabilidade pelas atividades médicas ambulatoriais e ações preventivas em geral; controle de drogas, alimentos e medicamentos e; pesquisa médico-sanitário (BRASIL, 1967). Entretanto, o Ministério da Saúde tornou-se um órgão muito mais voltado às ações de cunho burocrático-normativo do que um órgão executivo de políticas públicas de saúde. Isso porque o Governo Federal destinava poucos recursos a este ministério, optando, na prática, por uma política de fomento à medicina curativa, financiada com os recursos das contribuições dos trabalhadores para o INPS (POLIGNANO, 2000). Indo mais além no discurso, Carvalho e Goulart (1998) 9 apud Roncalli (2003), afirmam que a lógica de prestação de assistência à saúde pelo INPS privilegiava a compra dos serviços prestados pelas grandes corporações médicas privadas, assim como pelos laboratórios multinacionais fabricantes de medicamentos, estabelecendo-se, assim, o que os autores chamam de “Complexo Previdenciário Médico Industrial”. Desta forma, o governo utilizava a estratégia de compra dos serviços médico-hospitalares de prestadores de serviços privados sob a justificativa de que era mais barato e tecnicamente viável. Cabe ressaltar que durante este período, a Previdência Social foi a responsável pelo financiamento a fundo perdido de construção e reforma de diversas clínicas e hospitais particulares no Brasil, objetivando um aumento no número de leitos, o que, nas palavras dos autores acima citados, se tratava de uma “uma perversa conjugação entre estatismo e privatismo”. Essa lógica levou posteriormente o sistema previdenciário à falência, pois além do financiamento dos hospitais particulares, o INAMPS garantiu o pagamento dos pacientes atendidos por eles. Quando os donos dos referidos hospitais se descobriram capitalizados, eles se descredenciaram do INAMPS, deixando a população sem a devida assistência médica 10 . 8 O Ministério da Saúde veio a ser instituído no dia 25 de julho de 1953, com a Lei nº 1.920, que desdobrou o então Ministério da Educação e Saúde em dois ministérios: Saúde e Educação e Cultura. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/area.cfm?id_area=126>. Acesso em 02/07/2013. 9 CARVALHO, A.I.,GOULART, F.A.A (Orgs.). Gestão de saúde: curso de aperfeiçoamento para dirigentes municipais de saúde: programa de educação à distância. Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ, Brasília: UnB, 1998. 3v., v.1. 10 Vide o documentário "POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL: Um século de luta pelo direito à saúde". Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=cSwIL_JW8X8>. Acesso em 30/05/2013. No final dos anos 70, grupos de intelectuais e profissionais da saúde, assim como os partidos políticos de oposição começaram a lutar por políticas de saúde que atendessem a toda população de maneira equânime e universalista, além de propor a descentralização do processo decisório para esferas municipais e estaduais e a democratização dos poderes locais através dos Conselhos de Saúde. Este movimento ficou conhecido como “Movimento Pela Reforma Sanitária”. A saúde deixou de ser de interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada à democracia (BRAVO, 2006). Nas palavras de Roncalli (2003, pág. 32): No bojo das lutas por políticas mais universalistas e do processo de abertura política em fins dos anos 1970, o movimento dos profissionais de saúde e de intelectuais da área de saúde coletiva por mudanças no modelo se amplia. Com o crescimento da insatisfação popular, personificada, politicamente, na vitória da oposição em eleições parlamentares, este movimento, que ficou conhecido como Movimento pela Reforma Sanitária, se amplia mais ainda com a incorporação de lideranças políticas sindicais e populares e também de parlamentares interessados na causa. Em 1979 acontece o I Simpósio Nacional de Política de Saúde, cuja condução ficou a cargo da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. Lá foi discutida uma proposta de reorganização do sistema de saúde, feita pelo Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES), a qual já fazia menção a um sistema único de saúde (Teixeira, 1989 11 ; Werneck, 1998 12 apud Roncalli, 2003). Na tese apresentada por Moraes (2012), temos que, em 1982 o Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), criado no ano anterior, propôs um plano de reorientação da assistência à saúde no âmbito da previdência social, concretizado por meio das Ações Integradas de Saúde (AIS), responsáveis pela representação da possibilidade de melhor articulação entre as instituições públicas de saúde e de planejamento integrado, propiciando a incorporação dos setores público e privado nas atividades de planejamento que romperiam com a concepção dominante da dicotomia entre serviços/ações preventivas e curativas, ainda que o enfoque do planejamento se vinculasse estritamente à capacidade instalada de 11 TEIXEIRA, S. M. F. (Org.). Reforma Sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: Cortez, 1989 (Pensamento Social e Saúde, v.3). 12 WERNECK, M.A.F. A reforma sanitária no Brasil. In: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia Curricular para formação do Atendente de Consultório Dentário para atuar na Rede Básica do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 1998. 2v., v.2. p.247-60. assistência individual (ROSA; LABATE, 2005 13 apud Moraes 2012). Com o plano do CONASP, os princípios de resgate do serviço público de saúde foram reforçados. Para Bravo (2006), um fato marcante para a discussão da saúde pública no Brasil foi a realização da 8ª Conferência Nacional da Saúde, realizada em março de 1986 em Brasília/DF. Esta Conferência representou um marco, pois introduziu no cenário da discussão da saúde a sociedade. A referida Conferência foi fundamental para a elaboração político-ideológica do projeto de reforma sanitária e definiu três aspectos fundamentais: um conceito abrangente de saúde; a saúde como direito de cidadania e dever do Estado; e a instituição de um Sistema Único de Saúde. Neste contexto foi criado, em 1987, o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que correspondia a um convênio do INAMPS com as Secretarias Estaduais de Saúde. Como sua implementação se dava por meio da celebração de convênio, a participação da Secretaria Estadual de Saúde, ou seja, do Governo do Estado, era opcional. Caso o Estado não concordasse em participar do SUDS, o INAMPS continuaria executando suas funções. (Mendes, 1999 apud Moraes, 2012). A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS. A Constituição Federal de 1988 foi um marco no processo de redemocratização na sociedade brasileira. O país vinha de um período de mais de vinte anos de ditadura militar e de várias restrições aos direitos individuais e sociais. A carta Magna 1988, em seu art. 6º, inseriu no a saúde no rol dos direitos sociais, junto a direitos tais outros como moradia, educação, segurança e previdência social (BRASIL, 1988). Cabe atentar para o fato que o próprio art. 6º contempla a saúde e a previdência social como direitos sociais distintos, o que, no entanto, não quer dizer que tais direitos estejam dissociados. O art. 198, § 1º da CF/1988 reforça que o sistema único de saúde será financiado, entre outras fontes, com recursos do orçamento da seguridade social. O Sistema Único de Saúde (SUS) é formado pelo conjunto de todas as ações e serviços de saúde que são prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta, indireta e das fundações mantidas pelo 13 ROSA, W. A. G.; LABATE, R. C. Programa saúde da família: a construção de um novo modelo de assistência. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 13, n. 6, p. 1027-1034, 2005. poder público. À iniciativa privada é permitida a participação de maneira complementar, por meio de convênios (BRASIL, 2000). Kligerman (2000) afirma que o Brasil jamais havia contado com um sistema de saúde estruturado e que o SUS foi a primeira tentativa em toda a história em montá-lo. Ele foi definido no âmbito da Constituição de 1988 e, no ano 1990 se dá a sua implementação, por meio da criação de duas Leis Orgânicas da Saúde a Lei nº. 8.080, de 1990 e a Lei nº. 8.142, de 1990. Andrade (2001) considera estas duas leis infraconstitucionais, por disciplinarem de forma legal o cumprimento da proteção e a defesa da saúde assegurada na Constituição. Estas leis estabelecem normas, entre outros aspectos, os princípios doutrinários e organizativos do SUS: os princípios doutrinários são expressos através da integralidade, universalidade e equidade. Os organizativos dizem respeito à descentralização com comando único, à regionalização, à hierarquização e à participação popular (LUCIETTO, 2005, p. 73). De acordo com o princípio da universalidade “o indivíduo passa a ter direito de acesso a todos os serviços públicos de saúde, assim como àqueles contratados pelo poder público”, ou seja, é a garantia à assistência à saúde a todas as pessoas por parte do sistema. Já o princípio da equidade consiste em “assegurar ações e serviços de todos os níveis de acordo com a complexidade que cada caso requeira”, o que significa dizer que “todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido conforme suas necessidades”. Quanto ao princípio da integralidade, “cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade” e que “as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formam também um todo indivisível e não podem ser compartimentalizadas”, assim, por este princípio, o homem é concebido como “um ser integral, biopsicossocial e deverá ser atendido com esta visão integral por um sistema de saúde também integral, voltado a promover, proteger e recuperar sua saúde” (BRASIL, 1990, p. 4-5). Conforme Roncalli (2003),uma consequência do princípio da integralidade na organização da assistência é a estruturação de diferentes níveis de complexidade, o que compõe uma rede hierarquizada. Desta maneira, temos entre os princípios organizativos do SUS a hierarquização e a regionalização. Como descreve o Ministério da Saúde: (...) Os serviços devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente, dispostos numa área geográfica delimitada e com a definição da população a ser atendida. Isto implica na capacidade dos serviços em oferecer a uma determinada população todas as modalidades de assistência, bem como o acesso a todo tipo de tecnologia disponível, possibilitando um ótimo grau de resolubilidade (solução de seus problemas). O acesso da população à rede deve se dar através dos serviços de nível primário de atenção que devem estar qualificados para atender e resolver os principais problemas que demandam os serviços de saúde. Os demais deverão ser referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica (BRASIL, 1990, p. 5). A rede de serviços de saúde, de forma organizada e hierarquizada, permite melhor análise e conhecimento dos problemas de saúde da população da área delimitada, o que favorece ações voltadas à vigilância epidemiológica, controle de pragas e vetores, educação em saúde, além de ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade (BRASIL, 1990). Quanto ao princípio da participação dos cidadãos, também chamado por Roncalli (2003) de controle social, é considerado pelo autor em comento como a “corporificação do processo de democratização das políticas públicas”. De acordo com Vargas (2008), O Controle Social se organiza a partir dos Conselhos de saúde, estabelecidos nas esferas federal, estadual e municipal. Traz como peculiaridade a participação do Estado (gestores, trabalhadores e prestadores de serviços) e da sociedade. Atualmente se configura como uma instância de participação popular com caráter deliberativo sobre os rumos da política de saúde nas três esferas de governo. Já a Descentralização no âmbito do SUS é a redistribuição das responsabilidades quanto às ações e serviços de saúde nas esferas governamentais. Parte do pressuposto que a realidade local é a determinante principal para o estabelecimento de políticas públicas de saúde. Sendo assim, definem-se as áreas de atuação de cada ente da administração direta, quais sejam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sendo que cabe a estes últimos a maior parcela de responsabilidade na promoção das ações de saúde voltadas ao cidadão. A este direcionamento das ações de saúde para a esfera municipal se dá o nome de municipalização da saúde (BRASIL, 1990; RONCALLI, 2003). A discussão sobre o tema descentralização gera bastante polêmica no meio acadêmico, pois se trata de um processo complexo e gradual que está presente em vários campos disciplinares. Guimarães (2002) citando Penfold-Becerra (1998) 14 lembra que a descentralização pode ser tratada de diferentes formas. Cita como exemplos a descentralização do ponto de vista das ciências políticas, que seria um mecanismo democrático que permite a autonomia política dos níveis locais e regionais e a 14 PENFOLD-BECERRA, M. Towards a Political Theory of Decentralization: Passing the Ball in Venezuela, 1998 [online]. Disponível em map43@columbia.edu. Acesso em 18 de novembro de 1998. descentralização do ponto de vista das ciências econômicas que a enxerga como a transferência de responsabilidade das atividades econômicas públicas para o setor privado. No campo da administração pública, a descentralização é vista como uma política para se diluir o poder decisório e administrativo dentro das agências públicas centrais, por intermédio de desconcentração, que se configura na transferência de responsabilidade administrativa sobre serviços básicos públicos do nível nacional para governos regionais e locais. Para corroborar a complexidade da definição acerca de descentralização, Silva (1996) relata que o termo „Descentralização‟ tem sido relacionado de maneira equivocada a outros conceitos tais como desconcentração, delegação e privatização. Para a autora, a diferença entre descentralização e desconcentração é que a primeira refere-se à redistribuição do poder político, ou seja, a transferência do centro de decisões para outras esferas, enquanto a segunda diz respeito à distribuição territorial de atividades, com delegação de atribuições, sem o deslocamento do poder decisório sobre as mesmas. Ela conclui que descentralização tem um caráter mais político enquanto a desconcentração, um caráter mais administrativo e que, neste sentido, a municipalização, conforme proposto pelo SUS, se encaixa ao conceito de descentralização. Ao conceituar delegação, Roncalli (2003) afirma que neste caso se estabelece uma relação entre Estado e sociedade civil e a transferência de responsabilidades se dá entre o Estado e organizações não governamentais que continuam com regulação e financiamento estatais. É o que se chama atualmente de publicização, ou seja, uma entidade não estatal de caráter público exercendo funções antes restritas ao Estado. Ele cita como exemplo de delegação, as organizações sociais. A privatização consiste na transferência de empresas estatais para a iniciativa privada. Trata-se, literalmente, da venda do patrimônio público. Em escala mundial e também com exemplos no Brasil, as maiores iniciativas de privatização ocorrem na área de siderurgia, transportes aéreos, telecomunicações etc. (Mendes, 1998). O SUS E A REFORMA DO ESTADO Na década de 90, o nosso país acompanhou um redirecionamento do papel do Estado na sociedade, influenciado pela política de ajuste Neoliberal. (BRAVO, 2006). Nas palavras de Drago (2011), o contexto social, político e econômico nos anos seguintes à promulgação da Constituição Federal é permeado pelo refluxo das forças democráticas, retração do Estado no financiamento e na implementação de políticas sociais, assim como na flexibilização e desregulamentação do trabalho. Ao conjunto de medidas neoliberais adotadas pelo Estado, dá–se o nome de contrarreforma do Estado. (BEHRING, 2003 15 apud DRAGO, 2011). Ainda de acordo com Drago (2011), a contrarreforma trata-se de uma reformatação do Estado de forma a adaptá-lo ao capital. A autora, mencionando Nogueira (1998) 16 , destaca que o processo de modernização capitalista no Brasil culminou com a hipertrofia do Estado e o favorecimento deste em prol de apenas uma classe – a burguesa. Nessa perspectiva, floresce a crença de que a reforma do Estado deve se dar no caráter quantitativo, fiscal, financeiro e gerenciador, em detrimento do político, participativo e democrático. (NOGUEIRA, 1998 apud DRAGO, 2011). O cenário propício para a discussão da reforma do Estado no Brasil começou a se estruturar durante o governo do presidente Fernando Collor, no início da década de 90, influenciada pelos antecedentes de crise econômica e impasses sociais no processo de democratização. Entretanto, o tema ganhou força durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1995 (DRAGO, 2011). Partindo da premissa que o Estado não dispõe de competência para a prestação de bens e serviços e que o setor privado tem condições de realizá-los de maneira eficiente, o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE, 1995), proposto pelo então Ministro do MARE Luiz Carlos Bresser Pereira, propunha que o Estado desempenhasse a função de promotor e regulador de políticas sociais, em vez de ser o responsáveldireto pelas mesmas. Sendo assim, a reforma visava a redefinição do papel do Estado, passando este de produtor de bens e serviços para gestor e fiscalizador, promovendo e regulando o desenvolvimento econômico e social, assim como visava uma transição de um tipo de administração pública burocrática, com foco no controle interno, para uma administração pública gerencial, voltada para o atendimento do cidadão (BRASIL, 1995). O PDRAE mencionava ainda que as atividades tidas como não exclusivas do Estado, mas que deveriam ser subsidiadas pelo mesmo, tais como saúde, educação e produção de ciência e tecnologia, poderiam ser realizadas tanto pelo setor privado 15 BEHRING, E.R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e historia. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2008. (Biblioteca Básica de Serviço Social; v.2). 16 NOGUEIRA, M.A. As possibilidades da política – idéias para a reforma democrática do Estado. São Paulo: Paz e Terra, 1998. quanto pelo setor público não estatal, ou seja, âmbito das Organizações Sociais (OS). Este modelo de “descentralização” das atividades no setor de prestação de serviços não exclusivos no Estado ganhou o nome de “publicização”. (BRASIL, 1995; BRESSER- PEREIRA, 2000; RONCALLI, 2003). Acerca de Organizações Sociais, a melhor definição é observada no trabalho de Ibañez et Al (2001, p. 392): organização social é caracterizada como entidade de interesse social e de utilidade pública, associação civil sem fins lucrativos, e surgiria pela qualificação de pessoas jurídicas de direito privado nas atividades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde, podendo, ainda, ser criada a partir da substituição de órgão público de qualquer figura jurídica, pela extinção da instituição e dos cargos públicos vagos e em comissão, com inventário do patrimônio. Quanto à sua natureza jurídica, as OS são regidas pela lei 9.637/98. São pessoas jurídicas de direito privado sem finalidade lucrativa qualificada pelo poder público para exercer atividade pública descentralizada. O regime de contratação de funcionários é feito por meio da CLT, sem a necessidade de realização de concurso público. As OS dispõem de privilégios tributários (IBAÑEZ & VECINA NETO, 2007). No âmbito das políticas públicas de saúde, o Sistema Único de Saúde teve algumas de suas principais características, tais como a universalidade, integralidade e garantia de saúde como direito social, questionadas por defensores do Neoliberalismo. Como prova de tal questionamento, houve uma tentativa de remeter o direito à saúde a uma legislação complementar na época da revisão constituinte, fato este que eliminaria a saúde do rol dos direitos elencados no art. 6º da Constituição promulgada em 1988 e que abriria uma brecha à implementação de modelos de saúde privados (RONCALLI, 2003; MENEZES, 2011). Durante a década de 90 e nas décadas seguintes, podemos observar várias tentativas de reforma na prestação de serviços públicos de saúde pública. Um destes modelos são as Organizações Sociais em Saúde (OSS), padrão que vem sendo utilizado no Estado de São Paulo e que está sendo implementado no Estado do Rio de Janeiro. O instrumento que garante a administração gerencial descentralizada, de acordo com Ibañez et al (2001), é o contrato de gestão entre o poder público e a OSS, prevendo multas, resultados, prestação de contas, processos de fiscalização, dentre outros itens capazes de gerar indicadores de resultados. O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público, assim como alguns autores, têm criticado a transferência a terceiros dos serviços públicos relacionados aos direitos sociais. Nas palavras de Weichert (2009, p. 84): (...) o repasse a particulares da atividade típica de Estado na saúde resultou, em vários casos: em desvio nas prioridades do SUS (a atividade preventiva é preterida pelos agentes particulares), na instituição de portas duplas de atendimento (SUS e planos de saúde, com prejuízo ao primeiro), na supressão do concurso público para acesso à carreira, em desvio de recursos, em falta de transparência etc. O modelo OS/OSCIP/Fundação de Apoio no SUS vem recebendo reiteradas críticas do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. Outro modelo recente proposto com o objetivo de promover uma reforma no atendimento de saúde, assim como substituir o modelo das Organizações Sociais, foi a proposta de instituição das Fundações Estatais no âmbito do SUS. Proposta pelo Governo Federal em 2007, por meio do Projeto de Lei Complementar 92/2007, tais fundações teriam como objetivo flexibilizar e dar mais autonomia à gestão de atividades não exclusivas do Estado, como a saúde e educação, e também permitiriam uma retomada do poder público da prestação direta dos serviços de saúde do SUS. As Fundações Estatais possuiriam regime de direito privado assim como as empresas públicas e sociedades de economia mista. (Weichert, 2009; BRASIL, 2007). Entretanto, esta proposta foi rejeitada pelas entidades que se articulam na defesa do projeto histórico do SUS e expressas na 13ª (2007) e 14ª Conferência Nacional de Saúde (2011). Ainda assim, permaneceu latente na conjuntura neoliberal a intenção de repasse da área social ao mercado (DRAGO, 2011). O texto sobre Políticas Públicas de Saúde no Brasil foi retirado do parte do trabalho de conclusão de curso (TCC), do aluno do curso de Administração, Daniel Gonçalves Moura Silveira, intitulado “Debates e inconclusões sobre a EBSERH no ambiente universitário: um estudo de caso.”, defendido no primeiro semestre de 2013. POLÍTICA EXTERNA A política externa de um país precisa ter seus objetivos claramente definidos, detalhados e deve representar os interesses do país como um todo, para que assim os meios de alcance sejam eficientes e realmente conduzam a bons resultados para todo o Estado Nacional, mas para que isso seja possível é preciso também se considerar a política interna, pois um país não pode ter uma política externa fora de sua realidade interna criando objetivos que não possam ser alcançados ou assumindo responsabilidades internacionais que não possam ser cumpridas, o que pode gerar descrédito perante a comunidade internacional. Conforme Almeida (2009), na concepção clássica havia uma relação dual entre a política externa e os instrumentos militares. Na concepção atual essa relação é feita basicamente com o universo econômico, por isso é importante que a referida política seja conduzida de acordo com a realidade da economia do país, para que a condição econômica possa ser traduzida em ganhos efetivos no plano internacional. Ainda, em Almeida (2009), temos que nas relações internacionais torna-se importante analisar muito bem, quem serão considerados os parceiros estratégicos e, sobretudo, saber que eles não são permanentes. Sendo, também, necessário revisar constantemente o planejamento estratégico de acordo com o cenário internacional. Um dos importantes instrumentos da política externa é a diplomacia, daí a necessidade de se ter um corpo diplomático altamente qualificado e aberto as inovações, visto que o fator humano exerce uma grande influência nas negociações, podendo encontrar soluções para antigos problemas. Assuntos antes considerados restritos à agenda doméstica do país, como o regime político e o sistema econômico, atualmente, refletem na imagem do Estado perante a comunidade internacional. Um sistema democrático e um sistema econômico aberto são considerados de forma positiva, isto demonstra que houve uma ampliação do interesse nacional
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